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“Somos seres políticos”: conheça a trajetória política de Keit Lima na Brasilândia

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Nordestina, periférica e engajada na participação política no território da Brasilândia, zona norte de São Paulo, Keit Lima é a última entrevistada da série trajetória política, que mostra a história de mulheres periféricas que dedicam parte de sua vida a construir a política institucional.

Nas eleições municipais de 2020, Keit Lima se candidatou a vereadora com filiação ao PSOL. Ela alcançou a marca de 11.355 votos, para ocupar uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo, mas não conseguiu se eleger. Hoje ela é vereadora suplente pelo partido que acolheu a sua visão política, enraizada na sua origem nordestina e periférica.

Keit mora Brasilândia, distrito da zona norte de São Paulo desde os oito anos. Ela nasceu em Recife e veio com a sua família para São Paulo em busca de acesso à educação, saúde e formas de melhorar de vida.

Hoje ela está cursando o curso superior de direito, sua segunda graduação pela Faculdade Zumbi dos Palmares. Entre os movimentos sociais que ela participa estão a Marcha de Mulheres Negras, Educafro, Mulheres Negras Decide e o grupo Mulheres do Brasil.

Essa trajetória de ativismo político começa dentro do ensino público, quando ela tinha 13 anos e estava cursando a sétima série na escola EMEF João Amos Comenius, localizada no Jardim Vista Alegre, no território da Brasilândia. Lá ela começou a ensinar crianças mais novas que tinham dificuldade no processo de aprendizagem para ler e escrever.

“Eu comecei no ativismo através da educação com 13 anos, porque eu realmente acredito que a educação é a forma mais eficiente para diminuir a desigualdade. A educação é meu principal ativismo, eu comecei como se fosse uma assistente para os professores, eu ajudava os estudantes de 1° a 4° serie que não sabiam ler, então eu dedicava algumas horas do meu dia para ajudar algumas turmas, as professoras destinavam alguns alunos e eu trabalhava aquele período junto com eles, e foi a partir daí que eu comecei”, relembra Keit.

Para chegar à Brasilândia, Keit saiu com sua família de Recife, no estado de Pernambuco, motivada pelo anseio dos seus pais para que ela e a irmã tivessem acesso a uma educação de qualidade e a serviços de saúde para um tratamento médico da sua avó, um dos motivos mais importantes para essa migração de estado.

“Eu vim pra cá com oito anos. Como muitas famílias nordestinas a minha também veio em busca de melhores condições de vida e também em busca de saúde pública, porque a minha avó tinha acabado de ter um AVC né, um derrame, então a gente também veio em busca de saúde pública e melhores condições para o tratamento dela”, conta.

A Brasilândia também foi o ponto de partida para conectar Keit com outros espaços da cidade de São Paulo. “A relação que eu tenho com a cidade parte desse território que está da ponte para cá né, tem que atravessar a cidade para ter acesso à educação e saúde, mas é um território que sou muito grata, onde eu luto por esse território.”

“Quando mainha fica com a filha da vizinha para ela ir à faculdade, isso é político”

Keit Lima

A moradora da Brasilândia usa a expressão “seres políticos” para afirmar que a política está presente em tudo na nossa vida, inclusive no cotidiano do morador das periferias. “Somos seres políticos e a política está aí nesse ser, nessa troca, de quando mainha fica com a filha da minha vizinha para ela poder ir para a faculdade, isso é político, para mim isso é muito político, quando a gente fala da política institucional a gente está falando sobre instrumentalizar as nossas lutas, então como que a gente instrumentaliza a nossa luta, as nossas reivindicações, as nossas pautas, as nossas dores, como a gente faz política pública para diminuir essa desigualdade, essa discrepância que existe através também da política institucional”, argumenta.

Para além da sua visão de políticas públicas e luta por direitos no território da Brasilândia, Keit revela que atua em outras periferias de São Paulo, em parceria com movimentos sociais que apoiam a sua atuação e conta sobre a importância dessa conexão para se manter na ativa. “Eu também atuo em outros territórios periféricos organizada em movimentos sociais, então através desses movimentos a gente se encontra sobre esse lugar das dores né, as dores das favelas, das pessoas, das famílias periféricas, e também se encontra na luta, então é através dessa organização que eu atuo”, explica.

Ela destaca que a atuação dentro da Educafro foi um divisor de águas, para ela ultrapassar as barreiras sociais e geográficas dos territórios periféricos e vivenciar outras formas de fazer política. “Eu comecei a enxergar mais a política institucional no meu dia a dia através dos movimentos que eu construo especialmente a Educafro, eu fui a primeira mulher a ser coordenadora da escola de líderes, e aí eu tive mais presente, a política institucional começou a se tornar constante dentro das minhas articulações, porque até então meu ativismo era totalmente com a base, totalmente dentro das periferias, e a partir desse momento eu atuava dentro das periferias, mas fazendo um intermédio junto a política institucional, levando as demandas da base para a política institucional e o que muda a partir desse momento é ver o tamanho do descaso, de eu ir tentar conversar com parlamentar e ele simplesmente não atender”, revela.

Em meio ao diálogo sobre a importância de construir um diálogo com quem faz política institucional, ou seja, quem é eleito para representar os direitos e interesses do povo, a vereadora suplente pelo PSOL resgata uma lembrança de um fato ocorrido que foi fundamental para despertar nela essa vontade de construir um novo jeito de fazer política, compromissado com os moradores das periferias.

Ela conta que esse momento marcante aconteceu durante uma visita na Câmara dos Deputados Federais, em Brasília. “Teve uma militância específica em Brasília, que me causou muita revolta, onde eu fui com um ônibus cheio, formado em sua maioria por mulheres negras e mais velhas, tinha pessoas do Brasil todo, e aí três pessoas mais velhas passaram mal do lado de fora da Câmara dos Deputados sob o sol, porque três deputados específicos proibiram a nossa entrada, eles proibiram que a gente entrasse para conversar sobre política pública, sobre uma proposta de reivindicação nossa, e aquilo para mim foi inadmissível”, relembra.

