Preço de combustíveis e internet ruim afeta entregadores de delivery na quebrada

Edição:
Ronaldo Matos

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Entregadores afirmam que aplicativos de entrega não levam em consideração a qualidade da internet nas periferias. Além disso, eles contam que a alta demanda de entregadores e o crescente preço dos combustíveis tem precarizado ainda mais a remuneração e a qualidade de vida de quem trabalha com delivery na quebrada.

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Brasilândia, zona norte de São Paulo (Foto: Dicampana Foto Coletivo)

Através de um anúncio nas redes sociais, Christopher Augusto, 22, morador do bairro Parque Santo Amaro, zona sul de São Paulo, conheceu as possibilidades de gerar renda se cadastrando nos aplicativos de delivery Lalamove, iFood e Uber Eats. O entregador descreve a ocasião do contato com o anúncio como “um anúncio chamativo e que nos oferece uma boa renda”.

Ele avalia essa descoberta não como uma escolha e sim como o único meio encontrado para não passar dificuldades diante de uma alta taxa de desemprego no país. “Em meio à pandemia, uma das soluções encontradas para não passar dificuldade, e sim à falta de emprego de carteira assinada, é uma das causas”, afirma o entregador.

Além de fazer entregas nos aplicativos durante o dia, Augusto trabalha em uma pizzaria a noite, pois ele acredita que a dependência do aplicativo afeta diretamente na sua qualidade de vida “Se formos depender só do aplicativo para sobreviver, nós vamos ter que trabalhar como um serviço de escravo, tá ligado”, define o entregador.

O argumento de Augusto se baseia na quantidade de horas necessárias para se ter uma renda média mensal que possa apoiar no pagamento dos boletos e gastos fixos com a família. “É preciso trabalhar de 12 a 14 horas por dia para poder manter um salário que possa nos ajudar a pagar nossas dívidas, entendeu?”.

Augusto explica que a concorrência por realização de entregas é outro fator que tem intensificado a precarização dos trabalhadores de aplicativos de delivery. “A demanda de motoboy está muito alta, querendo ou não se tornou uma concorrência tá ligado”.

Segundo Augusto, as despesas com gasolina e internet por mês giram em torno de 700 a 800 reais, sendo que seu salário no mês fora as despesas ficam em torno de 1.500 reais. O entregador ressalta que mesmo tendo um plano de internet para trabalhar, muitas vezes o serviço deixa a desejar, causando interrupção da sua rotina de trabalho.

O entregador faz questão de descrever como a internet ruim dificulta o seu trabalho. “Você chega à casa do cliente, no endereço determinado, quando você vai finalizar a entrega muitas vezes não tem internet não dá pra finalizar a corrida, muitas vezes a casa do cliente é em tal lugar e a localização dele é mais pra frente, aí você vai finalizar é não consegue também, então são algumas coisas que dificulta tá ligado, até mesmo da parte da plataforma dos aplicativos”, conta Augusto.

Outra dura realidade apontada por Augusto é o tratamento diferenciado vivenciado pelos entregadores com usuários de apps que vivem na região central de São Paulo e nas periferias. Ele relata que sua entrega nas periferias e no centro da cidade tem recepções totalmente diferentes, sendo que na quebrada o seu trabalho é mais valorizado.

“Nós sentimos que ao chegar à periferia você dá uma boa noite, bom dia ou boa tarde pro cliente, e já é automático que ele vai te responder, vai perguntar se você tá bem, não é criar uma amizade entre o cliente e um motoboy, é respeito é humildade”, conta Augusto, destacando que dá ponte pra lá o desprezo é uma constante na rotina dos entregadores.

“Eles enxergam a gente como escravos do sistema né, tipo eu to te pagando e você é obrigado a fazer isso, eu sou obrigado a falar com você e já era, até a forma de expressão da pessoa, o olhar da pessoa, entendeu pow, a cara de nojo, já na periferia não é assim, querendo ou não somos de dentro, então um tem que respeitar o outro”, descreve.

