#Coronavírusnasperiferias: home office para quem?

Edição:
Ronaldo Matos

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Com o avanço do vírus COVID-19, muitas empresas têm adotado o método de trabalho home office, onde os funcionários podem continuar desenvolvendo suas tarefas em casa, com o intuito de evitar aglomerações e a disseminação do contágio. Mas esse cenário se aplica também a rotina profissional dos trabalhadores que moram nas periferias? O Desenrola conversou com algumas pessoas que nos revelaram suas experiências no ambiente corporativo. 



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Foto: DiCampana Foto Coletivo

Dados das secretarias estaduais de saúde já contabilizam 529 infectados pelo Coronavírus, sendo 240 em São Paulo, estado com maior número de casos, com 4 mortes confirmadas. Diante do aumento diário de infectados, e com a pouca estrutura existente para auxiliar a população nos equipamentos públicos de saúde do SUS, o governo tem sido forçado a criar medidas e soluções para conter o avanço do vírus.

Após a declaração de pandemia do COVID-19, doença causada pelo novo coronavírus anunciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e com as orientações dos Órgãos Públicos de Saúde sobre procedimento de prevenção contra o vírus, diversas empresas e contratantes de serviços vem tomando medidas para evitar a aglomeração de pessoas e a disseminação do vírus. Uma das medidas foi adotar o formato de trabalho home office, no qual, os funcionários podem continuar desenvolvendo suas tarefas em casa, com o intuito de evitar aglomerações e a disseminação do contágio.

Porém, o Desenrola descobriu que essas medidas parecem se restringir a determinados grupos de trabalhadores. O cenário muda quando falamos de perfis específicos: vendedores ambulantes, empregadas domésticas, autônomos, terceirizados, entre outros grupos, formados majoritariamente por trabalhadores de regiões periféricas, que possuem um histórico de escassez de direitos trabalhistas no país.

Conversamos com uma funcionária terceirizada de uma clínica odontológica, que prefere não ser identificada, que conta como tem sido trabalhar nesse período após a chegada da pandemia do Coronavírus em São Paulo.

“Minha função é limpar todas as salas de atendimento, repor papel toalha, papel higiênico, sabonete e álcool. Recolher lixo comum, lixo infectante, lavo todos os banheiros, faço e sirvo café, embalo maçãs, coloco águas nas salas, e assim vai”, descreve a trabalhadora de 36 anos, que utiliza o transporte público para se deslocar de sua casa que fica no Parque Rebouças, no distrito do Campo Limpo, zona sul de São Paulo, até a clínica que fica na Avenida Berrini, bairro do Brooklin, localizado entre o Itaim Bibi e a Vila Olímpia, região que possui um grande centro comercial na zona sul de São Paulo.

A profissional não foi dispensada das suas atividades, e conta sobre as orientações que recebeu com relação aos cuidados que deveria tomar neste momento: “quando a gente bate o dedo no relógio de ponto, sai essas mensagens de lavar as mãos com sabão em pedra, depois passar álcool em gel.”

Ela relata que ainda não foi dada uma explicação oficial para o fato de alguns funcionários terem sido dispensados, e outros, como é o seu caso, ainda estarem se deslocando até a clínica. Conta também que se preocupa com sua família nesse momento:

“Moro com minha mãe, e meu pai. Os dois são diabéticos. Meu filho tem doença respiratória, bronquite asmática. Meu pai tem 72 anos, e minha mãe 62 anos.” Seus pais e filho fazem parte do grupo de risco da doença, que inclui pessoas com doenças crônicas, com problemas cardíacos ou respiratórios, e principalmente idosos.

Na maior parte do dia a funcionária encontra-se exposta e suscetível a contrair o vírus e infectar o restante da família, seja no caminho de ida e volta do trabalho no transporte público, ou no próprio horário de trabalho.

Assim como vários trabalhadores que estão passando por situações semelhantes, ela está exposta a um fômite, ou seja, sujeita a situações de contato com objetos e substâncias que podem absorver e transportar organismos infecciosos, que servem como propagadores de doenças.

“Meus filhos estão ficando com meus pais. Sem aula não tenho o que fazer, só tenho meus pais para me ajudar. Entrego tudo na mão de Deus. Está tudo bem aqui em casa, graças a Deus. Não tem ninguém resfriado”, conta ela.

Acompanhe aqui o número de casos em tempo real no Brasil e no Mundo.

