Entrevista

“Sempre vou ser um Pankararu”, afirma Wesley dos anjos sobre identidade indígena

Indígena Pankararu, morador do Capão Redondo, fala sobre como a luta e a resistência são fundamentais tanto na aldeia quanto na periferia.
Edição:
Evelyn Vilhena

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Segundo o Censo do IBGE de 2022, cerca de 63% de pessoas indígenas vivem em áreas urbanas no Brasil, e parte dessa população está nas periferias. Como é o caso do Wesley dos Anjos, 32, indígena do povo Pankararu e morador do bairro Cohab Adventista, localizado no distrito do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. “Tanto na favela quanto na aldeia lutar é uma necessidade presente, no sentido de resistência”, diz Wesley, que prefere ser chamado de Wes.

Wes é assistente social, ativista indígena e pesquisador. Ele faz parte da primeira geração da família que nasceu fora da aldeia Pankararu, mas sempre esteve conectado com a sua cultura e identidade através da mãe, Maria das Dores. 

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“Minha mãe é uma mulher indígena do povo Pankararu e saiu do nosso território com 15 anos de idade fugindo [da] seca de 1970, [que] foi um período de estiagem no nordeste que deixou o ambiente sem comida e água, e aí boa parte dos nordestinos migraram para São Paulo, mas pouco se fala da migração dos povos indígenas”, diz o pesquisador. 

“Eu sempre me senti em luta social, por ser favelado, do Capão, por ser filho de um homem preto, por ser indígena, por ser gay. A semelhança que [tem] em tudo isso é precisar lutar para existir”.

Wes Pankararu, assistente social, ativista indígena e pesquisador.

Entre os contrastes de viver na aldeia e na periferia, Wes afirma que a diferença está nas formas de lutar. Segundo ele, na aldeia, não se expor e optar por observar, por vezes é um modo de se proteger. “Já na favela eu aprendi a revidar, a ser mais visível”, coloca.

O Brasil tem 1,69 milhão de indígenas, conforme mostra o Censo do IBGE de 2022. Desse total, aproximadamente 622 mil (36,73%) vivem em Terras Indígenas e 1,1 milhão (63,27%) fora delas. O estado de São Paulo concentra 55.295 (3,27%) pessoas que se autodeclaram indígenas, sendo que dessas, cerca de 51 mil indígenas (92,44%) vivem em contexto urbano, e 4 mil (7,56%) moram em terras oficialmente reconhecidas como indígenas.

A origem da etnia Pankararu é de Pernambuco, região nordeste do Brasil. O território desse povo é atravessado por três municípios: Tacaratu, Jatobá e Petrolândia. “A minha aldeia Brejo dos Padres está mais no município de Tacaratu”, compartilha Wes.  

O pesquisador coloca que no Capão Redondo vivem 60 Pankararus, parte deles são da mesma família do ativista e todos são parentes. “A gente se considera parente independente da relação de sangue. Se você é do mesmo povo que eu, você é meu parente”, aponta Wes, que comenta sobre a existência de outros núcleos de indígenas Pankararus em São Paulo. 

A Associação SOS Comunidade Indígena Pankararu fica no bairro Real Parque, distrito do Morumbi, zona sul de São Paulo, e segundo o ativista, ela representa os Pankararus em contexto urbano e desenvolve ações em diversas áreas, como saúde, assistência social, cultura e educação. 

Wes conta que, geralmente, quando algum Pankararu migra para a cidade procura estar próximo a um núcleo de parentes indígenas. “Porque ali ele sabe que vai ter força para enfrentar esse cotidiano que muitas vezes engole a gente. Juntos lembramos com mais constância de onde a gente vem, e quem a gente é”, pontua.

Aldeias e periferias

De 2007 a 2011, Wes viveu na aldeia Pankararu, em Pernambuco, e voltou para São Paulo em 2012 para estudar. Ele conta que mudar para a aldeia em plena adolescência foi um tanto conflituoso. “Hoje eu acho que [essa] foi a melhor coisa que ela [Maria das Dores] poderia ter feito por mim, além de fortalecer a minha identidade. [Viver na aldeia] me fez desenvolver outro olhar sobre quem sou e sobre quem a gente é enquanto povo, inclusive para lembrar que em qualquer lugar do mundo eu sempre vou ser um Pankararu”, afirma. 

O pesquisador conta que não invalida a estratégia de não se colocar como indígena, e que atualmente ele não gerencia mais a própria identidade, e sim os conflitos que isso pode gerar.

“A minha mãe já foi chamada na escola para a professora falar que a gente estava fumando maconha, porque a gente ia com cheiro de ervas. A gente ia com cheiro de ervas, porque a gente estava tomando banhos que espiritualmente para a gente faz sentido”, exemplifica Wes sobre situações que já vivenciou morando em contexto urbano.

“Quando as pessoas falam sobre quem é indígena no Brasil vem uma imagem já desenhada e eu [não faço parte desse imáginário], não só por ter o pai negro, mas também pelo meu povo não ser enquadrado dentro dessas características estereotipadas. Quando eu falava que era indígena ou quando a gente fala que é indígena, as pessoas automaticamente desvalidam e nos violentam”

Wes Pankararu, assistente social, ativista indígena e pesquisador.

O pesquisador compartilha que sua formação acadêmica se deu através do programa de inclusão de pessoas indígenas da universidade, chamado Pindorama, da PUC São Paulo. Ele aponta a educação como o caminho para combater os preconceitos e a invisibilidade das diversidades étnicas e também com indígenas que vivem fora das aldeias.

“Deve ser ensinado para as crianças, desde a educação infantil, para que elas saiam desse senso comum de que ‘índio’ é um ser mitológico, que não existe ou só existe nos livros, no folclore. A gente está na favela, na cidade, nas aldeias, nas florestas, [estamos] onde a gente quiser, porque o Brasil todo é território indígena”, ressalta Wes Pankararu, que aponta não existir o cumprimento da lei federal 11.645 de 2008, sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo oficial da rede de ensino, e que por isso, quem acaba tendo a iniciativa de fazer essas articulações são os próprios indígenas.

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