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Ao Padre Jaime Crowe: um agradecimento da juventude

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Temos experiências que são frutos de sua luta pelo direito à vida da juventude, com o relato de alguns jovens que foram atendidos por seus projetos e seguem seu legado.

 “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”

Pra não dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré

São Paulo, Jardim Ângela, zona sul de São Paulo. Ali dos lados que Mano Brown se refere quando canta “dá ponte pra cá”. Casas demais, gente demais, talentos demais, jovens demais e oportunidades e direitos de menos. Nas nossas quebradas, sempre foi assim. Mas não sem a voz do nosso povo reivindicando pela garantia mínima de condições de vida.

E dentre essas vozes teve uma que se levantou, mas não era das mulheres que enterravam seus filhos jovens vítimas da violência, era uma diferente: de um senhor padre, branco, estrangeiro, que chegara à região. 

Levando a sério a passagem bíblica de que “a fé sem obras é morta”, Jaime foi agente de várias e várias obras, algumas lembradas pelo Rafael Cícero neste artigo:

Quando os distritos Jd. Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luís passaram a ser conhecidos como Triângulo da Morte por ser a região mais violenta do mundo inteiro, o Padre rezava missas e missas de 7º dia pelos corpos das diversas vítimas de violência, em sua maioria jovens e negros da periferia. Mas não achava isso normal: sentia um incômodo e a partir daí percebeu a necessidade de lutar para reverter este quadro de homicídios na região. 

Jaime nos deixou em fevereiro de 2023 e felizmente podemos dizer que sua luta em vida não foi em vão: hoje temos experiências que são frutos de sua luta pelo direito à vida da juventude com o relato de alguns jovens que foram atendidos por seus projetos e hoje seguem seu legado. 

Ingryd Boyek, Sociedade Santos Mártires.

Ingryd Boyek tem 25 anos, é psicóloga e atua como assistente técnica no SCFV – Centro para Criança e Adolescente Riviera da instituição Sociedade Santos Mártires. Também é coordenadora da Rede Ubuntu de Educação Popular e psicóloga do coletivo Ubuntu de Saúde e Cidadania. Segundo ela: 

“Falar do Padre Jaime e do seu trabalho é falar sobre esperança, principalmente para a nossa juventude. A sua obra tem um impacto enorme na minha vida, porque desde quando tinha 8 anos fui acolhida pelo Centro de Formação e Recreação São José, participando ativamente das atividades do ozen, que com a mudança de nomenclatura passou a ser Centro para Criança e Adolescente (CCA), e dos cursos e oficinas do Centro para Juventude Riviera (CJ)”.

E completa: “O espaço que ocupo como indivíduo e como profissional existe porque pessoas como o Padre Jaime acreditaram que eu conseguiria e impulsionaram-me a conquistar. Orgulho-me de ser agente de transformação positiva, de poder retribuir nos lugares que percorro tudo que aprendi com esse grande homem e com tantas outras pessoas que lutam para não termos nenhum direito a menos. Agradeço por ele ter insistido no nosso território e na nossa juventude.”

Saulo Vilanova, Sarau Apoema.

Saulo Vilanova tem 24 anos, é morador do Jardim Ângela, estudante de Letras na USP e membro do Sarau Apoema. Desde 2018, é coordenador e professor da Rede Ubuntu de Educação Popular. Em suas palavras:

“Num terreno de vulnerabilidades, não há forma de se progredir sem cultivar sonhos e de lutar coletivamente. Apesar disso, são poucas as pessoas que conseguem juntar o povo oprimido e elevar nele a sua autoestima, que historicamente é esmagada. Padre Jaime, ao lutar incansavelmente por essa auto-estima, é um marco na história de muitos periféricos, sabendo eles ou não disso. Nesse bonde, é preciso incluir a juventude favelada do Jardim Ângela, a quem ele foi um incansável defensor por gerações e gerações.”

Ele continua: “É preciso dizer, porém, e é claro, que o Sarau Apoema, tão recente na história da arte periférica do Jardim Ângela, não foi o primeiro movimento a ser acolhido e incentivado dessa forma. Era também através de Jaime que batalhas de rima, apresentações de teatro, lançamento de livros e outros movimentos artísticos ganharam fôlego. Jaime acreditava na arte como forma de valorização e resgate da vida, e nisso passamos a acreditar também”. 

