Desde 2002, o Bloco do Beco reúne moradores do Jardim Ibirapuera, Zona Sul de São Paulo, em prol do incentivo da produção cultural do território. Em frente ao local, de terça a sábado, o carrinho de doces de Solange Ferreira, 46, moradora do Jardim Mazza, reforça a importância da gastronomia local ao agradar o paladar dos frequentadores, entre uma atividade cultural e outra do espaço cultural comunitário.
Até o momento da pandemia, Solange era diarista – atividade afetada pelo lockdown, como tantas outras. Considerando os índices do IBGE, nos primeiros 5 meses de restrição de aglomerações, a taxa de desemprego aumentou em 33,1%. Dado que pode ser explicado por um contexto de mudanças estruturais baseadas na insegurança econômica de modo geral.
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A diminuição expressiva da demanda de serviços também impactou diretamente no fechamento de empresas e gerou demissões em massa. Escancarando assim um panorama de desigualdades que passa a popularizar a informalidade como uma alternativa viável de geração de trabalho e renda, principalmente nas regiões periféricas do país.
Enquanto pessoas de média e alta classe podiam trabalhar de maneira remota, diaristas, assim como Solange e outros prestadores de serviços essenciais, não tinham condições ou alternativas de trabalho seguro com critérios rigorosos de proteção contra o vírus.
A história de Solange nos abre horizontes para debater a importância da auto realização empreendedora, a partir de conquistas como o primeiro estabelecimento comercial. Proporcionando acesso a benefícios legais, além de melhora na logística, na segurança e muitos outros aspectos que influenciam na estabilidade e no crescimento de sua empresa a longo prazo. Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, ela conta como o negócio está movimentando a economia local e contribuindo com a geração de empregos.
VCRP: Como era ser diarista? Você gostava do ofício?
Não gostava muito. Era o que eu tinha para fazer. Fui empregada doméstica por 10 anos e diarista por mais 5. É um serviço que a gente trabalha muito e é pouco valorizado.
VCRP: O que te fez parar com o ofício de diarista para começar a empreender?
Eu sempre tive o sonho de montar meu próprio negócio e vi na minha sobrinha Karen, que também é confeiteira, a visão da gente poder crescer trabalhando juntas. Começamos em 2021, já num momento de flexibilização da quarentena. Ainda diante dos desafios que a pandemia trouxe para todos os ramos, mas principalmente para o serviço doméstico. Acho que o dom com a confeitaria vem de família, meus irmãos também trabalham com isso nas cidades em que moram.
VCRP: Você sente falta da sua função anterior ou prefere trabalhar com confeitaria?
Eu amo o que eu faço agora. Trabalho muito, né? Porque ser empreendedora não é fácil, tem que se esforçar bastante, mas eu gosto muito.
VCRP: E o que que te motiva a continuar empreendendo?
Eu sempre gostei de trabalhar com empreendedorismo. A minha mãe também trabalha com isso, vende artigos de cama, mesa e banho. É mais uma coisa que vem de família e eu sempre a incentivei.
VCRP: Como é trabalhar no seu território?
Faz muita diferença. Como diarista, eu sempre trabalhava longe. Na Vila Leopoldina, na Berrini, na Vila Mariana. Estar por perto agora é gratificante em todos os sentidos. Quando chego para trabalhar, já tem gente esperando para comprar o doce da tia. Eu abri uma loja há duas semanas, num ponto um pouco longe daqui e “tá” todo mundo reclamando disso. Por conta da afinidade, o pessoal acaba me dando dicas para novos produtos e feedbacks dos doces que eu já vendo. Tenho clientes bem importantes na Rua Estados Unidos e na Brigadeiro Faria Lima, que encomendam meus bolos sempre que podem. Na Zona Leste também sou conhecida e forneço sobremesas para alguns restaurantes no Itaim Bibi.
VCRP: E quais os planos para o futuro?
Me vejo abrindo uma loja lá no Piraporinha, no Jardim Mazza. E quero abrir uma filial aqui no Jardim Ibirapuera, onde estão meus clientes mais antigos. Mas a longo prazo, meu planejamento é que minha filha aprenda tudo que eu sei, “pra” ela poder continuar com as lojas que eu quero futuramente abrir. Tenho uma filha só e é isso que eu falo para ela: “Um dia eu vou ficar velha, então você tem que aprender um pouco de tudo, para lá na frente fazer o que a sua mãe fazia e continuar o legado dela.”
Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.