Ela descreve o sentimento que sentiu no momento e compartilha como conseguiu se organizar para a viagem em busca de diálogo com parlamentares. “Olhar e entender que se a gente não estiver lá ninguém sequer vai nos escutar sabe, não é interesse deles. Eu, essas mulheres e todas as pessoas que estavam ali tivemos que nos articular para ir trabalhar mais horas nos nossos trabalhos, faltar na faculdade, abrindo mão de estar em casa, para estar ali reivindicando, para estar ali construindo, e sequer fomos atendidos, e a ordem era todo mundo que estava com a camiseta da Educafro não iria entrar”, conta Keit, enfatizando que até hoje quando se lembra desse episódio da sua vida na política fica revoltada.

“Fico com raiva ao lembrar essas mulheres caídas no chão, porque a pressão caiu, porque estavam horas sob o sol. Então não dá mais, não dá mais, esse foi o meu estopim para pensar o que precisamos fazer para isso nunca mais acontecer, para que a gente não precise passar por isso, então nós precisamos estar lá, porque aí seremos nós que estaremos dialogando, somos nós que não vamos permitir isso”, acredita.

Diante dessas recordações que revelam um momento tenso da sua trajetória política, a ativista lembra que a ideia de se candidatar a vereadora em São Paulo é coletiva e não partiu só dela. “A ideia de me candidatar foi construída e decidida coletivamente, ninguém faz nada só e muito menos eu, eu venho de movimentos sociais, eu acredito nesse projeto político construído de várias mãos, então é a partir desse lugar que eu venho”, conta ela, apontando a importância de consolidar um projeto político construído coletivamente pelos movimentos sociais, tanto pelo movimento negro, periférico ou de mulheres.

Ela acrescenta que o importante mesmo é reivindicar e colocar as pautas e as dores da população pobre e periférica com muita seriedade e comprometimento. “Fiquei muito feliz de estar na construção de uma cidade mais justa, mais democrática, onde a periferia não seja tratada com descaso”, enfatiza ela, apontando a sua gratidão por sua candidatura representar a construção de um projeto político coletivo.

Keit faz questão de esclarecer que diferente de outros candidatos que disputam as eleições, a sua ação política não termina na campanha eleitoral. “O que eu reivindico é que todos os corpos tenham os seus direitos garantidos, então que bom que disputamos essa narrativa, que bom que conseguimos alcançar muitas vidas periféricas, que bom que eu trouxe esse debate de ser, de fazer e mostrar que a política é nossa, que a gente que tem que estar lá, então trazer esse debate para as periferias continua e vamos continuar construindo porque a nossa luta não para”, conta.

Ela afirma que não existe outro caminho se não a política institucional para construir um mundo menos desigual e democrático. “A política institucional nada mais é do que a ferramenta para construção de uma sociedade mais justa, uma ferramenta para fazer políticas públicas e diminuir desigualdades”, reforça a vereadora suplente, destacando que esse é o ponto de partida para a construção de um projeto coletivo de cidade, estado e país onde todas as vidas têm a sua humanidade garantida, assim como diz Sueli Carneiro: ‘a nossa humanidade não é negociável, todos tem o seu direito de existir’. 

A pandemia na Brasilândia

 Keit ressalta que enxerga a Brasilândia como um lugar de muita potência, e que neste momento de pandemia seus moradores estão tentando sobreviver, devido ao descaso do poder público em relação aos serviços de saúde.

“Do lado de cá da ponte a gente sempre teve que lidar com o descaso do estado, agora com a pandemia isso está muito mais escancarado”, analisa Keit, afirmando que algumas pesquisas produzidas a partir de dados oficiais revelam que o fato de ser morador da periferia aumenta em 10 vezes mais a chance de morrer de complicações causadas pela covid-19.

“A Brasilândia por muito tempo liderou o bairro com mais mortes mesmo não sendo o com mais casos, o que deixa muito evidente o quanto que a gente não tem acesso a saúde pública de qualidade e óbvio que isso não começou agora, a gente sempre teve que lidar com isso antes da pandemia, se você fosse marcar um clínico geral aqui na Brasilândia demoraria 62 dias né, é mais ou menos a média para ser atendido é o que diz uma pesquisa, enquanto lá em Pinheiros são zero dias, essa desigualdade não começou na pandemia, só que agora está muito escancarado né”, relata a vereadora suplente.

Lima faz questão de deixar claro o significado da Brasilândia para ela que vive e atua na construção de algumas lutas por direitos sociais no território. “Eu comecei a ter a discussão sobre cultura aqui. É o lugar que eu fui para muito baile funk, onde eu curti muito a minha adolescência nos bailes, e é um território onde respira cultura, tem muita potência, mas infelizmente onde existe muito descaso do Estado perante as vidas tanto aqui da Brasilândia, como em todas as periferias da cidade, eu me construí como ativista pisando nesse território, e entendendo e lutando para diminuir essa desigualdade que existe dependendo de que lado da ponte você está”, afirma.

Um dos dilemas que conecta a Brasilândia a um colapso social na pandemia, de acordo com a visão política de Keit é a questão do isolamento social, uma escolha importante para preservar a vida, que não é acessível a todos dos moradores. “O isolamento não chegou aqui, porque as famílias têm que escolher entre morrer de fome ou morrer de covid, nunca teve nenhum amparo do Estado para que as famílias periféricas pudessem fazer isolamento e tivesse comida na mesa, a pandemia chegou e vira e mexe aqui não tem água”, denuncia ela, apontando um cenário de calamidade pública

Segundo a moradora, uma saída para amenizar essa situação tem sido a atuação dos líderes comunitários que estão mobilizando ações comunitárias no território. “Os líderes comunitários se levantam e ajudam, tá chegando sabão nas casas, tá chegando álcool em gel, tá chegando cesta básica, é tudo através dos líderes comunitários, somos nós que estamos fazendo, é através da gente que está sendo feito algo, porque queremos a periferia viva, e a gente não abre mão disso, e é por isso que a gente se levanta para que isso aconteça, nas periferias”, aponta a vereadora suplente, enfatizando que até o momento “o estado chegou” no território.

