A fruta nativa de Mata Atlântica que já foi ameaçada de extinção é comercializada por produtores locais diretamente com escolas da região do Grajaú e Parelheiros
Em tempos de insegurança alimentar e carestia de frutas e legumes nas feiras livres e supermercados das periferias, o cambuci é servido como suco e alimento para estudantes de escolas públicas na Ilha do Bororé, bairro localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo.
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O acesso à fruta nativa de Mata Atlântica que já foi ameaçada de extinção só é possível graças ao trabalho de produtores locais que conseguem comercializar o alimento diretamente com a unidade escolar.
“A escola é considerada o maior restaurante do mundo. As crianças vão almoçar, então essa articulação é feita para compra direta do município que coloca isso na escola. Você impacta toda uma rede de produtores a vender o ano inteiro”
explica Jai Lara, gestor e coordenador de projetos da Casa Ecoativa e morador da Ilha do Bororé.
Gerida por moradores há mais de 20 anos, a Casa Ecoativa está localizada na Ilha do Bororé, no distrito do Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo. O espaço comunitário atua como um centro ecológico e cultural que promove atividades educativas, culturais e socioambientais, para difundir hábitos sustentáveis através da permacultura.
O cambuci é uma árvore frutífera de origem da Mata Atlântica, mais precisamente da Serra do Mar, muito cultivada por grupos de agricultura familiar atuantes no extremo sul de São Paulo, como nos distritos de Parelheiros e Grajaú, que se tornou fonte de renda e alimento para os moradores da região.
Segundo levantamento realizado em 2019 pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), há 171 agricultores no distrito de Parelheiros, 169 no Grajaú e 88 em Marsilac, distritos da zona sul de São Paulo, onde a agricultura familiar move produtores a cultivar o cambuci.
Um destes produtores é Júnior Magini, 40, morador do Campo Limpo e proprietário do Recanto Magini Frutas Nativas da Mata Atlântica, sítio de agricultura familiar e proteção à biodiversidade da mata, localizado dentro do polo ecoturismo de Parelheiros.
Para Júnior, viver do que a terra produz foi a realização do sonho do falecido pai, Joacir Magini Sobrinho, um homem apaixonado pelo cambuci, mas com uma única árvore plantada no sítio.
“É um sítio que pertence à minha família desde a década de 70. Era um sonho do meu pai fazer esse santuário, mas ele nunca conseguiu realizar esse sonho. Em 2006 ele faleceu e a minha mãe realizou esse sonho”
comenta Junior.
Após fazer um curso oferecido na região, Maria Elizabeth de Sá, a mãe de Júnior, recebeu mil mudas de cambuci e plantou no sítio, em meados de 2010. Logo no ano seguinte conheceram o Festival Rota do Cambuci que mudaria o rumo de suas vidas.
“Em 2011 tivemos o segundo festival cultural Gastronômico de Cambuci em Parelheiros que é um um coletivo familiar em todo o cinturão verde de São Paulo denominado rota do Cambuci que é gerenciado pelo Instituto AUÁ”, diz.
Como trabalhava dirigindo ônibus no Campo Limpo, Junior pedia folgas aos finais de semana para conhecer de perto as possibilidades que a fruta oferecia.
“Estávamos com poucas mudas, uma geleia em cada vidro e um licor em garrafa, porque a gente só fazia para os amigos e ainda não vivíamos disso. Eu era motorista de ônibus na época na região do Campo Limpo e de lá eu falei para minha mãe participar”,
diz o produtor.
A partir daí, mãe e filho viram a oportunidade de viver dos produtos que o cambuci poderia oferecer e criar uma fonte de renda pra família e de quebra realizar o sonho do pai.
“Nas feiras tinham pessoas com produtos maravilhosos que podíamos ver que dava para ser vendido nos mercados. Teve um que até me marcou, que era uma bebida feita de Cambuci tipo uma “Ice” e aquilo me surpreendeu”, relembra o produtor.
Ancestralidade
O cambuci já esteve ameaçado de extinção por conta de queimadas e do desmatamento de diversos territórios ricos em Mata Atlântica. Segundo o gestor da Casa Ecoativa, para assegurar que as próximas gerações continuem protegendo e produzindo essa fruta, é preciso valorizar e preservar a oralidade.
“O Bioma da Mata Atlântica está em ataque, em sinal de alerta. Precisamos fazer muito mais do que estamos fazendo hoje, principalmente no âmbito da política pública. Para assegurar o bioma da Mata Atlântica, precisamos da oralidade que vai passando de um para outro, que também está sob risco”
aponta Lara.
Para ele, a cultura da oralidade nas escolas e na comunidade ajuda a manter vivos os antigos costumes que visam garantir a existência das culinárias, da agricultura e a produção básica, evitando o apagamento histórico local.
É com base nessa linha de pensamento e atuação, que os projetos desenvolvidos dentro da Casa Ecoativa promovem atividades dentro de espaços públicos de proteção social e educação, como creches, fundamental I e II, ensino médio, escolas da região, Centro de Juventude e Centro de Crianças e Adolescentes.
“Quando a gente deixa de oferecer isso nas escolas e ambientes comuns essa cultura pode sofrer um apagamento histórico onde a agricultura é silenciada e o agricultor não tem voz e não tem valor na cadeia produtiva da cidade”, acredita Lara.
Colheita e comercialização
A fruta do cambuci tem sua colheita entre janeiro e fevereiro. Cada árvore pode alcançar até 5 metros de altura e seu tronco tem diâmetro de 20 a 30 centímetros. Segundo Júnior, em época de colheita da fruta em seu sítio é possível produzir cerca de 500 kg da fruta.
O quilo pode ser vendido por aproximadamente R$ 15 em alguns lugares da cidade.
Em 2019, ano considerado bom por ele, o produtor chegou a colher 800 kg. A comercialização das frutas é feita em parceria com coletivos de produtores de diferentes regiões da cidade
“A comercialização das frutas do cambuci são feitas em feiras culturais de bairro, no Sesc Interlagos, na Cidade Dutra, em feiras da Rota do Cambuci, e nas feiras de economia solidária do Butantã, promovida pelas mulheres do Butantã, que é uma feira agroecológica”, finaliza.