Todo primeiro domingo do mês, moradores e público em geral, são convidados a participarem de uma roda de samba, na qual podem inclusive tocar algum instrumento e ser o cantor da vez. Essa é uma das propostas do Samba do Bowl, criado em 2013, e que realiza diversas atividades na Praça Sete Jovens, localizada no bairro Elisa Maria, no distrito da Brasilândia, zona norte de São Paulo.
Morador dos arredores onde acontece o samba, Fábio Alves, conhecido como Lol, arte-educador e um dos fundadores da iniciativa, conta que além de fomentar o lazer e entretenimento, o evento promove diversas formações, principalmente para os jovens. “A ideia do samba em si era a gente criar um espaço de apresentação ao ar livre para os artistas do território”, conta.
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“Hoje em dia a gente tem um embasamento que é formar as pessoas dentro do conteúdo artístico. Elas aprendem a tocar no samba, a cantar, a organizar o evento, aprendem produção, pré-produção e pós-produção cultural”, diz o arte-educador.
Golfe, slackline, desfile de moda, feira empreendedora, oficina de pipa, de trança, turbante, oficina de boneca abayomi, teatro e grafite são algumas das atividades que já foram realizadas na praça a partir do samba. “A cada mês a gente traz também uma pessoa [ou grupo] que queira participar”, compartilha Fábio.
O arte-educador acredita que a partir do contato das crianças e dos jovens com a cultura, a arte e o movimento popular, que também são fomentados por outros coletivos da Brasilândia, eles têm construído imaginários e perspectivas de vida mais prósperas. “Daqui pode sair o [próximo] Tiger Woods, do golf”, diz.
“São várias atividades que vão trabalhando também a autonomia das pessoas que participam diretamente ou indiretamente. Quando a gente fez o desfile de moda da periferia, [convidamos] 10 marcas locais, costureiras [e] modelos do território. Então, você vê as pessoas se apropriando, se tornando protagonistas do rolê.”
Fábio Lol, arte-educador e cofundador do Samba do Bowl.
Apesar de não ser o foco, ações sociais voltadas para a saúde também já foram realizadas pelo movimento. “A gente já fez atendimento psicológico, já transformou escola em hospital odontológico, foram mais de 500 famílias atendidas. Na pandemia, atendemos 10.000 famílias com cesta básica”, relembra Fábio.
A iniciativa acontece de forma independente, um dos motivos da única atividade fixa ser o samba na praça. Em 2018 e 2019, o grupo teve acesso ao edital público VAI (Programa de Valorização de Iniciativas Culturais), mas atualmente não possui nenhum tipo de fomento para manter as atividades. O que ocorre são parcerias pontuais com espaços públicos e institucionais da região que atuam com cultura.
O arte-educador conta que a articulação no território acontece a partir do saber de cada morador. “‘Ah, mas eu não sou artista’, tudo bem. Sabe fazer bolo? Faz um bolo, traz aí e vamos começar a vender. Você costura? Vem costurar, fazer um bordado, vem ensinar a gente. Teve uma vez que um jardineiro veio e deu oficina de jardinagem. Então a gente vai despertando coisas que já existem dentro do território”, pontua.
Praça Sete Jovens
Ocupar a praça por meio da cultura e do movimento popular é uma estratégia do coletivo para tentar se distanciar do contexto de violência que é reincidente no território. “Eu vejo [isso] como uma ferramenta de redução de danos”, diz Fábio.
“A Praça Sete Jovens é uma denúncia”, afirma ao contar sobre o histórico do local que envolve a chacina que resultou na morte de seis, dos sete jovens que foram baleados enquanto conversavam na escadaria da Rua Olga Benário, próxima à praça, que na época ainda não existia.
A chacina ocorreu em 2007, e investigações realizadas pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa) provaram que foi realizada pela Polícia Militar. No mesmo ano, moradores reivindicaram e conquistaram a construção de um espaço de lazer no terreno, que era conhecido como Pastão. No entanto, Fábio explica que essa luta pela praça existe desde os anos 80, puxada pelo movimento popular dos moradores.
Em assembleia, foi decidido que a praça passaria a se chamar Sete Jovens em homenagem às vítimas. “[A princípio] a prefeitura não aceitou, a gente levou quase seis anos para oficializar o nome e até hoje eles não mandaram a placa”, relata Fábio.
O samba é realizado dentro de uma piscina de skate, por isso leva o nome de Bowl. Local em que, em 2014, ocorreu outra chacina que matou mais três jovens. “A gente não morrer aqui ainda é uma luta”, menciona Fábio.
“Só construir a praça não garantia que a gente ia estar vivo, foi aí que a gente se ligou que não adianta só ter a praça, tem que ocupar com as famílias, crianças, [assim] os polícia não vai chegar dando tiro na gente”
Fábio Lol, arte-educador e cofundador do Samba do Bowl.
Com o passar do tempo a praça se tornou um polo cultural. Segundo Fábio, “um espaço democrático de encontro”. As crianças utilizam o local para brincar, sendo esse um dos poucos acessos que elas têm na região para correr ao ar livre e ter contato com a natureza.
Fábio ressalta que um dos principais desafios para manter as atividades é conseguir fazer as pessoas participarem ativamente, e reforça que tudo é construído em coletivo.
“É difícil fazer com que as pessoas se apropriem, porque a gente está tão envolvido no cenário do capitalismo, da escassez, que é até compreensível que elas não se [disponibilizem]”, pontua Fábio, que também pontua sobre a importância das novas gerações darem continuidade ao que vem sendo construído no território.