 “A desigualdade tem cor, gênero e território”

Keit Lima

Lima comenta que não existe e nunca existirá um real Estado de democracia, sem que mulheres pretas, indígenas e periféricas estejam dentro da política institucional, como construtoras de política pública.

“Essas mulheres precisam ser escreventes de políticas públicas, porque a gente sabe que a desigualdade tem cor, gênero e tem território, então são essas pessoas que sentem diariamente na pele o impacto da desigualdade que tem que estar lá escrevendo e fazendo política pública junto com a população, então se política pública não chega à periferia, se política pública não chega às pessoas pretas, não chega aos indígenas é porque não são essas pessoas que estão fazendo”, argumenta.

Ela também comenta sobre a importância desses corpos estarem ocupando esse espaço político para a política ter a cara do povo brasileiro. “A gente não chega a uma real democracia enquanto o parlamento não for a cara do povo, enquanto o povo não estiver lá sendo representado em sua totalidade, sendo representado com seu corpo e com as suas pautas, com a seriedade e comprometimento, é por isso que é muito importante eleger mulheres pretas, indígenas e periféricas.”

Ela revela que umas das suas principais reivindicações que passam pela política institucional se baseia na efetivação de direitos básicos à existência humana. “Eu acho que o desafio é a violência constante que meu corpo carrega né, esse corpo de mulher preta, gorda, periférica e nordestina, mas eu não volto atrás, não dá mais para aceitar esse genocídio em curso contra as vidas periféricas e pobres. A cada 23 minutos tomba um corpo, não dá mais, não aceito, reivindico e essa reivindicação também perpassa pela política institucional,” esclarece.

Em uma linha do tempo, ela acredita que só está aqui pelos acúmulos de aprendizados fruto das vivências em família. “Com 13 anos começo a ser voluntária da escola e começo a fazer trocas com os professores, diretora e vice-diretora, e aí eu começo a entender um pouco mais, eu saio daí com 17 anos, e já entro na minha primeira graduação. Com 22 anos eu já atuo como consultora plena em uma das melhores consultorias multinacional do mundo. Eu olho para aquele espaço e não encontro nenhum dos meus, eu olho para aquele lugar e não vejo gente periférica e preta”, questiona ela.

Ao questionar a estrutura de diversidade profissional na multinacional, Keit diz ter ficado incomodada com aquela situação presente no seu ambiente de trabalho, e com base nessa vivência ela passa a ter mais interesse em fazer algum tipo de mudança na vida dos moradores do território da Brasilândia, por meio de suas ações de voluntariado realizadas sempre aos sábados e domingos na Educafro. A partir desta inquietação surge a sua conexão pela luta antirracista e a favor pelo direito à vida dos moradores das periferias e favelas de São Paulo.

A partir do resgate das suas memórias, Keit encontra forças para continuar neste lugar de construir outra política institucional e ser referência para elaborar políticas públicas de combate às desigualdades. “A política institucional é um espaço muito bem alimentado para que gente preta, pobre e da periferia entenda que aquele espaço não é nosso, então a gente precisa passar por vários processos para entender que aquele espaço é nosso sim, que é a gente tem que estar lá”, finaliza. 

Pix e fibra óptica transformam negócio de doceira da quebrada

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Mesmo com dificuldades para manusear plataformas de pagamento online, doceira amplia faturamento e presença digital do negócio na quebrada.

Renata Alves e sua irmã preparando os salgados para entrega Creditos: Giovanna Alves

Afastada do seu trabalho oficial em uma escola pública da periferia desde o inicio da pandemia de coronavírus, Renata Alves, 48, trabalha com doces e salgados há 25 anos e é moradora do bairro do Jardim Kagohara, na zona sul da cidade.

A profissão de doceira era executada nas horas vagas. Há seis meses, antes de se tornar um negócio consolidado, a clientela da doceira era formada principalmente pelos seus vizinhos, que faziam encomendas que eram preparadas nas horas vagas na cozinha da casa de Alves.

Por falta de letramento digital e afinidade com as redes sociais, a doceira se tornou sócia de sua irmã Rosalva Aparecida, 54, que junto a filha de Renata deu todo o apoio para divulgar os produtos e criar a marca Doces e Salgados R&R . A parceria deu tão certa que ajudou a irmã de Renata a pagar algumas mensalidades da faculdade.

“Ela que divulga as coisas da loja no whatsapp, Instagram e Facebook. Geralmente é ela que faz essa parte, a gente fica mais ali com a mão de obra né”, explica a doceira sobre o importante papel da filha como social media do negócio de doces e salgados.

+ Notícias da Quebrada Tech.


CyberFunk: conheça o futuro do funk nas periferias e favelas

Movimento futurista criado por jovens da Brasilândia, zona norte de São Paulo, visa transformar o funk numa tecnologia de impacto social de geração de renda, trabalho e autoestima da juventude periférica.


https://desenrolaenaomenrola.com.br/quebrada-tech/cyberfunk-conheca-o-futuro-do-funk-nas-periferias-e-favelas


Preço de combustíveis e internet ruim afeta entregadores de delivery na quebrada

Entregadores afirmam que aplicativos de entrega não levam em consideração a qualidade da internet nas periferias. Além disso, eles contam que a alta demanda de entregadores e o crescente preço dos combustíveis tem precarizado ainda mais a remuneração e a qualidade de vida de quem trabalha com delivery na quebrada.


https://desenrolaenaomenrola.com.br/quebrada-tech/preco-da-gasolina-e-internet-ruim-afeta-entregadores-de-delivery-da-quebrada

Renata ainda ressalta que um dos principais desafios das irmãs empreendedoras ainda é lidar com meios de comunicação digital. Segundo Renata, esse tabu passou a ser vencido em meio à pandemia. “Eu não sei mexer muito em computador né, então não navego em computador, não tinha essa mania, agora na pandemia a gente começou mexer um pouco mais”.