A entrevistada conta que precisou mudar sua rotina exatamente por ter contato direto com familiares que se enquadram no grupo de risco. “Chego em casa e vou direto para o banheiro tomar banho. Não deixo meus filhos me beijar, nem abraçar antes de tomar banho.”

O vírus passou a ser transmitido de forma local, isto é, por pessoas que se infectaram com o COVID-19 através do contato com outro indivíduo infectado que esteve em outro país com a doença; e também passou a ser transmitido de forma comunitária, onde a transmissão se dá entre indivíduos que não estiveram em países com o vírus.

Situações como essa influenciam diretamente grande parte da população pobre e periférica, que em muitos casos não tem como opção aderir ao isolamento social. Seja por trabalharem de forma autônoma nas ruas, nos ônibus, nos trens, e essa ser a única maneira de garantir o mínimo de recursos para si e para o núcleo familiar. Por não terem recebido dispensa do trabalho, e não existir a possibilidade de deixar de ir e ficar sem o pagamento no final do mês.

Com direitos trabalhistas sendo quase inexistente até mesmo em épocas de estabilidade econômica do país, em tempos de pandemia de uma doença global, a situação é ainda mais preocupante para aqueles que vivem nas periferias da cidade.

As empresas podem definir o rumo da vida dos empregados?

Além da falta de segurança que os trabalhadores já vivenciam antes mesmo da pandemia do Coronavírus chegar ao Brasil, fator que só aumentou nos últimos dias, o governo anunciou na última quarta-feira (18), o Plano Antidesemprego. Medidas que teriam o objetivo de conter o desemprego, por conta dos reflexos da doença na economia do país.

O pacote será encaminhado ao Congresso por meio de uma medida provisória, e abre espaço para a redução dos salários e das jornadas de trabalho em até 50%, segundo Ministério da Economia.

Medidas como essa têm impacto direto na vida dos moradores das bordas da cidade. Os salários diminuem, mas não acontece o mesmo processo com a diminuição dos valores cobrados pelas concessionárias de água e luz. Esse é apenas um cenário micro dentro de todas as sequências que medidas como o Plano Antidesemprego podem causar no dia dia da população.

Segundo a advogada Elisabete Bernardino, não deve existir diferenciação da empresa nas medidas de liberação dos funcionários por conta de cargo ou função. “A empresa tem a obrigação de zelar pela saúde e segurança do empregado. Independentemente da função ou cargo ocupado. O maior problema hoje que teremos, é a paralisação “parcial” da Justiça do Trabalho, pois o trabalhador lesionado em seus direitos poderá acionar a justiça, mas terá que aguardar o respaldo do judiciário por tempo indeterminado.”

Bernardino ainda ressalta outro ponto importante: “outra questão são as pessoas que se ativam na informalidade. Estes trabalhadores informais dependem das políticas públicas que forem implementadas”, conclui a advogada.

O Procurador do Trabalho, integrante do Ministério Público do Trabalho (MPT), Renan Kalil, explica que de acordo com a Lei n. 13.979/2020, as empresas devem liberar os seus empregados em casos de: isolamento, quarentena e realização obrigatória de exames médicos, testes laboratoriais, vacinação, coleta de amostras clínicas e tratamentos médicos específicos, todos relacionados com a suspeita de covid-19. Esses são casos de falta justificada, segundo o parágrafo 3o. do art. 3o. da lei, e o trabalhador deve receber remuneração pelos dias que não for trabalhar.

Kalil conta também como deveria funcionar o teletrabalho para aqueles que não podem desenvolver suas tarefas de casa. “Nos casos que não dá para realizar teletrabalho e o trabalhador não está nos casos da Lei n. 13979, ou ele continua a ir ao trabalho ou o trabalhador o dispensa de ir trabalhar. No caso de dispensa de ir trabalhar, o empregado deve continuar recebendo o seu salário. E No caso de continuar trabalhando na empresa, apesar de não existir obrigação, é recomendável que a empresa flexibilize os horários de entrada e saída para o trabalhador poder adaptar a sua rotina à essa nova realidade. Como poder usar o transporte público nos períodos de menor movimento, para evitar aglomerações, e para poder cuidar de suas responsabilidades domésticas, por exemplo, filhos e pessoas idosas.”

Mesmo com diretrizes que garantem direitos básicos ao trabalho formal, ainda fica a questão sobre aqueles trabalhadores que não possuem nenhuma seguridade. É em momentos como esse, que a precarização do trabalho fica ainda mais visível, nem sempre a todos.

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