Entrevista

“Minha intenção é fazer com que o favelado se imagine como filósofo”, diz youtuber

Edição:
Ronaldo Matos

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Jovem da periferia da Paulínia criou um canal que traduz pensamentos de filósofos que marcaram época utilizando exemplos do cotidiano de moradores da quebrada.



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Estudante de história, Marcelo Marques criou o canal Aldino Vilão para traduz ideias de pensadores (Foto: Marcelo Marques)

Em menos de um mês, o canal de YouTube ‘Audino Vilão’ ganhou mais de 70 mil inscritos. Criada pelo youtuber Marcelo Marques, 18, morador do bairro Vida Nova, localizado na periferia de Paulínia, a iniciativa utiliza a linguagem periférica, formada por gírias e jargões populares elaborados por moradores, para traduzir ideias de pensadores e filósofos que marcaram época e moldam a forma de pensar da sociedade.

Um dos vídeos publicados recentemente aborda o tema ‘Traduzindo karl Marx para gírias paulistas’, viralizou em redes sociais como Facebook e Instagran, rompendo as barreiras do YouTube e alcançou 190 mil visualizações na plataforma de compartilhamento de vídeos do Google.

Marques afirma que a Filosofia tem o poder de cativar as pessoas a produzir conhecimento. Ele relembra que essa descoberta veio de maneira espontânea, através de um professor que dava aula para ele na metade do ensino médio. “Eu não tive incentivo na escola, porque quando estudei filosofia mal tinha aula. Eu tive aula realmente de filosofia só na metade do segundo ano do ensino médio”, lembra o youtuber.

Em busca de cativar outras pessoas, o jovem cursa atualmente licenciatura em História no formato EAD. Ele utiliza os conteúdos baixados durantes aulas online para elaborar os roteiros dos vídeos publicados no canal.

“Como eu faço EAD eu tenho as aulas de filosofia todas baixadas. Eu dou uma revisada, converso com alguns professores que eu tenho contato e elaboro o roteiro tá ligado?”, descreve Marques, relatando o processo criativo para criação dos vídeos. A partir deste trabalho, um dos objetivos do youtuber é se tornar o que ele define como “vilão do conhecimento”.

Segundo Marques, o seu canal nasceu para utilizar os conteúdos e a plataforma das redes sociais como um meio de despertar o questionamento filosófico na vida das pessoas com uma linguagem acessível que chega às quebradas. Ele acredita que essa é uma das maneiras de “distribuir para a favela no pique Robin hood”.

O trabalho dedicado a produzir vídeo para o Youtube não é uma atividade recente na vida do jovem morador de Campinas. Ele recorda que antes de destacar a filosofia como principal tema das produções, ela produzia vídeos com outros conteúdos, porém foi falando sobre pensadores e filósofos que ele descobriu um novo jeito de elaborar os conteúdos para o canal.

“Eu mudei o formato do vídeo por causa da demanda, o pessoal começou a gostar”, conta ele, justificando que o vídeo sobre o “veinho gordinho e rouba brisa” foi uma tentativa de tornar cômico os pensamentos de Karl Marx.

“Eu gravei o vídeo de Karl Marx na intenção de ser uma comédia, de ser uma negócio um pouco mais engraçado, mas quando eu fui ver o vídeo, que eu sempre assisto meus vídeos antes de postar, eu vi que ficou algo bem didático, ai eu falei mano porque não postar?”

Marques revela que não edita seus vídeos. Ele apenas grava no seu celular, aprova a estética e publica na plataforma de compartilhamento de vídeos. “Eu não tenho equipamento pra isso né. Eu tenho meu notebook, que coitado tá veinho, não aguenta rodar Sony Vegas, nem After Effects e Premiere. Não aguenta não”, explica.

Neste momento, onde o canal começa a dar sinais de mais engajamento para o seu público, o youtuber diz que está fazendo uma vakinha online para investir em equipamentos que vão aprimorar a ambientação dos seus vídeos.

