Criada para distribuir filmes e séries produzidas por cineastas das periferias, a plataforma daQbrada é uma iniciativa focada no cenário do cinema de Borda, Periférico e de Guerrilha.
Uma plataforma de Streaming independente totalmente livre, que concentra apenas produções audiovisuais feitas por moradores das periferias. Essa é a daQbrada, iniciativa criada pelo Coletivo Transformar, um grupo de 10 moradores de diversos bairros das periferias de São Paulo.
Enraizado na cultura de projeções de filmes ao ar livre em locais como becos, vielas e escadões e na produção de curtas-metragens, o coletivo decidiu ir além e apostar num novo projeto que explora o ambiente virtual como forma de democratizar o acesso ao cinema aos moradores das periferias e dar visibilidade as produções independentes da quebrada.
A ideia de construir a primeira plataforma de streaming dedicada a produções do cinema de Borda, Periférico e de Guerrilha partiu de Jonas Amaral, 29, integrante do coletivo Transformar que mora no distrito de Sapopemba, zona leste de São Paulo.
Segundo Amaral, a ideia consiste em agregar o trabalho de vários coletivos. “A gente que tá aqui na leste vai ter oportunidade de ver produções de coletivos diversos”, ressalta ele, afirmando que além de reunir inúmeras produções, a plataforma vai fortalecer as redes de audiovisual das periferias. Ele define o projeto como “um espaço de convergências das produções periféricas”.
E a partir desta perspectiva sobre o projeto, o produtor complementa apontando que a finalidade é ter também um ambiente não apenas para consumo de conteúdo, mas de troca. “Ao mesmo tempo ela é um espaço de quem quer assistir uma produção e tals, e que você vai encontrar muito mais fácil que no YouTube, ela acaba sendo um espaço de troca muito bom”.
A daQbrada levou um mês para ser elaborada. O responsável por desenvolver essa tecnologia é Marcio Rodrigues, 35, morador de Sapopemba. Ele é vizinho de Jonas e integrante do Coletivo Transformar. “Durante a quarentena fazendo home office acabava sobrando, aquele tempo que a gente gasta no transporte. Acabava pensando em outras coisas né, e executar também”, conta o desenvolvedor, descrevendo como aproveitou que o tempo extra em sua rotina, para pensar em novas tecnologias para seu território.
Rodrigues afirma que começou a desenvolver algo parecido com um repositório de filme, mas com o avanço do processo de elaboração, ele percebeu que o desenvolvimento de uma plataforma streaming seria a melhor opção, pós juntaria todos os propósitos do coletivo dentro de um ambiente virtual.
Durante o processo de desenvolvimento a maior dificuldade foi pensar como o usuário que é morador da periferia iria se sentir com a usabilidade da plataforma. “Você tem que estar preocupado aonde o pessoal vai acessar, aonde vai ser publicado esse vídeo, qual servidor, o servidor vai ter capacidade, vai ter o acesso das pessoas simultaneamente, como vai ser essa performance do vídeo”, explica Rodrigues.
Ele enfatiza a sua preocupação para produzir uma plataforma onde “os produtores da quebrada consigam exibir e seja acessível para pessoas que vivem nesses lugares, para elas conseguirem também assistir”, diz o desenvolvedor.
Preconceito Digital
Durante o processo de elaboração, o desenvolvedor foi surpreendido com o sistema de validação dos algoritmos, que impediram a publicação da plataforma com o nome daQbrada. Segundo Rodrigues, o sistema reconheceu como um site que distribui conteúdo que poderia prejudicar as pessoas que têm acesso a ele.
“O nome do site foi bloqueado por ter o daQbrada e ser visto como uma coisa que oferece risco pra quem está acessando”, relembra o desenvolvedor, denunciando como os algoritmos podem influenciar negativamente quando a linguagem é periférica. Ele relata que o problema continuou acontecendo com sistemas antivírus. “Mesmo assim ele acabou sendo bloqueado por diversos dispositivos de antivírus”.
Após vivenciar esses acontecimentos, Marcio faz uma reflexão sobre como os algoritmos podem impactar no esquecimento de territórios periféricos e seus moradores. “As pessoas querem sim consumir tecnologias que só estão disponíveis no centro, em São Paulo mesmo”, afirma fazendo uma comparação com a tecnologia disponível em seu bairro. “Na rua de cima o Uber chega, mas na rua de baixo a pessoa tenta chamar é não acessa, porque muitas vezes as empresas de tecnologia olham superficialmente pra esses lugares, elas não conhecem realmente o lugar e a demanda”.
Uma rede do cinema periférico
Após a criação do projeto, a plataforma torna-se uma comunidade livre, onde os próprios produtores e usuários alimentam seus conteúdos e fazem a daQbrada criar uma identidade própria, repleta de diversidade de narrativas que surgem em meio aos territórios periféricos. “A gente tá pensando trazer outros coletivos pra estar junto, e a gente se fortalecer enquanto coletivo e ao mesmo tempo fortalecer outros, a ideia é fazer um crescimento junto mesmo, mão com mão”, destaca Jonas, argumentando a importância de criar uma rede de produções periféricas.
Segundo ele, essa cultura de compartilhar experiências e conteúdos impacta também na qualidade das produções. “Esse compartilhamento de ideia ajuda também na melhora das produções”. Para o
Integrante do Coletivo Transformar, a plataforma serve como rede forte de produtores audiovisuais da periferia, visando combater e lidar com o monopólio das plataformas de streaming convencionais.
“As plataformas têm os objetivos comerciais delas, que não batem necessariamente com que a gente tá fazendo, porque você tá fazendo um curta que não tem necessariamente um objetivo comercial, na plataforma ele não roda legal, porque ele não atende o público que a plataforma se propõe a atender”, afirma Jonas.
A daQbrada ainda está em fase de teste e ao mesmo tempo está captando produtores para expor seus vídeos. “Essa questão da monetização a gente tem que estudar o que algumas plataformas livres tem feito né, o pessoal tem trabalhado com a estrutura de crowdfunder né, mas de uma forma que não seja algo restritivo”, explica o produtor audiovisual.
Neste momento, o grupo está pensando em um modelo de negócio que possa fortalecer produções audiovisuais das periferias e disponibilizar um conteúdo totalmente gratuito para seus usuários. “O audiovisual é caro né, a gente tem pensado muito como produzir”.
Em meio à fase de testes, o coletivo já planeja lançar um aplicativo da plataforma, pois percebe que conteúdos em dispositivos móveis são bem mais acessíveis para moradores das periferias, e para lidar com o viés dos algoritmos das plataformas convencionais o desenvolvedor já planeja fazer o aplicativo da plataforma. “No momento, tem como se trabalhar com algoritmos, tem como trabalhar com algoritmos do bem”, finaliza.