Saulo ressalta que nessa guerra que Jaime escolheu combater com sua sobrevivência e vitalidade, a juventude do Jardim Ângela, seja qual geração permanecer, terá sempre um espírito de gratidão.

Juntos num só lema! Saudações, Jaime!

Isabella Souza, Rede Ubuntu de Educação Popular.

Isabella Souza tem 21 anos, é estudante de Psicologia, moradora do Jardim Ângela, ex-aluna e atualmente coordenadora na Rede Ubuntu de Educação Popular. Para ela:

“Não tem como lembrar do Padre Jaime sem lembrar dos sábados em que ele visitava o cursinho e nos cumprimentava com ‘saudações corinthianas’ e um sorriso no rosto. Lembrar do Padre Jaime é lembrar do significado de Ubuntu: eu sou porque nós somos.” 

Ela completa: “Sem a ajuda e presença do Padre Jaime eu não estaria na faculdade, com bolsa 100%, no 4º ano do curso da minha vida e podendo retribuir (mesmo que minimamente) todo o esforço e trabalho que os voluntários do cursinho tiveram para que eu pudesse sonhar. A Rede Ubuntu carregará sempre a chama de esperança que o Padre Jaime acendeu em nós e essa chama ficará cada vez mais forte. Obrigada por tudo, Padre!”

No país em que um jovem é assassinado a cada 17 minutos (Atlas da Violência 2021), a continuidade de toda a mobilização segue sendo necessária. 

Nós, jovens periféricos, merecemos o direito à vida e a uma vida com oportunidades. 

Por ter levantado sua voz em nossa defesa, deixamos aqui ao padre Jaime Crowe o nosso muito obrigada.


Este é um conteúdo opinativo. O Desenrola e Não Me Enrola não modifica os conteúdos de seus colaboradores colunistas.

Elvis Justino explica como a LGBTfobia afeta a saúde mental da população LGBTQIAPN+

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Para desenrolar sobre o impacto da LGBTfobia na saúde mental da população LGBTQUIAPN+, o Desenrola Aí entrevista Elvis Justino, diretor adjunto da Parada LGBT de São Paulo, para compartilhar uma série de reflexões sobre como esse cenário interfere na qualidade de vida da comunidade LGBT nas periferias.

A depressão e o transtorno afetivo bipolar são exemplos de transtornos mentais causados pela ausência de cuidados com a saúde mental. Entretanto, no caso da população LGBTQIAPN+, esse problema é ainda maior, mesmo com a Resolução nº 01/1999 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que torna ilegal práticas de psicólogos e terapeutas que favorecem tratamentos como a “cura gay” durante o atendimento de pacientes, essas recomendações ainda surgem como “solução” para a saúde mental de pessoas LGBT. 

Segundo Elvis Justino, esse contexto aproxima essa população do suicídio, que é fruto de uma série de complicações emocionais  impulsionada pela ausência de acompanhamento profissional para cuidar da saúde mental.

“Tem psicólogos que são defensores da corrente da cura gay […] que se utilizam de casas terapêuticas, que acabam sendo lugares de tortura”

Elvis Justino, diretor adjunto da Parada LGBT de São Paulo

Este é o quinto episódio da primeira temporada do Desenrola Aí, o programa de entrevistas do Desenrola e Não Me Enrola que busca descomplicar assuntos relevantes para a vida da população negra e periférica. Nesta temporada, vamos abordar sobre o direito à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias. O Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e a Fluxo Imagens. 

Sobre o Desenrola Aí 

​O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. Nessa primeira temporada vamos abordar sobre os direitos, à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias. O Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

“Por conta de política muitos alimentos ficam caros”, diz criador do projeto Nutri Favelado

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Percebendo a falta de conexão entre políticas públicas, debates científicos da faculdade de nutrição e a realidade social e econômica dos moradores das periferias e favelas, José Carlos, 26, morador de Piracicaba, interior paulista, fez uma todo o conhecimento necessário para criar o Nutri Favelado, um perfil de Instagram que apresenta de forma “favelada” o debate sobre o direito à alimentação.