Mesmo com a dificuldade em lidar com as plataformas digitais e as redes sociais, Renata afirma que nesse momento o negócio está crescendo rumo à profissionalização da marca Doces e Salgados R&R. “Tem uns 10 ou 15 dias que nós entramos pelo iFood e a gente vende pela internet. Os vizinhos e as pessoas que já compravam por encomenda começaram a pedir agora, nós fizemos um whatsapp da loja e as pessoas fazem encomenda por lá”, detalha a doceira.

Para o negócio chegar nesse estágio duas coisas foram fundamentais: a melhoria do serviço de internet e a utilização do PIX como serviço de pagamento digital. “A nossa internet não era boa, era bem falha e recentemente chegou a fibra óptica né, aí a internet está melhor, ficou bem mais fácil assim”, diz Renata.

Ao sentir o impacto das soluções digitais no seu negócio, o PIX acabou se tornando outro aliado e passou a ser um dos principais meios de pagamento dos seus produtos. “Eu pude perceber que o Pix é muito mais vantajoso que a maquininha, porque ele não tem taxa nenhuma, ele sai e entra com o mesmo valor”, ressalta a doceira, enfatizando que o fato de não ter uma taxa fixa torna o serviço ainda mais rentável para o negócio.

Segundo a empreendedora do Jardim Nakamura, outro fator que tem aproximado ainda mais o uso do PIX no negócio é o fato dos seus clientes procurarem bastante por esse formato de pagamento. Ela conta que o clima chuvoso é um dos diferenciais para os clientes realizarem o pagamento por meio da solução criada pelo Banco Central. “Como essa semana choveu bastante, as pessoas estão fazendo o pedido e já na hora elas fazem fez o pagamento com PIX, isso torna muito mais rápido a venda”, explica.

Outro estímulo para a utilização do PIX é que neste momento Renata tem uma taxa de 1.99 % de taxas em compras com cartão no formato de débito e 4.99% em compras realizadas no crédito. Segundo a doceira, com a economia obtida com essas taxas, haveria mais recursos sobrando para investir na infraestrutura do negócio.

“A gente trabalha na cozinha de casa né, a gente faz salgados e doces. Na páscoa a gente vende ovo de páscoa, então a gente está lutando muito tentando construir uma cozinha e uma loja física. A gente tem o espaço para construir e eu gostaria muito de poder ter a nossa lojinha mesmo, pra gente sair da cozinha de casa”, finaliza Renata, expondo o sonho de ampliar o negócio caso tenha mais rendimentos com a redução das tarifas de vendas. 

A população preta e periférica vai criar a ‘lei dos pobres’ do século XXI

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Há mais de 400 anos nascia na Inglaterra uma das primeiras leis de combate a pobreza no mundo. Numa comparação com o cenário brasileiro atual, vamos refletir sobre como governos e empresas atuam historicamente contra os interesses da população pobre, que mesmo debilitada, cria estratégias para sobreviver e construir o amanhã.

Jardim Nakamura |
Foto: @menino_do_drone

Enxergar o futuro não pode ser um elemento de desigualdade social. Todas as pessoas têm o direito de criar perspectivas e expectativas sobre o amanhã individual e coletivo da sociedade.

Eu, Ronaldo Matos, morador do Jardim Ângela, um dos principais conjuntos de periferias e favelas da zona sul de São Paulo, acredito que o acesso à informação e a cultura do aprendizado coletivo e libertário, oriundo do encontro das pessoas formam um conjunto de experiências sociais e educativas potentes o bastante para mover a sociedade rumo a um forma de organização mais democrática e menos centralizada.

Mas neste momento de pandemia, onde somente o Brasil já sepultou mais de 300 mil vidas, fica extremamente impossível propiciar um encontro coletivo, afetivo e democrático, com espaço de fala e trocas sinceras para todos nós. Esse cenário também nos individualiza, suga nossas energias e nos impede de sonhar com um futuro melhor.

Na primeira coluna Territórios do Futuro, vamos conversar sobre a possibilidade de vislumbrar um futuro onde as pessoas menos favorecidas do ponto de vista econômico e político possam se organizar para solucionar os problemas sociais que as atingem.

Por isso, eu quero lhe convidar agora a fazer duas ações importantes: o primeiro convite é para você se permitir a fazer uma viagem no tempo, no qual você vai conhecer um pouco mais sobre o século XVII na Inglaterra, período onde foi construída a primeira Lei dos Pobres, um conjunto de leis que garantiram minimamente a sobrevivência das populações que viviam em situação de alta vulnerabilidade social.

Neste tempo histórico, a primeira revolução industrial estava se desenvolvendo e gerando uma grande concentração de riquezas para a elite ou burguesia, como muitos preferem chamar, uma classe social que fomentava o surgimento do capitalismo industrial, atividade econômica baseada na evolução tecnológica, que transformava o trabalho manual com o emprego de máquinas a vapor, fato histórico que culminou no surgimento da indústria têxtil, que viria gerar muitos postos de trabalho precarizados.

Para trabalhar na industrial têxtil, as pessoas estavam deixando a sua vida no campo, ou seja, foram obrigadas a parar de trabalhar no campo, onde detinha um estilo de vida mais pacato, organizado e voltado ao bem estar da família e preservação da sua ancestralidade, para ingressar no setor de indústria, uma das principais fontes de trabalho e renda da época, graças à revolução das máquinas. Esse acontecimento transformou o estilo de vida de milhões de cidadãos ingleses.

