Reportagem

Articuladores promovem turismo de resistência contra especulação imobiliária na zona noroeste de SP

Além de atuar nas questões ambientais da região, o trabalho realizado no território coloca em debate a gentrificação e as necessidades sociais de acesso à cultura, lazer e renda da população local.
Por:
Viviane Lima
Edição:
Evelyn Vilhena

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A partir do Museu Territorial Tekoa Jopoí, que abrange as áreas do Jaraguá, Perus e Anhanguera como partes de seu acervo, na zona noroeste de São Paulo, o movimento cultural dessas regiões tem construído uma nova perspectiva prática do que é associado aos museus tradicionais. “[O museu e outras iniciativas] são instrumentos para diminuir o impacto [como da especulação imobiliária]. É difícil porque a gente não tem dinheiro para enfrentar a especulação, mas [temos] ideias criativas”, coloca Cleiton Ferreira, conhecido como Fofão, um dos fundadores do museu e do Quilombaque Perus. 

Você Repórter da Periferia – Comunidade Quilombaque

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Articuladores promovem turismo de resistência contra especulação imobiliária na zona noroeste de SP
Inauguração da Agência Queixada em 2022. (foto: arquivo pessoal)

O Museu Territorial Tekoa Jopoí, fundado em 2017, é uma iniciativa que nasceu na Comunidade Cultural Quilombaque, espaço cultural localizado em Perus, mas que desde 2022 tem uma sede e estrutura própria que é gerenciada pela Agência Queixada, onde também acontecem cursos de formação. O Museu Territorial é o território em si e as trilhas, que compõem esse acervo, são organizadas e realizadas pela agência.

“[Estamos] discutindo um turismo de base comunitária e trazemos a nomenclatura de Turismo de Resistência para mostrar que estamos em luta e que através do turismo a gente consegue se organizar”.

Fofão, co-fundador do Museu Territorial Tekoa Jopoí e do Quilombaque Perus.

O co-fundador conta que a ideia da iniciativa é atuar na valorização do território através de uma economia sustentável, que preza pelo ambiental e social. “Mas na perspectiva geral [com] uma economia [que colabore] no processo de preservação dessa região mantendo a paisagem, porque daqui a alguns anos vai mudar tudo. Nós perdemos o empreendimento [do] cinema que derrubaram para fazer estacionamento [pela] especulação de área”, conta Fofão ao exemplificar esse cenário de especulação com o fim do primeiro cinema do bairro de Perus.

Cleiton Ferreira, conhecido como Fofão, co-fundador do museu e do Quilombaque Perus (foto: Viviane Lima)

Outro exemplo que Fofão menciona é o condomínio Sete Sóis, que está sendo feito na Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, pela construtora MRV. “Os caras derrubaram [a mata de] uma área grande que faz conectividade ecológica com o Parque Estadual do Jaraguá, isso já causou danos, porque ali era [um] eixo dos animais e da biodiversidade”, menciona.

Além das questões ambientais, Fofão aponta que esse processo causa a gentrificação, com mudanças no território, que entre outras coisas, também envolve alteração no custo de vida e afeta diretamente a população local. “Vai inaugurar um McDonald’s aqui e isso vai quebrar muita gente que vende lanche e se mantém disso. Quem não tem dinheiro vai ter que sair fora, ir mais para o fundão, [pois] o aluguel e o mercado ficam mais caros”. 

A falta de infraestrutura para receber as construções e mais moradores na região é apontada por ele como mais um problema. “A demanda de mobilidade não é discutida, está travando tudo. Imagine com mais 20 mil pessoas que vão vir”, avalia.

As trilhas, que compõem o Museu Territorial Tekoa Jopoí e acontecem desde 2014, constituem o museu a partir da perspectiva de que os espaços culturais e históricos de Perus, Jaraguá e Anhanguera são as próprias obras de arte. Ao todo são sete trilhas: Jaraguá é Guarani; Ferrovia Perus – Pirapora; Memória Queixada; Agroecológica, Campo e Cidade MST; Ditadura Nunca Mais; Reapropriação e Ressignificação de Espaços Públicos e a PerusFeria Graffite.

Trilha Jaraguá é Guarani realizada com o Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) Perus. (foto: arquivo pessoal)

A Agência Queixada, que tem como foco o desenvolvimento eco cultural turístico local, fica no bairro Recanto dos Humildes, no distrito de Anhanguera e foi inaugurada em 2020, mas o conceito do museu territorial está sendo estruturado desde 2011 e tem como fundamento o TICP – Território de Interesse da Cultura e da Paisagem.

Território de Interesse da Cultura e da Paisagem

Fofão explica que o TICP é uma proposta para pensar a gestão da cidade de forma menos exploratória, mais humanizada e compartilhada. Para mostrar ao poder público a viabilidade de implementar políticas públicas através de investimentos em projetos que são criados e geridos de modo integrado pela comunidade, movimentos sociais, culturais e de educação.  

“O museu é um contexto de uma ideia que a gente tem na Quilombaque de pensar a descentralização de orçamento e um processo de desenvolvimento sustentável local, por isso que a gente vem trabalhando na perspectiva de uma museologia, mas com a metodologia de um instrumento que a gente criou que é o TICP”, diz.