Desde o início da sua caminhada, o nutricionista já sentia que dentro de sala de aula não se encaixava, não somente na parte social, mas também na forma como era ensinado o que e como deveria ser uma alimentação correta.

“Não me situava muito naquilo que estava sendo ensinado. Estudávamos sobre o corpo, proteína, o que pode ou não comer e deixavam de lado as condições que nós, moradores das periferias, temos de fato para fazer uma refeição”

José Carlos, nutricionista e criador do projeto Nutri Favelado
Atividades realizada com o grupo de Juventudes do SESC 24 DE MAIO, região central de São Paulo. (Foto: Renata Teixeira)

O ativista ainda reforça que dentro da academia é ensinado como lidar com uma pessoa com uma determinada condição social, mas quando chegavam pessoas abaixo daquilo que era estipulado, não sabiam como orientar.

A partir desta visão crítica, o Nutri Favelado gera debates e reflexões que são de interesse dos moradores da quebrada, a fim de aproximar os seguidores da plataforma digital de assuntos que giram em torno do caminho que o alimento faz até chegar em suas mesas, tudo isso, através de muito estudo traduzido de forma simples e acessível para todos.

“Muitas coisas que eu via em sala de aula, estavam distantes do que eu via nas ruas”

José Carlos, criador do projeto Nutri Favelado

“O Instagram me deu mais liberdade para me expressar. Tem um problema de fome batendo na porta e eu tenho o conhecimento, então o objetivo é amenizar os problemas dos meus de uma forma simples”, explica José.

Filho de catadores de latinha, ex-motorista da Uber e hoje nutricionista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba e pós graduado em nutrição vegetariana e vegana, José uniu o conhecimento acadêmico com sua realidade socioeconômica, para trazer informações e provações sobre o que é comida e como ela está totalmente ligada à política e a condição de vida dos moradores das periferias e favelas.

Política e alimentação saudável

A lei 11.346, de 15 de setembro de 2006, cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que tem como dever, o direito de assegurar uma alimentação adequada e de qualidade para todos. Além disso, a Constituição Federal reconhece a alimentação como um direito social de todos os brasileiros. Mas tudo isso, assegura de fato a população periférica?

Em 2018, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da ONU, com a chegada da pandemia, o cenário se agravou, conectado a uma profunda crise política, fatores que segundo José estão intimamente ligados.

“É por conta de política que muitos alimentos ficam caros, inacessíveis, e é nesse momento que ficamos desprotegidos de políticas públicas e começamos a ver muitas pessoas passando fome, comendo somente ultraprocessados e ficando cada vez mais doentes. Nesse momento entra a minha fala de fazer com que as pessoas entendam os caminhos que os alimentos fazem até chegar em suas mesas”, ressalta José.

Impactos na juventude

Através deste trabalho nas redes sociais, José Carlos está conseguindo compartilhar conhecimentos sobre como conseguir comer bem e adaptar essa demanda dentro da rotina agitada dos moradores das periferias e favelas.

Conversamos com a Isadora da Silva de Melo, 25, moradora da Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo e estudante de gestão de resíduos na EACH USP Leste, para saber como tem sido sua experiência passando com o nutricionista José Carlos.

“Decidi buscar um auxílio alimentar com um especialista para que conseguisse ter uma alimentação completa dentro da minha rotina e realidade”

Isadora da Silva de Melo, estudante e moradora da Cidade Tiradentes

Isadora também conta que parou de consumir carne há 6 anos, mas somente há dois anos se tornou vegana e através dessa mudança alimentar, sentiu necessidade de buscar auxílio com um especialista.

A moradora da Cidade Tiradentes relembra que dentro de casa, sua mãe passou algumas vezes no nutricionista através do SUS e quando tinha 10 anos, também chegou a fazer um acompanhamento, porém sofreu gordofobia pelo próprio nutricionista.

“Segundo os profissionais de saúde, eu era considerada uma criança acima do peso. Desde pequena tive alguns problemas com alimentação. Eu lembro que o nutricionista disse que eu iria passar a vida inteira triste e gorda se eu não mudasse minha alimentação”

Isadora da Silva de Melo, estudante e moradora da Cidade Tiradentes

Atualmente, Isadora, consegue seguir uma alimentação saudável e acredita no Veganismo Popular, acessível para todas as classes e raças. Além disso, a jovem conta que na parte econômica ela sentiu uma grande diferença, já que através dos legumes e verduras, ela consegue trazer variedades de consumo, o preço é mais barato que uma carne, e de fácil acesso em feiras livres.

