A pesquisadora e antropóloga Alessandra Tavares aponta que é preciso construir uma sociedade que não ignore as meninas negras e a humanidade das mulheres.
O mês de março é marcado por homenagens e reverências às mulheres, que no Brasil, representam 51,1% da população, conforme dados da PNAD Contínua de 2021. Mas como as políticas públicas e a sociedade se relacionam com essas mulheres enquanto sujeitas de direitos?
A antropóloga Alessandra Tavares, afirma que a luta do movimento feminista e negro, foram fundamentais para a existência de uma lógica mínima de humanidade, mas ainda é um processo inacabado. “Nós não construímos nossa humanidade plenamente ainda como mulheres, isso fica evidente”.
“Não temos acesso livre ao nosso corpo, porque nós não temos o direito de decidir ter filhos, entre continuar uma gravidez ou abortar. Mas principalmente, nós também não temos direito de vivenciar a nossa maternidade, porque sendo mulheres negras, os nossos filhos são assassinados. Se você pensar por essa lógica, a lógica de ‘a favor da vida’, não nos contempla”
Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.
Alessandra, que também é atuante no movimento de mulheres negras e periféricas na zona sul de São Paulo, reforça a necessidade de um olhar generoso para as demandas das mulheres, e como o símbolo de mulher forte passa a ser um atravessamento cotidiano.
“Para mulheres negras e periféricas, se humanizar, ser generosa contigo, com seus próprios processos, é realmente muito desafiador. É como se a gente enfrentasse uma situação de violência hoje e a gente tivesse sempre que estar respondendo”, afirma.
“Muitas vezes já [ouvi] assim, ‘mas eu não consegui fazer nada’, e olhado como um absurdo não conseguir fazer nada. Mas você acabou de viver uma violência, você está em choque, você está em negação. Então está tudo bem não conseguir fazer nada. Nem sempre a gente consegue”
Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.
Além desse olhar atento para si, Alessandra aponta a urgência da sociedade cumprir a função de proteger essas mulheres. “Aquele velho teste social com a criança: uma criança negra sozinha na rua é ignorada. Então como a gente constrói uma sociedade que não ignore essa menina negra, assim como não ignore nós, mulheres negras?”, questiona a pesquisadora.
Equidade de gênero
Dados como esses reforçam a relevância do debate sobre igualdade e equidade de gênero, mas também contribuem na compreensão de como essas relações de poder e servidão estão presentes – de forma direta e indireta – no dia a dia das mulheres, principalmente negras.
“Durante muito tempo a gente olhava e falava: ‘essa mulher, dona de casa, essa mulher que está ali submetida a um patriarcado servindo ao outro’. Só que existem outras lógicas de servir ao outro”
Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.
Além da disparidade salarial dentro do mercado de trabalho e ambiente formal, a pesquisadora pontua que é preciso ter um olhar atento para essas questões também dentro dos movimentos de luta.
“É muito comum no ativismo como o misto, você vê que as mulheres que estão arrumando as cadeiras, as mulheres que estão preparando a comida, as mulheres que estão servindo a comida, mas não são elas que estão ocupando o microfone. E é importante desnaturalizar isso”, afirma.
A desnaturalização desses lugares invisíveis de poder foi e é parte da luta de muitas mulheres. Alessandra reforça que essa busca deve ser coletiva. “Colocar mais uma responsabilidade nas mulheres de transformar esses ambientes é uma sobrecarga, porque elas já estão resistindo a esse ambiente. Então é preciso que outras pessoas, principalmente homens, se atentem a isso”, finaliza a pesquisadora.