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Três personalidades periféricas que marcaram a web em 2020

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Podcaster, Youtuber e fotógrafo, essas são as profissões de três personalidades periféricas que ficaram conhecidas na internet, devido à produção de conteúdo digital sobre política, filosofia e cultura.

Três personalidades periféricas que marcaram a web em 2020
Imagem: Desenrola E Não Me Enrola

Devido à pandemia, o ano de 2020 foi marcado por um extremo processo de virtualização da vida. Nesse contexto, o consumo de entretenimento digital cresceu muito nos territórios periféricos. Inúmeras iniciativas surgiram para viabilizar que os moradores das periferias tivessem acesso à internet, junto com esse movimento, surgiram também produtores de conteúdo digital que ganharam visibilidade e relevância por produzir narrativas sobre a transformação do estilo de vida dos moradores das periferias e favelas.

Um exemplo dessas personalidades que produzem conteúdo digital é o fotógrafo Marcelino Melo, mais conhecido nas quebradas da zona sul de São Paulo como Menino do Drone. Ele começou o ano realizando um registro de imagens áreas do cemitério São Luís, que mostrava a transformação do espaço com o crescente número de abertura de covas, para abrigar vítimas da pandemia de coronavírus.

O Menino do Drone chega ao final deste ano conhecido nas redes sociais por seu trabalho como artista plástico, onde ele reproduz miniaturas de moradias das periferias, criando uma riqueza de detalhes sobre a cultura de construção civil da quebrada. “A miniatura surgiu antes de ter o nome quebradinha, ai depois que vem o nome, se intensifica a coisa, aí eu acabo colocando mais conceito em cima”, relembra Marcelino, abordando o processo de consolidação do seu trabalho com criação de casas em miniatura.

Em 2020, o trabalho artístico de Marcelino foi destaques em vários perfis de entidades culturais, como a Bienal de São Paulo, além disso, o jovem artista foi tema de diversas matérias na imprensa paulistana. Ele conta que uma das principais características do seu trabalho é a provocação sobre a releitura do imaginário periférico.

“Eu acredito que eu atuo no território com um lugar de imaginário, em todas essas frentes que eu atuo no imaginário e a narrativa periférica acaba sendo a principal ferramenta. É uma disputa para desconstruir e construir outras paradas”, explica Melo. 26, que é morador do bairro do Campo Limpo.

A inspiração para desenvolver as casas em miniaturas tem uma contribuição forte de outra paixão de Marcelino que é a produção de fotografias aéreas, onde ele registra o formato do telhado e das casas nas periferias e favelas vistas do céu.

“Quando eu fiz o telhado que eu coloquei a caixa d’água eu gostei muito do resultado porque aquela influência era diretamente vinda do drone, da fotografia aérea, que é quando eu pego dois elementos muito forte na fotografia aérea de favela que é a caixa d’água e o telhado de Brasilit, ai eu reproduzi isso”, conta Marcelino.

A partir disso, o jovem artista começou a entender que essas influências precisavam ser contadas dentro do universo digital, então ele decidiu fazer um perfil no Instagram para expor sua arte e inquietações realizando lives e bate papos com os seguidores. Hoje, o perfil já tem mais de 50 mil seguidores que interagem com o seu trabalho. “Nunca pensei em estratégias de publicação, as pessoas foram chegando e ficando, e foi ganhando um prestígio cada vez maior, e isso só porque é de verdade, é sincera a coisa, então é completamente orgânico, eu nunca impulsionei nada”, descreve o artista sobre o processo de crescimento do seu perfil nas redes sociais.

Entre os momentos marcantes da sua trajetória nas redes sociais está a sua participação num vídeo do comediante Thiago Ventura, conhecido por fazer shows que exaltam a cultura periférica como um dos principais temas de suas apresentações de standup. 

600 moradores assinam conteúdo de podcaster do Capão Redondo

A iniciativa Manda Notícia foi criada pela jornalista e educadora Gisele Alexandre, 38, moradora do Parque Munhoz, zona sul de São Paulo. Ver o seu território se movimentando e criando soluções para combater as desigualdades sociais geradas pela pandemia de coronavírus foi também um estimulo para a comunicadora criar novas formas de informar a população local e combater Fake News, por meio de um podcast distribuído nas redes sociais e no Whatsapp.

“O Manda Notícias surgiu em março desse ano, muito motivado pela minha vontade e necessidade de gerar informação para os moradores da periferia onde eu atuo principalmente o vizinho e meu amigos”, explica a jornalista, que durante a pandemia começou a produzir conteúdos que levam informação de qualidade para moradores da sua rede de contatos nas periferias localizadas nos distritos de Capão Redondo e Campo Limpo.

Ao longo desse processo, ela percebeu que a distribuição de notícias contínuas foi contribuindo para aumentar o número de pessoas cadastradas em sua lista de transmissão, que hoje tem cerca de 600 pessoas. “O podcast ganhou uma conta e número exclusivo no whatsapp, a gente também abriu uma conta nas redes sociais e atualmente a gente já produziu mais de 80 episódios, que são enviados via lista de transmissão e também por meio de redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter”, complementa a comunicadora.

Após o encerramento da primeira temporada no primeiro semestre do ano, a jornalista se organizou com mais dois produtores de conteúdo digital da quebrada e começaram a elaborar a segunda temporada do Manda Notícias, trazendo episódios sobre notícias cotidianas da quebrada às terças-feiras, e às quintas feiras os temas de destaque giram em torno da cultura periférica, enfatizando a visibilidade de artistas periféricos.

Se aventurar como podcaster é um processo novo na vida da jornalista e simboliza uma nova cultura de consumo de informação para ela e para o seu público. “Eu não era uma consumidora de podcast eu me tornei uma consumidora de podcast, então eu também to no momento de desenvolvimento, é tudo uma construção, a primeira temporada tá bem diferente da segunda temporada, que eu espero que seja diferente da terceira, e a gente tem inovado a cada tempo, sem perder nossa identidade”.

Para Alexandre, construir e fortalecer uma identidade periférica para inseri-los no conteúdos é algo fundamental para preservar o jeito da quebrada se comunicar. “Eu acho que é o mais importante é ter essa identidade no podcast, que é um formato que a gente consegue manter a nossa maneira de falar com as pessoas que são próximas da gente”.

Ela enfatiza que identidade dos conteúdos é também uma forma de valorizar a cultura do jornalismo periférico. “Só faz sentido pra eu trabalhar no jornalismo se for falando da quebrada, eu tenho 38 anos, então eu já trabalhei bastante ao longo da minha carreira, eu sempre quis trabalhar com isso eu foi difícil eu conseguir viver trabalhando com jornalismo periférico”.

A Jornalista compartilha os planos e sonhos para 2021, esperando crescer ainda mais no universo digital dos podcasts e alcançar mais apoiadores para o projeto jornalístico. “Para 2021 eu espero trabalhar como podcaster, quando eu digo trabalhar é ganhar pra isso também, porque isso é importante, então hoje no Manda Notícias somos um projeto independente, então ano que vem eu espero que a gente consiga um apoiador”, finaliza ela.

Traduzindo Karl Marx para gírias paulistana

O estudante de sociologia e morador do Conjunto Habitacional Vida Nova, localizado na periferia de Paulínia, Marcelo Marques, 19, ficou conhecido como Aldino Vilão, criador do canal de You Tube que faz tradições da obras de grandes filósofos, utilizando gírias bem utilizadas pela juventude periférica.

Um dos seus vídeos mais comentados que viralizaram em 2020 foi intitulado de ‘Traduzindo Karl Marx para gírias paulista’, trazendo uma linguagem com essência periférica para falar de filosofia. O intuito do canal é trazer esse conteúdos de uma maneira informal, na gíria, conversando no sotaque paulista, trocando ideia de uma forma descontraída, sem usar aquelas expressões acadêmicas e engessadas.

