Distopia Periférica: os efeitos sociais de um mundo remoto

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Eu estive pensando muito sobre esse momento tão distópico do nosso país, o que é distopia? Se trata de um lugar imaginário onde vivemos em opressão, uma utopia distorcida, tipo sonho que vira pesadelo, sabe?

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Foto: Menino do Drone

O termo “distopia” foi ideia do pensador John Stuart Mill, para explicar a inversão dos valores utópicos na era industrial, parece fácil, mas é bem complexo, melhor para entender tudo isso é o livro Viagens de Gulliver, Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (eu posso emprestar), entre outras obras que você pode acessar se digitar no Google obras distópicas. Quando isso ocorrer, seu perfil digital vai mudar e seu algarismo da rede social vai incluir notícias, propagandas e ideias nunca vistas por você até então, vale a pena.

Como não dizer que esse é o nosso caso no momento? Pensamos que poderíamos chegar mais próximo de um país mais ideal, igualitário, onde no mínimo a discussão sobre o direito fosse possível, mas estamos mergulhados no processo inverso, um pesadelo distópico de nosso “não lugar” ou utopia de governo e ética social.

O que é essa realidade? A realidade é tudo que existe sendo ou não perceptível, até a ilusão também é uma realidade, então pensar sobre isso é uma questão importante desses tempos. A realidade é uma constante mudança, não só o que é estático, mas até nossos sonhos são massas importantes dessa realidade, e o que temos sonhado ultimamente?

Antes da pandemia havia uma discussão de como viver através das redes sociais, isto é, remotamente, tem um impacto negativo em nossas vidas, e em instantes, durante a pandemia, toda nossa vida tornou-se remota.

Durante um período na minha geração “remoto” significava distante, afastado, vago, hoje nem sei como usar essa palavra para distância se ela remete a uma proximidade utópica ou seria distópica. 

Um filme de ficção científica

Hoje estamos remotos no espaço e não no tempo, pois atividades remotas preconizam a transmissão em tempo real. Tenho uma lembrança remota de quando tudo isso começou a acontecer em nossas vidas, pois às vezes tenho a sensação de que tudo isso é natural, mas “remoto” é estar em tempo real ou no passado?

Parece muito fácil para essa geração, tudo que está ocorrendo, mas para quem viveu a realidade como uma constituição de que para algo acontecer era necessário a presença e a matéria, tudo o que estamos vivendo é quase um absurdo filme de ficção cientifica.

Nem todos estão presentes nesse novo mundo, pois mesmo ele não precisando da presença propriamente dita, ele precisa do equipamento para que sua presença seja levada para o outro no tempo espaço.

Assim como dinheiro se estabeleceu como intermediário entre as mercadorias e a força de trabalho, os aparelhos eletrônicos se tornaram intermediários das nossas relações humanas. O certo é que se não estamos pagando pelo produto, nós somos o produto, produto que alimenta toda a indústria de exploração da força de trabalho invisível por trás de nossas telas.

Foto: Flavia Lopes

Exclusão digital 

Então um novo tipo de exclusão se estabelece nessa nova forma de estar e existir, a exclusão digital. Sempre que imagino um novo mundo, na minha utopia exclui todo tipo de questão negativa que acompanha minha vida, racismo, desigualdade, fome, entre todas que vão atacando minha mente.

Entretanto, no novo mundo digital todas elas são possíveis e até maiores, pois podemos olhar para elas de forma global. Mesmo presa na minha bolha do algoritmo EdgeRank, que é determinado por três critérios variantes, a afinidade, o peso do meu público e quantas curtidas elas alcançam. Entre outros critérios que eu não compreendo, provavelmente esse programa, sabe coisas sobre mim que conscientemente eu nunca diria. Por exemplo, como é constrangedor comemorar o aniversário de uma amizade que não existe mais.

A exclusão se forma em todos os campos desse país e se intensifica nesse tempo, nessa realidade, sendo ela remota ou presencial. A insegurança alimentar continua sendo o principal problema em todas as periferias, acesso à internet e equipamentos eletrônicos que dão acesso a esse mundo remoto do trabalho, da educação e da saúde.

Como estruturar nossa realidade a partir de protocolos construídos em vida remota, onde não existem diversas questões que só humanos soltos no mundo do convívio podem promover. Como viver com adaptações da vida tão duras. Muitas delas vão demorar séculos para que possamos aceitar, ou que nossos olhos, coluna, peso, emocional consiga assimilar na cadeia de desenvolvimento, se é que ela existe de fato.

Somos filhos da terra, do ar e da água, enquanto estamos sentados em nossas poltronas, as arvores seres fundamentais para nossa respiração, estão queimando diminuindo o oxigênio fundamental para nossa vida. Em minha realidade distópica, além do atual presidente da república, – nada mais distópico -, vejo oxigênio sendo vendido em uma propaganda da Nestlé.

É nesse momento que surgem teorias da conspiração, tão prováveis quanto vender oxigênio como um novo nicho de mercado, levando em consideração a morte do trabalho digno e o surgimento dessa categoria de escravização humana denominada em nosso tempo de trabalho informal, mas que nomeamos nos livros de história, de trabalho escravo.

Estamos visivelmente frágeis psicologicamente, doentes fisicamente e empobrecidos, parece o panorama de uma guerra, mas é a guerra que vive em nossas mentes, atravessa os nossos olhos e nos coloca em uma realidade fabricada.Tão difícil saber o que eu penso, ou o que foi criado para que pensasse sobre isso. Sim, confuso.Eu tento olhar da laje a realidade, andar nas ruas e encontrar pessoas, mesmo que ainda cheia de protocolos, vários criados por mim.Para mim a humanidade é a conexão humana, assim como a realidade é o que existe em sua totalidade.

Como humana, tenho necessidade de refletir sobre coisas que não geram lucro, que não são acontecimentos fantásticos, segundo os donos da notícia, mas são questões importantes sobre nossa vida e as formas de viver, esse texto é sobre pensar vida. O que você pensou sobre a vida hoje?

Reflita lendo o poema Sonâmbula.

Ergo a espada empunhada

com as duas mãos,

não alcanço as feridas

contidas na perna esquerda,

a poeira não assenta,

giro os pés em câmera lenta,

tem guerra contida

no chão que me aguenta,

tem vento, neblina, garganta seca,

sou toda espera,

Fecho os olhos vejo

aprumo a mira,

certeira.

Abaixo a guarda,

toco a ferida,

desabrumo o corpo,

abro os olhos,

vitória é pouco,

salivo,

Guerrilha.

Anabela Gonçalves 

Autor

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