“A gente sempre tenta orientar a comer bem conforme suas condições financeiras. As pessoas associam o ser saudável com comer algo sem açúcar ou nozes, o que só distancia a população, por isso sempre tento ao máximo voltar a alimentação saudável ao arroz, feijão, frutas, legumes e verduras. O mais difícil é adequar a realidade, mas tendo o básico, é possível”, conclui o nutricionista.

Campanha Elas Transformam: construindo caminhos e ações

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O movimento Elas Transformam é uma iniciativa do projeto MUDE com Elas que mobiliza ações e campanhas de combate ao racismo e ao sexismo no processo de inserção juvenil no mundo do trabalho.

Antes de tudo peço licença aos leitores de minhas colunas, meus temas são gerais e desde 2020 busquei trazer reflexões para possíveis debates, contudo, resolvi também falar sobre ações que implementam importantes mudanças e podem ser nossa nova forma de criar diálogos com as juventudes.

Sendo assim, vim apresentar o Mude com Elas, um projeto que nasceu em 2020 e é implementado pela Ação Educativa, tem colaboração com a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha em São Paulo (AHK São Paulo) e possui apoio da Terre des Hommes Alemanha (TDH), responsável pela coordenação geral do projeto e co-financiadora junto com o Ministério para Cooperação e Desenvolvimento da Alemanha. 

O projeto foi planejado pensando a entrada desigual dos jovens no mundo do trabalho e junto a isso os marcadores de gênero e raça, dentro do cenário da falta de políticas públicas, inserção desigual, sobrecarga, racismo entre outros, seria necessário criar estratégias para garantia dos direitos dos jovens e principalmente das jovens mulheres negras que são extremamente afetadas negativamente por essa dinâmica.

Assim o Mude se estruturou em algumas frentes envolvendo: incidência com a criação de uma parceria multiatores, envolvendo a sociedade civil, poder público e setor privado, e também uma iniciativa piloto de inserção de jovens mulheres negras nas empresas parceiras da AHK, prevendo formação técnica e cidadã e sensibilização de colaboradores de empresas alemãs.

Desde o lançamento, o projeto vem se unindo a diferentes atores sociais e políticos, além de refletir sobre a formação das jovens que fizeram parte desse aprendizado e suas entradas no mercado de trabalho.

Em 2021, o projeto conseguiu atuar para a criação de uma Subcomissão de Juventude dentro da Comissão de Finanças e Orçamento e desde então a Comissão instalada tem sido uma maneira de levar até o poder público as problemáticas enfrentadas pelos jovens de periferia, em especial as jovens mulheres negras.

Pensando em toda essa trajetória, o projeto construiu a maravilhosa Campanha Elas Transformam que foi lançada em 1 de Maio, o dia do trabalhador.

O movimento Elas Transformam é uma iniciativa do projeto MUDE com Elas que mobiliza ações e campanhas de combate ao racismo e ao sexismo no processo de inserção juvenil no mundo do trabalho. O projeto MUDE com Elas tem como realizador a Ação Educativa, Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha em São Paulo (AHK São Paulo) e o escritório de Terre des hommes Alemanha (Tdh).

A Campanha busca um diálogo com as empresas e seus pares para que sejam realizadas mudanças efetivas dentro do mercado de trabalho como um todo, não somente no RH.

Falar sobre jovens mulheres negras e mercado de trabalho também é tocar na trajetória das nossas jovens de periferia que estão agora iniciando a sua jornada. Então convido aos leitores interessados a procurarem e apoiarem essa luta! 

Por fim, deixo o convite para o evento “Encontro de Juventudes “Orçamento e Políticas Públicas” que acontecerá no dia 24 de Junho de 2023, das 13h30 às 17h, no Auditório 1º de Maio, no 1º andar da Câmara Municipal de São Paulo: Viaduto Jacareí, 100 – Bela Vista, São Paulo – SP, Palácio Anchieta. 