O preço dos combustíveis 

O entregador traz um questionamento importante, fazendo uma comparação com a alta dos preços de combustíveis e a estagnação do valor das taxas de entrega que não são corrigidas pelas empresas de delivery, fator que amplia a visão de Augusto sobre a exploração do seu trabalho. “Eu espero que eles percebam que todos nós tenhamos o serviço reconhecido, da mesma forma que teve aumento no combustível tenha um aumento nas nossas taxas de entrega. Sinceramente somos explorados”, avalia.

Mesmo os aplicativos não trazendo benefícios que garantam a segurança dos entregadores, Augusto conta que a própria comunidade se organiza em busca de auxiliar os entregadores a se manter em busca de seus direitos trabalhistas. “Temos uma comunicação um com os outros, agimos como uma família a fim de ajudar um ao outro, no entanto se nós nos deparamos com motoqueiro acidentado paramos para dar uma assistência”, revela.

Ao lembrar a importância dos direitos trabalhistas que ainda precisam ser conquistados, o entregador deixa um recado para os aplicativos de entrega: “gostaria que nossos serviços fossem reconhecidos, e que seja proporcionada mais segurança com uma demanda de tempo correta e uma assistência a todos para que possamos ir adiante sem tanta exploração”.

Jornada de trabalho 

Atuando como entregador nos aplicativos iFood e Uber Eats, Paulo Henrique, 25, morador do Parque Pinheiros, município de Taboão da serra, afirma que uns dos principais motivos para sair de um emprego com registro em carteira e se tornar entregador de aplicativos foi a possibilidade da autonomia na jornada de trabalho.

“Eu saí de um trabalho com carteira assinada só para fazer entregas pelo app. Posso não ter um salário e benefícios garantidos, mas a liberdade de autonomia é maravilhosa, trabalhar na hora e no dia que quero”, conta o entregador.

Durante o seu tempo livre, o morador de Taboão da Serra se dedica a desenvolver seu conhecimento com o audiovisual e a música. “Quero ser artista rico e famoso, mas até lá, preciso desenvolver muito minha arte, então por enquanto vou focar nas entregas”, comenta o motoboy, enfatizando não enxerga alternativa de geração de renda no momento até conseguir aperfeiçoar sua arte com horas de estudos.

Porém, Henrique sente as consequências da escolha pela autonomia de fazer o seu horário de trabalho. Sem uma segurança sobre o que será o presente e futuro, ele lista algumas dificuldades que ficam cada vez mais evidentes e caminham lado a lado com sua rotina de entregador. “Estar à mercê de vários fatores externos que podem me prejudicar, como chuva, enchentes, entregas em lugares perigosos e a falta de pedido que está acontecendo com freqüência”.

Em meio a essas adversidades, o entregador conta que foi se adaptando com os desafios impostos também pela tecnologia de geolocalização dos aplicativos, que em muitos casos é imprecisa. “Muitos estabelecimentos têm uma localização diferente da que mostra no app, daí até eu me acostumar com certos restaurantes eu passei alguns perrengues”.

Diferente da história do entregador Augusto, Paulo conta que utiliza um plano de internet bom, pois nunca teve problemas durante a entrega. “A internet está sempre disponível em todos os lugares”, afirma, mas quando se trata da recepção dos clientes em territórios da periferia e centro, as vivências dos entregadores não são muito diferentes.

“Bairro rico mal olha na minha cara, enquanto na periferia sou bem acolhido pelos clientes, aliás, o rango chegou não é mesmo? Aí eles ficam felizes e são bem legais comigo, dão boa noite, boa tarde”, descreve.

No final da entrevista Henrique nos conta uma dinâmica que normalmente acontece na rotina do motoboy e que representa mais um desafio imposto pelos aplicativos. “Às vezes quase não tem pedido em alguns aplicativos, e é comum o motoboy trabalhar para mais de uma plataforma. Eu mesmo faço entregas para o iFood, Uber e às vezes pra Rappi. Isso é bom porque assim são três vezes mais chances de eu ter entrega para fazer. Mas o ruim, é que alguns aplicativos não autorizam o mesmo motoboy trabalhar para o concorrente, então já até ouvi casos de motoboys serem bloqueados em certas plataformas por terem mais de um aplicativo de entrega”, diz o entregador.

Ela finaliza a entrevista fazendo um apelo para as empresas de aplicativo: “aumenta nosso salário poxa, vocês tiraram uma taxa que já era nossa, daí tá tudo mais difícil”.

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