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“Nossas ancestrais sempre se cuidaram”, diz  Leila Rocha, cofundadora da Coletiva Ilera

A Casa Ilera, centro comunitário de auto cuidado e saberes ancestrais, localizada no Jardim Robru, periferia da zona leste de São Paulo, acolhe moradores do território, para vivenciar o compartilhamento de conhecimento sobre saúde, alimentação e medicina a base de saberes ancestrais afro indígenas.

A iniciativa foi criada por mulheres negras e periféricas. Uma das criadoras da coletiva Ilera é Leila Rocha, enfermeira e gestora de políticas públicas. A profissional de saúde valoriza a cultura africana e indígena para desenvolver e aplicar estratégias de autocuidado para a população negra e periférica. 

Rocha já morou na Amazônia, onde conviveu com a população indígena, buscando aprender e desenvolver os tratamentos fitoterápicos, hoje aplicados nas ações da coletiva.

Leila Rocha, cofundadora da Coletiva Ilera. Foto: Andreza Vieira, aluna do Você Repórter da Periferia/Outubro 2023.

Em entrevista para Caroline Pina,  aluna da 7ª edição do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática antirracista – promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola,  à co-fundadora da Coletiva Ilera ressalta que a palavra “Ilera vem do Yoruba, que significa, fazer saúde através do compartilhamento”.  

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: Quando você percebeu que a ancestralidade é um instrumento para promover saúde da população negra e indígena?

Leila Rocha: Nossas ancestrais sempre se cuidaram assim. Em 2015,  na organização da marcha das mulheres negras, nós ficamos refletindo em como iríamos incidir na saúde das mulheres que andavam conosco, sem se machucar tanto com a Alopatia (Remédios da farmácia). Questionamos em como nossas mães se cuidavam, e fomos observar os terreiros de candomblé, os quilombos e nossas próprias mães, e notamos  que antes nossos remédios eram naturais. Tanto que hoje as indústrias farmacêuticas, nos observam, colocando os nossos saberes e tecnologias ancestrais em uma cápsula.

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: O que mudou na sua vida desde então?

Leila Rocha: Tudo! Digamos que larguei tudo,  primeiro eu saí do hospital , sou enfermeira de formação, sou especialista em gestão de políticas públicas,  e mudou o jeito como eu olhava o meu fazer profissional, e percebi que o hospital passou a não fazer sentido pra mim, porque eu entendia que ali era o fim, não o meio ou o começo.  

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: como é o seu trabalho hoje na Casa Ilera?

Leila Rocha: Hoje todo meu trabalho está neste lugar de cura a partir das plantas medicinais. E das diversas tecnologias negras e indígenas, nós achamos que tecnológico é só aquilo que é europeu, que é do branco. Mas não, o nosso povo tem tecnologia. E a Ilera faz isso, como Sankofa, que olha pro seu passado, para construir seu presente e seu futuro.

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: o que a Coletiva Ilera representa para você e para o território do Jardim Robru?

Leila Rocha: Significa a materialização e a continuação das nossas ancestrais. A Ilera pra mim é um instrumento de  fortalecimento e preservação da história e memória do povo negro, a partir do cuidar da saúde. E poder compartilhar isso com o território, ensiná-los a produzir e usufruir disso.

Caroline Pina – Você Repórter da Periferia: Quais impactos você sente em promover a preservação da cultura afro-indígena em um território periférico?

Leila Rocha: Quando as pessoas chegam aqui, falam que se curaram com um remédio nosso! Essas coisas são impactantes para nós. E também contribuiu com a nossa saúde mental e de quem está ao nosso redor,  porque promovemos saúde a partir da circularidade, musicalidade, da cooperação e do axé. Precisamos pensar que se não houvesse os terreiros de candomblé, os quilombos preservando a nossa cultura e a nossa saúde, nós não estaríamos aqui. 

É urgente a aprovação do tratado do Acordo do Escazú: atraso gera desconhecimento e aumento dos riscos dos povos originários

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No período recente, entre 2019 e 2022, o país registrou 795 assassinatos de pessoas indígenas, segundo relatório do Comitê Indigenista Missionário (CIMI), divulgado em julho de 2023. Sabe-se a partir dos próprios dados revelados que o principal alvo de crimes ambientais, os povos originários, estão cada vez mais ameaçados de atuarem como guardiões das florestas, rios e animais e ecossistema. No Brasil, são eles os constantes alvos do racismo ambiental e das mudanças climáticas.

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Brasil não iniciou a implementação do Acordo de  Escazú, tratado internacional ratificado por 15 países da América Latina e Caribe, e tem por objetivo promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, garantindo um sistema de proteção para ativistas climáticos. 

Estudante de Direito, Camilo Kayapó, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que pertence ao povo Kayapó, conhecido como Mebêngôkre. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

De acordo com a apuração realizada por essa reportagem, em conversa com alguns integrantes de grupos dos povos originários do país de diferentes etnias, relataram desconhecer o propósito e a importância do Acordo de  Escazú. A exemplo disso foi o que o estudante de Direito, Camilo Kayapó, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que pertence ao povo Kayapó, conhecido como Mebêngôkre, que habita e protege há décadas uma extensa área da Floresta Amazônica que se estende do norte de Mato Grosso ao sul do Pará, afirmou na conversa: “nós desconhecemos o Tratado. Também há pouca divulgação sobre ele entre os nossos povos aqui”, disse.

Segundo o estudante de direito, os povos indígenas irão ocupar cada vez mais espaços na luta pela sobrevivência e defesa dos seus modos de vida, por isso, o aumento das violações e ameaças aos povos originários.

“Os nossos povos estão resistindo até hoje, sempre estiveram aqui, sempre estarão, enfim, a gente pode observar hoje uma aparente reviravolta porque os nossos povos têm ocupado cada vez mais espaço. Eu penso que a abertura desses espaços são de suma importância para nós.”

Camilo Kayapó.

Assim como afirmado por Camilo, para Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima (povo que possui uma vasta história de luta por direitos e pela terra), escritora e pesquisadora de literatura indígena, o Acordo de Escazú também não faz parte do repertório de lutas por direitos de seu povo.