O criador do canal explica que um dos seus principais objetivos é atingir alunos de escolas públicas. “Eu viso muito o ensino público, eu viso muito escola pública, como a que eu estudei, por exemplo, escolas muitas vezes depredadas, esquecida pela município, esquecida pelo governo do estado”, afirma o Youtuber.

O jovem entende que os conteúdos produzidos por ele expressa e se relaciona diretamente com sua vivência do cotidiano da quebrada. “Valorizar os arquétipos da quebrada, com uma linguagem, uma coisa que não é forçada, é uma coisa que eu uso no meu cotidiano, que eu uso para falar com minha namorada, que eu uso pra falar com meu amigos, que eu uso pra falar com meus parentes”, explica Marcelo.

Ele enfatiza que após a viralização do seu trabalho é compreensível o fato do seus conteúdos conseguir acessar tantas pessoas “Eu vi muito professor chegando pra mim no direct do Instagram e muito aluno mandando print pra mim de atividades de professor que envolvem meu material, e o professor colocando meu vídeo na aula online do Ead, e professor colocando meu vídeo como citação em exercício, e professor usando meus vídeos como material de referência de estudo das provas”, conta o Youtuber, ressaltando que além da viralização, o seu trabalho ganhou uma utilidade pública na educação de jovens.

Para 2021, Marcelo pretende se aprofundar mais em outras matérias além da filosofia, como história, antropologia, bibliografias, porém ele ressalta que seu foco é na valorização cultural da periferia. “Eu valorizo essa cultura, por isso que a quebrada ela se identifica, por isso que essa galera de quebrada curte mais, entende mais, porque nós pertencemos ao mesmo nicho cultural, então o sentido do meu conteúdo é para ensinar, mas o método que eu uso pra ensinar é ‘freireano’, então eu valorizo a minha cultura como moleque de quebrada, na gíria, na minha roupa, no jeito que eu me expresso, no jeito que eu sou”, conclui.

Coletiva cria plataforma de streaming para fortalecer o cinema periférico

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 Criada para distribuir filmes e séries produzidas por cineastas das periferias, a plataforma daQbrada é uma iniciativa focada no cenário do cinema de Borda, Periférico e de Guerrilha.

Creditos Shaiene Assis

 Uma plataforma de Streaming independente totalmente livre, que concentra apenas produções audiovisuais feitas por moradores das periferias. Essa é a daQbrada, iniciativa criada pelo Coletivo Transformar, um grupo de 10 moradores de diversos bairros das periferias de São Paulo.

Enraizado na cultura de projeções de filmes ao ar livre em locais como becos, vielas e escadões e na produção de curtas-metragens, o coletivo decidiu ir além e apostar num novo projeto que explora o ambiente virtual como forma de democratizar o acesso ao cinema aos moradores das periferias e dar visibilidade as produções independentes da quebrada.

A ideia de construir a primeira plataforma de streaming dedicada a produções do cinema de Borda, Periférico e de Guerrilha partiu de Jonas Amaral, 29, integrante do coletivo Transformar que mora no distrito de Sapopemba, zona leste de São Paulo.

Segundo Amaral, a ideia consiste em agregar o trabalho de vários coletivos. “A gente que tá aqui na leste vai ter oportunidade de ver produções de coletivos diversos”, ressalta ele, afirmando que além de reunir inúmeras produções, a plataforma vai fortalecer as redes de audiovisual das periferias. Ele define o projeto como “um espaço de convergências das produções periféricas”.

E a partir desta perspectiva sobre o projeto, o produtor complementa apontando que a finalidade é ter também um ambiente não apenas para consumo de conteúdo, mas de troca. “Ao mesmo tempo ela é um espaço de quem quer assistir uma produção e tals, e que você vai encontrar muito mais fácil que no YouTube, ela acaba sendo um espaço de troca muito bom”.

A daQbrada levou um mês para ser elaborada. O responsável por desenvolver essa tecnologia é Marcio Rodrigues, 35, morador de Sapopemba. Ele é vizinho de Jonas e integrante do Coletivo Transformar. “Durante a quarentena fazendo home office acabava sobrando, aquele tempo que a gente gasta no transporte. Acabava pensando em outras coisas né, e executar também”, conta o desenvolvedor, descrevendo como aproveitou que o tempo extra em sua rotina, para pensar em novas tecnologias para seu território.

Rodrigues afirma que começou a desenvolver algo parecido com um repositório de filme, mas com o avanço do processo de elaboração, ele percebeu que o desenvolvimento de uma plataforma streaming seria a melhor opção, pós juntaria todos os propósitos do coletivo dentro de um ambiente virtual.

Durante o processo de desenvolvimento a maior dificuldade foi pensar como o usuário que é morador da periferia iria se sentir com a usabilidade da plataforma. “Você tem que estar preocupado aonde o pessoal vai acessar, aonde vai ser publicado esse vídeo, qual servidor, o servidor vai ter capacidade, vai ter o acesso das pessoas simultaneamente, como vai ser essa performance do vídeo”, explica Rodrigues.

Ele enfatiza a sua preocupação para produzir uma plataforma onde “os produtores da quebrada consigam exibir e seja acessível para pessoas que vivem nesses lugares, para elas conseguirem também assistir”, diz o desenvolvedor.

 Preconceito Digital

 Durante o processo de elaboração, o desenvolvedor foi surpreendido com o sistema de validação dos algoritmos, que impediram a publicação da plataforma com o nome daQbrada. Segundo Rodrigues, o sistema reconheceu como um site que distribui conteúdo que poderia prejudicar as pessoas que têm acesso a ele.

“O nome do site foi bloqueado por ter o daQbrada e ser visto como uma coisa que oferece risco pra quem está acessando”, relembra o desenvolvedor, denunciando como os algoritmos podem influenciar negativamente quando a linguagem é periférica. Ele relata que o problema continuou acontecendo com sistemas antivírus. “Mesmo assim ele acabou sendo bloqueado por diversos dispositivos de antivírus”.

Após vivenciar esses acontecimentos, Marcio faz uma reflexão sobre como os algoritmos podem impactar no esquecimento de territórios periféricos e seus moradores. “As pessoas querem sim consumir tecnologias que só estão disponíveis no centro, em São Paulo mesmo”, afirma fazendo uma comparação com a tecnologia disponível em seu bairro. “Na rua de cima o Uber chega, mas na rua de baixo a pessoa tenta chamar é não acessa, porque muitas vezes as empresas de tecnologia olham superficialmente pra esses lugares, elas não conhecem realmente o lugar e a demanda”.

 

Uma rede do cinema periférico

Ilustração da plataforma daQbrada

Após a criação do projeto, a plataforma torna-se uma comunidade livre, onde os próprios produtores e usuários alimentam seus conteúdos e fazem a daQbrada criar uma identidade própria, repleta de diversidade de narrativas que surgem em meio aos territórios periféricos. “A gente tá pensando trazer outros coletivos pra estar junto, e a gente se fortalecer enquanto coletivo e ao mesmo tempo fortalecer outros, a ideia é fazer um crescimento junto mesmo, mão com mão”, destaca Jonas, argumentando a importância de criar uma rede de produções periféricas.

Segundo ele, essa cultura de compartilhar experiências e conteúdos impacta também na qualidade das produções. “Esse compartilhamento de ideia ajuda também na melhora das produções”. Para o

Integrante do Coletivo Transformar, a plataforma serve como rede forte de produtores audiovisuais da periferia, visando combater e lidar com o monopólio das plataformas de streaming convencionais.

“As plataformas têm os objetivos comerciais delas, que não batem necessariamente com que a gente tá fazendo, porque você tá fazendo um curta que não tem necessariamente um objetivo comercial, na plataforma ele não roda legal, porque ele não atende o público que a plataforma se propõe a atender”, afirma Jonas.

A daQbrada ainda está em fase de teste e ao mesmo tempo está captando produtores para expor seus vídeos. “Essa questão da monetização a gente tem que estudar o que algumas plataformas livres tem feito né, o pessoal tem trabalhado com a estrutura de crowdfunder né, mas de uma forma que não seja algo restritivo”, explica o produtor audiovisual.

