Gestão da ausência: a consciência política do futebol de várzea

Confira na última reportagem da série ‘Gestão da Ausência’, como as equipes de futebol de várzea estão mudando a rotina de muitas famílias, afetadas pela pandemia de coronavírus, que residem nos distritos de Capão Redondo, Cidade Ademar, Brasilândia e no Jardim Eledy, em Taboão da Serra. 

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Jogo realizado no Festival Várzea Poética da Cooperifa, em 2017. (Foto: Guma)

A pandemia paralisou as atividades dos times de futebol de várzea que são abertas ao público, como escolinha de futebol, feijoadas comunitárias, roda de samba, juntamente com os próprios campeonatos, dando espaço para uma nova e velha frente de atuação: o combate a forme que afeta muitos moradores, que antes da chegada do coronavírus às periferias, ocupavam a beira dos campos nos finais de semana.

O Desenrola conversou com iniciativas que estão atuando em distritos como Capão Redondo, Cidade Ademar e Brasilândia, territórios onde a onda de contágios por covid-19 não para de crescer. Em consequência dos impactos sociais gerados pela pandemia, uma parcela considerável de moradores desses territórios teve a sua vida afetada pela crise econômica, perdendo emprego e sendo impedidos de manter o comércio local e informal na ativa.

Enraizada no distrito do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, a equipe da Vila Fundão, uma das mais tradicionais do cenário da várzea, ativou um grupo de voluntários e moradores para colaborar com o Instituto Vila Fundão, organização social que leva o mesmo nome do time, por nascer das relações comunitárias cultivadas com outras equipes de futebol de várzea dentro e fora de campo.

Até o fechamento desta reportagem, mais de 200 moradores haviam sido atendidos com doações de kits de higiene, cestas básicas e refeições. Segundo Camila Lima, professora e uma das colaboras do Instituto Vila Fundão, esse número poderia ser muito maior com o apoio de gestores públicos.

“Infelizmente, mesmo somando todas as iniciativas que se alastram pela cidade e pelo país, acho difícil atender a totalidade da população que precisa de apoio. Mas, na ausência dos governos, acredito que os coletivos, as ONGs, as lideranças periféricas, as associações sociais, também temos alguns partidos engajados, e outras organizações estão fazendo a sua parte”, reflete Lima.

Enquanto as poucas ações do poder público não chegam de fato na ponta para atender quem mais precisa, na Cidade Ademar, também na zona sul da cidade, o Projeto Várzea Sem Fome já distribuiu mais de 340 cestas básicas na região, e em média 430 kits de higiene. “Representamos 27 favelas aqui da região de Cidade Ademar. Já faço esse trabalho há anos, mas com a pandemia acabamos nos juntando em prol da comunidade que é totalmente esquecida, assim formamos um grupo de mais 30 voluntários”, conta Fábio de Paula, um dos integrantes da ação solidária.

A busca de novos caminhos possíveis para superar esse período mais duro da pandemia acontece em todas as regiões da cidade. Na Brasilândia, alguns comerciantes locais têm apoiado o time Manchester da Brasilândia, que mesmo sem a ajuda do poder público, já chegaram a quase 500 famílias atendidas na região.

“Infelizmente sabemos que é pouco para uma região como a Brasilândia, mas acredito que se cada um fizer um pouco, iremos passar por mais esta luta, afinal somos a massa e o que move nosso país é a periferia, onde é o lugar mais bonito da humanidade”, compartilha a professora Patrícia Verdetti, integrante do time.

Os exemplos que a várzea vem dando ao combate a pandemia e a fome nas periferias vem se espalhando e já está chegando a municípios vizinhos a São Paulo. No Jardim Eledy, em Taboão da Serra, o professor Fábio Roberto, integrante do time F.C. Jardim Eledy, está mobilizando jogadores profissionais que moraram no bairro para apoiar a campanha de doações de cestas básicas para as famílias mais afetadas pela pandemia.

“Quem nasce e vive em periferia conhece de perto a fome, por passar por privações, por ser um dos que vivem abaixo da linha da miséria. Não tem como ignorar, não tem como ser indiferente”, afirma Roberto. Para ele, esse é o momento de lutar contra a fome.

“Apesar de todos os esforços, não é possível atingir a todos. Deus concedeu duas mãos e uma boca para os humanos. Só que em momentos como este, fica evidente que temos menos mãos para oferecer, mais bocas para receber. E isso dói”, reflete o professor.

Além de entrega de cestas básicas e itens de higiene, os times de futebol de várzea têm produzido e se mobilizado através das redes sociais com lives, que visam mobilizar outros equipes e apoiadores para continuar aumentando o movimento dos times da várzea engajados em construir alternativas solidárias para combater os impactos socais gerados pela pandemia.

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