Reportagem

Artistas transformam vivência com rap e literatura para ocupar escolas públicas

Edição:
Ronaldo Matos

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Em parceria com professores e gestores pedagógicos, poetas e coletivos culturais da periferia ocupam escolas com ensinamentos e vivências que vão além dos livros didáticos.

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O Coletivo esteve na FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty) fazendo intervenções em grupo. Foto: Dayse Serena.

Entendendo a necessidade da cultura marginal e periférica dentro das escolas, professores da rede pública de ensino levam artistas do fundão da zona sul de São Paulo para apresentações individuais e em coletivo, com intervenções de saraus, batalhas de rima e oficinas criativas que incentivam os alunos a produzir seus próprios textos literários.

O Coletivo IncentivArt é uma das iniciativas que fazem parte deste cenário. Ele existe há pouco mais de seis meses, mas os integrantes já atuam com atividades culturais há pelo menos dois anos. O grupo é composto majoritariamente por jovens negros e periféricos do municipio de Itapecerica da Serra e do distrito do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo.

Kelly Pereira, conhecida como King Abraba, 21, é moradora do Jardim Paraíso, em Itapecerica da Serra, é membro do coletivo IncentivArt, poeta, produtora cultural, fundadora do Sarau Baobá, e tri vice-campeã do Slam BR, maior competição de slam nacional. 

Com o Coletivo IncentivArt, as apresentações de poesia em grupo se tornaram um dos diferenciais do coletivo nas escolas, além de possibilitar a descoberta de novos artistas através de assuntos abordados que vão além do papel e caneta.

“É importante dar uma direção para que os alunos que já escrevem ou têm planos de escrever, consigam se identificar com a nossa escrita, maneira de falar, além de ter diretamente as vivências delas e entender que podem falar e escrever sobre aquilo.”

explica a poeta.

 Para os professores, a conexão entre alunos e artistas é uma experiência diferente, como aponta Janaina de Oliveira Silva, 36, moradora do Capão Redondo, que leciona Geografia na que EMEF Prof. José Francisco Cavalcante (TAJAL).

Ela organizou o primeiro Sarau Literário da escola e conheceu os movimentos de literatura periférica a partir do contato com Sarau da Cooperifa, como o poeta tendo Sérgio Vaz e Dona Edite, referências do movimento literário da zona sul.

Apresentação em grupo dos alunos do ensino fundamental da escola Tajal. Foto: Patricia Santos.

“Foi uma experiência incrível, uma vez que, enquanto escola, estamos no território periférico do Jardim São Bento, lugar de lutas constantes e históricas por moradia. Assim sendo, nada mais significativo que levar aos nossos estudantes a nossa cultura, nossas produções e nossos escritos”

comenta a professora.

Há mais de 10 anos de atuação nas escolas e há 19 fazendo parte da Cooperifa, Cocão Avoz é outro personagem importante da cultura periférica que leva a cultura Hip Hop, sobretudo, o contato com ritmo e poesia, para os alunos como fortalecimento de identidade, de pessoa, da cidadania e da conexão com a quebrada.

“A poesia serve como defesa e o impacto, é sobre a pessoa lutar e buscar se entender como pessoa, saber que faz parte de uma sociedade e de um contexto como sociedade, é um resgate de pessoas.”, diz Cocão.

Cocão Avoz durante a apresentação no primeiro Sarau Literário da escola Tajal. Foto: Patricia Santos.

Aprendizagem através de vivências 

Durante as visitas nas escolas, o coletivo IncentivArt oferece oficinas criativas para os alunos, que visam desenvolver a criatividades, o pensamento crítico, incentivando a escrita com base em uma frase de impacto, ou linha de pensamento pré definida pelo coletivo ou pelos alunos, podendo assim mostrar seus textos e performances para apresentar aos demais em formato de sarau, que é uma das atividades do coletivo nas escolas, se tornando parte das intervenções e aprendendo que temas como racismo estrutural, abandono paterno e assédio podem ser abordados.

“Não tem preço sair da escola e voltar para ensinar alguma coisa. E ter uma idade próxima da deles permite a gente entender as rotinas, frustrações e o mais legal é ser o hoje de outros poetas que estão por vir e poder falar de assuntos como racismo estrutural, abandono paterno, violências e assédio.”, completa King.

Além das apresentações, os alunos ainda têm a oportunidade de conhecer os trabalhos já produzidos pelos artistas, como livros e livretos, podendo ainda entender que os escritores podem ser periféricos e tratar de assuntos do cotidiano.

Pedro Henrique de Carvalho Fernandes, 16, morador do Parque Independência, zona sul de São Paulo, foi aluno no Tajal durante oito anos e voltou no dia do Sarau para apresentar as suas poesias, pois entendeu que ali era um em um lugar que fez parte de sua vida em todo seu período escolar e por se identificação com o bairro. 

“Eu escrevo desde a 6ª série por causa do bullying que eu sofria, reclusão, sobre se sentir incapaz, indefeso e frágil. No começo escrevia sobre o que sente e acontece, depois é sobre o que vê e passa a ter uma visão mais artística da poesia.”

diz Pedro sobre como se deu o seu processo de evolução do olhar para a poesia.

“Eu fui um aluno bagunceiro, mas sempre muito respeitoso, com professores principalmente. Hoje, dentro das escolas eu me sinto útil, pois vejo como uma troca. Somos chamados como artistas para mostrar um pouco do trabalho e podendo agregar com o professor nas escolas.”, comenta Cocão.

Esses encontros de artistas e alunos também é marcado pelo fato dos poetas terem escrito livros, livretos e até antologias, o que dá aos alunos o exemplo de que não precisam ser famosos e ricos para um dia escreverem um livro.

“A rede municipal dispõe de um acervo riquíssimo de literatura periférica e assim sendo nada mais justo do que eventos como Saraus para disseminar literatura e os artistas da nossa quebrada”, finaliza Janaina.

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