É urgente a aprovação do tratado do Acordo do Escazú: atraso gera desconhecimento e aumento dos riscos dos povos originários

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No período recente, entre 2019 e 2022, o país registrou 795 assassinatos de pessoas indígenas, segundo relatório do Comitê Indigenista Missionário (CIMI), divulgado em julho de 2023. Sabe-se a partir dos próprios dados revelados que o principal alvo de crimes ambientais, os povos originários, estão cada vez mais ameaçados de atuarem como guardiões das florestas, rios e animais e ecossistema. No Brasil, são eles os constantes alvos do racismo ambiental e das mudanças climáticas.

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Brasil não iniciou a implementação do Acordo de  Escazú, tratado internacional ratificado por 15 países da América Latina e Caribe, e tem por objetivo promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais, garantindo um sistema de proteção para ativistas climáticos. 

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Estudante de Direito, Camilo Kayapó, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que pertence ao povo Kayapó, conhecido como Mebêngôkre. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

De acordo com a apuração realizada por essa reportagem, em conversa com alguns integrantes de grupos dos povos originários do país de diferentes etnias, relataram desconhecer o propósito e a importância do Acordo de  Escazú. A exemplo disso foi o que o estudante de Direito, Camilo Kayapó, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e que pertence ao povo Kayapó, conhecido como Mebêngôkre, que habita e protege há décadas uma extensa área da Floresta Amazônica que se estende do norte de Mato Grosso ao sul do Pará, afirmou na conversa: “nós desconhecemos o Tratado. Também há pouca divulgação sobre ele entre os nossos povos aqui”, disse.

Segundo o estudante de direito, os povos indígenas irão ocupar cada vez mais espaços na luta pela sobrevivência e defesa dos seus modos de vida, por isso, o aumento das violações e ameaças aos povos originários.

“Os nossos povos estão resistindo até hoje, sempre estiveram aqui, sempre estarão, enfim, a gente pode observar hoje uma aparente reviravolta porque os nossos povos têm ocupado cada vez mais espaço. Eu penso que a abertura desses espaços são de suma importância para nós.”

Camilo Kayapó.

Assim como afirmado por Camilo, para Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima (povo que possui uma vasta história de luta por direitos e pela terra), escritora e pesquisadora de literatura indígena, o Acordo de Escazú também não faz parte do repertório de lutas por direitos de seu povo.

 “Esta pode ser mais uma política pública para fortalecer a proteção dos guardiões da floresta. Os povos indígenas são os maiores protetores de biomas, né? Então para mim essa política pública deveria passar fundamentalmente pela proteção do território desses povos, todos os povos indígenas que ocupam o Brasil. Precisamos ter mais conhecimento sobre este Tratado”

Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima.
Trudruá Makuxi, indígena Makuxi de Roraima. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

Ela complementa ainda que a principal política pública de defesa do território é a preservação da autonomia dos povos tradicionais para tomadas de decisão, reconhecida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi reiterada pela declaração universal das Organizações Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas em 2008.

De acordo com Maria Trajan, da Artigo 19, toda essa discussão dos direitos humanos dos acordos internacionais acaba geralmente ficando muito restrita com a sociedade civil e precisamos mesmo resolver esse problema de falta de comunicação. Há diversos outros Tratados que as pessoas no geral não têm acesso. “Este é um Tratado relativamente recente, no entanto, neste momento ele será muito difícil chegar na sociedade civil. Há também um processo interno de ratificação do poder legislativo, enquanto isso não acontece, o Estado não está vinculado a cumprir com as obrigações que estão neste texto”, explicou. 

Maria complementa ainda dizendo que com esse atraso não se tem política de divulgação, de implementação, e quando se fala nos povos originários, dentre outros elementos e problemáticas, há também diversos problemas que atravessam essa falta de divulgação, “assim como acesso a internet, a questão da linguagem, porque geralmente a linguagem também não é acessível, isso precisa realmente ser contornado, melhorado”, falou. 

Para terminar, explicando sobre a demora na aprovação e implementação do Tratado, ela enfatiza que o que falta é passar pela instância do poder legislativo para validar, a partir dessa validação, ele será incorporado.

“Queremos que este Tratado não fique parado, queremos que seja aprovado porque se refere a defesa do meio ambiente, das vidas das comunidades, além do acesso de mecanismo do poder judiciário e da proteção e defesa dos defensores ambientais. Ou seja, teríamos mais elementos para que os direitos dessas comunidades fossem respeitados”

Maria Trajan, da Artigo 19.

Defesa do território e o cumprimento de outros tratados em defesa do meio ambiente

Muralista, Akuã, do povo pataxó do sul da Bahia. Foto: Thais Siqueira/Outubro 2023.

A artista plástica, visual e muralista, Akuã, do povo pataxó do sul da Bahia, considera que uma política pública de reconhecimento dos povos tradicionais como guardiões da biodiversidade seria a maior estratégia de proteção que o Brasil poderia executar.

“É preciso compreender e respeitar o fato de que o Brasil só existe ainda porque os povos originários protegem o pouco de terra virgem que ainda não foi ocupada e desmatada”

Akuã

Para ela, o Marco Temporal é uma das principais demonstrações de desrespeito à soberania indígena, proteção dos saberes ancestrais e do território, fato que coloca a vida dos povos da floresta em risco a todo o momento.

Com vivências em cursos promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos, Ana Luiza, indígena do povo Pankararu, relatou que mesmo sem conhecer o Acordo de Escazú, a proteção do território vem em primeiro lugar: “Quando a gente fala sobre a segurança, para nós a principal falta é o território. Tem muitos territórios sem sua devida documentação, sem demarcação, a consequência disso é a invasão desses territórios. Inclusive até territórios que já estão demarcados estão tendo seus direitos violados, e muitos indígenas morrendo. Então, a gente poderia começar cumprindo o que tá na nossa legislação, né?”, questionou.