Neste momento, o grupo está pensando em um modelo de negócio que possa fortalecer produções audiovisuais das periferias e disponibilizar um conteúdo totalmente gratuito para seus usuários. “O audiovisual é caro né, a gente tem pensado muito como produzir”.

Em meio à fase de testes, o coletivo já planeja lançar um aplicativo da plataforma, pois percebe que conteúdos em dispositivos móveis são bem mais acessíveis para moradores das periferias, e para lidar com o viés dos algoritmos das plataformas convencionais o desenvolvedor já planeja fazer o aplicativo da plataforma. “No momento, tem como se trabalhar com algoritmos, tem como trabalhar com algoritmos do bem”, finaliza.

“Eu venho descobrindo essa parada de jogo de celular agora”, diz gamer da quebrada

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O Free Fire é um jogo eletrônico mobile de ação e aventura que faz parte do cotidiano de jovens e crianças que moram nas periferias e favelas, pelo favor de incentivar a criação de comunidades virtuais, propiciar experiências coletivas e fomentar a cultura gamer na quebrada.

creditos Beatriz Santos

 Jogar Free Fire pra curtir um lazer na quebrada, passar o tempo pra fugir das neuroses e ainda chamar os parças da família para formar o time e colaborar na criação das táticas que só eles conhecem. Esses podem ser os principais atrativos para muitos jovens da quebrada, que estão tendo oportunidade de acessar o universo gamer, a partir da popularização do acesso ao celular nas periferias e favelas de São Paulo.

Um dos jovens que fazem parte desta cultura é Yago Brito, 21, morador do Jardim Santa Lúcia, bairro localizado na zona sul de São Paulo. Ele lembra que a sua namorada lhe apresentou o jogo e logo em seguido fez o download, mas mesmo assim não foi possível jogar devido a problemas com o seu dispositivo.

A cultura gamer sempre esteve distante das periferias, devido alto valor dos consoles e dos jogos. Como o Free Fire é um jogo eletrônico disponível para ser jogado em dispositivos mobile, isso o aproximou e cativou muitos jovens como Yago, que transformou o jogo em um hábito que faz parte da sua rotina dentro da quebrada. “Eu fui me aprofundando, me especializando cada vez mais, e fiquei viciado no Free Fire”.

Ele conta que por dia passa em média de duas a três horas por dia jogando Free Fire, porém esse tempo fica relativo, quando percebe que não ultrapassou seus próprios limites. “Tem vezes que eu acho que não to numa média boa, que eu to ruim, aí eu me esforço mais, eu fico algumas horas a mais”, afirma.

O jovem conta que hoje sua patente é a Diamante 2, pontuação no jogo que serve para classificar por posição os jogadores com mais habilidades. Yago está a 2 posições do mestre, uma das mais altas patentes do jogo. “Toda jogada você sobe de uma patente, e você tem a maior patente que é o mestre e o objetivo é alcançar ela, eu to quase lá, uma hora eu chego lá”, descreve.

 Cultura gamer, família e amigos

creditos Beatriz Santos

A possibilidade de criar uma comunidade virtual formada por amigos e parentes no Free Fire é um dos principais atrativos avaliados por Yago, que o faz passar horas em frente à tela do seu celular. Outros pontos bem importantes observados por ele é a qualidade da computação gráfica que está acessível na tela de celular e a jogabilidade que o jogo oferece.

Essa experiência de ter uma patente Diamante e estar em busca de conseguir a classificação de mestre está sendo vivenciada há apenas um ano, pois foi em 2019 que Yago conseguiu acessar essas tecnologias e vivenciar a cultura gamer na quebrada.

“Eu venho descobrindo essa parada de vídeo-game e jogo de celular agora sabe, antes na minha infância meu pai e minha mãe não tinham condições de proporcionar um vídeo-game, e um celular para que eu e meus irmãos pudéssemos jogar. Foi depois que eu fiquei mais velho, que pude ter essas paradas sabe, e foi agora que foi despertando esses interesses”, argumenta o jovem.

 Yago atribui todas as suas conquistas no universo gamer de Free Fire à sua equipe, composta por amigos e familiares que moram próximo da sua quebrada. “É um grupo de quatro pessoas formado por eu, meu amigo Christopher, meu sobrinho Cameron e o Kauan”, detalha ele, considerando que o fato do jogo ser coletivo o torna muito mais proveitoso, pois em equipe ele tem a oportunidade de formar táticas contra seu oponente.

Mas de tempos em tempos o jovem precisa interromper seus jogos devido à falta de internet ou de um plano de qualidade em seu território, para proporcionar uma boa experiência. “Eu já tive bastante problema com a internet, hoje em dia eu consegui contratar um plano de internet pra minha casa, mas antes tinha que usar a do vizinho, já tive que ficar vários dias sem jogar por conta de não ter internet”, relembra.

Quando está chegando o dia 5 de cada mês é sempre uma apreensão para o gamer. Caso ele atrase um dia o pagamento do boleto, a internet pode ser cortada. “Eu tenho um plano aqui que o negócio é meio loco. Eu tenho que pagar até dia 5, quando o boleto vence. Passou do dia 5 se não pagar já era, a internet fica zoada até quitar”, explica.

Mesmo com as dificuldades para manter a conectividades, Yago conta que se tivesse a oportunidade de se profissionalizar e ganhar uma grana com algo que gosta, que é jogar Free fire seria um sonho. “Se eu tivesse essa chance de poder viver dos jogos, de uma parada que eu gosto de fazer né, seria ótimo, seria bacana demais, porque aí eu ia trabalhar com uma coisa que eu gosto, não tem nada melhor que ganhar dinheiro fazendo uma coisa que você goste né “.

Inteligência periférica: Durante a quarentena a rua continuou sendo um meio para gerar renda

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Na terceira reportagem da série “Inteligência periférica”, vamos contar a história da Edilene Protásio, confeiteira e moradora da zona oeste de São Paulo, que assim como muitos moradores das periferias, não pôde parar de sair nas ruas para trabalhar.

A confeiteira Edilene Protásio, 24, moradora do Rio Pequeno, na zona oeste de São Paulo, tem o Mimos da Leny como sua principal fonte de renda. Edilene começou no mercado informal ainda menor de idade, trabalhando com vendas de artesanatos, sorvetes, cosméticos e hoje vende bolos de potes. Ela usa sua voz como potência para sua venda.

Edilene se considera negra e acredita que a cor da sua pele não interfere em sua atuação no trabalho informal. “Trabalho informal a mais de 10 anos, eu era menor de idade ainda, comecei e fiquei. Vendia sorvete, já vendi miçanga que eu mesma produzia, com venda de cosméticos, de um tudo um pouco. Hoje eu saio gritando na quebrada, ‘oh bolo de pote, oh bolo de pote 5 reais’. Também vendo pelas redes sociais, mas o foco mesmo é na quebrada, movimentação, olho no olho, cara na cara”.

A confeiteira afirma que entrou no mercado de trabalho informal porque é difícil ser uma mulher preta e mãe com carteira assinada. 

Relata Edilene sobre o trabalho no mercado formal com carteira assinada. Arte: Flávia Lopes

Com a chegada da quarentena, Edilene não pôde parar com as vendas nas ruas, pois precisava garantir a entrada do dinheiro. “Com a quarentena tá bem mais difícil, eu tenho quatro crianças pequenas, as creches estão fechadas, as escolas estão fechadas e eu tenho que me organizar com horário delas e com o da minha mãe, que é ela que me ajuda. Agora tenho que andar com duas na rua correndo risco, mas eu não posso ficar parada porque precisamos comer”.

Para a confeiteira, ir para as ruas trabalhar no período que o governo fala sobre distanciamento social, mas não fornece possibilidades para a população periférica, representa garantir o sustento para si, e seus filhos. “Eu sei que estou correndo risco e me expondo, mas ou é isso, sair e vender o bolos, ou é passar fome, tá muito mais difícil agora”, compartilha .