 “Esta pode ser mais uma política pública para fortalecer a proteção dos guardiões da floresta. Os povos indígenas são os maiores protetores de biomas, né? Então para mim essa política pública deveria passar fundamentalmente pela proteção do território desses povos, todos os povos indígenas que ocupam o Brasil. Precisamos ter mais conhecimento sobre este Tratado”

Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima.
Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

Ela complementa ainda que a principal política pública de defesa do território é a preservação da autonomia dos povos tradicionais para tomadas de decisão, reconhecida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi reiterada pela declaração universal das Organizações Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas em 2008.

De acordo com Maria Trajan, da Artigo 19, toda essa discussão dos direitos humanos dos acordos internacionais acaba geralmente ficando muito restrita com a sociedade civil e precisamos mesmo resolver esse problema de falta de comunicação. Há diversos outros Tratados que as pessoas no geral não têm acesso. “Este é um Tratado relativamente recente, no entanto, neste momento ele será muito difícil chegar na sociedade civil. Há também um processo interno de ratificação do poder legislativo, enquanto isso não acontece, o Estado não está vinculado a cumprir com as obrigações que estão neste texto”, explicou. 

Maria complementa ainda dizendo que com esse atraso não se tem política de divulgação, de implementação, e quando se fala nos povos originários, dentre outros elementos e problemáticas, há também diversos problemas que atravessam essa falta de divulgação, “assim como acesso a internet, a questão da linguagem, porque geralmente a linguagem também não é acessível, isso precisa realmente ser contornado, melhorado”, falou. 

Para terminar, explicando sobre a demora na aprovação e implementação do Tratado, ela enfatiza que o que falta é passar pela instância do poder legislativo para validar, a partir dessa validação, ele será incorporado.

“Queremos que este Tratado não fique parado, queremos que seja aprovado porque se refere a defesa do meio ambiente, das vidas das comunidades, além do acesso de mecanismo do poder judiciário e da proteção e defesa dos defensores ambientais. Ou seja, teríamos mais elementos para que os direitos dessas comunidades fossem respeitados”

Maria Trajan, da Artigo 19.

Defesa do território e o cumprimento de outros tratados em defesa do meio ambiente

Muralista, Akuã, do povo pataxó do sul da Bahia. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

A artista plástica, visual e muralista, Akuã, do povo pataxó do sul da Bahia, considera que uma política pública de reconhecimento dos povos tradicionais como guardiões da biodiversidade seria a maior estratégia de proteção que o Brasil poderia executar.

“É preciso compreender e respeitar o fato de que o Brasil só existe ainda porque os povos originários protegem o pouco de terra virgem que ainda não foi ocupada e desmatada”

Akuã

Para ela, o Marco Temporal é uma das principais demonstrações de desrespeito à soberania indígena, proteção dos saberes ancestrais e do território, fato que coloca a vida dos povos da floresta em risco a todo o momento.

Com vivências em cursos promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos, Ana Luiza, indígena do povo Pankararu, relatou que mesmo sem conhecer o Acordo de Escazú, a proteção do território vem em primeiro lugar: “Quando a gente fala sobre a segurança, para nós a principal falta é o território. Tem muitos territórios sem sua devida documentação, sem demarcação, a consequência disso é a invasão desses territórios. Inclusive até territórios que já estão demarcados estão tendo seus direitos violados, e muitos indígenas morrendo. Então, a gente poderia começar cumprindo o que tá na nossa legislação, né?”, questionou.

Tekoá Yvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Ruan Henrique/Outubro 2023.

Por uma Política de Proteção para além do indivíduo, coletivo e territorial

Quando se fala em política de proteção aos povos originários, Raquel Cruz, da Artigo 19, diz que o Acordo tem a ver com a aproximação das temáticas de direitos humanos e meio ambiente. Segundo Raquel, não existem direitos humanos sem que a gente se implique na necessidade de alinhar com o meio ambiente. O Acordo promove a integração desses dois mundos, é a ideia do acesso à justiça para as populações da população que habita esses territórios. “O Acordo é um documento recente, o Brasil assinou, mas não ratificou ainda, assinar significa se implicar nessas tarefas do acordo, estar a par desse tratado”, disse. 

Ainda de acordo com ela, a falta do acesso à justiça local tem a ver quando a gente não consegue ter acesso localmente e, ter um tratado internacional nos coloca em outro lugar.

“Debater esse Acordo nao é só falar da pessoa, indivíduo, mas é falar dele dentro de um coletivo, dentro de um ambiente. Afinal, esse defensor está dentro de um conjunto, território, povo, ele defende algo. O Acordo traz essa diversidade dos países da América Latina e Caribenhos. É dar liberdade para que os povos de cada território olhem para o seu território e veja formatos de luta, é um tratado diverso, mas que tem o objetivo de olhar para cada território, podem olhar para a sua própria comunidade e realidade específica. Parece um Tratado amplo, mas o objetivo é respeitar o local, o território”, conclui Raquel Cruz da Artigo 19.

Mas o que o governo atual tem feito?

A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, participou em abril de 2023 da 2ª Reunião da Conferência das Partes (COP-28) do Acordo de Escazú, que aconteceu em Buenos Aires, na Argentina.

Em uma das suas declarações no evento, ela enfatizou que “o Brasil passou a ser um dos piores lugares para ativistas ambientais no mundo”, devido ao abandono das políticas públicas e fiscalização de crimes ambientais durante a gestão do ex-presidente Bolsonaro.

Mariana ainda ressaltou que o Brasil irá avançar na implementação do Acordo de Escazú, a partir de um plano de ação que prevê medidas de controle ao desmatamento, combate contra a violência e a destruição da Amazônia. 

Tekoá Yvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Ruan Henrique/Outubro 2023.

O Acordo do Escazú e o direito à liberdade de expressão, ao protesto e a luta pelo território e justiça no Brasil

O Acordo de Escazú busca promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais e a proteção de defensores/as ambientais. Trata-se do primeiro acordo ambiental da América Latina e do Caribe e o primeiro do mundo com obrigações específicas de proteção de defensores/as ambientais. O Acordo é fundamental para garantirmos uma governança ambiental e climática transparente, participativa e inclusiva que garanta os direitos de defensores e defensoras ambientais da região. 