Tekoá Yvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Ruan Henrique/Outubro 2023.

Por uma Política de Proteção para além do indivíduo, coletivo e territorial

Quando se fala em política de proteção aos povos originários, Raquel Cruz, da Artigo 19, diz que o Acordo tem a ver com a aproximação das temáticas de direitos humanos e meio ambiente. Segundo Raquel, não existem direitos humanos sem que a gente se implique na necessidade de alinhar com o meio ambiente. O Acordo promove a integração desses dois mundos, é a ideia do acesso à justiça para as populações da população que habita esses territórios. “O Acordo é um documento recente, o Brasil assinou, mas não ratificou ainda, assinar significa se implicar nessas tarefas do acordo, estar a par desse tratado”, disse. 

Ainda de acordo com ela, a falta do acesso à justiça local tem a ver quando a gente não consegue ter acesso localmente e, ter um tratado internacional nos coloca em outro lugar.

“Debater esse Acordo nao é só falar da pessoa, indivíduo, mas é falar dele dentro de um coletivo, dentro de um ambiente. Afinal, esse defensor está dentro de um conjunto, território, povo, ele defende algo. O Acordo traz essa diversidade dos países da América Latina e Caribenhos. É dar liberdade para que os povos de cada território olhem para o seu território e veja formatos de luta, é um tratado diverso, mas que tem o objetivo de olhar para cada território, podem olhar para a sua própria comunidade e realidade específica. Parece um Tratado amplo, mas o objetivo é respeitar o local, o território”, conclui Raquel Cruz da Artigo 19.

Mas o que o governo atual tem feito?

A ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, participou em abril de 2023 da 2ª Reunião da Conferência das Partes (COP-28) do Acordo de Escazú, que aconteceu em Buenos Aires, na Argentina.

Em uma das suas declarações no evento, ela enfatizou que “o Brasil passou a ser um dos piores lugares para ativistas ambientais no mundo”, devido ao abandono das políticas públicas e fiscalização de crimes ambientais durante a gestão do ex-presidente Bolsonaro.

Mariana ainda ressaltou que o Brasil irá avançar na implementação do Acordo de Escazú, a partir de um plano de ação que prevê medidas de controle ao desmatamento, combate contra a violência e a destruição da Amazônia. 

Tekoá Yvy Porã, território indígena localizado no Jaraguá, zona noroeste de São Paulo. Foto: Ruan Henrique/Outubro 2023.

O Acordo do Escazú e o direito à liberdade de expressão, ao protesto e a luta pelo território e justiça no Brasil

O Acordo de Escazú busca promover os direitos de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais e a proteção de defensores/as ambientais. Trata-se do primeiro acordo ambiental da América Latina e do Caribe e o primeiro do mundo com obrigações específicas de proteção de defensores/as ambientais. O Acordo é fundamental para garantirmos uma governança ambiental e climática transparente, participativa e inclusiva que garanta os direitos de defensores e defensoras ambientais da região. 

Escazú entrou em vigor em abril de 2021 e já foi ratificado por 15 países, incluindo Argentina, Chile, México e Uruguai. O Brasil ainda não ratificou o Acordo. O país assinou o documento em 2018 e o governo federal enviou ao Congresso Nacional em maio de 2023. Cabe agora ao Congresso a sua aprovação. O Movimento é formado por organizações da sociedade civil, redes, coalizões, movimentos sociais e cidadãos e cidadãs que atuam para promover o Acordo de Escazú no Brasil e a participação qualificada da sociedade civil brasileira nas Conferências das Partes (COPs) e outras atividades relacionadas ao acordo.

No Brasil, o movimento é formado por organizações da sociedade civil, redes, coalizões, movimentos sociais e cidadãos e cidadãs que atuam para promover o Acordo de Escazú no Brasil e a participação qualificada da sociedade civil brasileira nas Conferências das Partes (COPs) e outras atividades relacionadas ao acordo. 

Parte dessa campanha divulgada por integrantes da Coalizão de Mídias, foram organizados por vídeos aulas preparatórias junto a Artigo 19, e Dandara Souza foi uma das convidadas, ela relatou que “o Tratado tem a ver com o direito à informação, essa falta de informação afeta diretamente a população local, queremos saber quais são os acordos empresariais e estatais que estão sendo projetados para estes territórios, hoje há mais de 400 sendo preparados para estes territórios, queremos saber valores, empresas, projetos, impactos etc, mas a consulta prévia é desrespeitado, queremos saber todas essas informações para podermos nos organizar também”. 

Ou seja, o direito à liberdade de expressão e protesto e defesa do território tem a ver com informações prévias para que as comunidades se organizem e lutem por direitos e justiça.

“Queremos saber os nomes das empresas, como eles conseguiram essas aprovações, como foi feito, planejado, com quem? Quais são os dinheiros para esses projetos? Para a gente lutar e suspender esses projetos, precisamos saber da existência deles. Há historicamente um cerceamento a estas informações, o que dificulta a comunidade de protestar, de exercer a sua liberdade de expressão e de organização de luta comunitária”, diz Dandara Souza.

O não acesso à informação tem a ver com o silenciamento, com a desestimulação de forças de lutas. Para terminar, disse ainda que: “Para que a gente consiga nos olhar e nos organizar, precisamos saber quem viola, a comunicação é essencial nessa articulação. Por isso, temos que defender a liberdade de informação e de expressão”, finalizou Dandara. 

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