Celular e televisão viram válvula de escape para distrair filhos na pandemia, diz mãe solo do Grajaú

Edição:
Ronaldo Matos

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Bolinha de gude, soltar pila, brincar de boneca, ir ao parque, passear na praça e dormir na casa dos amigos, são alguns exemplos de simples ações de lazer que fazem parte do cotidiano de famílias periféricas que tem filhos na fase da infância, que deixaram de existir e deram lugar a novos hábitos de diversão na pandemia.

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Creditos: Natasha Navarro

“As mães são guardiãs dos nossos lares e das nossas crias”, define a produtora audiovisual Natasha Navarro, 21, moradora do Cantinho do Céu, distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo.

Essa visão de mundo é uma referência direta ao documentário “Guardiãs”, um curta metragem que ela produziu há um ano atrás, retratando o cotidiano de mães, que assim como ela estão desempenhando durante a pandemia um papel ainda mais difícil de ser uma ‘guardiã’ para proteger seus filhos.

No filme, Natasha se coloca também como personagem, a mãe de Elis de 1 ano e 9 meses e de Alice de 4 anos. As duas filhas da vida real estão ao seu lado durante 24 horas, porém ao longo da pandemia, um período forjado por muitas desigualdades sociais para mães das periferias, a produtora audiovisual viu seu papel de mãe se transformar em uma alucinada rotina puxada pelo desafio de gerenciar o tempo entre a vida profissional e a pessoal.

“Tem dia que a gente consegue da conta de tudo realmente, e tem dia que não dá, tem dias que a gente consegue fazer o básico que é alimentar as crianças, dar banho nelas sabe, e conciliar o trabalho também é difícil “, conta a moradora do Cantinho do Céu.

Ela argumenta que faz muita coisa ao mesmo, e por conta disso vive um dia de cada vez. Nesse cenário, a jovem mãe acaba tendo inúmeras barreiras para tirar um tempo para cuidar de si própria. 

“É bem confuso isso porque a gente acaba esquecendo de nós mesmas, às vezes a gente acaba vivendo tanto nesse looping né que vira uma rotina muito cansativa aonde a gente nem se lembra da gente”, diz.

O cenário começa a se complicar para Natasha quando essa falta de tempo acaba se transformando em uma culpa e elevada auto cobrança. 

“É muita responsabilidade para a gente. A gente tem essa preocupação que poxa eu tenho que me manter focada no trabalho, tenho que dar conta das crianças, tenho que deixar a casa minimamente organizada, só que a gente não é robô, então de um tempo para cá eu comecei a fazer a o que dá”, desabafa.

Em meio a esse contexto difícil e desigual para uma mãe solo cuidar de duas filhas Natasha revela o impacto de aparelhos eletrônicos como a televisão e o celular na rotina da vida dela e das filhas.

 “Tem justamente esse momento do celular, eu tento podar isso e não deixar muito tempo porque eu sei que às vezes o que elas estão consumindo não é uma coisa educativa, não é uma coisa que vai trazer um aprendizado para ela”, afirma.

Como ela mesmo define, o momento do celular é quando ela consegue fazer outras coisas em casa, porém ela tem muitas críticas aos conteúdos acessados pelas crianças. 

“Às vezes elas gostam de ver uns vídeos de alguém abrindo uns brinquedos, e outras vezes elas pedem esse brinquedo pra mim”, relata Natasha, enfatizando que quando isso acontece ela não tem o dinheiro para comprar. “Eu fico meio monitorando o que elas estão vendo e tentando colocar horários, mas é muito difícil na realidade, eu só ligo a tv lá, coloco um desenho e elas ficam quietas assistindo.”

Durante a entrevista, a filha mais nova de um ano e nove meses diz que prefere assistir conteúdo no celular ao invés da televisão. 

“Tem a questão da TV, ela falou agora e eu lembrei que ela não gosta de assistir na televisão porque ela não escolhe o que ela vai ver, e no celular como está na mão dela, ela consegue ver tudo, ela consegue mudar, ela consegue escolher, ela fica mudando toda hora, e na tv não”, descreve Natasha sobre o comportamento da filha mais nova.

Ela conta que esse comportamento da filha já reflete o desenvolvimento de uma malícia para entender quais meios eletrônicos são mais interessantes para ter autonomia de escolha dos conteúdos. 

“A mais velha que já tem quatro aninhos e ela já consegue brincar no mundinho dela, ela já consegue ficar mais de boa sem depender tanto, mas agora a mais nova não tem jeito, ou coloca uma Galinha Pintadinha, um Joãozinho, alguma coisa pra eles assistir, ou é total atenção sabe, não que isso seja uma coisa ruim, mas a gente precisa trabalhar, a gente precisa fazer nossas coisas né, então eu acho que ia ser um pouco mais difícil , se não tivesse”, enfatiza Natasha, apontando que apensar do malefícios, os aparelhos eletrônicos e digitais cumprem um papel de aliviar a carga de trabalho das mãe solo.

Ela finaliza a entrevista afirmando que quando não está dedicada ao trabalho, todo o tempo livre é voltada para as suas filhas.

“Eu tento que desvincular isso, por exemplo, na hora de dormir acabou televisão e acabou celular, acabo tudo! Então a comecei a dar livros para elas, sem ser esse meio digital. Eu percebi que no começo elas gostavam mais, mesmo sem entender tanto, mas isso não prendia elas, o celular e a televisão infelizmente acaba sendo uma válvula de escape para mim”. 

Natasha finaliza lembrando que por muitas vezes tentou outros formatos de entretenimento para suas crianças para fugir do universo digital, porém esse ainda é o tipo de conteúdo que mais prende a atenção delas.

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