Entrevista

Cordão Sucatas Ambulantes mantém viva a tradição do samba de bumbo em Itaquera

O grupo abre o carnaval na COHAB II, em Itaquera, com o resgate da herança cultural do samba de bumbo e dos bonecos de rua.
Por:
Viviane Lima
Edição:
Evelyn Vilhena

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A partir do samba de bumbo e dos bonecões do carnaval de rua, em 2007, foi criado o Cordão Sucatas Ambulantes. As atividades do grupo buscam promover o acesso à cultura popular, no Conjunto Habitacional José Bonifácio, conhecido também como COHAB II, localizado no bairro com o mesmo nome, no distrito de Itaquera, zona leste de São Paulo. 

“A gente não faz carnaval por entretenimento, a gente faz carnaval por movimento, fundamento [e] por militância”, conta Jefferson Cristino, 38, arte-educador, professor da rede pública municipal, idealizador da iniciativa e morador da região. “[A ideia é] utilizar essa arte, a festa, a brincadeira na rua para trazer a reflexão da gente ocupar a rua, não ter a rua só como um lugar de violência e se fechar dentro dos apartamentos, a reflexão [sobre] comunidade.”

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Cordão Sucatas Ambulantes mantém viva a tradição do samba de bumbo em Itaquera
O Cordão Sucatas Ambulantes tem o objetivo de desenvolver na COHAB II possibilidades de acesso à arte e à cultura. (foto: arquivo pessoal)

Através de uma oficina realizada, em 2007, pelo grupo “Treco, Saladas e Bonecos”, na Casa de Cultura Raul Seixas, Jefferson comenta que teve os primeiros contatos com a pesquisa e as técnicas de construção de bonecos, que na ocasião eram feitos de sucata. 

Com o fim do projeto, ele começa a reunir pessoas com os mesmos interesses referente à cultura popular e cria o Sucatas Ambulantes, que atualmente tem 20 integrantes, sendo a maioria moradores de Itaquera. Desde 2018, a sede do cordão fica em uma ocupação dentro da COHAB II, que atualmente é compartilhada com o grupo de capoeira Guerreiros de Fé.

Samba de bumbo

Para combater a ideia de que no estado de São Paulo não existiam culturas tradicionais, através de pesquisas, os integrantes do Sucatas Ambulantes aderem ao samba de bumbo como ritmo e dança condutora nos desfiles do bloco. Jefferson conta que o grupo é reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como uma das comunidades contemporâneas detentora da tradição do samba de bumbo. 

Boa vontade e respeito são as únicas coisas exigidas para participar do desfile do bloco. (foto: arquivo pessoal)

O arte-educador contextualiza que o samba de bumbo é uma manifestação popular tradicional do Estado de São Paulo, de matriz africana e banto. “As comunidades tradicionais e detentoras dessa manifestação são quilombos de resistência, [essa] é uma manifestação do interior do estado, que está ligada ao ciclo do café”. O samba de bumbo é reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de São Paulo, desde 2015, e como Patrimônio Cultural do Brasil, a partir de 2024.

Jefferson explica que a diferença do Samba Paulista, Carioca e do Samba Baiano é o grave. No Samba de Bumbo, a batida do bumbo, enquanto instrumento, é o centro da roda, assim como nos tambores de candomblé e religiosos. Ele comenta que as letras das músicas, que são chamadas de pontos, geralmente são feitas em quadras, são curtas, com pergunta e resposta, e muitas vezes de improviso.

As crianças também são acolhidas e bem-vindas no Cordão. (foto: arquivo pessoal)

Ele também menciona que a cidade de Pirapora do Bom Jesus era considerada o reduto da fé Paulista antes da Basílica de Aparecida do Norte existir, o que gerava a reunião de várias manifestações culturais no local. “As pessoas [pretas que] eram escravizadas no ciclo do café tinham a cultura [do samba de bumbo] que se desenvolveu no estado de São Paulo”, menciona Jefferson sobre o surgimento da tradição.

Além do entretenimento

O arte-educador pontua que as movimentações e experiências que existem para colocar um bloco de carnaval na rua geram diversos aprendizados. “[Vamos] para a rua com o objetivo de que as pessoas tenham um aprendizado. Que elas possam se aquilombar [e] se aproximar da espiritualidade, da ancestralidade delas”, diz Jefferson.

“O fim [de estar na rua com o cordão] não é um entretenimento. Estar na rua batucando com o samba de bumbo é uma questão de fé. Para nós a rua é um espaço sagrado.”

Jefferson Cristino, arte-educador idealizador do Cordão Sucatas Ambulantes

A felicidade no Sucatas Ambulantes é posta como uma ferramenta que fortalece e atrai as pessoas para outras questões. “O sistema quer a gente depressivo. O sistema lucra com a nossa infelicidade. Então fazer carnaval na rua nesse formato, sem precisar sair da quebrada para se divertir, ocupando um espaço que deveria ser nosso, um espaço mágico, encantado, que é a rua, isso é um ato de resistência”. 

Jefferson ressalta que muitos desses fundamentos foram construídos com os direcionamentos dos saberes e das movimentações de Soraia Aparecida, matriarca e mestra do Sucatas Ambulantes, além de fundadora da Cia Lelê de Oyá que, em 2021, faleceu em uma segunda-feira de carnaval. 

Jefferson Cristino e Soraia Aparecida em apresentação do Cordão Sucatas Ambulantes. (foto: arquivo pessoal)

Financeiramente o grupo se mantém principalmente por meio de apresentações e editais. Financiamento coletivo e mutirões também são feitos quando necessário. 

A participação dos moradores acontece de forma espontânea, pois o grupo não faz ensaios abertos, as pessoas aprendem ao participar das rodas de samba e das apresentações, assim como também acontece com os integrantes. O desfile do Cordão Sucatas Ambulantes, abre o carnaval na região da COHAB II, acontece à noite e conta com o apoio e participação dos moradores. 

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