“Minha dificuldade mesmo é às vezes minha mãe me chamar no meio de uma gravação, um bagulho assim”. Ele explica que a ambientação ajudará na elaboração dos seus vídeos, bem como na construção da identidade do conteúdo. “os caras passando cortando de giro, o carro do ovo, essas coisas. Mas isso também ajuda na ambientação da favela, pra gente se sentir bastante acolhido, pra gente se sentir encaixado no vídeo”, complementa Marques.

Os seguidores do canal têm uma forte influência na seleção dos assuntos abordados em cada vídeo produzido pelo youtuber. “Eu to atendendo alguns pedidos, tipo Espinoza. Espinoza foi muito pedido. Segunda-feira vai ter de Bauman, tem muita gente me pedindo e eu vou atender esses pedidos”, conta ele, afirmando que vem percebendo o crescimento de uma grande demanda de estudantes que estão se preparando pro Enem, e isso o deixa atento para atender esse público de inscritos no canal.

“Boa pra quem tem cursinho pago online, boa pra quem o EAD funciona quem mora na roça se deu mal, porque não chega nem sinal de celular, imagina de internet, quem não tem a condição de ter wi-fi em casa também se deu mal, então o governo não está nem aí, não tá dando base pro estudo. Então acho importante estudar pela internet, vou tentar fazer o máximo de filósofos mainstream”, argumenta.

O youtuber revela uma lista de pensadores que serão tema dos próximos episódios de vídeos em seu canal. “Kant, Hume, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho, já fechei a trilha dos socráticos, vou ver se eu trago os pré-socráticos”, conta ele, demostrando uma consciência sobre o descaso do poder público com a educação.

Para dar sua contribuição para quem esta se preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), ele está elaborando conteúdos que vão impactar uma parcela considerável de estudantes das periferias, que tem dificuldade para compreender e fazer uma leitura de mundo, a partir da obras destes pensadores.

A leitura do mundo periférico

“Eu pego a ideia do cara e falo mano, como isso aqui tá no meu dia dia? Como isso tá no dia dia dos meus amigos? Dos meus parças? Por exemplo, hoje eu falei do Dualismo Cartesiano, aí eu falei mano vou comparar com WhatsApp, porque faz sentido, é um bagulho que todo mundo vê, todo mundo tem, um bagulho assim”, analisa Marques, ressaltando que o canal serve para provocar uma leitura de mundo atual, através da interpretação do passado.

O Jovem carrega suas provocações abusando da interpretação da linguagem utilizando a dialética periférica para isso. Aproveitando uma frase famosa no cotidianos com seus parças, ele mostra que o conhecimento existe, mas com interpretações de mundo diferente. “A favela também tem várias frases entendeu, que os moleques carregam tipo ‘comigo quem quiser, contra mim quem puder’. Poow!, super Maquiavel isso ai, ta ligado?”, explica Marques.

O youtuber traz essa releitura da rotina dos moradores da periferia, pelo fato de perceber que é dentro da rotina desses moradores que está à acomodação. Ele conclui que é nela que se faz o sujeito periférico não refletir sobre sua atual condição dentro do seu território.

“No meu caso, eu faço muito mais voltado para a reflexão e atitude dentro da favela, para você quebrar esse cotidiano, para você fazer mais que só suas tarefas, que você faça suas tarefas pensando”, diz o youtuber, destacando o seu sonho de quem um dia a sua mensagem chegue nas casas de várias quebradas do Brasil.

“Minha intenção é essa: fazer com que os favelados, os mandrake, nós se imagine como filósofo, tomando as atitudes desses caras, que a favela também detenha o conhecimento de filosofia, mas também sai filósofo da favela, que o bagulho não fique só naqueles velhinho barbudo elitista cheio de dinheiro, que vai fazer um doutorado na gringa. A favela também pode ter filosofia”, finaliza Marques.

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