Que um dia nossos jovens possam sonhar

Que a morte desencontre nossa vida

Para que o horizonte seja um passo para construção 

E não o fim cinza

Agnes Roldan

“Através da pipa parei de beber”: brincadeira de infância muda estilo de vida de morador da periferia

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Em um final de semana, a equipe Pipeiros do Ipava, reúne cerca de 30 pessoas para praticar a tradicional brincadeira de infância de empinar pipa em um terreno no Jardim Jacira, em Itapecerica da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo. Para Adriano Magalhães, co-fundador do coletivo de pipeiros, a atividade é uma questão de autocuidado.

O objetivo no início era resgatar a brincadeira de infância, um costume de diversão que, embora tenha marcado sua vida, não era aprovado pelo pai, que considerava que isso era coisa “de quem não tinha o que fazer”.

“A sensação de correr atrás do pipa é de liberdade, sinto que vai me fazer bem”, afirma Magalhães, morador da Cidade Ipava, periferia da zona sul de São Paulo.

“Três varetas, papel de seda e a rabiola são a diversão da periferia”

Adriano Magalhães de Siqueira, presidente da equipe Pipeiros do Ipava
Adriano transformou os finais de semana ao lado da Equipe Pipeiros do Ipava em momento de autocuidado e bem estar com amigos e filhos. (Foto: Arquivo Pessoal)

Com a notícia da criação da equipe Pipeiros do Ipava se espalhando, novos membros chegaram – hoje são cerca de 80 – e empinar pipa passou a mudar para melhor a rotina dos finais de semana do grupo de amigos.

“Através da pipa mudei o estilo de vida pra melhor, parei de beber, não falo palavrão, me tornei mais educado”, afirma Magalhães, que durante 10 anos ingeriu bebida alcoólica excessivamente.

“Nos festivais que faço com a minha equipe não tem nenhum tipo de bebida, por exemplo, justamente por todos saberem do que já passei — e alguns deles também. Todo mundo respeita muito”, conta o pipeiro.

Adriano incentiva o resgate de brincadeiras de infâncias para mostrar as crianças que existem outras formas de diversão e interação, além do celular. (Foto: Arquivo Pessoal)

Resgate de infâncias

Para Magalhães, presidente da equipe Pipeiros do Ipava, o resgate da infância é um impacto importante provocado pela pipa nas crianças de hoje. Para ele, vê-las brincando na rua e saindo da frente das telas de celular e televisão é primordial para o desenvolvimento e criação de memórias desta fase da vida.

“Minha filha tem 11 anos e hoje tem o celular da moda, mas na minha época era diferente, minha diversão era outra e eu fico feliz quando vejo que ela faz coisas que eu fazia, como cair de bicicleta e se machucar, ela tá vivendo”, relata o pipeiro.

“Quero mostrar como é bom ser feliz e com pouco, trazer de volta a essência das brincadeiras do passado”

Adriano Magalhães de Siqueira, pipeiro

Além do resgate do que foi a sua própria infância com os amigos nas ruas e lajes das periferias da zona sul de São Paulo, o presidente da equipe Pipeiros do Ipava entende que sua missão é apresentar outras brincadeiras para as crianças, que sejam interativas e sem um grande custo para os pais.

“Com 1 real o moleque já pode ter uma pipa e se divertir. Eu comento sempre com a minha esposa sobre isso de a gente querer trazer isso de volta, pedra por pedra e quem sabe construir um castelo. E não é só sobre pipa, estamos trazendo brincadeiras das antigas: esconde-esconde, pega ladrão e são brincadeiras que não tem um custo, mas tem valor”, finaliza.

Terra enquanto direito: sem demarcação, não existe democracia #10

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Trocamos uma ideia com o Juão Nÿn e o Dustin Farias, artistas que fazem parte do Coletivo Estopô Balaio, que falaram sobre a peça Reset Brasil, uma produção que reflete sobre a memória e luta indígena no território da zona leste de São Paulo.

A partir dessa troca, o episódio reflete sobre o direito à terra a partir da perspectiva da população que é anterior ao que chamamos de Brasil, o olhar de quem já estava aqui, os povos indígenas. 

