
Localizado no extremo sul da cidade de São Paulo, sob a administração da subprefeitura de Parelheiros, o distrito de Marsilac fica a aproximadamente 50 km do marco zero da capital, o que representa em média 2 horas de deslocamento de um ponto a outro. Esse tempo aumenta devido às dificuldades de mobilidade que os moradores da região enfrentam diariamente, principalmente devido à dependência do transporte público.
Luciana Carmo dos Santos, 35, é moradora do bairro Jardim dos Eucaliptos, em Marsilac, há três anos e conta como é o deslocamento na região. “Na estrada do Mambu só passa uma lotação e ela passa só três vezes ao dia”, afirma a moradora, que também conta que a lotação passa em horários específicos: às 6h, 12h e às 18h.
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“Só tem um transporte e ele só passa nesses horários, se você perder você não tem como voltar para casa, as pessoas costumam andar a pé para poder ir até a cidade”, conta Luciana. Ela pontua que para chegar ao centro comercial mais próximo, que fica no bairro Cipó, em Embu-Guaçu, são 2 horas de caminhada.
Segundo Luciana, aos fins de semana a dinâmica não apresenta melhora. “Dia de domingo e feriado não tem transporte público, sábado muda o horário da perua, é uma hora mais tarde”, comenta.
Barreiras no acesso à direitos sociais
As consequências geradas devido à falta e precariedade da mobilidade urbana na região são muitas, mas as que mais afetam as moradoras entrevistadas tem relação com acesso à saúde e ao mercado de trabalho.
Luciana é professora de filosofia, analista de crédito e está desempregada desde que se mudou para Marsilac em 2020. Ela acredita que a falta de transporte seja um dos principais motivos.
“Eu estou procurando trabalho há mais de dois anos e eu não consegui, porque quando as pessoas descobrem onde eu moro, elas não querem me dar trabalho, isso é recorrente com várias pessoas.”
Luciana Carmo dos Santos, professora de filosofia e analista de cré
Luciana mora com a filha de 17 anos, e a mãe, Maria do Carmo, 75, que é aposentada, sendo essa a única fonte de renda da família no momento.
Da Estrada do Mambu à UBS mais próxima da casa da família são 15 km de distância. Luciana conta que “às vezes para o pessoal poder ir ao médico eles caminham cerca de 3h”.
Outro ponto que torna ainda mais difícil a locomoção é a falta de pavimentação nas estradas.
“Tem oito meses que o meu marido faleceu. A minha filha chamou a ambulância, ele estava passando mal, a ambulância não chegou. A ambulância quebrou [na estrada] e nunca chegou aqui. Luciana teve que chamar um carro para levar meu marido, o pai dela, lá no hospital. Ele morreu no caminho, nos braços da filha”.
Maria do Carmo, 75, aposentada e moradora do bairro Jardim dos Eucaliptos, em Marsilac.
Acessibilidade
Maria do Carmo, mãe de Luciana, é cadeirante e ainda vivencia outras consequências da problemática do transporte na região: a falta de acessibilidade.
“A lotação que tem não é preparada para receber cadeirantes. O elevador não funciona, o cinto para prender a cadeira de roda não funciona”, afirma Luciana. Ela aponta diferentes situações, como “a estrada esburacada, não tem luz na rua”, conta sobre a Estrada do Mambu.

A tarifa do transporte é R$ 4,10 e a gratuidade da passagem para idosos com mais de 60 anos, na prática, não funciona na região.
“A maior parte dos idosos paga [a passagem] e dá caixinha para o motorista. Porque eles [os motoristas] reclamam. A gente pede para parar o ônibus [falam] ‘Ah vai atrasar o ônibus’. A minha neta tem que correr para parar o ônibus”
Maria do Carmo dos Santos, 75, aposentada, moradora do bairro Jardim dos Eucaliptos, em Marsilac.
Outra situação que ocorre é “um esquema de táxi, que é assim: um trecho de 8 km eles cobram R$ 40. Não colocam o taxímetro e quando eles vão entrar em área rural de mata eles cobram mais”, afirma Luciana.