O Território de Interesse da Cultura e da Paisagem é um instrumento construído pelos moradores, junto com o professor Euler Sandeville Jr, da FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da USP, um coletivo de professores do Projeto Coruja, e integrantes da Quilombaque. “[Abrimos] a Universidade Livre, onde as pessoas vinham fazer um estudo do território, [assim] a gente fez um mapeamento das potencialidades da região”, conta Fofão sobre o surgimento do TICP, e a partir disso a criação do museu.

Em 2014, o TICP foi apresentado e aprovado no Plano Diretor da cidade de São Paulo, porém desde então nenhuma providência foi tomada pelo poder público. “É uma lei que está no plano diretor da cidade, mas ninguém executa, porque [se fosse executada] a gente conseguia fazer uma gestão compartilhada entre sociedade civil e poder público”, menciona o articulador.

Foto tirada durante uma expedição na Fábrica de Cimento. (foto: Angélica Múller)

Mesmo não sendo executada pelo poder público, através da organização integrada entre moradores, educadores, movimentos culturais e sociais, a viabilidade do plano é evidenciada nas ações como o Museu e da sensibilização da comunidade. Fofão ressalta que essas iniciativas são continuidades de lutas que começaram com os operários da fábrica de Cimento Portland Perus, que em 1962, ficaram conhecidos como os Queixadas, após travarem uma greve de sete anos, em plena ditadura militar, por direitos trabalhistas. 

Articulação em rede

Thalita Duarte, atriz, produtora cultural e integrante do Grupo Pandora de Teatro, conta que a Ocupação Artística Canhoba, espaço cultural independente administrado pelo Grupo Pandora de Teatro desde 2016, é um dos equipamentos culturais mapeados pelo TICP. O local integra a trilha “Reapropriação e Ressignificação de Espaços Públicos” do museu. 

Thalita Duarte, atriz, produtora cultural e integrante do Grupo Pandora de Teatro, que faz a gestão da Ocupação Artística Canhoba.  (foto: Viviane Lima)

“O pessoal faz um processo de visitação no bairro e aqui é um dos pontos, uma das obras do nosso museu. Quando as pessoas vêm aqui a gente conta a história do grupo Pandora, a história da memória [do bairro], a nossa relação com o território e também mostra como foi o processo de ocupação desse espaço”, conta a produtora. 

A Ocupação Artística Canhoba, assim como a Casa de Hip Hop Perus, que também faz parte da mesma trilha, eram espaços abandonados pelo poder público que, em 2015, viraram ocupações culturais, segundo Thalita. Ela menciona que a reforma do local contou com mais de 150 artistas e moradores do bairro. Desde então o espaço recebe atividades culturais, principalmente apresentações teatrais.

“O museu tem a capacidade de transformar a informação em experiência. Então, uma pessoa que quiser conhecer esse território, ela pode entrar lá no Google e [pesquisar], mas nada vai substituir o fato dela estar aqui presente no território, conhecendo, caminhando, sentindo o sol, olhando aquela vista bonita [da praça]”

Thalita Duarte, atriz, produtora cultural e integrante do Grupo Pandora de Teatro.

Perspectiva semelhante é apontada por Silvana Bezerra da Silva. Ela é militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e moradora da Comuna da Terra Irmã Alberta, que também faz parte do museu e está na trilha “Agroecológica, Campo e Cidade MST”.

“Fazer esse diálogo face a face é muito importante porque as pessoas têm outras sensibilidades, para além do que conseguem ouvir, ver ou ler. É sentir o cheiro da terra, comer a nossa comida, sentir a nossa verdade. Todas sensações que ultrapassam a questão da alienação de informações, imagens e textos descontextualizados sobre as nossas ações. As pessoas saem daqui com outro pensamento”, comenta Silvana sobre as trocas que acontecem nas trilhas que compõem o museu territorial.

Trilha Campo e Cidade no Assentamento Comuna da Terra Irmã Alberta. (foto: arquivo pessoal)

Localizada no bairro Chácara Maria Trindade, no distrito de Perus, em São Paulo, desde 2001, a comuna ocupa um território que na época, conforme Silvana, corria o risco de virar um lixão e que atualmente pertence à Sabesp. “Sempre corremos riscos de despejo, mas agora é mais efetivamente por conta do processo de privatização [da Sabesp], encabeçado pelo atual governador do estado, Tarcísio de Freitas”, relata.

Silvana afirma que a articulação em rede fomentada pelo Museu Territorial Tekoa Jopoí fortalece todos os movimentos envolvidos. “O museu é a nossa referência de articulação entre o campo e a cidade”.

“Tudo é luta aqui. Luta indígena, do movimento negro, luta sindical, da classe trabalhadora, a luta contra a ditadura, pela reforma agrária. O que a gente fez foi juntar os movimentos. A gente faz a narrativa porque não tem contexto histórico de nós narrando isso. [Fizemos] o museu nessa perspectiva, quem narra é o pessoal que fez a resistência e que faz até hoje”, finaliza Fofão.

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