Entre chegadas e partidas, foi em São Paulo que Silene fixou morada e hoje se redescobre dentro da costura e faz planos para seu futuro.
Silene Alves Ferreira, 53, nasceu em Ibiapina, no norte do Ceará, é moradora do Rio Pequeno na zona oeste de São Paulo, local onde mora há mais de 30 anos. Ela já atuou dentro de uma ONG que auxilia mulheres com câncer de mama, trabalha como balconista na mesma empresa desde que chegou na cidade e nos últimos meses redescobriu seu talento como costureira.
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Ela conta que cresceu junto com os pais e teve uma juventude de muito trabalho. Ela também conta que sempre teve o sonho de viajar e conhecer outros Estados: “Meu pensamento era viajar, ir para Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, queria estudar, ser alguém na vida. A gente estudava até a terceira série só, daí pra frente não tinha condições de continuar, mas eu sonhava alto.”
“Eu tinha vontade de ser professora, cheguei até dar aulinhas, ensinando o ABC, a cartilha da alfabetização para uns meninos de lá”
Durante a adolescência, Silene estudava a noite e durante o dia trabalhava na roça: “A roça que eu falo significa plantação de milho, feijão, café. A gente trabalhava também no cafezal apanhando café, chegava até a capinar mato, tudo isso para ajudar meu pai, ajudar em casa, e a noite a gente estudava”, relembra Silene.
Ela conta que teve uma juventude boa, e compartilha sobre seus divertimentos nessa época, período também da sua primeira gravidez. “Minha juventude, foi muito boa, a gente era muito preso né, mas saímos muito para os forros, dançava muito, eu amava um forró, ainda amo, namorava muito, e foi aí nessa juventude com essas festas, que eu comecei a namorar. Um namoro forte, me apaixonei pela primeira vez, acabei engravidando sem casar e tive a minha primeira filha”, compartilha.
A primeira gravidez trouxe mudanças para Silene, e também a realização de um sonho através da primeira filha: “Com a gravidez dela [primeira filha], eu tive que romper os meus sonhos, tinha 19 anos, tive que parar com tudo que eu queria, daí pra frente me inspirei em ser mãe, e o engraçado é que foi ela que realizou um sonho meu. O meu sonho era ser professora, e ela chegou a realizar esse sonho meu, hoje ela é uma professora formada pela universidade pública, e eu tenho muito orgulho disso, ela realizou meu sonho”, afirma Silene.
Ela conta que não gosta de ficar parada e procura estar sempre em movimento: “Eu amo ir para rua, para o trabalho, me sinto muito mal em ficar em casa, tenho uma rotina que eu sempre trabalhei desde meus 12 anos, e eu gosto de trabalhar, se eu fico em casa, não consigo ficar parada, eu gosto de passear, ajudar as pessoas.”
Em 2018, Silene passou por um tratamento de câncer de mama e afirma que esse momento a fez mudar muito: “Comecei a olhar muito mais pra mim e a fazer muito mais as coisas por mim, aí conheci a ONG ‘Amor e Mechas’, que faz perucas para mulheres. Aí comecei a ajudar a recolher cabelo, a incentivar as pessoas a doarem, a conversar com outras mulheres que estavam passando pelo o que eu passei”, afirma.
“Gosto de dançar meus forros, me faz muito bem, é onde me sinto mais viva também, onde me lembro da minha juventude, me divirto muito, isso é o pouco do que eu sou, é isso que me faz bem, quem eu sou.”
Costura como herança
A costura tem uma grande relação com uma herança familiar para Silene. Segundo ela, sua família tem o DNA de costura, desde sua avó, tias, mãe, até as suas irmãs: “A maior referência é uma irmã minha, que foi uma costureira de mão cheia, a melhor que eu já pude conhecer, ela que fazia minhas roupas. Eu tinha uma ideia de roupa mais diferente, e ela fazia tudo, e no meu tempo o que a gente aprendia com os pais, era costurar ou bordar, eu sou desse tempo ainda”, compartilha Silene, que pegou pela primeira vez em uma máquina de costura quando tinha 13 anos, e em 2020, durante a pandemia da covid-19, voltou a ter contato com a costura.
“Quando a gente ficou em casa, eu estava desesperada, não conseguia ficar parada, não podia sair, eu já estava ficando aperriada de só cozinhar e arrumar a casa, aí minha filha comprou umas máscaras de tecido, eu olhei para elas e fiquei: ‘eu vou fazer essas máscaras para nós e para ajudar quem não pode comprar’. No outro dia, fui em uma loja e comprei TNT, e comecei a costurar na mão, depois pedi a máquina de costura de uma amiga emprestada”, conta Silene que não sabia mais nem colocar a linha na agulha e contou com a ajuda da sobrinha.
