Percebendo a falta de conexão entre políticas públicas, debates científicos da faculdade de nutrição e a realidade social e econômica dos moradores das periferias e favelas, José Carlos, 26, morador de Piracicaba, interior paulista, fez uma todo o conhecimento necessário para criar o Nutri Favelado, um perfil de Instagram que apresenta de forma “favelada” o debate sobre o direito à alimentação.
Desde o início da sua caminhada, o nutricionista já sentia que dentro de sala de aula não se encaixava, não somente na parte social, mas também na forma como era ensinado o que e como deveria ser uma alimentação correta.
“Não me situava muito naquilo que estava sendo ensinado. Estudávamos sobre o corpo, proteína, o que pode ou não comer e deixavam de lado as condições que nós, moradores das periferias, temos de fato para fazer uma refeição”
José Carlos, nutricionista e criador do projeto Nutri Favelado
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O ativista ainda reforça que dentro da academia é ensinado como lidar com uma pessoa com uma determinada condição social, mas quando chegavam pessoas abaixo daquilo que era estipulado, não sabiam como orientar.
A partir desta visão crítica, o Nutri Favelado gera debates e reflexões que são de interesse dos moradores da quebrada, a fim de aproximar os seguidores da plataforma digital de assuntos que giram em torno do caminho que o alimento faz até chegar em suas mesas, tudo isso, através de muito estudo traduzido de forma simples e acessível para todos.
“Muitas coisas que eu via em sala de aula, estavam distantes do que eu via nas ruas”
José Carlos, criador do projeto Nutri Favelado
“O Instagram me deu mais liberdade para me expressar. Tem um problema de fome batendo na porta e eu tenho o conhecimento, então o objetivo é amenizar os problemas dos meus de uma forma simples”, explica José.
Filho de catadores de latinha, ex-motorista da Uber e hoje nutricionista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba e pós graduado em nutrição vegetariana e vegana, José uniu o conhecimento acadêmico com sua realidade socioeconômica, para trazer informações e provações sobre o que é comida e como ela está totalmente ligada à política e a condição de vida dos moradores das periferias e favelas.
Política e alimentação saudável
A lei 11.346, de 15 de setembro de 2006, cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que tem como dever, o direito de assegurar uma alimentação adequada e de qualidade para todos. Além disso, a Constituição Federal reconhece a alimentação como um direito social de todos os brasileiros. Mas tudo isso, assegura de fato a população periférica?
Em 2018, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da ONU, com a chegada da pandemia, o cenário se agravou, conectado a uma profunda crise política, fatores que segundo José estão intimamente ligados.
“É por conta de política que muitos alimentos ficam caros, inacessíveis, e é nesse momento que ficamos desprotegidos de políticas públicas e começamos a ver muitas pessoas passando fome, comendo somente ultraprocessados e ficando cada vez mais doentes. Nesse momento entra a minha fala de fazer com que as pessoas entendam os caminhos que os alimentos fazem até chegar em suas mesas”, ressalta José.
Impactos na juventude
Através deste trabalho nas redes sociais, José Carlos está conseguindo compartilhar conhecimentos sobre como conseguir comer bem e adaptar essa demanda dentro da rotina agitada dos moradores das periferias e favelas.
Conversamos com a Isadora da Silva de Melo, 25, moradora da Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo e estudante de gestão de resíduos na EACH USP Leste, para saber como tem sido sua experiência passando com o nutricionista José Carlos.
“Decidi buscar um auxílio alimentar com um especialista para que conseguisse ter uma alimentação completa dentro da minha rotina e realidade”
Isadora da Silva de Melo, estudante e moradora da Cidade Tiradentes
Isadora também conta que parou de consumir carne há 6 anos, mas somente há dois anos se tornou vegana e através dessa mudança alimentar, sentiu necessidade de buscar auxílio com um especialista.
A moradora da Cidade Tiradentes relembra que dentro de casa, sua mãe passou algumas vezes no nutricionista através do SUS e quando tinha 10 anos, também chegou a fazer um acompanhamento, porém sofreu gordofobia pelo próprio nutricionista.
“Segundo os profissionais de saúde, eu era considerada uma criança acima do peso. Desde pequena tive alguns problemas com alimentação. Eu lembro que o nutricionista disse que eu iria passar a vida inteira triste e gorda se eu não mudasse minha alimentação”
Isadora da Silva de Melo, estudante e moradora da Cidade Tiradentes
Atualmente, Isadora, consegue seguir uma alimentação saudável e acredita no Veganismo Popular, acessível para todas as classes e raças. Além disso, a jovem conta que na parte econômica ela sentiu uma grande diferença, já que através dos legumes e verduras, ela consegue trazer variedades de consumo, o preço é mais barato que uma carne, e de fácil acesso em feiras livres.
“A gente sempre tenta orientar a comer bem conforme suas condições financeiras. As pessoas associam o ser saudável com comer algo sem açúcar ou nozes, o que só distancia a população, por isso sempre tento ao máximo voltar a alimentação saudável ao arroz, feijão, frutas, legumes e verduras. O mais difícil é adequar a realidade, mas tendo o básico, é possível”, conclui o nutricionista.