Edilene frisa que não vê o poder público interessado em ajudar as pessoas a se erguer neste momento, muito menos quem é comerciante. “Os políticos dão 600 reais achando que resolveu todo problema, eu não tô na rua porque eu quero, mas porque eu preciso comer, neste momento tem que ter ação de verdade desses que falam muito”.

Em maio desse ano, o lançamento do Plano São Paulo pelo governo do Estado passou a nortear a reabertura de alguns serviços não essenciais que começaram a retomar as atividades com a capacidade reduzida conforme cada fase do plano. Os avanços na reabertura e recente retrocesso afetou de formas diferentes cada profissional. 

Para a confeiteira, a reabertura de parte dos serviços não essenciais não trouxe grandes mudanças. “Eu tive que me adaptar mais ainda, não consigo mais sair com tanta frequência, porque as crianças estão sem escola, e quando estão comigo não consigo ir para longe, agora meu irmão tá olhando elas, mas mesmo assim. E ainda que tá calor esses dias, eu tava fazendo gelinho gourmet, tô fazendo também pão, bolo de pote. Vou colocar mais mercadoria, mais produto, para aumentar esse retorno financeiro, que mesmo com essa abertura só tem diminuindo a volta do dinheiro”, conta a profissional.

“Para o ambulante essa reabertura não mudou em nada, está normal, não teve pandemia para quem trabalha na rua, quem trabalha na rua foi trabalhar, quem trabalha com comércio foi trabalhar, a reabertura abriu os comércios grandes, o ruim que quem é mãe os filhos estão sem escola e isso é a maior dificuldade” 

O valor do auxílio fornecido pelo governo não foi suficiente para muitos moradores das periferias conseguirem suprir suas demandas. Assim como Edilene, muitos continuaram o corre para garantir seu acesso a direitos e a serviços que não chegaram de forma eficiente através do Estado nos territórios periféricos.

Na próxima reportagem da série “Inteligência periférica”, vamos conhecer a Thamyrys Tamer, artesã e moradora do Jardim Joana D’arc, Tremembé, na região norte de São Paulo, que se readaptou a nova forma de vender seu produtos durante a pandemia e conseguiu fortalecer outras mulheres durante esse processo.

Leia também: 

Saúde da população preta: Kemetic Yoga e Autocuidado nas periferias, uma possibilidade de produção de mais saúde

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A necessidade da criação e fortalecimento de políticas públicas que promovam saúde para e com a população preta, levando-se em consideração suas especificidades.

Sirlene Santos, moradora do Parque Taipas (Foto: Rodrigo Zaim)

Em julho de 2020, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo publicou o Boletim CEInfo Análise: Saúde da População Negra. Apesar do boletim apresentar “avanços na implementação de políticas públicas voltadas para a saúde da população negra”, fica evidente a necessidade de ampliação das políticas públicas e da criação de soluções distintas das existentes hoje, que considerem as especificidades relacionadas a esta população.

Mas, antes de apresentarmos alguns detalhes referentes à saúde da população negra presentes no boletim, é preciso apontar a urgência de melhoria na coleta dos dados que subsidiam as análises, pois, como o próprio boletim apresenta, dos 9 sistemas de informação existentes na cidade, 7 apresentam completude da variável raça/cor abaixo de 80% nos dados coletados, ou seja, a informação sobre raça/cor das pessoas atendidas não é informada na grande parte dos sistemas e, assim, mesmo que seja possível apontar as desigualdades existentes no que se refere à produção de saúde no município, estes dados acabam analisando apenas uma parte do que de fato acontece.

Imagem extraída do Boletim CEInfo Análise: Saúde da População Negra – p.14
Imagem extraída do Boletim CEInfo Análise: Saúde da População Negra – p.29

Contudo, quando se observa a taxa de mortalidade em decorrência da mesma doença, Hipertensão Arterial Sistêmica, no ano de 2017, nas pessoas maiores de 60 anos, pode-se perceber que a taxa é maior na população preta, 169,3 mortes a cada 100.000 habitantes, seguida da população parda, com 132,5 mortes a cada 100.0000 habitantes. A proporção também apresenta a desigualdade ao se olhar para os menores de 60 anos.

Imagem extraída do Boletim CEInfo Análise: Saúde da População Negra – p.30

Cruzando-se essas duas informações: a redução dos casos de Hipertensão Arterial Sistêmica na população negra entre 2008 e 2015; e a maior mortalidade de 2017 por decorrência desta mesma doença entre a população negra, e comparando-se à população branca, pode-se intuir que a atenção em saúde dada aos casos diagnosticados e o acompanhamento dos mesmos para o seu tratamento, a fim de se evitar o óbito, tem o racismo institucional como fator possivelmente originário da desigualdade percebida.

Assim, deve o município criar políticas públicas que atendam às necessidades e especificidades da população preta e parda da cidade a fim de ampliar o acesso à saúde, bem como apresentar propostas de cuidado quando diagnosticadas as doenças.

Para entender algumas possibilidades conversamos com Sirlene Santos, 42, educadora física e terapeuta. Moradora da Brasilândia por décadas, hoje reside no Parque Taipas, no Quilombo da Parada, onde realiza parte de suas atividades e participa da gestão do espaço. 

Para ela, a busca pelo conhecimento ancestral da população preta deve ser considerada como possibilidade de cuidado e tratamento, especialmente dessa mesma população, e que algo essencial para a produção de saúde é o autocuidado, passando pela prática da Kemetic Yoga e pela alimentação saudável como produtores de saúde.

Sirlene Santos, moradora do Parque Taipas (Foto: Rodrigo Zaim)

“Toda prática de autocuidado é um portal que está relacionado também com autoconhecimento e autoestima. São três pilares.” Sirlene, conta que quando começou a pesquisar mais sobre a importância do autocuidado na população preta e passou a praticar e disseminar o que aprendia, muitas pessoas enxergavam esse movimento como algo individualista, egocêntrico, que se distancia da ideia de comunidade de cuidado.

Mas, ela diz que é justamente o contrário, “é como quando se está num avião e tem uma turbulência, primeiro você coloca a máscara em você para depois poder colocar no outro. É preciso cuidar primeiro de si para depois ter como cuidar do outro. Ninguém salva o outro não estando primeiro salvo. É preciso se olhar, não tem lógica você não estar bem e querer ajudar os outros, vai ajudar com o quê?” – questiona.

Dentro de seu processo de ampliação do conhecimento para cuidado da população preta, conta que em 2015 começou a praticar capoeira Angola na escola Mutungo conduzida pelo mestre Zelão e foi onde teve contato com a Kemetic Yoga onde todos os movimentos priorizam a saúde integral. 

“Em 2016 foi-me apresentada a Kemetic Yoga, que é africana. Eu comecei a praticar. Em 2018 houve uma formação. A princípio eu não mostrei interesse. Não me sentia preparada para a formação. Em 2019, o Mestre Yirser Ra Hotep, esteve no Brasil e fez uma palestra. Haveria uma formação com ele e quando eu decidi que já estava pronta para participar, não tinha mais vaga. Mas, quando chegou no final de setembro surgiu uma vaga e eu fui, fiz a formação em dezembro, num processo de imersão, muito importante, com 10 a 12 horas de prática por dia.”

Sirlene Santos.

Sirlene Santos, ministrando Kemetic Yoga, Casa Lúdica (Foto: Tásia)

Sirlene explica que Kemetic é a palavra original para se referir ao que hoje é conhecido como Egito (que seria uma palavra colonizada pelos gregos), que significa “terra das pessoas pretas”. Ela conta que “…há registros que trazem os vestígios de uma prática rotineira, cotidiana de feita pelos povos que habitavam as margens do Nilo. Essa prática teria migrado para a etiópia e da etiópia para a Índia, e essa prática ficou popularizada como Yoga.”