Escazú entrou em vigor em abril de 2021 e já foi ratificado por 15 países, incluindo Argentina, Chile, México e Uruguai. O Brasil ainda não ratificou o Acordo. O país assinou o documento em 2018 e o governo federal enviou ao Congresso Nacional em maio de 2023. Cabe agora ao Congresso a sua aprovação. O Movimento é formado por organizações da sociedade civil, redes, coalizões, movimentos sociais e cidadãos e cidadãs que atuam para promover o Acordo de Escazú no Brasil e a participação qualificada da sociedade civil brasileira nas Conferências das Partes (COPs) e outras atividades relacionadas ao acordo.

No Brasil, o movimento é formado por organizações da sociedade civil, redes, coalizões, movimentos sociais e cidadãos e cidadãs que atuam para promover o Acordo de Escazú no Brasil e a participação qualificada da sociedade civil brasileira nas Conferências das Partes (COPs) e outras atividades relacionadas ao acordo. 

Parte dessa campanha divulgada por integrantes da Coalizão de Mídias, foram organizados por vídeos aulas preparatórias junto a Artigo 19, e Dandara Souza foi uma das convidadas, ela relatou que “o Tratado tem a ver com o direito à informação, essa falta de informação afeta diretamente a população local, queremos saber quais são os acordos empresariais e estatais que estão sendo projetados para estes territórios, hoje há mais de 400 sendo preparados para estes territórios, queremos saber valores, empresas, projetos, impactos etc, mas a consulta prévia é desrespeitado, queremos saber todas essas informações para podermos nos organizar também”. 

Ou seja, o direito à liberdade de expressão e protesto e defesa do território tem a ver com informações prévias para que as comunidades se organizem e lutem por direitos e justiça.

“Queremos saber os nomes das empresas, como eles conseguiram essas aprovações, como foi feito, planejado, com quem? Quais são os dinheiros para esses projetos? Para a gente lutar e suspender esses projetos, precisamos saber da existência deles. Há historicamente um cerceamento a estas informações, o que dificulta a comunidade de protestar, de exercer a sua liberdade de expressão e de organização de luta comunitária”, diz Dandara Souza.

O não acesso à informação tem a ver com o silenciamento, com a desestimulação de forças de lutas. Para terminar, disse ainda que: “Para que a gente consiga nos olhar e nos organizar, precisamos saber quem viola, a comunicação é essencial nessa articulação. Por isso, temos que defender a liberdade de informação e de expressão”, finalizou Dandara. 

“Muitos expositores começaram com a gente”: o impacto do Festival Percurso no empreendedorismo cultural da periferia

No próximo domingo (10) de dezembro, acontece mais uma edição do Festival Percurso na Praça do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, a partir das 9h. Um dos organizadores do evento, Jaime Diko Lopes, 42, que também é comunicador da Rádio Mixtura, ressalta o propósito da agência Solano Trindade, criadora do evento, de fortalecer a economia local fomentado por empreendedores culturais e artistas independentes, que não são valorizados pelo sistema da indústria cultural.

Após 4 anos de realização da última edição presencial, o Festival Percurso retorna a praça do Campo Limpo com a sua tradicional feira de empreendedores, rodas de conversas e shows de artistas enraizados nos territórios periféricos. Ruan Henrique, aluno do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática antirracista – promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola, conversou com o Jaime Diko Lopes para entender os propósitos do evento que já faz parte do calendário cultural da cidade de São Paulo.

Jaime Diko e Tia Nice durante evento do Organicamente Rango. Foto:Vitória Rosendo, aluna da 7ª edição do Você Repórter da Periferia/Novembro 2023.

Ruan Henrique – Você Repórter da Periferia: Como foi criado o Festival Percurso?

Jaime Diko: Quando você fala de festival de música, somente vem à mente os grandes festivais que todo mundo fica ostentando, que são absurdos os valores cobrados, R$ 200, R$ 300 ou R$ 500, para você ir em um festival, o lance da ostentação chega até a gente, e a gente não tem esse recurso para pagar. O Percurso (Festival) é justamente isso. Eu falei assim: “mano, a gente vai fazer um festival nosso aqui, tá ligado? Que ele seja gratuito.” Aí a gente começou a entender como funciona esse mecanismo.

Ruan Henrique – Você Repórter da Periferia: Como o Festival Percurso impacta na vida dos empreendedores locais?

Jaime Diko: Muitos expositores começaram com a gente para depois entrar em várias outras feiras que acontecem na cidade, porque ninguém quer um expositor que não tem uma experiência, e a experiência acaba se dando no Festival Percurso, talvez um artista que não tem uma experiência, já exclui de um monte de situação, às vezes você não tem o diploma da faculdade X, e isso não te contempla diante da sociedade, então o Festival Percurso dá a experiência aos expositores locais e artistas que não são contemplados pelo sistema, por falta de experiência ou profissionalização.

Ruan Henrique – Você Repórter da Periferia: Qual a visão de futuro daqui pra frente?

Jaime Diko: Queremos ser referência, mas é uma consequência. A gente chegou pra fazer a diferença, desde o princípio, com certeza. O primeiro show nosso foi dos Racionais, uma das maiores bandas do Brasil, da quebrada. Depois de 15 anos que eles não faziam show no Capão Redondo, em 2014. A gente realizou no território deles, então é esse lance, de a gente conseguir também trazer os shows do sonho, sabe? Tipo, a gente fala assim: “Mano, tá acontecendo esse show lá do Racionais naquele palco, mas nós também queremos ter”. O show do Mano Brown do Boogie Naipe, o único show deles em uma praça pública foi feito por nós.

Ruan Henrique – Você Repórter da Periferia: Como você chegou até o Festival Percurso?

Jaime Diko: No primeiro Festival que aconteceu em 2014, eu cheguei, mas eu era um expositor, mas já trabalhava com produção cultural, porque até então eu era colaborador de um espaço que chamava Espaço Comunidade, onde agregava vários coletivos, aí eu fui convidado pra uma exposição no Festival Percurso. “Ó, vai ter um festival e o Racionais vai tocar”. Foi assim que eu entrei, eles já sabiam que eu trabalhava com o Z’áfrica Brasil, que é uma grande banda de Zâmbia, da Zona Sul de São Paulo.