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Thais Siqueira e Samara Santos
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa 
Nesse episódio usamos trechos do áudio “Trem-Ato” que faz parte da peça Reset Brasil do Coletivo Estopô Balaio que teve Direção Musical, Edição e Mixagem por Rodrigo Caçapa
Voz no trecho exibido – Ane Pankararu
Foto da arte – Cassandra Mello

Educadora aponta limitação de políticas públicas para pessoas com deficiências ocultas nas periferias

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Luciana Viegas fala sobre a importância de pensar políticas públicas para pessoas com deficiências ocultas levando em conta as relações entre raça, gênero e território.

“O autismo é uma pauta muito mercadológica, porque envolve terapeuta, envolve psicólogo, envolve saúde, medicina privada”, segundo Luciana, essa é uma das dificuldades que pessoas com deficiências ocultas enfrentam ao longo da vida. Luciana Viegas, é uma mulher negra, ativista dos direitos humanos, educadora popular, autista nível de suporte um e também fundadora do movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI).

Luciana atribui o seu diagnóstico tardio, aos 25 anos, como parte dessa característica mercadológica do autismo. “Eu tive rede e capital financeiro para bancar uma avaliação caríssima. Eu juntei dinheiro porque eu não aguentava mais. Eu precisava saber”, afirma Luciana, 29, que é moradora da favela do Mangue, em Pirituba, região norte de São Paulo.

Durante esse tempo todo que eu fiquei sem diagnóstico, [foi] muito por ser uma mulher negra, isso eu tenho muito certo na minha cabeça, porque quando a gente fala em autismo, você não vê uma pessoa preta autista. 

Luciana Viegas, educadora popular, autista nível de suporte um e fundadora do movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI).

A educadora afirma que quando identificou a violência por trás desse processo do diagnóstico, compreendeu o racismo presente nesse contexto. “Aquele olhar violento que os médicos tinham sobre mim tinha um fator de raça e gênero fundamental. Ser uma mulher negra autista tem impacto, porque a gente não tem acesso ao diagnóstico”, aponta.

O termo deficiência oculta abrange todas as deficiências que não são aparentes e que por conta disso se tornam invisibilizadas. Como surdez, autismo, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), esquizofrenia, uso da bolsa de colostomia, fibromialgia, entre outras.

Luciana pontua que quando esse contexto mercadológico envolvendo deficiências se choca com as realidades que há nas periferias “é desesperador”. 

A educadora conta sobre a dificuldade também no processo de diagnóstico do seu filho Luiz, de 6 anos. “O médico falou ‘se seu filho não tiver uma terapia de 40 horas, ele não avança.’ E a terapia de 40 horas é 7.000 reais por mês. Como que a mãe pobre e periférica vai pagar?”, questiona a fundadora do Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI), que também é mãe da Elisa, de 4 anos.

Luciana afirma que a prioridade no desenvolvimento de seu filho Luiz, que é um menino negro, com autismo de nível três de suporte, está pautada em uma questão de sobrevivência. 

“Uma das coisas que a gente mais pega firme com ele [Luiz] é a comunicação. Ele precisa [se] comunicar, porque se ele for parado por alguma batida policial, ele precisa comunicar de alguma forma, ele não fala, essa é a minha maior preocupação. Só preciso que meu filho volte vivo para casa”, afirma. 

Políticas públicas

Nesse processo, Luciana Viegas menciona sobre os cordões de identificação de pessoas com deficiências ocultas que estão em circulação. “O cordão ajuda sinalizar publicamente que você é uma pessoa com deficiência”, afirma.

Junto a isso, há também a sinalização de atendimento prioritário, com a adição do símbolo do Transtorno Espectro Autista, mais conhecido como TEA ou apenas autismo.

O cordão com figuras de quebra-cabeça e o símbolo do infinito, ambos coloridos, são para identificar especificamente pessoas autistas. O Cordão de Girassol abrange todas as deficiências ocultas.

Luciana afirma que para compreender o que essas sinalizações significam é preciso entender o que é deficiência.“Deficiência é a limitação em contato com a sociedade e [a partir disso] se cria uma barreira. Um exemplo: eu sou autista, não falo, só que eu estou numa sociedade completamente oralizada. Então, quando a sociedade só tem uma forma de comunicação, mesmo existindo outras, a sociedade criou uma barreira comunicacional e esse contato gera a deficiência”, aponta.