Ela conta ainda que a Kemetic Yoga contribui na produção de saúde integral porque olha para a pessoa em sua totalidade: “um corpo que sente as emoções, que sente as energias, um corpo templo, um corpo inteiro. Por ser africana, é uma prática que afeta diretamente o corpo preto, que sempre está em estado de alerta, e dentro da prática a gente trabalha justamente o relaxamento. É possível esse corpo relaxar? Essa é a proposta, trazer o “seneb” que significa saúde em abundância.”

Qual a relação entre o Kemetic Yoga e o autocuidado?

“Está ligada ao autocuidado porque o nosso corpo tem dificuldade de relaxar, de se tranquilizar, de estar em paz. Através das práticas a gente traz a automassagem, as práticas meditativas e as técnicas respiratórias, além da postura, não somente física, mas que mexe com as energias bloqueadas, o fato de estarmos sempre alerta atrapalha a gente a se expressar. Dentro das práticas de Kemetic Yoga a gente vai desbloqueando as energias estagnadas. É uma reestruturação, uma restauração, unindo o corpo que está fragmentado. ”

E Sirlene completa que esta relação não tem a ver com o indivíduo, pois “não se está somente olhando para si, mas, principalmente para a comunidade preta.”.

“No movimento Kemetic Yoga Brasil nossa visão é popularizar esse conhecimento para conscientizar o povo preto que é necessário parar para se cuidar. E não é algo só físico. E aqui entra a questão da alimentação. O que que te alimenta? Você se nutre ou você está adoecendo? Você se alimenta ou você se enche? Não somente o que come, mas, um filme, uma leitura, um ambiente, tudo isso te alimenta, qual é o propósito com o qual você está levando a vida?”

Sirlene Santos, preparando uma refeição saudável (Foto: Rodrigo Zaim)
Imagem extraída do Boletim CEInfo Análise: Saúde da População Negra – p.36

Mais uma vez é preciso perceber que é possível a criação ou fortalecimento de políticas públicas que promovam saúde para e com a população preta, levando-se em consideração suas especificidades.

Sirlene nos conta que um fator que ajudou a decidir fazer a formação em Kemetic Yoga foram os vários pedidos que vinham dos coletivos de pessoas pretas e que cuidam do corpo preto nos mais diversos locais da cidade para ela levasse práticas de meditação e antes ela o fazia como praticante e agora se sente mais capacitada como instrutora. 

Diz ainda que enquanto educadora física, isto lhe tem impulsionado, apesar da percepção ainda existente de que a proposta seja apenas algo do corpo, muitas vezes descolada da mente, como se o movimento fosse apenas para fora, apenas a técnica, apenas algo mecânico, se limitando à estética, e o desafio é duplo por primeiro apresentar a proposta de autocuidado como relevante para a população preta e também para conseguir apresentar como a tríade corpo, mente e espírito.

Como você enxerga o autocuidado nas periferias, especialmente na Brasilândia?

“É impressionante como as pessoas que têm se disponibilizado a cuidar do outro não têm cuidado de si. As pessoas têm estado muito entregues à militância, mas não se cuidam. No ano passado tentamos trabalhar com pessoas que cuidam de outras pessoas, porque vimos que nós que estamos nessa frente, ficamos sempre pelo outro, no extremo. E quando a pessoa pausa, começa a se perceber e a falar não… as pessoas estranham. Mas, é preciso fazer esse movimento de se cuidar para poder cuidar do outro. Cuidar de quem cuida é urgente!”

A provocação final que Sirlene nos deixa para reflexão é que nas periferias falta muito essa visão de que é preciso primeiro se cuidar para depois cuidar do outro, ou mesmo para realizar as suas tarefas. E que entende fazer parte dessa semente que ainda está sendo plantada. “Talvez outros terapeutas da região tenham outras percepções. Mas, eu percebo que a própria militância, ativistas, ainda não entenderam a importância do autocuidado.”

E você, como tem praticado o autocuidado e o cuidado comunitário?

Desculpa, estou atrasado

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Escrevi esse texto dentro de um ônibus pois estava atrasado para entregá-lo. Ao começar a escrita, me veio a reflexão: o tempo está passando rápido ou nós que estamos apressados?

Segundo Pesquisa de Mobilidade Urbana de 2018, moradoras e moradores da cidade de São Paulo gastam 2h43 por dia para se deslocar para todas as suas atividades. Estamos perdendo tempo?

Quando estava na faculdade, uma professora indicou um documentário para a turma assistir: “Quanto Tempo o Tempo Tem”. Eu, sem tempo, não assisti. Esses dias, falando sobre os mistérios do tempo com um amigo e que tudo está muito corrido, indiquei o documentário para ele. Será que ele vai assistir? Bom, espero que ele tenha tempo.

Esse primeiro parágrafo na verdade foi uma certa enrolação. Eu não sei muito bem como começar a escrever minha coluna “deste mês”. Talvez pedindo desculpas? Sou tão entusiasmado com os mistérios do tempo que me perco muito nele. Sendo jornalista, entendo como funciona as relações de uma redação: pesquisa de pauta, marcação de entrevistas e uma coisa muito importante: o deadline, que é o tempo limite para o texto ser entregue. Eu vou abrir aqui para vocês, mas espero que só fique entre a gente, hein? O meu deadline nesta coluna é todo dia 30 de cada mês. Estou escrevendo no dia 4… Do mês seguinte.

Também na faculdade, enquanto pensava em temas para meu Trabalho de Conclusão de Curso, o famoso TCC, isso ainda no meu segundo ou terceiro ano (ora ora, eu estava adiantado), anotei no bloco de notas do celular – que é a mesma ferramenta que utilizo agora – a seguinte ideia: “Dormitórios: a periferia que não tem tempo pra sonhar”. Esse tema não foi esquecido, ele foi desdobrado, aprofundado e virou “Quebrada de corpo e alma: a visão periferiana da comunicação e cultura no extremo sul da cidade de São Paulo”, meu trabalho de conclusão de curso apresentado no final de 2019 e que deu origem a esta coluna.

Nas correrias da vida, escutamos a todo instante: “sem tempo, irmão”, “estou com pressa”, “estou atrasado”. Em um dia qualquer, aproveitando o tempo livre, estava assistindo a série “Dark”, da Netflix, que acabou virando minha série favorita, e refleti sobre a seguinte frase da série: Por que a gente fala isso, ter tempo? Como podemos ter tempo quando é ele que nos tem?

Cheguei em uma conclusão: Somos apressados, mas reféns do tempo. A falsa ideia de ser donas e donos do tempo causam alguns problemas indiretos, como ansiedade, doença que afeta cada vez mais as juventudes e está muito presente também nas periferias. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país que mais sofre de ansiedade no mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população). 

Nas bordas principalmente, somos pressionados a correr contra o tempo. Nas quebradas, sobretudo as mulheres, se desdobram para trabalhar o dia todo, chegar em casa e ainda ter tempo para cuidar do lar, dos filhos e talvez dormir, isso ainda muito efeito de uma sociedade machista, que vê o homem culturalmente apenas como provedor ou a figura do homem não existe nesses lares, mas isso é uma conversa para um futuro texto. Jovens saem de madrugada para trabalhar depois correm direto para a faculdade. As vezes, chegando em casa, precisam preparar a famosa marmita para o outro dia, ou até mesmo estudar um pouquinho para não ficar para trás, perdido no tempo. O quão complexo é não ter tempo para descansar?

Eu, que sou cheio dos clichês, deixo aqui mais um: aproveite o seu tempo (com responsabilidade), repense suas prioridades e saia um pouco do celular. Assim que a vacina do coronavírus chegar, faça um favor para si mesmo: VIVA! Não sabemos o tanto de tempo que temos, mas sabemos o tanto de tempo que já passou. 

