ENTREVISTA

“Inserir uma criança em um coletivo desenvolve um senso de pertencimento”, diz Matheus Barbosa, psicólogo e arte educador

Psicólogo usa maracatu como ferramenta de transformação social e cuidado com a saúde mental de crianças do Jabaquara, zona sul de São Paulo, por meio de atividades culturais promovidas pelo coletivo Mucambos de Raíz Nagô.
Por:
Luau Queiroz e Renato Souza
Edição:
Ronaldo Matos

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Através de ritmos e a força coletiva do Maracatu, crianças da zona sul de São Paulo estão encontrando um caminho para expressar seus sentimentos e superar transtornos como a ansiedade e a depressão. Mateus Barbosa, 27 anos, psicólogo e membro do coletivo Mucambos de Raiz Nagô, vem desenvolvendo um trabalho de arte, educação e saúde mental que integra a psicologia com a arte do Maracatu, para promover o desenvolvimento pessoal e social dessas crianças​.

A Musicoterapia, campo de pesquisa e conhecimento que procura observar os efeitos de experiências musicais, resultantes de encontro entre o musicoterapeuta e as pessoas assistidas é uma das práticas citadas por Barbosa, que vem sendo utilizada para trabalhar com a crianças questões cognitivas, motoras ou emocionais, beneficiando o autoconhecimento e bem-estar.

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Em entrevista ao Você Repórter da Periferia, o psicólogo e arte educador conta como essas experiências estão sendo adaptadas e aplicadas nos projetos culturais realizados pelo coletivo, para conectar crianças com o Maracatu e a partir desta prática de cultura ancestral conectar o desenvolvimento pessoal e emocional com a arte e a saúde mental.

Uma das ferramentas pedagógicas e lúdicas utilizadas pelo arte educador é a musicoterapia, para envolver coletivamente as crianças nos ritmos e sons do Maracatu. Foto: Zaya da Silva.

VCRP: Como você relaciona os aspectos da psicologia com a arte em seu trabalho de arte educação com crianças?

São coisas que estão intrinsecamente ligadas. Quando a gente pega os modelos de terapia complementar, a gente vê que tem um potencial gigantesco, né? Às vezes, quando a gente pensa em terapia, a gente só pensa no padrão convencional: o analista em uma cadeira, o paciente em outra, aquela troca, mas eu acho que a gente pode expandir as formas de terapias complementares, que já foram aprovadas também pelo Ministério da Saúde. Isso potencializa a comunicação e a verbalização de conteúdo que muitas vezes não conseguem ser acessados através de formas convencionais. Eu acho que a arte, de uma forma geral, como questões de musicoterapia, consegue acessar o indivíduo de uma forma mais fácil e mais horizontal.

VCRP: Você poderia citar alguma linguagem artística ou movimento cultural que possa impactar positivamente a saúde mental de uma pessoa?

O próprio Maracatu, que é a linguagem principal do grupo Mucambos de Raiz Nagô, pode ser explorado. É uma linguagem que vem das brincadeiras da cultura popular, enraizada no senso de coletivo, de estar ali pelo outro, sem a questão de querer que alguém se destaque mais que o outro. A cultura popular se manifesta dessa forma. Então, o próprio Maracatu, pela linguagem, características e funções que são ministradas, tem essa questão de você estar atento ao que o outro está fazendo para que as coisas fluam de forma coordenada. É uma linguagem muito potente.

VCRP: Você acredita que o Maracatu contribui com o autoconhecimento e o bem-estar das crianças?

O Maracatu ajuda muito nesse sentido. Temos um exemplo muito claro com as crianças do coletivo, que já cresceram nesse modo de fluidez. Inserir uma criança em um coletivo oferece espaço para que ela desenvolva um senso de pertencimento, algo que é essencial, principalmente quando falamos de crianças em situação de vulnerabilidade social. Se essa criança teve algum direito violado, ao entrar em um ambiente coletivo, ela passa a fazer parte de um espaço saudável, focado em promover o bem-estar. A presença de um grupo ao qual pertencer é fundamental para que essa criança consiga projetar um futuro melhor. Quando ela encontra modelos dentro desse ambiente, como um batuqueiro, por exemplo, ela pode se inspirar e pensar: “Eu quero tocar igual a ele” ou “Quero dar uma oficina como ele faz”. Esse tipo de exposição abre caminhos para que a criança desenvolva uma perspectiva de futuro mais saudável.

VCRP: Quais são os desafios e as oportunidades de unir uma abordagem terapêutica com uma prática cultural?

A rede pública de saúde e seus equipamentos ainda estão muito ligados a uma visão preconceituosa. Quando falamos de uma manifestação cultural de matriz africana, como o Maracatu, já existe todo um preconceito por trás. Se linguagens como a musicoterapia enfrentam barreiras, quando falamos de expressões da cultura popular, como o Maracatu, essas barreiras são ainda maiores. Além disso, essas manifestações não são muito presentes nas escolas, o que é preocupante, pois estamos falando da nossa cultura. O papel dos educadores é central nesse processo. Muitas crianças se sentem atraídas por culturas de fora, mas, se apresentarmos Maracatu, Ciranda ou Boi nas escolas, elas podem se conectar e se interessar. Essas práticas não são apenas uma promoção de saúde, mas também uma forma de aproximação e comunicação. Quando olhamos para uma pessoa, precisamos analisar o seu contexto biopsicossocial, e não apenas um sintoma isolado. Uma criança, por exemplo, pode chegar em uma roda de Maracatu, começar a se expressar e contar sua história, o que abre caminho para intervenções, talvez até interrompendo ciclos de violência. A cultura é um elemento fundamental para a formação da nossa sociedade, se a gente tira a cultura, acabou.

VCRP: Além do Maracatu, qual outra ferramenta pedagógica pode ser usada no desenvolvimento emocional e social das crianças?

Quando olhamos, por exemplo, para o efeito da linguagem da musicoterapia e analisamos os dados, vemos que a depressão acomete 4,4% da população mundial, o que é significativo. Nesse sentido, é importante reconhecer que a musicoterapia ajuda tanto na redução dos sintomas quanto na abertura para o outro. Através dessa linguagem, conseguimos acessar a pessoa de uma forma mais horizontal e transparente, eliminando alguns filtros. Um exemplo disso é quando um psicólogo chega ao CAPS e encontra um paciente. Antes do atendimento, ele pode ter um prontuário que já traz uma série de rótulos, muitas vezes sem a certeza de que aquilo foi diagnosticado corretamente, a gente não sabe se é um transtorno ou se é um sintoma da sociedade, que são coisas muito diferentes. E é muito mais fácil rotular do que entender a origem dos problemas. A musicoterapia, como uma linguagem complementar, permite acessar a pessoa como ela se apresenta, sem os rótulos.

Esse conteúdo foi produzido por jovens em processo de formação da 8° edição do Você Repórter da Periferia (VCRP), programa em educação midiática antirracista realizado desde 2013, pelo portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

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