Pense que no Brasil, algo semelhante aconteceu, quando milhões de pessoas migraram de suas terras natais no norte e nordeste brasileiro durante o século XX, onde residiam em sua maioria no campo, trabalhando com cultivo de roça, pesca, criação de gado, galinha e porcos, para trabalhar nas grandes capitais, como São Paulo.

Elas foram forçadas a fazer essa migração em busca de melhores condições socioeconômicas de vida, já que o poder público local e federal não criou na época formas de manter o seu modo de vida com a criação de políticas públicas que permitissem manter sua origem cultural e regional.

Na Inglaterra, a primeira versão da Lei dos pobres foi criada em 1601 e vigorou até 1834. A lei garantia que a Igreja, ou seja, a comunidade paroquial recebesse recursos públicos para oferecer atendimento humanitário para a população em situação de alta vulnerabilidade social.

“Baseada no princípio de que era encargo das administrações paroquiais zelarem por seus pobres desamparados, empregando os sadios e subsidiando a subsistência dos inválidos para o trabalho, a Lei dos Pobres, instituída no início do século XVII, passa a conviver com ataques permanentes contra seu funcionamento a partir do século XVIII, quando o gasto público que ela representa entra em uma espiral ascendente. A gestão dos desamparados converteu-se cedo em uma problemática central para o pensamento econômico britânico, inclusive para a jovem economia política.”

Trecho extraído do artigo “o direito à subsistência em xeque: um olhar sobre a lei dos pobres e o ato de emenda de 1834”

O contexto social que justifica a criação da Lei dos Pobres é o cenário de crescimento das desigualdades sociais, na qual, a cidade de Londres e os municípios no seu entorno, uma espécie de Região Metropolitana de São Paulo, passou a abrigar uma série de indústrias que empregavam uma população empobrecida pelos baixos salários e inexistência de direitos trabalhistas que impossibilitaram centenas de milhares de famílias de desfrutar de boas condições de vida.

O resultado desse movimento econômico foi tornar cada vez mais difícil o acesso ao saneamento básico, moradia, alimentação, serviços de saúde e é claro, segurança pública, que eram direitos sociais escassos e acessíveis somente a quem era membro da burguesia, formada por fazendeiros, industriais e políticos que tinham como forte aliado membros da Igreja Católica.

Neste cenário, a fome era um elemento social que fazia parte da paisagem urbana nas ruas da Região Metropolitana de Londres, onde moradores de rua, crianças e famílias inteiras disputavam a atenção das pessoas com melhores condições sociais e econômicas para receber alguma doação de alimentos ou de dinheiro. No Livro ‘A situação da classe trabalhadora na Inglaterra’, Frederich Engels descreve esse cenário com uma impressionante riqueza de detalhes.

No Brasil, em pleno século XXI, 400 anos a frente do cenário social, político e econômico, descrito até agora sobre a Inglaterra, o rapper Sabotage, conhecido como o maestro do Canão, favela localizada no centro sul expandido de São Paulo, que o projetou para o cenário do rap nacional, tem na música ‘País da Fome’, uma série de referências sobre a divisão de classes sociais no país. Ao recitar no refrão ‘homens animais’ e enfatizar que os ‘herdeiros são os primeiros’, Sabotage deixa um recado ainda mais enfático aos seus ouvintes: ‘o pobre é réu’.

Usar o rap como uma ferramenta educativa para reflexão e compreensão histórica das desigualdades sociais no país é um fundamento pedagógico que faz parte da minha formação como sujeito preto e periférico, por isso, eu lhe convido a ouvir ‘País da Fome’ e sentir a mensagem que Sabotage nos oferece.

Confira aqui a mensagem do rapper.

Em todos os textos da coluna eu vou buscar propor experiências culturais para você sempre ler e interagir com conteúdos que apontam para a criação de análises e cenários futuristas sobre a vida da população preta, pobre e periférica.

Voltando a Inglaterra, no período de fortalecimento do setor industrial e o enriquecimento de uma elite que contratava pessoas para trabalhar com baixos salários, outro ponto importante e histórico acontecia. Empresários iniciaram um processo de discussão sobre os males do ‘assistencialismo’ e problematizaram os impactos dos gastos públicos para manter na ativa a Lei dos Pobres.

Em 1834, a Inglaterra vivenciou mais um marco histórico de políticas públicas a favor da manutenção da miséria de seus cidadãos. A pressão dos empresários donos de indústrias junto aos parlamentares britânicos resultou no Ato de Emenda, uma espécie de revisão da Lei dos Pobres, que sob o pretexto de reduzir o orçamento público para cuidar da população em alta vulnerabilidade social, aprovou uma legislação embasada na vigilância, internação e no controle social dos pobres. Essa mudança na lei ficou conhecida como a Nova Lei dos Pobres.

Ao pressionar políticos influentes do parlamento britânico, que foi criado em 1200, para reduzir investimentos públicos direcionados a esse conjunto de leis, a burguesia consegue alcançar seu objetivo.

A partir desta movimentação dos empresários do setor industrial, começa de maneira marcante a se construir uma nova cultura de participação política, onde o poder público tende a ceder aos interesses do setor privado, ou seja, onde as empresas fazem pressão nos governantes para o país, estados e cidades, serem governados de acordo com seus interesses.

É importante ressaltar que tudo isso aconteceu no processo de consolidação da primeira Revolução Industrial, entre os séculos XVII e XIX.

Hoje é 25 de março de 2021, já se passaram mais de 190 anos desde a criação da Nova Lei dos Pobres, em 1834 na Inglaterra. Mas e no Brasil, quais mudanças propositivas na vida da população preta, pobre e periférica aconteceram? O que mudou em relação à desigualdade social que separa e distingue a forma de vida de ricos e pobres no país?