Jogo expõe o pensamento computacional na visão de jovens da quebrada

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Criado conceitualmente durante um curso de pensamento computacional, o jogo Tabuleiro de Ori é uma iniciativa de jovens das periferias de São Paulo para transformar a música em um instrumento educativo para mergulhar na história da população negra brasileira.

Creditos: Rodrigo da Selva

 “É o seguinte mano, esse jogo é pra legitimar para amanha ou depois um pretinho na escola falar assim: ‘se você pensa que minha história  parte da escravidão você tá muito enganado, nós somos seres milionários, tá ligado ‘. Eu acho que a grande resposta do Ori é essa”, explica Magda Souza, uma das seis jovens moradoras das periferias de São Paulo, que usaram o pensamento computacional para elaborar o jogo Tabuleiro Ori.

Souza faz parte de um grupo de seis jovens que participaram do programa de formação Programaê, um curso que convida jovens das periferias a construir um guia para construção do pensamento computacional.

Ao longo do curso, os jovens transformaram suas vivências sociais na quebrada em um plano pedagógico focado na difusão do pensamento computacional nas escolas públicas das periferias de São Paulo. Para isso, eles construíram um plano de aulas a partir dos conhecimentos adquiridos no projeto.

Durante esse processo de formação, Ana, Myke, Glória Maria, Gustavo e Macrô, parceiros de Magda no curso, decidiram criar um jogo para descolonizar o entretenimento musical através do pensamento computacional, utilizado para estimular a introdução da lógica de programação, que é empregada na maioria dos dispositivos tecnológicos.

O objetivo deles é contribuir com a ampliação do repertório de jovens das periferias, a partir de um jogo que estimula o contato histórico com a música preta no cotidiano de alunos de escolas públicas. Na prática, o grupo está usando técnicas de Gamificação para transformar a cultura, história, música e o pensamento no jogo Tabuleiro Ori, um instrumento pedagógico para descolonizar a cultura musical nas periferias.

creditos: Rodrigo da Selva

“O jogo incentiva o aprendizado dentro do tema, então você sempre vai caminhar pra chegada e se você tiver alguma dificuldade no caminho você vai aprender com a pergunta que você tirar no card, através do mediador. O foco é sempre aprender o conteúdo e no meio do jogo ir aplicando o pensamento computacional”, explica Ana Luiza, 26, umas das co-criadora do Tabuleiro Ori, moradora do Jardim Sonia Inga, que atua como cantora, compositora, poeta e articuladora.

Se por um lado a vivência dos jovens na quebrada se tornou uma grande aliada que contribuiu no processo de elaboração do jogo, a introdução do pensamento computacional e suas complexidades tecnológicas foi um grande desafio. “A maior dificuldade pra mim no caso, foi aplicar o pensamento computacional dentro do jogo”, afirma Magda Sousa, 25, moradora do Morro do Índio. 

A produtora cultural ressalta que a universalização da leitura do jogo foi uma grande dificuldade, pelo fato dele ter que atingir diferentes públicos. “O grande lance foi quando a gente entendeu que precisava aplicar pra todo mundo né, que o professor tinha que chegar na sala de aula e conseguir aplicar, desde um professor de escola particular a um professor de uma comunidade ribeirinha”, complementa.

A ideia de descolonizar a cultura musical através da gamificação surgiu devido ao fato do grupo de jovens ter uma ligação natural com diversos estilos musicais, entre eles o hip hop. “A maioria das pessoas que estam no grupo já trabalha com esse rolê. Foi muito mais fácil trabalhar a parte de pesquisa nessa questão”, aponta Magda, que antes da pandemia atua produzindo eventos de batalhas de rimas nas periferias da zona sul de São Paulo, por meio da ocupação do espaço público.

Segundo a compositora Ana Luiza, jogo vai provocar os alunos de escolas públicas a mergulhar na história afro-brasileira e indígena como uma forma de resgate, ressignificando o conhecimento e valorizando a cultura afro-indígena, através da música. “É sempre o foco valorizar a música dentro da cultura preta mesmo, de valorizar a nossa música”.

Além do Tabuleiro Ori, o curso Programaê também serviu como plataforma para os jovens criarem um plano de pedagógico, composto por quatro aulas com duração de 50 minutos cada. O conteúdo didático é voltado para alunos das disciplinas de Música e Geografia, que estão cursando o 9° ano do Ensino Fundamental II em escolas públicas das periferias.

Ana Luíza acredita que o maior propósito do jogo é mostrar pra a juventude que ela pode ocupar o espaço que ela quiser conhecendo a sua história e do seu território. “A gente pode estar na área tecnológica, a gente pode estar na área que a gente quiser, usando a nossa linguagem principalmente”, finaliza...

App registra em tempo real situações de aglomeração no transporte público

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O grupo de pesquisa Rede de Mobilidade da Periferia desenvolveu o aplicativo Sufoco, com o objetivo de criar uma rede colaborativa de dados que podem ajudar a mapear e relatar problemas no transporte público, uma rotina comum vivenciada por moradores das periferias e favelas de São Paulo.

live de apresentação do aplicativo sufoco

 Passar sufoco no transporte coletivo faz parte da rotina do morador da quebrada, porém em meio a pandemia do novo coronavírus a condição de má qualidade do serviço público que oferece acesso a cidade, ganhou outro significado: o risco dos passageiros serem contaminados pela covid-19.

Foi pensando nisso que a Rede de Mobilidades da Periferia, um grupo de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), formados por pesquisadores e estudantes que moram e vivem o cotidiano das periferias, criou o aplicativo Sufoco, para mapear de maneira colaborativa e em tempo real os alertas dos passageiros que estão em situação de aglomeração no transporte público de São Paulo.

O professor de geografia Ricardo Silva, 43, morador da Penha, distrito da zona leste da cidade, leciona na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Ele revela que suas pesquisas deram embasamento para criação do app, pois nas entrevistas com as pessoas sempre aparecia o tema da lotação. “Eu fui estudar transporte e mobilidade, e especialmente no doutorado eu percebi nas pessoas quando fazia as entrevistas, elas reclamavam muito sobre essa questão da lotação, mas não é um tema muito levado em consideração, até mesmo do campo da mobilidade”.

Silva afirma que a partir de suas pesquisas ele entendeu que o problema de mobilidade urbana vai além do planejamento da cidade. “A mobilidade como um direito né, não simplesmente como mercadoria. A mobilidade como mercadoria é isso: um transporte lotado que atende os interesses mercadológicos, pras grandes corporações, é interessante que se tenha o transporte lotado, dá mais lucro”, explica.

A partir desses estudos, o professor concluiu também que para mudar essa lógica de superlotação no transporte é necessária uma modificação de pensamento. “Direito à cidade é pensar o transporte público, gratuito, de qualidade e a cidade acessível né, de outra maneira para além dessa lógica mercadológica”.

O professor relembra que o ponto de partida para criação do app foi marcado pela realização de debates e diálogos com as pessoas, para construir junto a elas uma proposta de ferramenta digital, em formato de mapeamento colaborativo, na qual os passageiros do transporte público pudessem denunciar as situações de superlotação.

Em meio a esse processo, o professor sempre buscou formas de mostrar o quão letal seria a pandemia de coronavírus para os moradores das periferias e favelas de São Paulo. “No começo da pandemia, em março, eu fiquei muito atento em produzir mapas e buscar dados, que de alguma forma pudesse revelar a letalidade do coronavírus nas periferias”, conta.

Para a Rede Mobilidade da Periferia, o importante é garantir a utilização da tecnologia para que as pessoas tenham autonomia e voz para fazer denuncia sobre a situação do transporte público. “Imagina a construção de mapas a partir dos interesses das pessoas que vivem nos lugares, ou que sofre as dificuldades no dia a dia, como a mobilidade e revelar esses problemas, a partir das vivências delas”, argumenta o professor que integra o grupo de pesquisa.

Com o app funciona? 