Além do acesso ao acompanhamento médico, pessoas com deficiências ocultas precisam lidar, principalmente, com equipamentos públicos que ainda não oferecem o suporte necessário.

No transporte público de São Paulo, por exemplo, alguns ônibus circulam com uma sinalização para identificar prioridade para as pessoas, mas Luciana aponta uma grande brecha nessa comunicação.

Aquela fita com o quebra-cabeça, aquilo foi criado por pais de autistas lá nos Estados Unidos, fazendo com que eles colocassem o autismo como um problema a resolver. Por isso o quebra-cabeça com as peças [que] precisam encaixar. [Assim] você trata a subjetividade da pessoa autista como um problema, então aquilo não é representativo.

Luciana Viegas é autista e fundadora do movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI).
No Brasil, o cordão de identificação de pessoas com deficiência oculta foi regulamentado em apenas alguns estados. Em São Paulo, o Projeto de Lei (PL) 12/2023 está em tramitação e prevê a regulamentação do Cordão de Girassol. 

A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência (SMPED) aponta que, no momento, a única identificação regulamentada na cidade de São Paulo é a da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo. A cidade regulamentou em 2022 a emissão da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista – CIPTEA. O documento é emitido gratuitamente pela SMPED através do Portal SP 156 e nos postos de atendimento presencial do serviço Descomplica SP.   

Estabelecimentos públicos e privados que disponibilizam atendimento prioritário, conforme a lei estadual nº 16.756, de 2018, devem incluir nesse atendimento pessoas com autismo e sinalizar isso, assim como a sinalização que há em assentos preferenciais nos transportes públicos de São Paulo, que agora também contêm a figura da fita com quebra-cabeça, símbolo mundial da conscientização sobre o TEA. Essas sinalizações são exclusivamente para pessoas com autismo e não incluem outras deficiências.

Luciana ressalta a efetividade do uso do cordão de girassol, mas pontua que a população de modo geral não sabe o que o cordão significa. No entanto, a função do cordão não se esgota apenas no sentido da identificação perante a sociedade, o uso do cordão contribui, principalmente, como parte de um processo de auto identificação.

“Entender a importância do cordão e o uso dele por quem de fato tem deficiência é um processo de auto identificação. Um processo não só político, mas de identidade. Então, sim, você pode ter acesso [ao cordão] em qualquer lugar, mas aquilo precisa ser usado por pessoas que de fato têm uma  deficiência”, coloca Luciana Viegas, ativista dos direitos humanos e educadora popular.

Luciana ainda chama a atenção para a importância de escutar as pessoas com deficiência sobre barreiras e necessidades, sendo essencial que essas narrativas sejam consideradas nos processos de tomadas de decisões. “Não deixar as pessoas com deficiência falar gera um impacto muito profundo no pensamento de políticas públicas”, finaliza.

Vênuz Capel aponta os desafios de inclusão da linguagem neutra na sociedade

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Para desenrolar sobre como o debate da linguagem neutra impacta a sociedade, sobretudo a comunidade LGBTQIAPN+, o Desenrola Aí entrevista Vênuz Capel, comunicadore social e pessoa não binárie, para compreender de forma mais profunda a importância da linguagem neutra e  por quê ela existe. 

Quando falamos em linguagem neutra logo pensamos nas mudanças gramaticais, mas será que é somente sobre isso que se trata? O debate em relação à linguagem neutra tem sido discutido no Brasil e defendido pelo movimento LGBTQIAPN+ como um meio de inclusão das pessoas não binaries na sociedade. 

O tema é alvo de ataques conservadores e fake news, o que tem dividido opiniões sobre o assunto, principalmente com dois projetos de Lei 5198/20 e PL 198/23 que seguem em análise no congresso nacional.

Segundo Vênuz, a linguagem neutra, não se trata de uma língua construída para pessoas trans, mas sim, uma forma de inclusão e normalidade de todos os gêneros ao serem retratados.

