Desde 2023, a quadra da rua das Seringueiras, no bairro do Jardim Sapopema, divisa com o bairro Eldorado, em Diadema, se tornou o tablado de diversos moradores do entorno que treinam junto com o Caique Alves, 23, morador do bairro Jardim Sapopema, em Diadema, São Paulo. Lutador, professor de boxe e idealizador do Projeto Família Street Boxe, o jovem conduz aulas da modalidade no local como forma de fomentar o esporte na região.
O que começou como uma brincadeira motivada por alguns amigos, se tornou um propósito de vida. Caique já tinha oito anos de experiência no boxe quando começou com os encontros na quadra. “É interessante ter boxe aqui, geralmente quando tem algum esporte é só [voltado] ao trabalho do futebol. Então, [trazer o boxe para cá foi uma novidade] para a criançada e até mesmo para os pais que começaram a se interessar e vir praticar”, conta.
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O treino na quadra é sempre coletivo, mas é feito uma análise de perfil para entender as necessidades individuais de cada participante, que se encontram sempre às terças e quintas, das 20h às 23h.
A trajetória do professor começou em um projeto social. Na época, jovem curioso, ao lado de amigos que cultiva até hoje, deu os primeiros passos na modalidade. Com o tempo, a prática foi ganhando mais espaço em sua vida até o momento que ingressou nas competições federadas. Além de continuar treinando, Caique compartilha suas vivências através da iniciativa. “O que a gente aprende, não é para guardar. É para passar pra frente”, afirma.
“Hoje fico pensando o que seria de mim se não tivesse conhecido o boxe ou o mundo da arte marcial. Talvez seria um jovem deprimido. Meu pai foi morto [perto de casa], vim de um lar que, em qualquer oportunidade, ele agredia a minha mãe, cresci vendo isso e tinha tudo para ‘dar errado’, mas escolhi fazer diferente. O boxe mudou a minha vida. Me salvou, me deu resiliência, força, personalidade” – Caique Alves, professor de boxe e idealizador do Projeto Família Street Boxe.
Caique destaca que todas as pessoas podem participar dos treinos, mas diz que o esporte exige disciplina, comprometimento, esforço e sobretudo, respeito consigo e com o outro. “No final dos treinos, a gente se reúne e sempre troco um papo com meus alunos que tudo o que a gente aprende aqui no boxe, fica aqui [em relação à troca física]. Não podemos aprender a lutar para sair daqui e querer brigar ou até mesmo arrumar desavenças”, conta.
Trocas e aprendizados
Inicialmente, o projeto teve a formação de várias mulheres e meninas da região, mas muitas delas não seguiram nas atividades. “Havia uma turma só de mulheres, [mas com o trabalho e rotina] o grupo acabou se desfazendo. Então, foquei no treino coletivo, com todos juntos e o espaço continua totalmente aberto e acolhedor para todo mundo. E quem [tem filhos] também pode trazer a criança para participar”, diz.
“Quando um adolescente está se conhecendo, se desenvolvendo, o esporte se torna muito importante neste processo de autoconhecimento. Ajuda muito para que venha crescer e [se desenvolver] integralmente como pessoa, não só como atleta.” – Caique Alves, professor de boxe e idealizador do Projeto Família Street Boxe.
Gregory Martins, 19, motoboy, lutador e aluno do Projeto social Família Street Boxe, conta: “Treino há quase um ano, conheci através de um primo e vim fazer parte do projeto. Sempre gostei de boxe, desde criança, ‘brigava’ com meu irmão dentro de casa (risos), só que depois [mais velho], não encontrava [um local] para conseguir treinar de forma gratuita, até que conheci a Família Street Boxe.”
“Aqui é disciplina, somos uma família, treinamos sério [sempre com o foco] de levar nosso nome lá para fora”, destaca o aluno, morador do bairro de Eldorado.
João Gabriel, de 8 anos, é irmão de Gregory e fala com empolgação sobre as atividades. “A aula dele é muito boa, me ajuda, o que eu mais gosto é sparring (simulação de combate entre duas pessoas para aperfeiçoar técnicas e estratégias). Foi o meu irmão, o Gregory, que me trouxe para conhecer e estou achando muito bom fazer os exercícios, porque eles ajudam no meu reflexo, aumentam a minha força”. O projeto também se tornou um espaço de convivência para ele. “Eu acho que a gente fica mais próximo e vira mais amigo das outras crianças”, compartilha.
“Eu faço boxe para passar tempo, mas penso também em ser lutador [profissional] quando crescer. Lutar para valer.” – João Gabriel, 8, aluno do Projeto Família Street Boxing, no Jardim Sapopema, em Diadema, São Paulo.
Rafael Monteiro, trancista, pai do João Gabriel e do Gregory, conheceu o projeto levando seus filhos e acabou se tornando aluno também. “A gente sempre tenta colocar atividade física [na rotina] e acho que isso ajuda para que as crianças não fiquem só no celular ou só na rua. O projeto [é sensacional], mas precisa chamar mais gente para participar. As aulas são totalmente gratuitas. O treino é pesado para os adultos, mas também tem cuidado com as crianças, principalmente na parte física”, conta Rafael.
Mudanças na coordenação e na agilidade são alguns dos reflexos que o Lucas Dias, de 13 anos, conta ter percebido a partir do boxe. “A falta de reconhecimento é bem difícil. Às vezes você fala que faz um esporte e todo mundo acha que você faz futebol, basquete. Aí quando você fala boxe, [as pessoas estranham]”, diz o jovem que é aluno do projeto desde abril.
Lucas mora com a família no bairro do Jardim Sapopema e fala sobre conciliar os estudos e a prática da modalidade. “É importante ler, escrever e entender um pouco sobre o mundo, né? O mundo gosta de passar para trás quem não tem [estudo], as pessoas olham pra um preto e pobre na rua e já acham que ele é burro, sem nome, sem futuro, marginal…”.
“Com a luta eu quero um dia colocar meu cinturão e conseguir dar um futuro melhor pra todo mundo da minha família.” – Lucas Dias, 13, morador da comunidade do Jardim Sapopema, em Diadema, e aluno do Projeto social Família Street Boxe.
Articular um trabalho como esse, segundo Caique, tem muitos desafios. “O que a gente mais precisa é de um teto, porque quando chove, por exemplo, a nossa quadra alaga e ficamos impossibilitados de fazer os treinos. Além disso, tenho cinco sacos de areia parados sem uso, pois a gente não tem como fixá-los na quadra por falta de estrutura.”
Os interessados em participar dos treinos podem entrar em contato, através das redes sociais do projeto.