Nos meses de agosto e setembro, aconteceu a IX Semana da Literatura do CEU Cantos do Amanhecer, e entre as atividades, o espaço inaugurou a sala de leitura em homenagem à poetisa Dona Edite.
Em 2022, o CEU Cantos dos Amanhecer, localizado no bairro Jardim Eledy, distrito do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, realizou a reinauguração do seu espaço de leitura. Com o nome “Sala de Leitura Dona Edite”, o local homenageia a poetisa que é referência na cena literária periférica.
A reinauguração do espaço, que antes não possuía um nome específico, foi uma sugestão da professora Miriam Amorim, moradora do distrito do Campo Limpo, região sul de São Paulo, e responsável pela sala de leitura da unidade. Ela afirma que a ideia foi abraçada pelo núcleo organizador que esteve à frente das obras para melhoria da sala.
“Temos em nossa escola uma participação muito grande das meninas negras nas atividades literárias. Então pensei que os alunos precisavam conhecer a história e participação da Dona Edite na comunidade”, conta a professora.
Para ela é importante que as homenagens a essas personalidades sejam feitas ainda em vida, valorizando a história, atuação e a poesia periférica.
Apesar de todas as dificuldades vividas por ela enquanto mulher negra, da periferia e deficiente visual, ela encontrou na literatura, na poesia um propósito de vida”
observa a professora Miriam.
Durante a semana de inauguração da sala de leitura, os alunos do 8º e 9º ano tiveram a oportunidade de aprender sobre manifestações artísticas e poéticas no espaço, como sarau, slam, histórias em quadrinhos, cinema, entre outros. Os alunos também conheceram mais sobre a história da Dona Edite através do documentário “O Olhar de Edite”, dirigido pelo cineasta Daniel Fagundes, além de realizarem um sarau onde homenagearam a poetisa.
“A gente percebeu que quando trazíamos atividades com o slam e saraus para as escolas, era maior o número de meninas, inclusive com as escritas mais elaboradas, e em sua maioria meninas negras. Então nada mais justo que trazer as mulheres negras por meio da sua literatura para esse espaço”, comenta Fábio Roberto, professor de língua portuguesa e morador do Jardim Mitsutani, Campo Limpo, São Paulo.
Referências que moram ao lado
Edite Marques da Silva, ou como é conhecida, Dona Edite, nasceu em Pirapora, cidade de Minas Gerais, chegou em São Paulo aos 19 anos, e hoje é moradora do bairro Figueira Grande. Desde que se mudou para São Paulo, sempre morou na região sul da cidade, e vive com sua irmã Zazá, que a acompanha em todos os lugares e também a auxilia, pois a poetisa perdeu a visão em decorrência da diabete.
Dona Edite é personalidade importante no Sarau da Cooperifa, evento que acontece toda terça-feira no Bar do Zé Batidão, no Jardim Guarujá, distrito do Jardim Ângela, um dos espaços em que começou sua trajetória na literatura.
“Meu primeiro contato com a literatura foi quando eu percebi que cada dia eu enxergava menos e o médico disse que era questão de tempo até perder toda a visão. E na terapia que eu conheci a [Fundação] Dorina Nowill, lá tinha livro falado, comprei um [livro], um walkman e comecei a tentar aprender poesia”
conta Dona Edite, que logo de cara aprendeu o poema ‘Estas Mãos’ de Cora Coralina.
Quando perguntada sobre qual poesia mais gosta, ela gargalha e comenta que por causa dos diferentes momentos da sua vida, cada poesia tem um lugar diferente em seu coração, e que não consegue escolher só uma. “Mas a que mais me marcou foi mesmo essa da Cora Coralina, que foi a primeira que eu soube de cor”, diz.
Dona Edite é símbolo de força, luta e aprendizado dentro dos espaços literários, e a identificação com o bairro tornou essa relação de admiração mútua. Para ela, não existe lugar melhor para se morar.
“Eu amo toda essa região e toda a história aqui. Ainda mais na luta enquanto mulher negra. Aqui aprendi a consciência de ser cidadã e ter coragem pra enfrentar as correntes que nos prendem”, compartilha.
Presente no dia de inauguração da sala de leitura que leva seu nome, Dona Edite recitou algumas poesias para os alunos presentes. Ela acredita que a homenagem foi uma representação de respeito a sua história.
“Sinto que sou uma pessoa com capacidade de ajudar, mesmo precisando de ajuda o tempo todo e trazendo comigo as pessoas que precisam estar junto nessa luta contra o preconceito. Eu me sinto grandiosa e não sinto necessidade de curvar a nenhum sistema”, finaliza Dona Edite.