Três personalidades periféricas que marcaram a web em 2020

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Podcaster, Youtuber e fotógrafo, essas são as profissões de três personalidades periféricas que ficaram conhecidas na internet, devido à produção de conteúdo digital sobre política, filosofia e cultura.

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Três personalidades periféricas que marcaram a web em 2020
Imagem: Desenrola E Não Me Enrola

Devido à pandemia, o ano de 2020 foi marcado por um extremo processo de virtualização da vida. Nesse contexto, o consumo de entretenimento digital cresceu muito nos territórios periféricos. Inúmeras iniciativas surgiram para viabilizar que os moradores das periferias tivessem acesso à internet, junto com esse movimento, surgiram também produtores de conteúdo digital que ganharam visibilidade e relevância por produzir narrativas sobre a transformação do estilo de vida dos moradores das periferias e favelas.

Um exemplo dessas personalidades que produzem conteúdo digital é o fotógrafo Marcelino Melo, mais conhecido nas quebradas da zona sul de São Paulo como Menino do Drone. Ele começou o ano realizando um registro de imagens áreas do cemitério São Luís, que mostrava a transformação do espaço com o crescente número de abertura de covas, para abrigar vítimas da pandemia de coronavírus.

O Menino do Drone chega ao final deste ano conhecido nas redes sociais por seu trabalho como artista plástico, onde ele reproduz miniaturas de moradias das periferias, criando uma riqueza de detalhes sobre a cultura de construção civil da quebrada. “A miniatura surgiu antes de ter o nome quebradinha, ai depois que vem o nome, se intensifica a coisa, aí eu acabo colocando mais conceito em cima”, relembra Marcelino, abordando o processo de consolidação do seu trabalho com criação de casas em miniatura.

Em 2020, o trabalho artístico de Marcelino foi destaques em vários perfis de entidades culturais, como a Bienal de São Paulo, além disso, o jovem artista foi tema de diversas matérias na imprensa paulistana. Ele conta que uma das principais características do seu trabalho é a provocação sobre a releitura do imaginário periférico.

“Eu acredito que eu atuo no território com um lugar de imaginário, em todas essas frentes que eu atuo no imaginário e a narrativa periférica acaba sendo a principal ferramenta. É uma disputa para desconstruir e construir outras paradas”, explica Melo. 26, que é morador do bairro do Campo Limpo.

A inspiração para desenvolver as casas em miniaturas tem uma contribuição forte de outra paixão de Marcelino que é a produção de fotografias aéreas, onde ele registra o formato do telhado e das casas nas periferias e favelas vistas do céu.

“Quando eu fiz o telhado que eu coloquei a caixa d’água eu gostei muito do resultado porque aquela influência era diretamente vinda do drone, da fotografia aérea, que é quando eu pego dois elementos muito forte na fotografia aérea de favela que é a caixa d’água e o telhado de Brasilit, ai eu reproduzi isso”, conta Marcelino.

A partir disso, o jovem artista começou a entender que essas influências precisavam ser contadas dentro do universo digital, então ele decidiu fazer um perfil no Instagram para expor sua arte e inquietações realizando lives e bate papos com os seguidores. Hoje, o perfil já tem mais de 50 mil seguidores que interagem com o seu trabalho. “Nunca pensei em estratégias de publicação, as pessoas foram chegando e ficando, e foi ganhando um prestígio cada vez maior, e isso só porque é de verdade, é sincera a coisa, então é completamente orgânico, eu nunca impulsionei nada”, descreve o artista sobre o processo de crescimento do seu perfil nas redes sociais.

Entre os momentos marcantes da sua trajetória nas redes sociais está a sua participação num vídeo do comediante Thiago Ventura, conhecido por fazer shows que exaltam a cultura periférica como um dos principais temas de suas apresentações de standup. 

600 moradores assinam conteúdo de podcaster do Capão Redondo

A iniciativa Manda Notícia foi criada pela jornalista e educadora Gisele Alexandre, 38, moradora do Parque Munhoz, zona sul de São Paulo. Ver o seu território se movimentando e criando soluções para combater as desigualdades sociais geradas pela pandemia de coronavírus foi também um estimulo para a comunicadora criar novas formas de informar a população local e combater Fake News, por meio de um podcast distribuído nas redes sociais e no Whatsapp.

“O Manda Notícias surgiu em março desse ano, muito motivado pela minha vontade e necessidade de gerar informação para os moradores da periferia onde eu atuo principalmente o vizinho e meu amigos”, explica a jornalista, que durante a pandemia começou a produzir conteúdos que levam informação de qualidade para moradores da sua rede de contatos nas periferias localizadas nos distritos de Capão Redondo e Campo Limpo.

Ao longo desse processo, ela percebeu que a distribuição de notícias contínuas foi contribuindo para aumentar o número de pessoas cadastradas em sua lista de transmissão, que hoje tem cerca de 600 pessoas. “O podcast ganhou uma conta e número exclusivo no whatsapp, a gente também abriu uma conta nas redes sociais e atualmente a gente já produziu mais de 80 episódios, que são enviados via lista de transmissão e também por meio de redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter”, complementa a comunicadora.