Ricardo Barbosa da Silva, geógrafo, professor da Unifesp no campus da zona leste, é coordenador do grupo de pesquisa Rede Mobilidade Periferias e aponta como a mobilidade é parte fundamental para acessar direitos.
“A partir da mobilidade é que se vai garantir o acesso aos demais direitos e oportunidades. Se não tem mobilidade, não vai ter acessibilidade de maneira mais adequada e as pessoas não têm como acessar os demais direitos como trabalho, educação, saúde e serviços públicos essenciais”. Ricardo Barbosa da Silva, geógrafo, professor da Unifesp no campus da zona leste e coordenador do grupo de pesquisa Rede Mobilidade Periferias.
Problemas na linha
No Relatório de Obras e Ações 2022 Parelheiros, criado através do Diálogo Aberto, uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo, consta que houve obras emergenciais na Estrada do Mambu. “Sobre as intervenções na Estrada do Mambu, a Subprefeitura informa que foi feita a reconstrução da via, após um solapamento do solo. Os reparos foram executados para garantir a segurança no local”. Segundo a Subprefeitura de Parelheiros, a obra foi finalizada em julho de 2022.
Entramos em contato com a SPTrans para entender a situação na linha Cipó – Ponte Alta, que segundo os moradores é a única que passa na Estrada do Mambu. A SPTrans informou “que não existe linha com esta denominação no sistema de transporte municipal da cidade de São Paulo”. A companhia aponta que essa é uma linha que não possui regulamentação e fiscalização realizada por eles.
A companhia sinalizou linhas que atenderiam a região. “A região de Marsilac e da Estrada do Mambu é atendida por seis linhas municipais: 6L01/10 Marsilac – Term. Varginha, 6L02/10 Jd. Eucaliptos – Term. Parelheiros, 6L03/10 Cipó do Meio – Term. Parelheiros, 6L04/10 Jd. Oriental/Fontes – Term. Parelheiros, 6L01/23 Emburá – Term. Varginha e 6L04/42 Jd. Oriental – Term. Parelheiros”. Luciana aponta que “na Estrada do Mambu nenhuma dessas linhas circulam”.
Segundo a SPTrans, o fator ambiental na região interfere na situação do transporte local. Apontam que o distrito de Marsilac e a região do Mambu estão inseridos na Área de Proteção Ambiental – APA Capivari-Monos.
“Estudos de ampliação, modificação e/ou implantação de novas linhas na região devem ser submetidos à análise e aprovação de diferentes órgãos. Em 2015, foi realizado estudo para a implantação de um serviço da região do Mambu até as proximidades da Estrada do Marsilac, mas não foi efetivada por não atender às condicionantes de órgãos responsáveis”, afirma a SPTrans.
A linha citada por Luciana e Maria do Carmo, Cipó – Ponte Alta, não consta na SPTrans e não tem a supervisão da subprefeitura de Parelheiros. Assim, também entramos em contato com a Prefeitura de Embu-Guaçu, pois a van citada faz parte das linhas administradas pelo município, cujo o ponto de chegada é a Estrada da Ponte Alta e partida na Rua José do Rio Ruiz Filho, em Embu-Guaçu.

A Secretaria Municipal de Segurança e Transporte (SEMUTRANS), de Embu-Guaçu, confirmou que a linha Cipó – Ponte Alta circula apenas em três horários de segunda à sábado e informou que “devido a baixa demanda de usuários a linha é assistida nos horários mencionados priorizando-se os horários de pico (manhã e tarde)”.
A SEMUTRANS pontua que “os veículos oferecem acessibilidade conforme Lei 13.146/2015, chamada Lei Brasileira de inclusão de pessoas com deficiência. Referente a gratuidade de pessoas com 60 anos”. Também relatam que “os mesmos precisam ter uma identificação que é fornecida através de solicitação a secretaria de Ação Social, pois tem alguns quesitos a serem preenchidos.”
Ainda com relação à acessibilidade, a Secretaria Municipal de Segurança e Transporte respondeu que a fiscalização existe e as mudanças estão em estudo com a sua conclusão prevista para o início do segundo semestre.
“Quando a gente fala de preservação ambiental é a ideia de convivência entre um espaço natural que deve ser preservado, mas respeitando as pessoas, as características do modo de vida das pessoas que vivem naquele local também.”
Ricardo Barbosa da Silva, geógrafo, professor da Unifesp no campus da zona leste, coordenador do grupo de pesquisa Rede Mobilidade Periferias.
Ricardo aponta que é fundamental a participação popular para a melhoria dessas demandas. “Uma participação popular em que as pessoas tenham um espaço para colocar as suas questões”, coloca.
Luciana afirma que a comunidade segue se mobilizando em busca de mudanças para a melhoria da mobilidade na região. “A comunidade já fez diversos abaixo-assinados, já foi na subprefeitura de Parelheiros, já fizeram várias movimentações”, mas ainda sem resultados efetivos.