Psicanalista fala das dificuldades no acesso de homens negros e periféricos à saúde mental

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“Existe uma ideia de masculinidade construída muito a partir do mito do homem negro. Onde o homem precisa ser sempre forte, viril e potente. Onde um homem não pode se permitir, em nenhum momento, sentir. Existe uma ideia de masculinidade construída a partir daquilo que é inalcançado”, é desse modo que o psicanalista, Cleubecyr Barbosa, 37, relaciona a masculinidade e o acesso de homens negros e periféricos à saúde mental. 

Nascido e criado no município de Nilópolis, na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, Cleubecyr é doutor em psicanálise, com linha de formação Freudiana, e tem como foco a saúde mental para pessoas negras através de atendimento, cursos e palestras sobre o tema.

Cleubecyr Barbosa, psicanalista e idealizador do projeto Racismo na Subjetividade. (foto: arquivo pessoal)

O psicanalista aponta que a construção de uma masculinidade idealizada é nociva para a saúde mental, pois para serem aceitos, esses homens se moldam à uma imagem insustentável de masculinidade depositada sobre eles. “O homem negro vai interagir constantemente com essa estrutura do não pertencimento. Isso que diferencia o homem negro dos outros homens”, pontua.

Cleubecyr coloca que a ideia criada de que homem não chora é uma representação forte, porque o choro representa o sentir, que se relaciona diretamente com o se permitir lidar com as próprias emoções e vulnerabilidades.

“A masculinidade passa por esse lugar do sujeito se permitir e interagir com as suas próprias questões, assumindo as suas responsabilidades, mas entendendo também as suas fragilidades. Então, uma masculinidade saudável é aquela que se sustenta nisso que o sujeito dá conta de ser.”

Cleubecyr Barbosa, psicanalista clínico.

Saúde mental e as estruturas sociais

O psicanalista cita três fatores que distanciam homens, principalmente negros e periféricos, dos cuidados com a saúde mental: elitização, preconceito e a desconstrução do ideal de masculinidade

Segundo Cleubecyr, a terapia foi colocada no lugar do erudito, do culto, do padronizado, que não consegue se adaptar às outras realidades, o que cria essa elitização. O profissional também ressalta o papel dos analistas, que devem buscar se adaptar à realidade de cada sujeito, para que o processo terapêutico tenha identificação entre ambas as partes.

“Existe muito a ideia [de que] psicanálise é coisa de rico, de madame, [que] é coisa para quem é fraco da cabeça, para quem não tem fé. Existe essa ideia equivocada em relação ao que é o processo, para quem é, e isso vai dificultando o acesso”, coloca.

O preconceito é outro fator que interfere na procura de homens negros por saúde mental. Cleubecyr relata que muitos homens fazem análise escondido, com receio de serem expostos ou descredibilizados. 

O psicanalista também aponta que o processo analítico trabalha com o oposto de tudo aquilo que a pessoa constrói para sustentar a ideia de masculinidade.

“Quando nós estamos falando de masculinidade, nós estamos falando dessa ideia de precisar ser forte, viril, potente, desse cara que não sente, e em análise é completamente o oposto. Você vai ser o tempo todo estimulado a interagir com as suas fragilidades, com seus sentimentos, a se permitir olhar e trabalhar questões que em algum momento precisou reprimir”, afirma Cleubecyr.

Outro ponto identificado por ele, é que a maioria dos homens entra no processo terapêutico a partir das suas parceiras. Essa resistência à prática é tão enraizada que dificulta, inclusive, no atendimento de meninos, crianças e adolescentes, que desde cedo buscam se sentir incluídos e pertencentes a partir desse ideal equivocado de masculinidade.

Sistema Público de Saúde

O acesso à saúde mental não se relaciona apenas a uma busca individual. Ao analisar pelo aspecto da saúde pública, esse acesso também esbarra na elitização e preconceito.

“Existe um preconceito do próprio sistema, que não dá muita importância ao cuidado mental [e] emocional. Existe uma ideia de que a psicanálise ou processos terapêuticos, não são para esses ambientes [para as periferias], então é tudo muito caro, as consultas são caras, os cursos de formação e isso inviabiliza o acesso”, afirma o psicanalista. 

No entanto, ele aponta que aos poucos esse preconceito está sendo quebrado e que projetos têm ajudado nessa questão, mas ainda assim, é necessário a atuação no aspecto de saúde pública.

“Existe a necessidade de uma estrutura pública prestando um real serviço na saúde mental, é o que está faltando”, coloca Cleubecyr, e ressalta que atualmente o que existe é um atendimento emergencial que se baseia no encaminhamento para a medicação, que tem sua função, mas não dá conta do tratamento como um todo.   

“O poder público não oferece o básico, você vai na maioria das periferias do Rio de Janeiro e não vê sistema de esgoto, sistema de educação, então o não cuidado com a saúde mental é mais um elemento que compõe todo esse não cuidado. Então realmente é um desafio estabelecer um programa de saúde mental que consiga alcançar esses homens negros da periferia”, diz.

Terapia em grupo

Desde 2021, Cleubecyr toca um projeto chamado Racismo na Subjetividade, com a proposta de falar sobre os efeitos do racismo na subjetividade negra. O projeto é conduzido junto com Terapretas, iniciativa que promove saúde mental de forma acessível para pessoas negras.

Através do projeto, os profissionais conduzem um grupo de acolhimento para homens negros, com encontros semanais, toda terça-feira, on-line e gratuito. Cleubecyr aponta que é possível alcançar o fortalecimento da saúde mental através da terapia em grupo, como a que conduz em parceria com o Terapretas. 

“O ponto principal é justamente a identificação. São histórias que se misturam. E aí as pessoas vão se percebendo acolhidos por essa ideia de identificação no sentido de não se perceberem mais sozinhas”, comenta o psicanalista.

Acesso de homens negros e periféricos à saúde mental
Cleubecyr com o grupo de acolhimento no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. (foto: arquivo pessoal)

O profissional relata que a partir dos encontros em grupo, até os homens que não se sentem à vontade para falar, são influenciados pela experiência e escuta, pois, às vezes, aquilo que o outro traz aciona uma identificação e desperta gatilhos positivos. Esse acolhimento e interação, mesmo sem a fala, são capazes de gerar um processo de cura.

