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Tear e Poesia registra memória ancestral de mulheres negras e indígenas na arte de bordar nas periferias

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Além de promover um pensamento decolonial sobre a cultura do bordado que atravessa continentes e territórios de povos indígenas e africanos, a publicação impressa tem distribuição gratuita e está disponível em português, yorubá e espanhol.  

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Atividade de bordado realizado em 2019/Foto: Divulgação Tear&Poesia

Ancestralidade africana, indígena e a cultura do bordado são temas de relatos históricos, poesias e fotografias que fazem parte do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher” que será lançado no próximo sábado (12) no espaço cultural Bloco do Beco, localizado no Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo.

A Coletiva Tear&Poesia de Arte Têxtil- Preta Nativa é composta por mulheres que atuam e residem há quase 20 anos na região extremo sul da cidade de São Paulo, atuando com foco em dialogar com a mulher em diáspora, tanto imigrantes africanas quanto latino-americanas e caribenhas, mostrando também semelhanças entre grafismos nativos brasileiros, indígenas, e africanos e buscando identificar semelhanças pouco estudadas e menos difundidas entre culturas originárias das Américas e da África.

Seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e os protocolos de segurança contra a proliferação da COVID-19, o evento será realizado com um encontro presencial que marca o encerramento do projeto idealizado pela coletiva Tear & Poesia, apoiado pela Lei de Fomento à Cultura da Periferia, política pública municipal de incentivo a pesquisa, produção e difusão artística nas periferias e favelas de São Paulo.

Segundo Rita Maria, produtora cultural e co-fundadora da coletivaTear&Poesia, a pesquisa feita para a publicação busca abordar a memória, ancestralidade e tradições dos povos africanos e indígenas nas Américas e suas ramificações nas periferias brasileiras.

“O bordado tem origem profunda na África e era feito, inclusive por homens, e a gente nota essa característica na produção dos bordados. Temos exemplos como em Pernambuco com os maracatus; no Maranhão com a cultura do boi, em que os participantes assim como o boi tem suas vestes tecidas e bordadas fantasticamente, e os povos indígenas nativos de Abya Yala na américa”, conta a agente cultural, citando registros históricos presentes no livro “O menino Fula”, do escritor africano Amadou Hampâté Bâ.

A publicação do autor africano contraria pesquisas e publicações ocidentais que afirmam que o bordado é proveniente de uma cultura européia, que possui raízes profundas em nações colonizadas por países europeus.

No Brasil, a arte do bordado também se manifesta na cultura indigena, reforça Rita. “Tem uma rica tradição em bordados que a gente chama de trançados, onde se desenvolvem desenhos com fibras naturais das florestas e tem um povo, particularmente o kaxinawá (Huni kuin) do Acre Amazônico em que as mulheres desenvolvem um belíssimo trançado, um bordado primeiro tramando nos seus teares e depois desenvolvendo seus desenhos que elas chamam de “Kenê” e que são desenvolvidos só por mulheres.”

A partir desta estreita relação territorial, ancestral e cultural entre Brasil, América Latina e África, o livro apresenta um conteúdo trilíngue, visando contemplar o máximo possível as culturas envolvidas. “O Yorubá é a língua africana mais conhecida e utilizada por nós mulheres pretas desde os terreiros e que se emaranha em toda a nossa cultura, e o castelhano, é em função de termos envolvidos muitos irmãos e irmãs de outros países aqui da região de Abya Yala”, justifica a produtora cultural, explicando a decisão de traduzir o livros em portugues, espanhol e yorubá.

A cultura do bordado faz parte da história daTear&Poesia. Anterior a publicação do livro, a Coletiva desenvolveu o projeto ‘Bordando nas Bordas’, uma publicação em português, inglês, espanhol e guarani, que resgata o envolvimento desses povos, dessas culturas de países e de povos indígenas priorizando o guarani, por conta da sua representatividade como comunidade nativa. 

Dona Maria Rosário Paulo, de 73 anos, bordadeira e moradora do Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo (2022)/Foto: Arquivo pessoal.

O legado feminino 

A publicação “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher” conta com fotografias inéditas que registram a arte de bordar desenvolvida por um grupo de oito mulheres das periferias de diferentes gerações e nasce a partir de diversas pesquisas realizadas pelos integrantes da Tear&Poesia, tendo como prioridade as questões das mulheres pretas, indígenas, africanas e seus descendentes.

Entre essas mulheres, está a dona Maria Rosário Paulo, de 73 anos, moradora do Parque Santo Antônio, zona sul de São Paulo. Ela é mãe de dois filhos e avó de dois netos. Segundo dona Maria, o bordado já fazia parte da sua infância, onde sua mãe ensinou os primeiros passos de bordar. Foi também por meio do bordado e das oficinas oferecidas pelo projeto, que Dona Maria reconheceu sua negritude.

“Através do bordado eu aprendi muitas coisas que irei levar na minha vida para sempre. Conheci lugares e pessoas que jamais pensei que iria conhecer. Contribuiu e está contribuindo com a minha timidez. Eu me sinto muito privilegiada, sou negra e tenho muito orgulho, hoje consigo ver a nossa importância. Agradeço a Deus e a todos por ter tido essa oportunidade de participar de um projeto tão importante e necessário para manter viva a cultura do bordado”. 

Relata Dona Maria do Rosário.

Antirracista 

O projeto de pesquisa e difusão da cultura ancestral do bordado que resultou na publicação do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher”, contou com a participação do príncipe nigeriano Prince Adewale Adefioye Adimula, mais conhecido como Baba Adimula, que nasceu na família Real Casa Governante de Lafogido, na cidade de Ilê Ifé, estado de Osun-Nigéria, berço ancestral dos orixás e de seus fundamentos.

Ao longo do projeto, Adimula ministrou oficinas da língua Yorubá, que recebeu mais de 300 inscrições de pessoas de diferentes estados do Brasil. Além da colaboração no processo de formação, ele também contribuiu com a tradução do livro e calendário poético para o Yorubá.

“Existe um provérbio africano que diz: ‘Um rio que esquece sua nascente um dia seca’, então traduzir este livro foi um resgate de memória dos meus antepassados, lembranças da minha vida escolar e das histórias contadas pelos anciãos. Traz aproximação, irmandade, conscientização e importância da cultura yorubá no Brasil e no mundo”, afirma o príncipe nigeriano.

Participante assíduo e defensor das questões que envolvem informações ao culto religioso e ao povo africano, desde sua chegada no Brasil, Adimula considera esse tipo de projeto uma experiência fundamental para combater o racismo e o desconhecimento da cultura ancestral africana.

“Sendo a população negra mais concentrada nas periferias, este projeto é extremamente necessário e contribui de forma positiva incentivando a comunidade, através da informação e valorização de nossa história, buscamos então neste contexto, resgatar e exaltar nosso povo, os africanos yorubanos que aqui estiveram”. 

conclui o príncipe nigeriano, ressaltando a importância de reconhecer a África como berço da humanidade.

Serviço

Lançamento do livro “Pangeia – Entre Elos – Palavra de Mulher”

Local: Espaço Cultural Bloco do Beco

Endereço: R. Bento Barroso Pereira, 2 – Jardim Ibirapuera, São Paulo – SP, 05815-085

Data: 12 de março

Horário: 10h às 14h

Entrada: Gratuita

Contato: pangeiaentreelos@gmail.com

OBS: Seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e os protocolos de segurança contra a proliferação da COVID-19, será obrigatório o uso de máscaras. 

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