“Quando a gente usa linguagem neutra, quando a gente fala todes, a gente tá englobando todas aquelas pessoas, isso é linguagem neutra, é uma forma de tratar um grupo de pessoas de uma forma realmente neutra”

Vênuz Capel, comunicadore social

Este é o quarto episódio da primeira temporada do Desenrola Aí, o programa de entrevistas do Desenrola e Não Me Enrola que busca descomplicar assuntos relevantes para a vida da população negra e periférica. Nesta temporada, vamos abordar sobre o direito à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias. O Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e a Fluxo Imagens. 

Sobre o Desenrola Aí 

​O Desenrola Aí é um programa quinzenal que visa trocar ideias com especialistas da quebrada, descomplicando assuntos relevantes, que afetam o cotidiano da população negra e periférica e os direitos humanos, que é a essência da nossa existência e convivência enquanto sociedade. 

Nessa primeira temporada vamos abordar sobre os direitos, à vida e a luta da população LGBTQIAPN+ nas periferias. O Desenrola Aí tem como realização o Desenrola e Não Me Enrola e Fluxo Imagens.

Aplicativo conecta moradores com empregos nas periferias de São Paulo

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Atualmente, três mil vagas de empregos nas periferias estão abertas em São Paulo, localizadas principalmente nas zonas norte e leste da cidade. Para acessar e compartilhar as vagas, basta fazer o download do aplicativo Trampolim no link: trampolim.app/aplicativo. O serviço é gratuito e está disponível para smartphones com sistema Android e IOS.

Na prática, os usuários se cadastram na plataforma e, além de acessar vagas de seu interesse por região e área de atuação, podem compartilhar oportunidades que beneficiem outros profissionais – daí o caráter colaborativo.

Qualquer pessoa pode fotografar vagas anunciadas em vitrines comerciais nos territórios periféricos ou grupos online e replicar no aplicativo a quem possa interessar. Mais de 30 mil usuários já participam dessa corrente do bem.

Vagas de emprego anunciadas em muros e comércios das periferias são compartilhadas no aplicativo Trampolim. (Crédito: Reprodução Facebook)
Vagas de emprego anunciadas em muros e comércios das periferias de São Paulo são compartilhadas no aplicativo Trampolim. (Crédito: Reprodução Facebook)

Desemprego na quebrada

O desemprego é uma realidade presente na vida das pessoas que moram em regiões afastadas do centro da capital. A zona sul de São Paulo, uma das mais distantes do centro da cidade, é a que registra o maior índice de desempregados, 15,5%.

Em segundo lugar, vem a zona norte, com 13,9% e em terceiro a leste, com 12,1%. Os índices de desemprego são menores na região central de São Paulo (10,1%). A taxa de oferta de emprego formal chega a ser 200 vezes maior no distrito da Barra Funda, por exemplo, do que em Cidade Tiradentes, segundo o Mapa da Desigualdade 2022.

Sustentabilidade

Além da plataforma beneficiar diretamente moradores das periferias que estão em busca de uma nova oportunidade de trabalho, o aplicativo possui uma ferramenta voltada para empreendedores que precisam contratar funcionários nas periferias.

“O aplicativo nasce como uma ferramenta para facilitar a contratação desse público que, normalmente, não possui um profissional de recursos humanos responsável pelos processos seletivos ou recursos financeiros para anunciar em sites pagos”, afirma Bruno Rizzato, um dos desenvolvedores da solução.

O ferramenta Trampolim Empresas, integrada aplicativo também auxilia comércios informais a receber e filtrar currículos, sem a necessidade de cadastrar um CNPJ – realidade de 71% dos empreendedores no país, conforme dados do Data Favela. Entre os negócios abertos nas comunidades brasileiras, os tipos mais comuns são restaurante (15%) e salão de beleza (10%).

Música preta e periférica: quais produções são favorecidas pelo mercado musical? #09

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Junto com o Obigo, que é cantor e compositor, e com a Thaynah Gutierrez, que é administradora pública e pesquisa cultura e música na quebrada, vamos falar sobre quais produções são impulsionadas pelo mercado musical e como, em geral, produções musicais pretas e periféricas só são valorizadas quando são embranquecidas ou estão em espaços elitizados.

A ideia é a gente pensar como determinadas manifestações culturais – dentro desse contexto da música – ao mesmo tempo que reforçam uma identidade, também são manifestações intencionalmente deixadas de lado pelo mercado.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Foto da arte – Patrícia Santos / Bloco Afro ÉdiSanto
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa