Quebrada Maps reúne jovens e crianças para criar uma nova geografia de SP

Edição:
Ronaldo Matos

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Com a educação e o direito à cidade como principal foco de discussões, o projeto reúne professores, jovens e crianças das periferias de São Paulo, para investigar a história de bairros, utilizando ferramentas educativas de mapeamentos cartográficos e geolocalização. 

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Foto: Thais Cerqueira

O professor de geografia Wellington Fernandes, 34, transformou sua pesquisa de mestrado em uma metodologia pedagógica capaz de compartilhar técnicas de produção de cartografia e mapeamentos para jovens e crianças, visando contar histórias invisíveis sobre os bairros periféricos de São Paulo, onde os participantes das atividades do projeto residem.

Fernandes conta que o mestrado possui um guia que mostra como trabalhar com mapas, pensando especificamente nas periferias. Uma das inspirações do professor é baseada na cartografia indígena, que traz em sua essência uma linguagem de disputa por território. Logo ele viu que poderia implementar essa lógica, para construir uma nova geografia da cidade.

“Uma geografia conectada com a periferia, conectada com o conteúdo”, define o criador do projeto Quebrada Maps. Ele enfatiza que a partir desse propósito, decidiu levar sua pesquisa para além dos espaços acadêmicos, tornando a escola pública da quebrada em um dos espaços de atuação.

“A cartografia hegemônica não dá conta de contar nossas histórias, aí no rolê com a juventude na escola, a gente chegou aí com a galera do quebrada maps”, afirma ele, relembrando que esse foi o processo para o desenvolvimento da pesquisa até ela ganhar o nome: Quebrada Maps .

Fernandes faz questão de relembrar o momento que entendeu junto com os estudantes qual seria o objetivo da existência do Quebrada Maps. “Vamos por em tona todas as nossas territorialidades das nossas quebradas e nossos lugares no mapa, só que mano o trampo é grande, pois nós temos muita história”, diz.

Ele complementa afirmando a prioridade de disseminar essa metodologia na quebrada. “O lance é que mais pessoas possam fazer isso, então além de fazer um exercício de contar outras histórias, também é de fortalecer que outras pessoas contem a história”.

O processo de desenvolvimento de uma nova cartografia que fale sobre o território passa por uma dinâmica que usa soluções tecnologias de mapeamento e geolocalização vai da teoria à prática. “A gente usa o Google Maps pra fazer as edições necessárias. Quando dá a gente também usa o Open Street Map, que é uma base aberta de dados livres, onde você consegue também editar a base de uma maneira muito mais ampla do que no Google”.

A vivência com os moradores das periferias também se torna um grande diferencial para tornar a cartografia com a cara da quebrada. “A gente fala: aonde você comprou doce tá aí no mapa? Vocês acham que a tia que vende coxinha aqui na frente da escola ia curtir estar no mapa” De repente, a gente pode até perguntar pra ela”, explica o professor, que a partir dessa concepção começa criar um mapa colaborativo com alunos de escolas públicas. 

 “A gente rompe o muro da escola e vai pros galpão de construção dos prédios na favela” 

 “Ao mesmo tempo o fortalecimento da autoestima dos alunos, mas também da construção do sujeito político dele, tipo as meninas que participam , como elas conseguem pensar no mapa a partir do gênero, como ela consegue pensar o mapa a partir de um lugar de cuidado, ou a partir de um lugar de insegurança, é como a gente vai construindo o conteúdo a partir desses indivíduos”, explica Jéssica Cerqueira , 28, moradora do São Miguel Paulista, e uma das educadoras que ministra oficinas no projeto.

Os educadores procuram levar o Quebrada Maps para além dos muros das escolas, para que os estudantes possam falar com mais pessoas, e desta forma, construir e transportar histórias cartográficas do território periférico para o mundo virtual.

Um desses territórios é a Favela do Sapé, localizada no distrito do Rio Pequeno. O bairro passa por um forte processo de especulação imobiliária e isso reflete na qualidade de vida dos moradores da região. “A gente fazia a formação dentro do galpão de construção dos prédios, com a galera ali da região e da Raposo Tavares, a gente rompe o muro da escola e vai pros galpão de construção dos prédios na favela para conseguir dialogar com o território além da escola”, relata Jéssica.

Ao relembrar sobre esse momento ela define: “foi potente demais a gente estar discutindo sobre um lugar que tinha não problemas, como a verticalização da favela do Sapé”.

Um dos motivos dos educadores para desenvolver essa metodologia de mapeamento com que constrói uma linguagem cartográfica da periferia foi justamente o fato de refletir sobre a desigualdade digital , que afeta os moradores das periferias e favelas.

“Se a gente quisesse por exemplo fazer uma trampo do Quebrada Maps de forma digital com os alunos, talvez vários deles não poderia acessar, porque nem todos tem internet. Às vezes demora vários dias pra responder porque tava sem internet”, contextualiza Cerqueira.

Através desta percepção de realidade dos estudantes sobre inclusão digital nas periferias, ela faz um relato sobre um acontecimento na formação com um dos seus alunos. “Eu lembro que na oficina a gente tirava duas ou três fotos e travava grande parte dos jovens, só quem tinha internet na hora chegava na oficina”, relembra a educadora, ressaltando que esse fator acabava distanciando os alunos que não tem plano de celular ou que só coloca crédito a cada seis meses para não perder o número.

A educadora entende que o papel do Quebrada Maps vai além de uma metodologia, mas sim um espaço para criação de repositório de dados cartográficos. Ela já consegue prever em quais situações esses dados poderiam ser utilizados. “Em 2021, é o ano do plano diretor da cidade né e como que a gente consegue de repente reverberar nessa construção, como que a gente discute a cidade como periferia não sendo só o fundão, só aonde as pessoas chegam pra dormir e tomar banho”, questiona. 

 “Eu não sabia o que era o Google Maps até entrar no Quebrada Maps” 

“Eu não sabia o que era o Google Maps até entrar no Quebrada Maps”, relata Júlia Isabel, 15, uma das alunas do projeto. Junto com a descoberta das ferramentas de cartografia e suas funções sociais, a estudante também explorou histórias do seu bairro. O primeiro mapa construído por ela gerou um grande impacto ao perceber a importância dos moradores para o território.

“Através desse mapa eu conheci história da dona Lourdes, que usa plantas medicinais como remédio para fortalecer sua comunidade dentre várias outras história de resistência periférica”, conta Julia, destacando que essa percepção veio logo no primeiro contato prático com a produção de um mapa que ganhou o nome de ‘Revanche da Quebrada’.

Outra estudante, Jennifer Paiva, relembra como ela e seu grupo ficaram chocados quando descobriram a falta de visibilidade de seu território em cartografias virtuais. “Eu me senti desvalorizada, eu fiquei chocada no primeiro momento, e me perguntava por que meu território não estava no mapa, sendo que ela não está no mapa, mas está em quase todos os jornais”, questiona.

A partir desta experiência de se sentir fora do mapa, ele questiona ainda mais o motivo pelo qual seu bairro fica em evidência em programas de noticiário policialescos, mas não aparece no Google Maps. “Eu me vi perguntando também por que ele não aparece no mapa, como aparece no jornal, eles querem mostrar só o que é ruim, não o que é bom, e no mapa a gente pode mostrar o que é bom”, acredita.

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