Após o encerramento da primeira temporada no primeiro semestre do ano, a jornalista se organizou com mais dois produtores de conteúdo digital da quebrada e começaram a elaborar a segunda temporada do Manda Notícias, trazendo episódios sobre notícias cotidianas da quebrada às terças-feiras, e às quintas feiras os temas de destaque giram em torno da cultura periférica, enfatizando a visibilidade de artistas periféricos.

Se aventurar como podcaster é um processo novo na vida da jornalista e simboliza uma nova cultura de consumo de informação para ela e para o seu público. “Eu não era uma consumidora de podcast eu me tornei uma consumidora de podcast, então eu também to no momento de desenvolvimento, é tudo uma construção, a primeira temporada tá bem diferente da segunda temporada, que eu espero que seja diferente da terceira, e a gente tem inovado a cada tempo, sem perder nossa identidade”.

Para Alexandre, construir e fortalecer uma identidade periférica para inseri-los no conteúdos é algo fundamental para preservar o jeito da quebrada se comunicar. “Eu acho que é o mais importante é ter essa identidade no podcast, que é um formato que a gente consegue manter a nossa maneira de falar com as pessoas que são próximas da gente”.

Ela enfatiza que identidade dos conteúdos é também uma forma de valorizar a cultura do jornalismo periférico. “Só faz sentido pra eu trabalhar no jornalismo se for falando da quebrada, eu tenho 38 anos, então eu já trabalhei bastante ao longo da minha carreira, eu sempre quis trabalhar com isso eu foi difícil eu conseguir viver trabalhando com jornalismo periférico”.

A Jornalista compartilha os planos e sonhos para 2021, esperando crescer ainda mais no universo digital dos podcasts e alcançar mais apoiadores para o projeto jornalístico. “Para 2021 eu espero trabalhar como podcaster, quando eu digo trabalhar é ganhar pra isso também, porque isso é importante, então hoje no Manda Notícias somos um projeto independente, então ano que vem eu espero que a gente consiga um apoiador”, finaliza ela.

Traduzindo Karl Marx para gírias paulistana

O estudante de sociologia e morador do Conjunto Habitacional Vida Nova, localizado na periferia de Paulínia, Marcelo Marques, 19, ficou conhecido como Aldino Vilão, criador do canal de You Tube que faz tradições da obras de grandes filósofos, utilizando gírias bem utilizadas pela juventude periférica.

Um dos seus vídeos mais comentados que viralizaram em 2020 foi intitulado de ‘Traduzindo Karl Marx para gírias paulista’, trazendo uma linguagem com essência periférica para falar de filosofia. O intuito do canal é trazer esse conteúdos de uma maneira informal, na gíria, conversando no sotaque paulista, trocando ideia de uma forma descontraída, sem usar aquelas expressões acadêmicas e engessadas.

O criador do canal explica que um dos seus principais objetivos é atingir alunos de escolas públicas. “Eu viso muito o ensino público, eu viso muito escola pública, como a que eu estudei, por exemplo, escolas muitas vezes depredadas, esquecida pela município, esquecida pelo governo do estado”, afirma o Youtuber.

O jovem entende que os conteúdos produzidos por ele expressa e se relaciona diretamente com sua vivência do cotidiano da quebrada. “Valorizar os arquétipos da quebrada, com uma linguagem, uma coisa que não é forçada, é uma coisa que eu uso no meu cotidiano, que eu uso para falar com minha namorada, que eu uso pra falar com meu amigos, que eu uso pra falar com meus parentes”, explica Marcelo.

Ele enfatiza que após a viralização do seu trabalho é compreensível o fato do seus conteúdos conseguir acessar tantas pessoas “Eu vi muito professor chegando pra mim no direct do Instagram e muito aluno mandando print pra mim de atividades de professor que envolvem meu material, e o professor colocando meu vídeo na aula online do Ead, e professor colocando meu vídeo como citação em exercício, e professor usando meus vídeos como material de referência de estudo das provas”, conta o Youtuber, ressaltando que além da viralização, o seu trabalho ganhou uma utilidade pública na educação de jovens.

Para 2021, Marcelo pretende se aprofundar mais em outras matérias além da filosofia, como história, antropologia, bibliografias, porém ele ressalta que seu foco é na valorização cultural da periferia. “Eu valorizo essa cultura, por isso que a quebrada ela se identifica, por isso que essa galera de quebrada curte mais, entende mais, porque nós pertencemos ao mesmo nicho cultural, então o sentido do meu conteúdo é para ensinar, mas o método que eu uso pra ensinar é ‘freireano’, então eu valorizo a minha cultura como moleque de quebrada, na gíria, na minha roupa, no jeito que eu me expresso, no jeito que eu sou”, conclui.

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