“O processo analítico tanto em grupo, como individual, tem um fator principal que é: nós não estamos construindo esse processo para estabelecer sobre o outro um olhar de julgamento”, afirma Cleubecyr. 

O psicanalista aponta que esse processo terapêutico não tem o propósito de orientar ou aconselhar, a finalidade é construir um ambiente de acolhimento, onde os homens consigam encontrar um lugar seguro de pouso para as suas questões, algo, que por vezes, não conseguem encontrar em outra experiência.

Para participar do grupo terapêutico basta acessar o link das reuniões que acontecem às terças, a partir de 20h, disponibilizado nas redes sociais do Terapretas (@terapretas).

Genocídio em Gaza: As armas que matam na palestina, são as mesmas que matam nas favelas e nas periferias do Brasil

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Em 55 dias de massacre ocasionado por Israel por meio de bombardeios e ataques terrestres em Gaza, na Palestina, Oriente Médio, mais de 15 mil palestinos foram assassinados (sendo a maioria mulheres e crianças) e mais de 60 jornalistas e comunicadores também perderam as vidas. Jornalistas e comunicadores têm perdido suas vidas, primeiro, por serem palestinos, depois por tentarem mostrar o genocídio de seu próprio povo. 

Na história recente, o que o mundo assiste neste exato momento sobre a situação da Palestina, já é considerado um dos casos mais cruéis da história da humanidade. Toda essa situação vem acontecendo sob o olhar de lideranças mundiais que até se reúnem em conselhos das Organizações das Nações Unidas (ONU), mas não avançam por um fim a este massacre, ao partheid, a esta limpeza étnica, a este crime racial.

O Estado israelense massacra o povo palestino com o discurso de que os palestinos são todos terroristas. Mas o que o mundo assiste neste momento não começou agora, já são 76 anos que os palestinos sofrem com apartheid, racismo, colonização e militarização após a criação do Estado israelense. Diante disso, a professora e tradutora Ruayda Rabah, brasileira-palestina e residente na Palestina, explica que o que ocorreu no dia 07 de outubro é na verdade parte daquilo que chamamos de direito de defesa, um princípio internacional aplicável a todos os povos dominados pela ocupação, não àqueles que ocupam territórios que não lhes pertencem. 

Para Ruayda, primeiramente deveríamos saber o que é terrorismo para o estado sionista de Israel e para os norte-americanos.

 “O verdadeiro objetivo já se sabe desde 1947: Eles querem fazer uma limpeza étnica da Palestina. Eles querem o domínio do território que é de extrema importância para os norte-americanos e para Israel, que não passa de uma base militar para os interesses de estrangeiros, e a exploração das riquezas da Palestina, como o gás da Costa de Gaza no Norte de Gaza, onde inclusive, já existe exploração deste gás por parte de empresas estrangeiras”

diz, Ruayda Rabah

Ainda de acordo com ela, “o resultado disto tudo é uma grande revolta, em especial pelo silêncio internacional, e incertezas. Mas por outro lado, fortalecimento à resistência do povo palestino! Resistência está, em que milhares de centenas de mártires têm se amontoado, e outras centenas de pessoas presas em cárceres sionistas”.

Já em relação ao atual momento de trégua de cessar-fogo, Ruayda destaca que, na realidade, não ocorreu uma trégua por parte de Israel e que a violência persiste contra a população palestina tanto na Faixa de Gaza quanto na Cisjordânia.

 “Em toda a Palestina não há ninguém que acredite em tréguas por parte do ocupante, pois o desejo do povo palestino é a desocupação total de todo o território palestino. O grande receio pra gente é discutir trégua e não desocupação do território palestino e Israel com isto têm, mais uma vez, luz verde dos norte-americanos de continuar a limpeza étnica na Palestina”

conclui, Ruayda Rabah

Nem Gaza e nem as favelas e periferias do Brasil tem direito à liberdade de expressão

Foto de crianças palestinas durante manifestações na Faixa de Gaza (2018) em solidariedade aos moradores de favelas do Rio de Janeiro.

O que ocorre com os jornalistas e comunicadores da Faixa de Gaza, na Palestina, no Oriente Médio, não é muito diferente do que acontece com os jornalistas e comunicadores comunitários de espaços periféricos, favelados, quilombolas e indígenas do Brasil. Pois um dia estamos transmitindo a notícia, no outro, podemos ser também a própria notícia. Isso acontece porque estamos inseridos e vivenciamos estes territórios, nós compreendemos os códigos e os signos internos, no qual, a realidade das nossas fontes, personagens e especialistas, são as mesmas que a nossa. 

Jornalistas na Faixa de Gaza enfrentam o desafio de cobrir diariamente o massacre contra a população palestina, arriscando suas vidas e deixando suas famílias “seguras” em casa. Muitos desses profissionais têm suas contas bloqueadas por plataformas, impedindo o compartilhamento de seus registros com o mundo. Recentemente, os jornalistas Mohammed Farra e Wael Al Dahdouh, tiveram suas esposas e filhos assassinados por bombardeios israelenses que atingiram suas casas em, outubro de 2023, enquanto cobriam e registravam por meio de suas lentes o genocídio de seu povo.

Aqui no Brasil, produzir jornalismo e comunicação em territórios de periferias, favelas, quilombos, aldeias e no campo é, sem dúvida, um grande desafio. Precisamos estar muito atentos para realizar nosso trabalho e, ao mesmo tempo, ponderar sobre a nossa própria segurança e a de todos que nos cercam, afinal, isso de certa forma pode colocar nossa comunidade e nossos familiares em risco também. 

Por vezes, somos invisibilizados, mas continuamos sempre a trazer outras perspectivas e olhares para os territórios periféricos e favelados e todas as nuances que nos afetam no cotidiano. Sempre pautamos que periferias/favelas não são iguais, e cada uma, apesar de ter os mesmos problemas macros e socioeconômicos, consistem em peculiaridades únicas.

