Você já parou para pensar como a pandemia está afetando psicologicamente e fisicamente a vida das gestantes que moram nas periferias de São Paulo? Essa questão foi um ponto disparador que motivou a parteira Ciléia Biaggioli, 42, moradora de Parelheiros, zona sul da cidade, a adotar uma plataforma digital de reunião como um ambiente de troca de conhecimento para difundir a sabedoria ancestral da gestação e do parto humanizado.
Pelo fato de estar impedida de realizar o atendimento presencial às gestantes que residem em territórios periféricos, essa foi uma das soluções encontradas, quando um grupo de doulas e parteiras que fazem parte do coletivo Sopro de Vida, onde Ciléia atua como integrante, começaram a pensar em formas de promover o bem estar físico e emocional de futuras mamães durante a pandemia de covid-19, o novo coronavírus.
A parteira explica que a essência do parto humanizado está no resgate de uma tradição perdida ao longo das gerações. “É o resgate do que era antes né, de um rito de celebração, de um momento de passagem, de um nascimento de uma mãe, de um pai, de uma criança, de uma nova família”, define.
Para Ciléia, a medicina ocidental produz pouco apoio emocional e físico para as gestantes, reduzindo a mulher apenas a um corpo que dá a luz. “Você vai para um hospital parir com pessoas completamente desconhecidas, que faz um toque em você a todo o momento, sem te perguntar se você quer e se pode né?”, questiona ela.
Tratar as dores
Andréa Martinelli, 26, mora na Vila Marcelo, bairro localizado na periferia da zona sul de São Paulo. Mãe solo, professora, pós-graduada em psicopedagogia, ela é uma das organizadoras do encontro virtual. “Começamos as rodas com a equipe de parteira, aprendiz de parteira e doulas. Aí trazemos as gestantes. Elas também convidam as amigas não só gestantes, mas pós-parto também, que nesse período de isolamento social também sofrem com falta de apoio, por falta de contato humano”, explica Andréa.
Ela é responsável por mobilizar mulheres das periferias para a roda, pois a equipe percebe que o parto humanizado ainda é uma informação distante para gestantes periféricas. “A gente convida e muitas vezes elas não tem tempo sabe, esse tempo de poder parar mesmo, que é uma vez por semana, uma hora e meia ter esse tempo para ter uma troca”.
Para conseguir acessar essas mulheres grávidas, as organizadoras estão em busca de divulgar os encontros virtuais para gestantes que frequentam unidades básicas de saúde nos territórios. “A gente está tentando levar essa divulgação pra a UBS, pra eles passarem para as gestantes, para elas terem acesso a esse conteúdo, de saber que existem as rodas”, afirma Martinelli.
Assim como à internet, a telemedicina ainda não chegou para todas as mulheres gestantes da periferia. Sabendo disso, as organizadoras da roda virtual utilizam de uma abordagem para tratar suas dores emocionais e físicas da forma mais humana e natural possível, através da escuta. “A gente busca sempre usar formas medicinais né, do uso de ervas naturais, para conseguir tratar algum tipo de enjôo, ou outro fator que a gestante tá sentido, e também tenta trabalhar a parte emocional, então antes disso a gente conversa: ‘aconteceu tal coisa com você? passou alguma coisa essa semana? ‘ – e a gente vai buscando essas questões emocionais que levaram essa mulher a sentir”.
Martinelli relembra sobre a importância dessa roda virtual, que carrega uma grande importância de desconstruir todos os conceitos pré-estabelecidos que elas aprenderam sobre gestação que não lhe fazem bem. “Quando a gente faz esse acompanhamento para gestantes e preparamos elas pro parto, a gente ajuda a diminuir a chance dela sofrer violência obstétrica, delas serem enganadas nos hospitais, e a gente também mostra para ela as opções que elas têm, se é uma gestação saudável, ela pode parir em uma casa de parto, ela pode parir em casa com parteira, enfim tem outras opções”, finaliza.
“É mais um grupo de amigas que apoiam umas às outras”
Mãe da Manuela de três meses, Suzane Mayumi, 26, moradora de Parelheiros, conheceu a roda virtual por meio de Andréa Matinneli, uma das organizadoras. Durante sua gestação, ela foi acompanhada pela Andrea e Ciléia até seu bebê nascer. Hoje, ela acompanha a roda para falar sobre sua experiência e como está sendo a segunda maternidade.
“É mais um grupo de amigas que apoiam umas às outras”, define Suzane ao contar o que significa para ela a experiência do encontro virtual de gestantes. Consciente do impacto do grupo de apoio na sua gestão, ela faz um relato da experiência: “consegui tirar minhas dúvidas e obtive mais conhecimento na roda, pois me alertaram como não ter o abuso no parto, como que seria o trabalho de parto, o que fazer nas situações de trabalho de parto e amamentação também, para pegar de maneira correta e não machucar a mama”, conta a moradora.
Mayumi entende que esse afastamento social no momento de pandemia faz com que as mulheres estejam mais propensas a depressão pós-parto. “Eu digo que se não fosse as dicas que eu tive, poderia não ter a mesma que tive maravilhosa que tive dessa gestação, pois na primeira gestação eu estava totalmente leiga no assunto”.
A moradora de Parelheiros teve sua primeira filha com 19 anos e partir desta vivência, ela aponta que suas maiores dificuldades naquela época foram a falta de informação, que a levou a ter experiências difíceis na sua primeira gestação.
Atualmente, a moradora atua na roda contando um pouco sobre suas experiências e apoiando outras mulheres que estão passando pelo período de gestação. “Indiquei que elas doassem o leite materno, visto que nessa pandemia o banco de leite caiu muito e precisam da doação para manter o estoque e poder ter leite para os recém nascidos”.
No final da entrevista a parteira Ciléia faz uma analogia com esse momento atual e o processo de gestação. “Eu brinco que a quarentena ela é um grande ‘puerpério’, esse momento da lua negra, o momento que o parto aconteceu e a gente entra então nessa introspecção, esse momento de amamentação que é um momento muito difícil, que a sociedade fala pouco e a gente tão pouco compreende”.