Olhando para os dias atuais no Brasil, é impossível não comparar esse período da história da Inglaterra com a questão do Auxílio Emergencial, uma política pública de extrema importância, voltada à população empobrecida pela crise econômica que se intensificou durante a pandemia de coronavírus, na qual o governo federal afirma não ter recursos públicos suficientes para subsidiar um auxílio digno que possa suprir gastos básicos da população para mantê-la viva e ativa, para lutar por seus direitos.

Na música ‘Salve-se quem puder’, o rapper Dexter em parceria com o poeta Gog, denuncia como a população preta e periférica vive por conta própria há dezenas de anos e segue sendo exterminada pela ausência de políticas públicas que a proteja e garanta o direito à vida.

Ouça e reflita sobre o som Salve se quem puder.

É com essa consciência política e histórica de que a população preta, pobre e periférica vive há mais de 500 anos no Brasil por conta própria que a Coalizão Negra Por Direitos, um grupo que reúne diversas organizações que atuam por justiça racial no Brasil, está realizando em parceria com outras organizações da sociedade civil a campanha “Tem gente com fome“, uma mobilização de doações, por meio da internet, que conta com parceria com artistas e formadores de opinião, em busca sensibilizar a sociedade para doar recursos financeiros que se tornarão doações de alimentos para mais de 220 mil famílias brasileiras.

Assista e contribua com a campanha. 

À base da organização popular, senso crítico, compreensão histórica do seu lugar no mundo e elaboração de conhecimento baseado em pensadores negros do Brasil e do mundo, a Coalização Negra Por Direitos representa uma ação prática e exemplar que demonstra como a população empobrecida pelos governos e empresas, que só defendem os seus próprios interesses desde 1601, como mostra o exemplo da criação da Leis dos Pobres na Inglaterra, podem se organizar no futuro para reivindicar seus direitos, construir suas próprias leis e cobrar posturas de líderes políticos para tomar suas decisões conectadas com as reais necessidades da população.

Por enquanto, a história do passado nos mostra que enquanto os políticos que nós elegemos e os empresários que nos oferecem empregos com baixos salários conviverem juntos, apenas os seus próprios interesses serão atendidos. E não o interesse da maioria da população. O futuro não pode repetir esses acontecimentos. O presente, o agora, o hoje permanece igual a 1834 na Inglaterra?

Para construir um futuro que ainda é incerto, temos uma dependência clara da nossa vitalidade de energia e consciência da importância da participação política para imaginar coletivamente como será o amanhã.

Precisamos estar alimentados de esperança para alicerçar o chão do futuro. A Coalizão Negra Por Direitos já deu a partida para criar essa estrada. Precisamos criar agora o combustível para transportar mais pessoas pretas, pobres e periféricas por esse caminho tenso e necessário da construção da política institucional e dos direitos que nos são negados há mais de 500 anos.

“Eu fui cria da Uneafro”, diz Débora Dias, co-vereadora formada pela rede de cursinhos

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Na terceira entrevista da série trajetória política, a co-vereadora Débora Dias relembra as primeiras ações políticas que ela se envolveu aos 12 anos dentro de um ponto de cultura e destaca a importância da Uneafro Brasil para a formação política da juventude periférica. 

Cria da Uneafro Brasil, Débora Dias, 22, se elegeu como co-vereadora na cidade de São Paulo, pelo mandato coletivo Quilombo Periférico. Ela é educadora popular no núcleo Ilda Martins, um dos pólos da rede cursinhos que prepara o morador da quebrada para acessar o ensino superior, organizado pela Uneafro, na região da Fazenda da Juta, zona leste de São Paulo.

Além da atuação junto ao movimento de educação popular, a jovem estuda ciências sociais pela UNIFESP, e é integrante do Projeto Agente Popular de Saúde na zona leste da cidade.

A co-vereadora é moradora da Fazenda da Juta, mas nasceu no Parque São Rafael, bairro vizinho na zona leste da cidade, onde ela foi criada por duas mulheres que a incentivaram dentro de seus planos e sonhos de vida.

“Nasci no parque São Rafael, fui criada pela minha mãe e pela minha avó, que foi uma mulher de axé que adotou a minha mãe já adolescente, que acolheu ela junto da minha irmã mais velha, e fui criada por essas duas mulheres dentro de uma casa de axé no parque São Rafael, muito simples né, minha mãe é empregada doméstica, a minha avó também foi empregada doméstica, mas elas sempre me criaram com valores muito acolhedores, com respeito a eu ter a liberdade de sonhar o que eu queria ser, o sonho foi algo permitido que essas duas mulheres me ajudaram a tecer”, conta Débora.

Embora jovem, a educadora popular e co-vereadora valoriza o fato de o sobrenome ‘Dias’, como um legado da força e ancestralidade da sua família. “Eu gosto de ser chamada como Débora Dias, porque Dias é o sobrenome que a minha mãe carregou da minha avó, que eu nem conheci, então isso me faz ter um pouco dela em mim mesmo sem a conhecer, isso é um desafio até que eu quero muito fazer na minha vida, descobrir mais coisas dessa minha avó consangüínea, porque a minha mãe foi adotada, eu gosto de afirmar coisas como eu sou Débora, preta, favelada e sapatão”, ressalta.

Violências Subjetivas

Dias começou a desenvolver seu olhar político quando entrou no seu primeiro emprego, no qual ela atuou como orientadora socioeducativa em um Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) no território da Fazenda Da Juta.

“Quando eu entrei naquele espaço para mim foi fundamental compreender as nuances que eu conhecia como moradora da quebrada. Quando você está dentro de um dos pequenos aparelhos da instituição pública que faz atendimento com as crianças e adolescentes, você começa a ter uma visão das ausências mais subjetivas daquele território, porque aquilo que é objetivo eu já tinha visto antes, que é a falta em alguns lugares de saneamento básico, como esgoto a céu aberto, precariedade no atendimento público de diversas instâncias como saúde, educação e assistência social, todas essas coisas a gente consegue ver um pouquinho a olho nu, mas tem as subjetividades, as violências que é instaurada nos corpos e nas corpas da juventude em que eu tava naquela condição de educadora, então eu sempre digo que existe uma Débora que a Débora antes do CCA e a Débora depois”, explica.