“Daí para frente fui tomando gosto por fazer máscara, doei muita máscara, e hoje eu tenho minha própria máquina que eu ganhei, e eu amo costurar. É como disse pra minha filha uma vez, se eu tivesse tido condições de estudar e desenvolver isso, eu seria uma bela de uma estilista.”
Hoje Silene consegue ter uma renda a partir das máscaras que costura e também tem uma rede de apoio que a ajuda. “Hoje faço máscara para vender e consigo tirar um dinheirinho fazendo máscara, ainda dou na igreja, e tem muita gente que me ajuda, ganhei uma amigona por causa da minha filha, que me ajuda comprando tecidos mais barato no centro, isso me ajuda muito e eu consigo fazer mais e mais pra ajudar outras pessoas também, porque é um momento que temos que nos ajudar, não tem jeito”, afirma Ferreira.
Para ela, voltar a costurar depois de quase 40 anos a fez lembrar muito de sua irmã, que já faleceu: “Quando eu estava tentando colocar a linha na agulha que eu não conseguia, e fiquei apavorada, lembrei muito de quando eu tentava pegar na máquina da minha irmã, ela não deixava a gente nem se aproximar, mas quando ela saía, eu ia direto na máquina dela para costurar”. Ela completa a memória: “Inclusive quando eu peguei essa máquina agora, depois de quase 40 anos, ela veio muito forte na minha memória, e aquele pensamento tão positivo que eu tinha dela, reclamando da gente pegar na máquina, e eu pensando nela, e falando que ia conseguir por a linha na agulha, e em pensamento pedindo ajuda dela, falando ‘me ajuda minha irmã, que eu preciso aprender a colocar essa linha na agulha para doar máscara’, aí logo depois eu consegui, consegui e chega eu senti ela comigo, e dali pra frente e não parei mais”, conta Silene.
O caminho até São Paulo
Silene conta que o seu sonho era viajar e que até o momento de chegar para morar em São Paulo, viveu um tempo em outros dois estados. “Eu morei um tempo na casa de uma parenta em Brasília, e depois eu fui para o Rio [de Janeiro] com a minha filha mais velha atrás do pai dela que tinha ido para lá atrás de trabalho, e eu era muito nova”. Silene conta que foi para o Rio de Janeiro com sua sogra, para se encontrar com o pai de sua filha e que chegou a morar com ele por um tempo.
“Eu tinha uma irmã em São Paulo, que ela tinha vindo bem antes de eu sair de lá, mas ela nunca mais deu notícia, ela tinha praticamente sumido, a gente falava com marido dela, mas não falava com ela, aí um dia muito desgostosa dessa relação com os pais dos meus filhos, vi que ele não queria nada com nada, descobri que estava grávida do segundo filho, e eu pensei ‘se eu ficar aqui vai ser só sofrimento'”, conta Silene que resolveu ir atrás de sua irmã, com sua filha mais nova e grávida do segundo filho.
Ela conta como chegou em São Paulo: “Vim para São Paulo, eu não conhecia nada, só tinha o endereço do serviço do meu cunhado, aí chegando aqui, comecei a trabalhar nessa empresa que eu trabalho hoje, com 5 meses de grávida, escondi a gravidez para não ser mandada embora e trabalhei grávida até o dia que ele nasceu, e trabalho nessa empresa até hoje”, relata Silene.
Hoje com três filhos, Silne conta como foi a gravidez de cada um deles e o que encontrou nesse caminho: “Na minha primeira gravidez, a gravidez da Marina, eu tinha 19 anos, eu não tinha noção nenhuma do que tava passando, o que que era aquilo, eu tinha muitos sonhos, mas eu também queria ser mãe, ser dona de casa, ter um marido do meu lado para constituir família”, compartilha.
“Eu fiquei feliz com a minha gravidez, mas não casei, eu passei por cima das honras da minha mãe, do meu pai, fui morar na casa da minha sogra, que foi uma pessoa maravilhosa, foi um anjo na minha vida, que me acolheu com braços abertos, foi quem me ajudou muito, e isso foi minha gravidez dos 19 anos.”
Na sua segunda gravidez a costureira passou por mais mudanças. “A segunda gravidez, do meu filho do meio, o Rafael, meu único menino, foi mais turbulenta. Eu estava no Rio, vim parar em São Paulo, eu tinha que correr para trabalhar, eu já tinha uma menina, tive que esconder essa gravidez até o dia que nasceu, por causa se eu não tivesse escondido não teria arranjado trabalho, trabalhei até o dia que ele nasceu, ele nasceu em casa, não deu nem tempo de chegar no hospital, minha irmã que cortou o cordão umbilical, foi algo mais conturbado mesmo”, relata Silene.