Diante do cenário macro político, o jornalismo produzido nas periferias e favelas do Brasil, tem suma importância, por ter um repertório em suas ações que vão do online ao offline, comunicando de forma territorial, combatendo a desinformação, pautando a realidade do cotidiano desses territórios, quebrando o estereótipo difundido pela mídia hegemônica de que periferias é tudo igual.

O avanço da internet e das plataformas digitais tem facilitado a comunicação nas periferias/favelas, mas essa democratização digital também tem seus limites. O Racismo Digital/Internet é uma realidade, o que nos leva a questionar de que lado os algoritmos e meios de distribuição de conteúdo se colocarão quando a corda se romper de vez. O mesmo tem acontecido com os conteúdos dos jornalistas de Gaza, eles têm tido os seus conteúdos retirados das plataformas. Com isso nos perguntamos: A internet é mesmo democrática? É para todos os povos?

Muro do apartheid que separa Jerusalém do campo de refugiados de Aida. Foto_Thais Siqueira

Maré (RJ) e Capão Redondo (SP) na Palestina: Nossa visita à Palestina em julho (2023)

Em julho deste ano, tivemos a oportunidade de visitar a Palestina representando a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas junto ao Julho Negro (Do movimento de favelas do Rio de Janeiro) e Frente de Evangélicos pelo Estado de Direitos, numa missão internacional de luta antirracista organizada pelos grupos palestinos: Stop The Wall e BDS Brasil.

Nos sete dias que percorremos a Cisjordânia, o que presenciamos ali foi o aumento do racismo, da militarização e do apartheid. Foram sete dias de intercâmbio com representantes de movimentos favelados, periféricos, negros e indígenas do Brasil, Colômbia e Equador. Participamos ativamente de encontros com coletivos e organizações sociais locais, visitas a lugares históricos e rodas de conversa nesses territórios.

Durante a visita, foi possível compreender de perto os efeitos do apartheid e do extermínio étnico e racial promovidos por Israel contra o povo palestino, que perdura há cerca de 76 anos, impondo uma série de retirada de direitos da população. Palestinos na Cisjordânia e em Gaza tem suas águas controladas, em alguns dos territórios eles têm água apenas uma vez na semana. Energia e redes de internet e telefonia também são controlados por Israel. 

Homenagem a Aboud Shadi, criança palestina de 13 anos, assassinada pelo exercito Israelense, em outubro de 2015, no Campo de refugiados de Aida. Foto_Thais Siqueia 02.07.2023

Entre as vítimas dessas ações estão crianças, mulheres e idosos, cujas vidas são afetadas de maneira irreparável. Dentro do território palestino, existem postos de controle, chamados de Checkpoints, nos quais o exército israelense decide quem pode entrar e sair, gerando uma constante sensação de incerteza e vulnerabilidade para a população local. 

Campos de refugiados abrigam pessoas cujos direitos são rotineiramente violados, casas são incendiadas e demolidas como parte da ocupação israelense, o que leva à expulsão ou morte da população palestina. Além disso, as terras e casas são frequentemente confiscadas à força para serem entregues a colonos vindos de várias partes do mundo, resultando em uma injusta usurpação de propriedade.

Visita da delegação na casa incendiada pelo exercito israelense , em junho de 2023, na cidade de Turmus Ayya. Foto_Thais Siqueira 05.07.2023

As mortes da juventude palestina nos chamam atenção e lembra o extermínio que a juventude preta e periférica/favelada enfrenta no Brasil. De acordo com os dados fornecidos pela organização Defense for Children International – Palestina (DCI), entre os anos de 2000 a novembro de 2023, foram registradas 2.3349 mortes de jovens palestinos menores de idade em decorrência da ocupação e presença de militares israelenses. Vale ressaltar que esses dados estão em constante mudança, sendo atualizados tragicamente todos os meses. Além disso, ouvimos inúmeros casos de prisões de crianças e jovens palestinos, um dos depoimentos nos chamou muita atenção, quando um jovem de 23 anos disse que já havia sido preso 33 vezes. Com isso nos perguntamos: Qual o direito à infância e à juventude que os palestinos têm em sua própria terra?

Vimos ali muitas semelhanças com o que ocorre nos nossos territórios. Pois as técnicas militares utilizadas pelo exército israelense na Palestina são vendidas para todo o mundo. Não por acaso a polícia militar brasileira, a carioca, durante os megaeventos no Brasil foi até a Palestina fazer treinamento. Ou seja, são muitas relações que o Estado brasileiro com o Estado israelense têm, comerciais e em detalhes. Eles financiam o apartheid na Palestina e financiam o genocídio da população negra moradora de favelas e periferias no Brasil.

Caveirão israelense no território palestino. Foto Thais Siqueira 05.07.2023

Neste cenário, fizemos registros fotográficos pela Cisjordânia para trazer reflexões sobre o impacto do sionismo (movimento político que defende a construção de um país dedicado a acolher a população judaica, por meio da ocupação do território palestino). E esse relato e essas fotos são parte dessa construção que nós comunicadoras faveladas e periféricas, que estivemos na Palestina este ano, trazemos como parte do nosso trabalho na ideia de contextualizar as lutas e as resistências de cá e de lá.

Para finalizar esse artigo argumentativo, nos perguntamos: Cadê a população mundial que estava indigina e inconsolável com a notícia falsa divulgada pela jornalista Sara Sidner que dizia que o Hamas havia decapitado 40 bebês? Dias depois, Sara pediu desculpas na sua conta no Instagram, mas o fato que essa notícia falsa já havia feito um estrago, sendo colocada como “justificativa” para as mortes da população palestina que ocorrem sob os ataques do governo de Israel todos os dias. 