Através desta experiência política, definida por ela, Débora afirma que conseguiu enxergar o que não conseguia ver antes. A graduanda de Ciências Sociais foi estudante do cursinho popular da Uneafro, no núcleo Rosa Parks que funciona dentro do CEU São Rafael.

Após entrar na faculdade, ela retorna ao núcleo do cursinho popular como voluntária e depois se torna coordenadora do núcleo que ajuda a fundar no território da Fazenda da Juta, o núcleo Ilda Martins de Souza desde 2019. “Eu fui cria na Uneafro Brasil, fui estudante desse cursinho que funcionava lá no Parque São Rafael”, relembra.

Divida entre o trabalho, estudos e a atuação no projeto de educação popular, Débora destaca a importância de ter um espaço de educação população no meio da quebrada. “Eu trabalhava na assistência social e era voluntária no núcleo de educação popular que eu estudei vivenciando todos os processos desse território, a gente acredita que nesse território também seria importante ter um núcleo lá no meio da quebrada. E é isso, eu entro no cursinho como aluna, de aluna eu ingresso na universidade, eu viro educadora e de educadora me tornei coordenadora, e dessa coordenação a gente começa a visualizar que aquele território que eu trabalhava também necessitava de outro núcleo dentro da quebrada e passo a fazer parte da coordenação geral desse núcleo da Uneafro.”

Débora Dias no ato para o não fechamento do P.A do Hospital Vila Alpina (Foto: Wellington Amorim)

“Quando a gente nasce preta, favelada e querendo entender as condições de pessoa LGBT, a gente começa a perceber o espaço que está a nossa volta”

Débora Dias

Dias faz uma análise do que aconteceu em sua trajetória quando ela começou a perceber que parte da construção social dos moradores das periferias tem como base o racismo, machismo, e é colonial. “Quando a gente nasce preta, favelada e querendo entender as condições de pessoa LGBT, a gente começa a perceber que o espaço que está a nossa volta não faz muito sentido, e aí depois a gente descobre porque ele é um espaço que é construído a partir de uma estrutura racista, lgbtqia+fóbica e machista com um pensamento e uma construção colonial, então você percebe que você não consegue fluir com as ideias que estão a sua volta, e aí a gente percebe as narrativas quando a gente é criança, as nossas corpas sendo diferenciadas no espaço escolar, o que acontece com a juventude negra dentro do espaço escolar, não é que evade, é que ela é expulsa pelo racismo”.

Débora usa muito a expressão ‘Corpas’ porque acredita na importância de desconstruir o imaginário da sociedade sobre questões de gênero e sexualidade que são invisibilidades ou deturpadas, para não se tornarem assuntos comuns no cotidiano dos moradores das periferias e favelas.

A co-vereadora faz uma linha do tempo sobre sua trajetória em movimentos culturais e conta os pontos mais importantes que a fizeram chegar dentro desse mandato coletivo hoje. “Tem um lugar pra mim que é muito específico: eu tinha uma bolsa em uma escola particular onde eu fazia aula de dança, e aí eu chegava da escola e ensinava tudo o que eu aprendia para as minhas amigas, e eu ficava me perguntando por que elas também não podiam fazer dança né?”, questiona ela, afirmando que acho essa foi à primeira motivação que a levou ser voluntária em um ponto de cultura do bairro quanto tinha apenas 12 anos.

Ela acreditava que as meninas do seu bairro também tinham o direito de aprender a dançar balé, assim como ela usufruía de uma bolsa de estudos na escola particular. Essa compreensão acabou aproximando Débora ainda na adolescência da discussão do direito a cultura na quebrada.

“Foi meu primeiro contato mais direto com uma construção política para eu me aproximar de um espaço que tinha essa configuração de luta, com uma política pública da cultura, que são os Pontos de Cultura, então foi esse meu primeiro contato, depois disso aí fui organizar o grêmio da escola e ser presidenta e participar do parlamento jovem”, relembra.

Ela acredita que antes de chegar à Câmara Municipal da maior cidade do país, esse processo foi vivenciado ainda na sua adolescência. “Hoje a gente está aqui nessa casa, mas quando eu tinha 13 ou 14 anos, estive nessa casa como vereadora jovem criando projeto de lei e debatendo, então foi uma experiência muito importante, e é importante dizer que nas duas edições que eu participei eu era a única menina negra, então essas coisas me marcam e demarcam que espaços a minha corpa pode ocupar, e como ela causava estranhamento quando eu estava aqui, então teve essas linhas que me levaram a estar nos espaços políticos”, argumenta.

Já contamos aqui, mas e importante relembrar que Débora tem 22 anos, com isso, a sua trajetória de estudante de escola pública atravessou momentos marcantes dos últimos 10 anos, como por exemplo, a luta dos estudantes por melhorias na rede pública de educação em 2016.

“Todo esse processo durante o ensino médio é importante para dizer que em 2016, quando estavam acontecendo as ocupações nas escolas eu estava no terceiro ano do ensino médio. A minha escola não ocupou, mas eu estive em outras escolas ajudando as escolas vizinhas a ocupar, e isso foi um fervo um gás muito grande também na nossa juventude, enfim, eu tive a felicidade de viver essas experiências nas lutas e depois ingressar nesse movimento que eu tenho muito orgulho de construir que é a Uneafro Brasil, como aluna, coordenadora, construir as coisas na quebrada a partir desse movimento”, diz a co-vereadora.

Política x Política Institucional 

A futura cientista social faz questão de deixar bem claro o seu entendimento sobre o fazer política no seu cotidiano. “Eu acho que não há nada que a gente faça que não seja um ato político, tomar escolhas são processos políticos que estão enraizados na estrutura social que a gente vivencia, toda experiência que a gente vivencia no nosso dia a dia de escolhas são processos políticos, que envolvem tanto o campo da nossa objetividade de lidar no dia a dia, quanto da nossa subjetividade”, define a co-vereadora, dando um exemplo sobre como o afeto pode ser um ato político revolucionário na vida das pessoas.