Já na última gravidez, da terceira filha, Ferreira conta que foi um processo diferente dos outros dois: “A da minha filha caçula, a Vitória, eu já era mais velha, o pai dela também, e a gente se juntou de novo, com a ideia dessa vez construir a família que queríamos e falamos lá atrás, a ideia era se juntar e criar esses três filhos, e eu me sentia muito orgulhosa de estar grávida e estar com o marido do lado, então isso era minha felicidade, mas tudo acabou indo por água abaixo, não conseguimos ficar juntos, e ele foi embora, me deixando com esses três filhos para criar, sozinha, e hoje estão aí enormes, crescidos e são meu maior orgulho”, afirma.
Ela conta que se sente feliz sendo mãe e que se pudesse voltar, teria tido mais filhos. “Eu me inspirei em ser mãe, e fui e sou, não sei se boa, porque é como diz, a gente quer ser uma mãe tão boa, quer proteger os filhos de tudo, acaba sendo uma mãe ruim, porque ensina eles coisa que às vezes eles tem que aprender só, de tentar ser tão boa, e sempre proteger acaba sendo ruim para eles mesmos”, ela finaliza: “eu me sinto uma mãe muito feliz, tenho três filhos maravilhosos que eu amo muito, se voltasse atrás não seria mãe só de três mas de seis, que eu me sinto muito feliz em ser mãe”.
Silene também conta de onde partiu sua inspiração para ser mãe, sobre como a sua criação e a sua mãe foram suas referências. “Eu me vi na minha mãe, a minha mãe é uma mãe até hoje com os 86 anos dela, era uma mãe que só ela, naquele tempo as coisas era tudo difícil, mas mesmo assim ela era uma mãe acolhedora, ela queria que os filhos tivesse tudo ali ligado a ela”, conta.
Ela também conta que se espelhou em seu pai e em outras mulheres: “o meu pai era um marido muito bom, e um pai maravilhoso, ele também foi quem me inspirou muito, quem eu carrego dentro de mim pra sempre, e outras mulheres que passaram na minha vida desde que eu cheguei aqui, me inspiraram muito, as madrinhas dos meus filhos, às minhas irmãs, todas mulheres que passaram por muito, foram muito fortes e me deixaram muito forte também”, compartilha.
Para Silene, a pandemia afetou a convivência com seus filhos de uma forma boa e o isolamento mudou essas relações: “A gente teve uma convivência bem mais forte do que quando antes da pandemia, porque antes era do serviço pra casa e de casa pro serviço. Saía de férias, quando eu saia de férias elas estavam trabalhando, então a gente nunca tinha tido essa convivência tão longa como foi agora”.
Futuro
Silene afirma que o que ela mais fez e faz por ela mesma é passear e viajar: “Eu sai de férias e viajei, sozinha. Viajei. Isso eu fiz por mim, eu falei: ‘não vou levar filho, vou fazer por mim, maravilhoso’. Outras férias que tirei também, viajei de novo, passei uma semana numa praia aí deserta, também muito boa, só eu”.
Segundo ela, foi um tempo que tirou para si. “Eu falei: ‘é eu que vou fazer isso, é pra mim, vou viajar’. Andei no mar, andei de navio, andei de barco, me senti uma pessoa maravilhosa, que eu tava fazendo pra mim, pra minha felicidade, se eu pudesse viajava muito, hoje é uma coisa que eu priorizo muito é sair, conhecer os lugares, eu amo viajar, espero que em breve eu possa viajar mais, conhecer o Brasil, que aqui tem muito lugar bonito, pretendo conhecer todos”, conta Silene.
Ela finaliza contando sobre seus sonhos e o que almeja para o futuro. “Então, hoje eu tô com 53 anos, daqui mais 3 anos eu me aposento, o que eu vejo no futuro? É ter uma aposentadoria com saúde pra que eu possa curtir essa aposentadoria, não quero mais trabalhar com fé em deus, quero curtir minha aposentadoria, viajando, cuidando dos meus netos quando precisar, ficar mais em casa cuidando da minha casa, sem ter essa preocupação de sair todo dia de manhãzinha pra trabalhar, apesar que eu gosto muito, mas é isso que eu me vejo no futuro”.
“Ter minha aposentadoria e curtir minha aposentadoria do jeito que todo mundo deveria curtir a aposentadoria, que a gente trabalha tanto, se gasta tanto, então quando a gente percebe esse dinheirinho, mesmo que seja pouco, tendo a ajuda dos filhos dá pra gente curtir uma coisa melhor. Então eu me vejo no futuro assim, e será assim, eu espero”, finaliza.
Esse perfil faz parte do conteúdo da semana do dia das mães, onde compartilhamos um pouco das histórias das mães dos integrantes da equipe do Desenrola e Não Me Enrola. Além de tantas outras coisas, Silene Ferreira é mãe da Vitória Guilhermina, repórter da equipe do Desenrola.