Inteligência periférica: Durante a quarentena a rua continuou sendo um meio para gerar renda

Na terceira reportagem da série “Inteligência periférica”, vamos contar a história da Edilene Protásio, confeiteira e moradora da zona oeste de São Paulo, que assim como muitos moradores das periferias, não pôde parar de sair nas ruas para trabalhar.

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A confeiteira Edilene Protásio, 24, moradora do Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo, tem o Mimos da Leny como sua principal fonte de renda. Edilene começou no mercado informal ainda menor de idade, trabalhando com vendas de artesanatos, sorvetes, cosméticos e hoje vende bolos de potes. Ela usa sua voz como potência para sua venda.

Edilene se considera negra e acredita que a cor da sua pele não interfere em sua atuação no trabalho informal. “Trabalho informal a mais de 10 anos, eu era menor de idade ainda, comecei e fiquei. Vendia sorvete, já vendi miçanga que eu mesma produzia, com venda de cosméticos, de um tudo um pouco. Hoje eu saio gritando na quebrada, ‘oh bolo de pote, oh bolo de pote 5 reais’. Também vendo pelas redes sociais, mas o foco mesmo é na quebrada, movimentação, olho no olho, cara na cara”.

A confeiteira afirma que entrou no mercado de trabalho informal porque é difícil ser uma mulher preta e mãe com carteira assinada. 

Relata Edilene sobre o trabalho no mercado formal com carteira assinada. Arte: Flávia Lopes

Com a chegada da quarentena, Edilene não pôde parar com as vendas nas ruas, pois precisava garantir a entrada do dinheiro. “Com a quarentena tá bem mais difícil, eu tenho quatro crianças pequenas, as creches estão fechadas, as escolas estão fechadas e eu tenho que me organizar com horário delas e com o da minha mãe, que é ela que me ajuda. Agora tenho que andar com duas na rua correndo risco, mas eu não posso ficar parada porque precisamos comer”.

Para a confeiteira, ir para as ruas trabalhar no período que o governo fala sobre distanciamento social, mas não fornece possibilidades para a população periférica, representa garantir o sustento para si, e seus filhos. “Eu sei que estou correndo risco e me expondo, mas ou é isso, sair e vender o bolos, ou é passar fome, tá muito mais difícil agora”, compartilha .

Edilene frisa que não vê o poder público interessado em ajudar as pessoas a se erguer neste momento, muito menos quem é comerciante. “Os políticos dão 600 reais achando que resolveu todo problema, eu não tô na rua porque eu quero, mas porque eu preciso comer, neste momento tem que ter ação de verdade desses que falam muito”.

Em maio desse ano, o lançamento do Plano São Paulo pelo governo do Estado passou a nortear a reabertura de alguns serviços não essenciais que começaram a retomar as atividades com a capacidade reduzida conforme cada fase do plano. Os avanços na reabertura e recente retrocesso afetou de formas diferentes cada profissional. 

Para a confeiteira, a reabertura de parte dos serviços não essenciais não trouxe grandes mudanças. “Eu tive que me adaptar mais ainda, não consigo mais sair com tanta frequência, porque as crianças estão sem escola, e quando estão comigo não consigo ir para longe, agora meu irmão tá olhando elas, mas mesmo assim. E ainda que tá calor esses dias, eu tava fazendo gelinho gourmet, tô fazendo também pão, bolo de pote. Vou colocar mais mercadoria, mais produto, para aumentar esse retorno financeiro, que mesmo com essa abertura só tem diminuindo a volta do dinheiro”, conta a profissional.

“Para o ambulante essa reabertura não mudou em nada, está normal, não teve pandemia para quem trabalha na rua, quem trabalha na rua foi trabalhar, quem trabalha com comércio foi trabalhar, a reabertura abriu os comércios grandes, o ruim que quem é mãe os filhos estão sem escola e isso é a maior dificuldade” 

O valor do auxílio fornecido pelo governo não foi suficiente para muitos moradores das periferias conseguirem suprir suas demandas. Assim como Edilene, muitos continuaram o corre para garantir seu acesso a direitos e a serviços que não chegaram de forma eficiente através do Estado nos territórios periféricos.

Na próxima reportagem da série “Inteligência periférica”, vamos conhecer a Thamyrys Tamer, artesã e moradora do Jardim Joana D’arc, Tremembé, na região norte de São Paulo, que se readaptou a nova forma de vender seu produtos durante a pandemia e conseguiu fortalecer outras mulheres durante esse processo.

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