O app Sufoco possibilita que os usuários qualifiquem o reporte de situações de lotação escolhendo o tipo de coletivo como ônibus, metrô e trem. Além disso, a partir dos dados relatados pelos passageiros será possível acessar informações sobre qual linha tem maior recorrência de lotação, qual linha que tem mais lotação, seja ônibus, metrô e trem.

Para que esses dados transpareçam a realidade que os moradores estão vivendo dentro do transporte público nesse momento, a Rede Mobilidade da Periferia entendeu que os próprios usuários de ônibus poderiam fazer isso em tempo real.

“Esses dados com esses problemas podem ser as próprias pessoas, as pessoas que estão nessa condição de lotação do transporte. Elas podem ajudar a construir um mapa de maneira colaborativa”, diz Ricardo, apontando o processo natural de alimentação de informações pelo qual o app pode funcionar, onde o objetivo é fazer com que as pessoas pudessem produzir suas próprias informações, a partir de suas vivências, a fim de transformá-las em dados.

Essa produção de dados independente tem que divulgar mais pra comunidade

Serginho Lima

Serginho Lima, morador do Jardim Eliane, zona leste de São Paulo, participou da fase de testes do app como colaborador comunitário. Ele conta como foi a experiência. “Você coloca a linha e o app dá algumas questões para você escolher se está usando o transporte como lotado, com aglomeração, sem aglomeração ou se você não conseguiu entrar. Eu achei bastante simples”, relata o morador.

Segundo Lima, durante o uso do aplicativo, ele sempre relatava que usava a linha de ônibus do bairro na categoria lotado e que não tinha horário específico para a linha estar em estado de lotação, ou seja, não dependia dos horários de pico para isso acontecer.

Em meio a essas experiências, o morador relata que o descaso da prefeitura com o transporte público em seu bairro é recorrente. “A gente tem duas linhas aqui dentro do bairro que é a 253F, que todos os anos a gente tem que ficar brigando porque eles queriam até tirar daqui a linha, dizendo que teria que otimizar”, conta Lima, afirmando que além disso, o índice populacional no bairro não para de crescer, o que aumenta ainda mais a demanda por um transporte público que atenda a demanda de moradores.

Ele faz questão de compartilhar a indiferença que sente em relação aos órgãos públicos que deveriam pensar o planejamento da vida nos territórios periféricos. “Se vê que ninguém tem proposta para transporte público, não tem plano pra periferia”.

O morador ressalta que a produção desses dados pode ser uma oportunidade para cobrar medidas mais efetivas, prevendo que mostrará mais a realidade do bairro. “Eu acho que p formato desse aplicativo é uma coisa muito boa, porque você não tem nos meios oficiais dados para refutar inclusive questões que a própria Secretaria Municipal de Transporte coloca, não existe nada pra gente refutar nesse sentido, então essa produção de dados independente tem que divulgar mais pra comunidade”, finaliza.

Jovens querem construir primeiro laboratório de informação de Parelheiros

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Como acessar informação sem direito à internet? Como construir informação e contar sua própria história sem uma infraestrutura de equipamentos para isso? A proposta de criar uma Lab de Acesso à Informação na quebrada nasce a partir destes e de outros questionamentos. Conheça essa história.

Créditos: coletivo ArquePerifa

Segundo dados da Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados), 7,5 milhões de pessoas no Estado de São Paulo com mais de 10 anos nunca acessaram a internet, o equivalente a 23% dos paulistas. Então que tipo de informação é produzido no ambiente virtual onde existe uma generosa parcela da população é impedida de participar das discussões nas plataformas digitais?

Essa foi a pergunta que mexeu com as integrantes do coletivo Arqueperifa, iniciativa criada por jovens comunicadoras que fazem projetos de impacto social nos distritos de Parelheiros e Marsilac. Juntas, elas pretendem através de uma campanha de financiamento coletivo, criar o primeiro laboratório de informação de Parelheiros.

A ideia de criar o projeto surgiu durante uma formação pedagógica, onde as integrantes do Arqueperifa visualizaram um problema em seu território: a precarização do acesso à informação, e como solução desse problema, as jovens começaram a sonhar e prototipar a criação de um Laboratório de (In) formação e Inovação, construindo um espaço físico para produção e difusão de conhecimento nos territórios de Parelheiros e Marsilac.

A partir de uma série de pesquisas nos dados demográficos da cidade de São Paulo, as jovens comunicadoras descobriram que juntos os distritos de Parelheiros e Marsilac somam ¼ da extensão territorial da cidade de São Paulo, com cerca de 200 bairros, dos quais 70% são irregulares. E uma dessas consequências de moradias irregulares é o fato de o distrito ter o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do município.

Segundo Julia Biaggioli, 21, uma das integrantes do Arqueperifa, a internet de fibra óptica só chegou no meio da crise gerada pela pandemia. “Aqui a internet de fibra óptica chegou agora, chegou no meio da pandemia, então a gente levou essa problemática”, explica ela, argumento e expondo um dos motivos centrais para consolidar a ideia de criar o laboratório de informação no território.

Diante desses dados e relatos de suas vivências no território Júlia apresenta outro questionamento que o grupo trouxe no processo de elaboração da ideia. “Que informação é essa que o publico ta acessando? Eles, os moradores têm televisão coisas assim, mas qual é a informação que está sendo passada?”, questiona ela.

Através dessas descobertas, as integrantes do coletivo fazem uma analogia com o fato histórico de ser morador da periferia e conviver em meio às desigualdades. “A nossa realidade é de gente que tem sempre que estar correndo atrás do pão, não tem tempo pra parar pra pensar, pra articular, não tem mano. O pão é pra ontem, a comida é pra ontem, a água é pra ontem”.

Após elaborar o projeto de construção do laboratório de informação, as jovens se depararam com as primeiras dificuldades no caminho, onde a principal é o fator financeiro. “Na prática o maior desafio é o dinheiro mano”, afirma Julia.

Para que esse sonho continue sendo algo palpável na vida das jovens que fazem parte do coletivo, elas decidiram investir tempo, dedicação e conhecimento na produção de comunicação com linguagem periférica, para construir uma campanha de financiamento coletivo, em busca de viabilizar fundos para consolidar a ideia. “É por isso que a gente quer ter esse financiamento coletivo, pra gente se organizar, porque tem muita coisa pra oferecer, projetos que já tá no papel e já tá pronto pra ser feito”, relata Júlia.

 Como será o Laboratório de Informação da Periferia?

 Após a locação de espaço e montagem de infraestrutura, o espaço do laboratório de informação da periferia será localizado na região central de Parelheiros. O coletivo Arqueperifa entende esse ponto do bairro como um local estratégico do território para acessar o maior número de moradores possível.

Ali é onde ficam a igreja central, os comércios, e a gente quer que fique na zona central, que é por onde todas as pessoas das pontas do distrito acessam, desde o Marsilac até a Barragem, até quem vêm do outro lado, normalmente as pessoas passam por ali, então a gente quer começar nossas ações pela área central de Parelheiros”, explica Laura da Silva, 19, integrante do coletivo que mora no Jardim Embura, um dos bairros que fazem parte do distrito

Laura é comunicadora, produtora cultural e estudante de geografia. Segundo ela, estar no centro de Parelheiros é estratégico para acessar mais pessoas. “A centro de Parelheiros é uma região que conta com mais internet, por ser um local que tem bastante comércio, então a gente pretende ter um pacote de dados maior, para que as pessoas possam utilizar a internet para trabalho e estudo”, diz.

As jovens pensaram que a partir da infraestrutura do laboratório de informação, será possível criar produtos comunicativos como exposição fotográfica, podcast, documentário, fanzines, lambe, grafite, a partir das vivências dos moradores do território, mas para isso sair do papel, elas já possuem um orçamento para viabilizar a compra de equipamentos para sustentar a produção dos conteúdos.

No interior do laboratório, o coletivo projeta que os usuários tenham acesso a computadores, espaço de Cowork para trabalho, estúdio de foto e vídeo, ilhas de edição, além de um espaço dedicado ao desenvolvimento de novas tecnologias.