Saiba mais

BDS, Stopthe Wall, Julho Negro: Contra o Racismo, a Militarização e o Apartheid (documentário), Da Palestina à Maré: a luta pelo direito à vida (relato), Do Rio de Janeiro à Palestina: a militarização dos territórios (entrevista)

Um presente de lembrança para o seu final de ano #22

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O clima de final de ano também chegou por aqui, e no último episódio do ano revisitamos algumas entrevistas que rolaram ao longo de 2023. Nele também tem um pouco do porquê o Cena Rápida existe e o seu propósito.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira 
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

“Pode ser o negócio das nossas vidas”, diz fundadora da Feira Preta sobre o empreendedorismo negro

O empreendedorismo negro no Brasil é um campo em evolução, com muitos desafios, mas também com uma crescente conscientização e esforços no combate as desigualdades histórica e promoção da inclusão econômica e social. Em entrevista a Franciele Ladislau , aluna do Você Repórter da Periferia – programa de educação midiática antirracista promovido pelo Desenrola e Não Me Enrola, Adriana Barbosa, uma das principais referencias afro-brasileiras, empreendedora e fundadora da Feira Preta, maior evento de cultura negra da América Latina,  destaca que o empreendedorismo negro é mais do que uma atividade econômica, é sobre identidade e ancestralidade do povo negro, no modo de gerir os negócios desde a escravidão.

Para que o mercado cresça, Adriana Barbosa chama atenção para duas questões fundamentais: o primeiro refere-se a desconstrução da mentalidade onde o sujeito sai do papel de enxergar seu negócio como uma mera fonte de sobrevivência e passa a entender aquela atividade como uma oportunidade de ter a própria empresa. O segundo fator vai de encontro com a criação de políticas públicas que fomentem a expansão desse segmento, como um marco regulatório de empreendedorismo negro no Brasil. 

Franciele – Você Repórter da Periferia: Quando você iniciou, você imaginou o impacto do movimento econômico que a Feira Preta iria trazer? Você já olhava para esses empreendedores como uma potência? Como?

Adriana Barbosa: Eu via que existia a potência, mas eu não sabia que geraria o impacto como é hoje. Não só a Feira Preta, mas o empreendedorismo negro no Brasil. Eu comecei vendendo minhas roupas em feiras de rua como expositora e eu via as outras pessoas pretas como eu, também tentando fazer, se virar, tentando sobreviver. E foi a partir dali que veio a construção da Feira Preta, foi quando fui entender que essa prática é ancestral dos mercados africanos, é uma vocação nossa, as relações comerciais, o empreendedorismo, trazer essa identidade para o produto e ali eu consigo enxergar o quanto poderoso poderia ser a gente construir o mercado de consumo para a população negra no Brasil. O objetivo era esse, essa prática da necessidade, virar uma prática por oportunidade e com qualidade.

Franciele – Você Repórter da Periferia: O que mudou no empreendorismo negro de 20 anos pra cá pensando no papel da Feira Preta?

Adriana Barbosa: Acho que a principal mudança foi a gente construir o mercado de consumo da população negra no Brasil, a partir da prática do empreendedorismo negro com engajamento racial, que mais para frente vira o tal do “black money”, o conceito americano. Então hoje tem uma consciência política de pessoas pretas com letramento racial em consumir de empreendedores negros e se aumenta esse desejo de consumo, aumenta a produção. Então eu acho que essa é a grande mudança que a gente teve.

Franciele – Você Repórter da Periferia: Segundo uma pesquisa do SEBRAE, com dados do IBGE, referente a 2022, o número de mulheres empreendedoras vem crescendo no Brasil. Pensando nisso, como o seu negócio pode incentivar novas lideranças femininas?

Adriana Barbosa: É o que a gente tem feito nos últimos 20 anos: estimular mulheres negras a se apropriarem do seu fazer, porque muitas vezes, elas já são empreendedoras, mas elas falam, não só tô vendendo uma tapioca, eu só tô fazendo um negocinho aqui e na verdade não, elas são empreendedoras. E o dia que ela se reconhecerem nesse lugar, desenvolve a auto-estima e uma mentalidade de se apropriar desse lugar, aí a gente vai para um outro patamar, porque senão a gente vai ficar na precarização do mercado de trabalho e é isso que eu acho que a gente quer contribuir nessa jornada do empreendedorismo negro no Brasil, para que seja um lugar de estratégia para a população negra.

Franciele – Você Repórter da Periferia: Tem alguma coisa que você queira trazer e que não perguntamos?

Adriana Barbosa: Sim. Quero ressaltar que a gente não é mão de obra, a gente tem um processo intelectual, ele não é só executor, não é só um serviço braçal, porque a construção do imaginário para a população negra no Brasil era do serviço braçal. Então eu acho que se a gente conseguir alastrar esse processo de autoconhecimento e conhecimento da história de onde ela vem. Tem o texto da Chimamanda, da nigeriana, que fala sobre o perigo de uma única história, a gente precisa contar novas histórias, elas precisam se ver nessas outras histórias, Essa é a sua história. Isso faz parte de você. Isso faz parte da sua construção, do que representa você nesse país. 

Criançada feliz

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Estamos chegando ao fim de mais um ano. Na comunidade a galera já se agiliza para desenrolar o natal solidário em diversas quebradas. 

Muitos já se organizam e fazem arrecadação de brinquedos e roupas em prol da distribuição para a criançada. Fazem jogos e festas com arrecadação de brinquedos para poder distribuir para as crianças da comunidade. 

Roupas e calçados também são bem vindos. Eles pegam a numeração da criança e vão ao trabalho de achar um “apadrinhamento” que será a pessoa que vai poder contribuir com aquela vestimenta. 

Quero propor uma coisa a você que está lendo esse texto: que tal esse fim de ano aí na sua quebrada ir em busca dessa galera? Pode procurar times ou ONGs que organizam essas ações, e apadrinhar uma criança para presentear elas esse fim de ano. 

E aí, bora fazer isso? É nós por nós sempre. 

Acredito que se cada um ajudasse conseguiríamos dar um natal diferente para mais crianças possíveis. E as ajudas podem ser diversas: brinquedos, roupas, calçados. Mais que tal aquela cesta de natal? Se na sua mesa a ceia desse ano será bacana, porque não ajudar a de outra família a ser bacana também. 

Nos fortalecendo e colaborando com nossa quebrada só temos a ganhar, e nada é mais precioso do que ver um sorriso no rosto das crianças. 

Que seja um fim de ano dahora para todos.

Quilombo Brotas: o primeiro quilombo urbano do Brasil

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Este texto é um convite ao presente e a reflexão de como estamos mantendo nossas relações com as raízes e com a ideia de urbanização e sustentabilidade.

Quilombo Brotas, localizado na cidade de Itatiba, São Paulo.

