“Pra cá não tem nem calçada mano”: jovem compartilha os traumas da acessibilidade na quebrada

 O jovem Marcos Vinícius trabalha próximo ao Metrô São Bento, no centro de São Paulo, como atendente de telemarketing. Todos os dias ele faz um trajeto de transporte público que percorre em média 60 quilômetros para ir e voltar do trabalho.

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 O jovem Marcos Vinicius, 23, morador da Cidade Ipava, zona sul de São Paulo é um amante do Skate, esporte que transforma a experiência dele com acessibilidade de uma forma divertida de transitar pelas ruas e calçadas da quebrada e de outras regiões da cidade.

Desde que nasceu, ele é portador de Artrogripose, termo utilizado para se referir a má formação de articulações e membros inferiores e superiores de crianças recém-nascidas, que terão ao longo da vida uma dificuldade para se locomover.

Por conta dessa deficiência, o jovem skatista chegou a fazer tratamento na AACD e de vez em quando vai até lá para fazer exames ou passar na oficina ortopédica para realizar o conserto de seus equipamentos que ajudam na sua locomoção pela cidade.

O jovem trabalha próximo ao Metrô São Bento, centro de São Paulo, como atendente de telemarketing. Todos os dias ele faz um trajeto de transporte público que percorre em média 60 quilômetros para ir e voltar da sua casa até o local de trabalho, ficando cerca de três a quatro horas dentro do ônibus. (confirmar)

Neste cenário, Marcos relata que sua maior dificuldade se dá pelo fato de depender muito da acessibilidade para chegar até o trabalho. Sempre que está se preparando para entrar dentro do ônibus, ele percebe como os aparelhos de acessibilidade instalados nos coletivos e micro-ônibus não funcionam e acabam o deixando na mão.

“Tem uma história engraçada, uma vez eu estava voltando pra goma, era tarde já, acho que umas 23h30 da noite, última perua e eu estava querendo muito ir pra casa, não quis esperar outro. Aí o motorista teve que descer, ligou lá o bagui (elevador) e o bagui travou e todo mundo teve que descer do ônibus”, relembra Marcos.

Uma das das paixões de Marcos é o skate. (Foto: Flávia Santos)

 Marcos sempre foi um jovem desenrolado, que embora tivesse dificuldades de locomoção, sempre procurou estar envolvidos em projetos socioculturais. Ele já trabalhou com grafite, designer, gestão de redes e hoje é sócio de um amigo num empreendimento voltado para o mundo do skate, com o nome de “Sant Skate Shop”.

“Muita gente me conhece e me destaca por querer tentar fazer as coisas, mas tipo assim, isso não é uma peculiaridade minha, é uma peculiaridade das pessoas da quebrada!”, destaca ele, apontando que o fato de ter nascido numa família que sempre esteve envolvida com projetos sociais o ajudou a passar por todos os processos de inclusão social e construção de sua identidade.

Embora a superação faça parte da trajetória de vida do Marcos, o jovem conta que nem tudo é superável, como por exemplo, as barreiras cotidianas de acessibilidade que ele enfrenta no transporte público e nas ruas da cidade.


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Foto: Flávia Santos

Segundo ele, não é apenas o transporte público que precisa de melhorias, pois as ruas e calçadas da quebrada também precisam ser bem estruturadas, assim como os terminais de ônibus, com uma melhor distribuição de rampas e elevadores nos acessos elevados.

“Passou do Capão pra lá é tudo mil maravilhas, agora pra cá não tem nem calçada, mano! A gente disputa espaço com os carros. Do caminho que você fez da sua casa até aqui, provavelmente não veio numa calçada”, reclama.

Ao compartilhar essas experiências do cotidiano de quem depende do transporte público e da acessibilidade para circular a cidade, Marcos enfatiza que esse debate precisa ser ampliado e focado na qualidade de vida dos moradores de quebrada.

“Acessibilidade na real é você conseguir tramitar na sociedade civil inteira, sem que você tenha nenhuma limitação, tá ligado? É o mínimo que uma pessoa com deficiência precisa ter para viver”, finaliza Marcos. 

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