Mesmo com essa aderência ao universo digital, Laura, aponta uma característica importante do laboratório, que segundo ela, é preciso produzir informações offline antes do digital, incentivando a literatura periférica e trazendo formações para jovens. “Neste espaço vai ter uma biblioteca. Essa biblioteca vai ter materiais, livros, textos de autores que são de Parelheiros, Marsilac, ou conteúdos que falam sobre esse lugar e trazem conhecimentos importantes sobre esses territórios”.

Uma das integrantes do Arqueperifa, Luara Angélica, 20, que integra outro coletivo da região, o Juventude Politizada de Parelheiros, faz uma reflexão sobre o impacto de dialogar com a juventude do território. “Eu acho imensurável o impacto que vai ter na vida dos jovens. Essa juventude que já está voando, vai voar ainda mais”.

Após enfatizar o valor do projeto para os jovens de Parelheiros, Laura lembra de um fato importante na história do coletivo, que logo no início da pandemia do novo coronavírus começou a produzir e compartilhar os efeitos da pandemia na quebrada, por meio do podcast: o lugar de quarentena. “A gente decidiu falar na internet como o nosso território estava vivendo essa pandemia, e falar disso, expor isso é trocar com pessoas sobre isso, eu acho que já impactou e impacta a vida de vários jovens das várias pessoas que ouviram nosso podcast”, conclui.

Inteligência periférica: juventude periférica segue se reinventando

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 Na primeira reportagem da série “Inteligência Periférica”, contamos sobre o contexto histórico do desemprego em São Paulo e compartilhamos um pouco da história do DJ Dagoma. Nessa segunda reportagem da série, você vai conhecer a trajetória do jovem Josiel, morador do distrito do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, que nos últimos nove meses precisou criar três formas diferentes de gerar renda.

Atuando como entregador, Josiel Santo, 18, trabalha no mercado informal há cerca de quatro anos. O jovem mora no Parque Bologne, bairro pertencente ao distrito do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, e seu principal instrumento de trabalho era a sua bicicleta, que no momento encontra-se quebrada. Era com ela que ele circulava pela cidade para garantir parte da sua renda.

Josiel já trabalhou com muitas coisas, mas a decisão de iniciar no ramo informal se deu principalmente por ser mais lucrativo. “Me chamaram para sair a noite e eu estava sem dinheiro, só tinha 5 reais. Eu pensei: ‘eu vou precisar de mais’. Eu fui no mercado, comprei uma caixa de pastilha e fui vendendo. Quando a caixa acabou eu já tinha 25 reais livre só para mim, e aí eu não parei mais”, conta o jovem que começou no trabalho informal como vendedor ambulante.

Antes da pandemia da covid-19, Josiel circulava pela cidade produzindo poesias. Estudava música, grafite e elementos do hip hop no Centro Cultural Mocambo, na zona sul de São Paulo. A partir da sua arte, era convidado para cantar e recitar em alguns eventos. Em 2019, por exemplo, interpretou um dos personagens da websérie Pense Grande Sua Quebrada. Com a pandemia, tem feito trabalhos esporádicos na região.

“Eu trabalhei um tempo com a pandemia e agora eu faço uns bicos para ajudar a comunidade. Os bicos que eu faço para comunidade é carregar uma areia, uns blocos para os vizinhos, ajudar uma tia ali com a sacola descendo da perua. Sempre querendo ajudar sabe.”

De vendedor ambulante a entregador, o jovem acredita que existem formas mínimas do poder público contribuir com a população que garante seu sustento através do mercado informal: “Primeiramente deixando os marreteiros trabalharem nas estações, e fazendo mais ciclofaixa para o ciclista”, compartilha Josiel.

Após nove meses do início da quarentena, Josiel passou a trabalhar com a produção e venda de máscaras de tecido. “Assim, pelo fato da quarentena algumas obras parou, como o ramo de máscara de proteção para o covid-19, eu estou na produção de máscara. A reprodução de máscara tá bombando, agora eu virei costureiro”, conta o jovem que iniciou o trabalho com essa nova demanda em outubro de 2020.

Josiel Santo. Foto: arquivo pessoal

Cor e o CEP influenciam o mercado de trabalho  

PNAD Contínua – Divulgação: Julho de 2020 / Elaboração: Flávia Lopes – Info Território

Para muitos moradores das periferias, a cor da pele e o endereço de onde vêm, está diretamente ligado às oportunidades que encontram disponíveis no mercado de trabalho com carteira assinada, considerado o mercado formal.

Gênero, orientação sexual, raça e classe social são fatores históricos utilizados como mecanismo de marginalização nas relações de trabalho. O núcleo voltado para estudos sobre o Trabalho no CEP – Centro de Estudos Periféricos, grupo de pesquisadores da Unifesp, aponta que esse cenário de esquecimento de parte da população acontece há muito tempo.

“O Estado brasileiro nunca promoveu políticas de reparação histórica para a população negra, que sempre se virou sozinha ou com o apoio dos seus iguais, seja na construção de moradia ou fazendo algum bico, como conta o livro Cidade das Mulheres, de Ruth Landes. Eram mulheres negras antes escravizadas que foram para as ruas de Salvador vender quitutes para sobreviver no pós abolição”

compartilha os pesquisadores Cleberson da Silva, Nataly de Oliveira, Egeu Gomez, e Matheus de Carlos do núcleo de Trabalho do CEP.

A situação não é diferente para quem trabalha como vendedor ambulante, entregador, ou em outras áreas do trabalho considerado informal. DJ Dagoma, que compartilhou sua trajetória no primeiro episódio da série “Inteligência Periférica”, conta que já sofreu preconceito em questões de trabalho, inclusive no trem.

“Geralmente as pessoas quando entra assim para vender, elas já enrolam a mão na bolsa. Mas sabe o mais foda que eu vejo? As mulheres enrolam a mão na bolsa e fica piano, mas o cara branco que está engravatado, todo bonitinho ali, é o cara que é o batedor de carteira, tá ligado. Eu sofro um preconceito de um lado, mas ela está do lado de um ladrão. Então tipo é muito louco isso aí. Eu sofro no trem, já sofri em outros trabalhos, tá ligado!? Eu sofro preconceito sim, por eu ser preto”, relata o arte educador e vendedor ambulante.

A costureira Valdirene Rodrigues, moradora de Sapopemba, região leste de São Paulo, acredita que sua cor não tem relação com suas relações de trabalho. “Sou de Pilão Arcado, Bahia e minha família toda é de lá. Me considero uma mulher parda, mas para o meu ponto de vista, assim não tem tanta diferença, acho que a cor não interfere no trabalho não”, compartilha a costureira que também nos contou como tem sido para ela esse momento da pandemia em relação ao seu trabalho. Valdirene foi uma das entrevistadas da série “Inteligência Periférica”.

“Eu trabalho com o público e nem todo público gosta de um neguin né.” 

Josiel do Espirito Santo

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Para os pesquisadores do núcleo de Trabalho do Centro de Estudos Periféricos da Unifesp, a ausência de políticas públicas de qualificação e formação para o mercado de trabalho voltado a adolescentes e jovens negros, prejudica o acesso e o desenvolvimento de uma carreira.

“As vagas de trabalho para quem tem pouca qualificação formal, ou uma qualificação tardia, são geralmente mal remuneradas, o que resulta no desejo de tentar alguma atividade que possa remunerar melhor”, finaliza o núcleo de estudos.

Já existia um desemprego e desalento na população negra antes da pandemia. Porém, a pandemia acarretou em agravamento do desemprego e das dificuldades econômicas, sobretudo para as mulheres negras, que são maioria dentre os/as trabalhadores/as informais. Some-se a isso que ainda há resistência da sociedade em regularizar algumas atividades e assim garantir direitos básicos para esta parcela da população, tenhamos como exemplo a PL das domésticas que gerou grande descontentamento das elites.

Núcleo de trabalho do Centro de Estudos Periféricos 

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