Durante a matéria de políticas públicas e combate ao racismo, ministrada por Eliete Barbosa e Danilo Benedicto no CELACC – USP, pude pesquisar e conhecer a história do Quilombo Brotas, localizado na cidade de Itatiba. Este texto é um convite ao presente e a reflexão de como estamos mantendo nossas relações com as raízes e com a ideia de urbanização e sustentabilidade.

O Sítio Brotas foi comprado em 1888 por um casal de alforriados, sendo o primeiro quilombo urbano do Brasil, porém apenas em 1969 foi realizado o registro em cartório e somente em 2003 o Sítio Brotas foi certificado como Área Remanescente de Quilombo pela Fundação Palmares, tornando-se Quilombo Brotas e ainda hoje está em processo de titulação.

O Quilombo possui problemáticas próprias acerca da gentrificação urbana e dificuldade de diálogo com as instituições competentes. A gentrificação ocorre em conexão com as construções do loteamento Nova Itatiba e com o fortalecimento do avanço de ampliação “urbana” mais “agressiva” no entorno, aqui especulo que isso se conecta com os debates sobre mercado imobiliário e o crescimento de cidades no entorno.

Estas problemáticas passaram a afetar também a liberdade religiosa da população quilombola, já que possuíam uma pequena represa onde eram feitas as práticas religiosas relacionadas a Umbanda, e as obras interferiram no curso das águas fazendo a nascente secar, impossibilitando assim a relação com as águas que dentro das religiões de matriz afro-brasileira são muito importantes, sendo utilizadas para rituais, entregas, banhos entre outros.

O quilombo também é uma área de troca com a natureza, você retira e devolve, existe uma lógica de preservação, então o que é sustentabilidade e urbanismo, quais as lógicas que são levadas em conta quando falamos sobre cidade, tecnologia e crescimento.

Sendo direito constitucional a preservação da cultura afro-brasileira, mas se fez presente durante toda a pesquisa, a angústia dos questionamentos de até onde as estruturas seguem a defesa dessa preservação.

Pude observar no desenvolver da pesquisa que o Quilombo foi esquecido nesse processo de construção e nessa ideia de dinâmicas e pertencimento do local, sendo que a população quilombola está lá desde 1888, o que deixa um tanto quanto difícil não enxergar como parte do racismo institucional, observando as instituições que atravessam os diversos setores do quilombo que foram afetados.

Hoje nas redes o assunto da ancestralidade e das nossas raízes é o foco de muitas pessoas, mas como está nosso povo? Seja nas periferias, nos quilombos e onde desejam estar. Como estão vivendo?

Falar de gentrificação é dizer que existem pessoas sem o direito de exercer sua cultura, sem moradia ou com altos custos de moradia em locais que já residiam anteriormente. A cidade se torna então um lugar ingrato para vivermos. Será que somos parte dela?

A ancestralidade ocorre hoje, o presente é nosso precioso princípio e bússola, o Quilombo Brotas resiste e procura formas de se manter em meio a ausência de seguridade do poder público e as invasões de quem busca lucrar sem respeitar quem ali estava antes. 

Agradeço a Vera, que está como representante do quilombo, pela disponibilidade de ouvir o grupo e realizar essa importante troca. Atualmente o Quilombo Brotas está se reconstruindo após as chuvas e continua enfrentando os embates (que nem deveriam existir), mas que só trazem a tona como ainda não chegamos onde achamos que já estamos.

Agradeço também a Aline, Beatriz, Lilian, Flavio e Sâmia que faziam parte desse grupo de trabalho e compartilharam das descobertas que essa pesquisa trouxe.

Nossa ancestralidade é hoje, somos nós, o passado é referência, o futuro é nossa consequência
Como água que corre e desvia
Como vento que sopra, refresca, mas também derruba estruturas
Como o fogo que esquenta, que incendeia, que não se limita
Como a terra que nos firma em pé, que nos permite construir
Como a liberdade que não existe sem coragem, sem força, sem responsabilidade

Poesia de Agnes Roldan

 “Se você transou com homem chorando, você já foi estuprada, mesmo que ele seja o seu marido”, ressalta a socióloga, Anabela Gonçalves

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Assista a entrevista completa sobre a cultura do estupro, domínio e poder sobre os corpos das mulheres.

A persistente mentalidade de superioridade masculina sobre as mulheres alimenta uma cultura que resultou em mais de meio milhão de mulheres estupradas no Brasil na última década. Dados recentes divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelam que, no primeiro semestre de 2023, foram registrados 34 mil casos de estupro no país, representando um aumento de 14,9% em comparação com o ano de 2022.

A cultura do estupro que descreve um conjunto de atitudes, crenças e comportamentos e banalizam a violência sexual, é tema do sexto e ultimo episódio da segunda temporada do programa Desenrola Aí, em entrevista com a socióloga Anabela Gonçalves. Para ela, o estupro está vinculado ao exercício de poder.  

“A violência sexual não está relacionada ao desejo. Ela está associada ao único espaço em que posso exercer minha força de poder: no corpo do outro, no mais frágil. É sempre uma relação de vulnerabilidade, seja da criança, do adolescente ou da mulher”.

Anabela Gonçalves, Socióloga.

Anabela destaca que o código penal brasileiro, até a revogação pela Lei nº 10.406, de 10.1.2002, dava aos homens total domínio sobre as mulheres casadas. A lei, datada de 1º de janeiro de 1916, declarava que as mulheres eram seres incapazes durante o matrimônio, sem autonomia para diversos aspectos de suas vidas civis, dependendo da permissão do marido.

 “Se você transou com homem chorando, você já foi estuprada, mesmo que ele seja o seu marido. Se você transou com homem com dor de cabeça, se você transou com um homem magoada, entristecida, depois de um ato de violência, você foi estuprada”.

Ressalta Anabela Gonçalves.

Anabela enfatiza a necessidade de políticas públicas que assegurem os direitos das mulheres, bem como a participação ativa das mulheres nas propostas e mudanças legislativas, visando efetivas transformações nos dados relacionados às violências enfrentadas por elas no Brasil.

Sobre o Desenrola Aí

O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa segunda  temporada abordamos sobre “Desconstruir Tabus: corpo e sexualidade”. O programa do Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.