Alta no preço do café desafia rotina de ambulantes: “Todo mundo está sentindo isso no bolso”

Com alta de 37,4% em 2024, o café pressiona ambulantes e trabalhadores que fazem da bebida um sustento.
Por:
Aline Macedo
Edição:
Evelyn Vilhena

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Nos últimos anos, os preços dos alimentos têm subido de forma expressiva, reflexo de uma inflação que ultrapassa o reajuste dos salários. Entre os produtos que mais pesaram no bolso dos brasileiros em 2024 está o café, com um aumento de 37,4%. A alta afeta diretamente quem vive da venda de alimentos nas ruas e também quem consome esse tipo de serviço no dia a dia – especialmente em regiões periféricas.

É o caso de Glória Borges, 45 anos, que vende café, bolos e sucos naturais na saída da estação Santa Cecília, no centro de São Paulo. Moradora dos Campos Elísios, Glória começa sua jornada ainda de madrugada: acorda às 3h para dar conta da produção de dez garrafas de café, dez bolos e cerca de 20 sucos naturais. Às 6h30, já está na calçada onde mantém sua barraca há oito anos.

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Segundo a economista Dina Prates, o aumento do preço do café está ligado principalmente à crise climática e à alta demanda internacional. O Brasil, um dos maiores exportadores do produto, vê os estoques internos pressionados quando o mercado externo paga mais, o que impacta diretamente no preço das prateleiras. “O café é o queridinho do brasileiro. Ele está presente na maioria dos lares e é um dos 13 alimentos considerados prioritários na cesta básica, segundo o DIEESE”, explica Dina.

Mas, além de apontar os fatores do aumento, a economista reforça que os impactos da alta nos preços precisam ser entendidos a partir da realidade de quem depende diretamente da venda ou do consumo desses produtos.

“Quando falamos de inflação em alimentos como o café, não é só sobre valor. É sobre o que isso representa para quem vive da informalidade, para quem compra um café a caminho do trabalho, e para as mulheres que sustentam famílias com essa renda.” Dina Prates, economista.

Para lidar com os custos, Glória optou por um reajuste moderado. O café, que antes custava R$ 2,00, passou para R$ 2,50. Os bolos subiram de R$ 4,50 para R$ 5,00.

“Eu comecei a dar um aumento em cada coisa para não ficar só no café. Estudei bem e vi que não dava para colocar o café a R$ 4,00, senão eu ia afastar o pessoal. Ali na estação só passa trabalhador”, argumenta. Mesmo com o aumento, Glória conseguiu manter sua clientela fiel.

“Tenho clientes que me acompanham há anos. Eles sentiram o aumento, claro, mas entenderam. Todo mundo está sentindo isso no bolso.” Glória Borges, vende café, bolos e sucos naturais na saída da estação Santa Cecília, no centro de São Paulo.

Além da venda na estação, Glória também entrega seus produtos em obras de construção que ficam perto da sua casa pela manhã. “Antes de chegar na barraca, eu já fiz entrega em duas ou três obras. Café, bolo e pão. É o que me ajuda a manter o básico em casa.”

Dina Prates avalia que políticas públicas poderiam contribuir para garantir melhores condições de trabalho e renda a ambulantes como Glória. “Hoje, esse grupo está à margem de qualquer garantia formal, e o impacto da inflação recai com muito mais força sobre eles. Seria importante que houvesse programas voltados para a inclusão produtiva de trabalhadores informais, especialmente mulheres, que são maioria nesse setor.”

Ela também aponta estratégias que podem ajudar a diminuir parte das perdas, como compras em volume, busca por promoções, parceria com pequenos produtores ou até a venda em combos – como café com bolo por um valor fechado. Mas faz um alerta: “São paliativos, não soluções estruturais”, afirma.

“O problema é maior e envolve desigualdade de acesso, ausência de proteção social e a própria lógica do mercado que empurra o ônus para quem tem menos margem de manobra.” Dina Prates, economista.

Quem também enfrenta esse cenário é Francisca Leal, 56 anos, conhecida como Dona Chiquinha, moradora do Jardim Romano, na zona leste de São Paulo. Há mais de três décadas, ela vende café e outros produtos na região do metrô Belém.

“Eu trabalho ali no metrô há 33 anos, a gente começou vendendo outras coisas, [como] guarda-chuva, rádio. Na pandemia, com os bares fechados, eu comecei a levar uma garrafa de café. Todo mundo queria café e eu não tinha com quem comprar mais garrafas. Levava só uma garrafinha de café com leite, saía daqui do Jardim Romano de madrugada, pedindo a Deus para dar certo”, lembra.


A banca da Dona Cidinha é uma das mais populares da estação do Belém, com café e bolo caseiro. Fotos: Aline Macedo

“Tem dia que eu vou de mercado em mercado procurando promoção. Preciso manter meus fregueses.” Dona Chiquinha, moradora do Jardim Romano, zona leste de São Paulo, vende café e outros produtos na região do metrô Belém.

Apesar da alta nos custos, Dona Chiquinha decidiu não aumentar o preço do café. “Todo mundo aumentou, mas eu pensei: vou sobrevivendo, ganhando pouco, mas mantendo meus clientes”, diz.

Ela conta que toda a renda da casa vem dessas vendas e que o trabalho conta com a ajuda do marido, que tem problemas de saúde. “É dali [venda de café] que eu compro os remédios dele, que a gente come, paga as contas, a gente sobrevive.”

A história de Dona Chiquinha e de tantas outras trabalhadoras evidencia a necessidade urgente de políticas públicas voltadas para a proteção de quem atua na informalidade, especialmente em tempos de crise. “Elas não deveriam precisar correr atrás de promoção de madrugada ou segurar os preços para manter clientela. Isso não é sobre força individual, é sobre ausência de suporte coletivo”, aponta Dina.

A economista defende que, além de observar o impacto da inflação sobre quem vende, também é necessário olhar para o consumidor. “Quem compra café na rua também está em situação vulnerável. Para muitos, esse café de R$ 2,00 ou R$ 2,50 era uma pausa acessível no meio do dia, e agora ele pesa. Essa cadeia é de ponta a ponta e revela o quanto estamos desassistidos.”

O café, símbolo nacional e parte do cotidiano de milhões de brasileiros, se tornou um termômetro da desigualdade. Para milhares de ambulantes, é sustento. Para os consumidores, uma necessidade que exige escolhas. E, para o poder público, deveria ser um alerta.

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