“Quando eu escolho que vou comprar em uma Fast Fashion ou que eu vou comprar de uma artesã, estou fazendo uma escolha política, ou seja, não tenha nada, nada que não seja uma escolha política”, explica.

Ela explica que a política institucional está ligada às instituições que organizam as normas e regras da sociedade e dá exemplos de como a escola é uma das possibilidades de vivenciar a política institucional no cotidiano do morador da quebrada.

“A escola é um espaço de construção de política institucional, assim como outros espaços que estão no nosso dia dia, só que a gente não faz essa diferenciação e muita das vezes a gente tem uma construção social que tem até muita repulsa com a palavra política, sem entender que tudo que a gente faz é política, no campo da objetividade ou subjetividade”, afirma.

Segundo a co-vereadora, construir outra política institucional é uma forma de entender como surgem as políticas públicas e cita novamente a importância da escola nesse processo. “No âmbito escolar, nas matérias que a gente faz como história, sociologia e filosofia, a gente começa a entender um pouco mais sobre como essas instituições se constituem.”

A partir da importância de fazer escolhas e sentir os impactos que o voto causa no cotidiano das pessoas, Débora avalia os cidadãos brasileiros que não valorizam o direito de votar precisam experimentar uma mudança de imaginário sobre esse poder político e popular.

“Tem um trecho da poesia do Sérgio Vaz que ele fala algo como o voto ser a única vez que a gente é o patrão, é muito importante a gente dizer isso porque a gente constrói no processo político que a gente vivenciou de tensões políticas desde o processo colonial que o povo não é quem decide, o povo ele sempre vai ser massa de manobra, isso é uma construção do imaginário muito superficial, mas na verdade é que se as pessoas soubessem o quanto ela está dentro desse processo, participando efetivamente com o seu voto, ele pode ser decisivo para muitas coisas”, reflete. 

“É uma esperança coletiva pensar outro tipo de fazer política”

Débora Dias

Formada por Elaine Mineiro, Alex Barcelos, Débora Dias, Júlio César, Erick Ovelha e Samara Sosthenes, a mandata coletiva Quilombo Periférico ocupa hoje um gabinete na Câmara Municipal de São Paulo. Nas eleições municipais de 2020, a chapa filiada ao PSOL foi eleita com 22.742 votos. A campanha foi centrada em defender direitos e criar políticas públicas à base da educação popular e da cultura periférica.

“Coordenando cursinho, mobilizando meus companheiros e a juventude ali do território, e isso foi um chamado de tarefa política do movimento, o movimento que indica meu nome para compor essa construção incrível que hoje a gente chama de Quilombo Periférico. Essa construção ela não veio de agora, ela vem de um processo também do companheiro Douglas Belchior e de outros representantes do movimento negro, que sempre estiveram aí na disputa dessa política institucional, e aí para o ano de 2020 pensou-se em uma nova configuração dessa disputa política”, relembra ela, contando sobre o processo de construção e consolidação da candidatura coletiva impulsionado pelo movimento negro e periférico de São Paulo.

A mandada coletiva Quilombo Periférico contou com a participação política da Uneafro Brasil, Bloco do Beco, Agência Solano Trindade, Maloka Socialista, Movimento Cultural das Periferias e Jongo dos Guaianazes.

“O Quilombo Periférico se dispôs a construir um mandato que é coletivo não por ter seis pessoas, mas ele é coletivo porque é o movimento que constrói, para pensar a política institucional, lembrando sempre que o povo preto têm um projeto político para esse país, um projeto político de vida, e eu acho que o Quilombo Periférico tem muito esse lugar de ser um mandato que se coloca à disposição de ser mandado, mas também de continuar sendo movimento, fazer essas trocas na sua integralidades mesmo, de construir e somar juntos, então acho que essa construção coletiva que vai muito além de nós seis, ela representa esses tantos movimentos que ajudaram a construir essa candidatura e que hoje constroem esse mandato”, afirma.

Débora também releva seu sentimento de ser uma co-vereadora periférica, sapatão com apenas 22 anos. “É uma baita responsabilidade para uma pessoa que tem 22 anos, às vezes vem neste lugar do meu deus isso é muito real, isso é muito sério, e isso é muito importante e tem haver com a vida de muitas pessoas, no nosso caso mais de 22 mil pessoas que acreditaram nesse projeto político e votou para que o Quilombo Periférico e os movimentos que a gente representa pudesse construir na cidade, é uma grande responsabilidade mesmo”, reconhece.

Outro sentimento manifestado pelo co-vereadora é a sensação indescritível de ter ganhado dentro da cidade de São Paulo e de poder levar as demandas da sua quebrada para dentro da Câmara Municipal. “Então eu não sei dizer o que possa ser de fato esse sentimento de vitória, mas é um sentimento de esperança, acredito que é muito mais esperança de pensar que estamos caminhando junto com as nossas quebradas, isso é uma vitória coletiva, é uma esperança coletiva de pensar um outro tipo de fazer política.” 

Mandata Coletiva Quilombo Periférico (Foto: Wellington Amorim)

“Eu espero também ser uma corpa e uma construtora de políticas públicas que também faz desse lugar um espaço pra outras mulheres negras, outras meninas e meninos pretinhos das nossas quebradas”

Débora Dias

Uma das missões da co-vereadora é tecer outras possibilidades de futuro para as crianças da quebrada, para isso, ela deposita suas motivações na sua ancestralidade familiar. “Eu também sou uma mulher preta, como diz periférica, filha de uma mãe empregada doméstica e de uma avó que tinha sido empregada doméstica, né, e é muito louco dizer isso porque eu sou a primeira na minha família a ingressar no ensino superior e a única que não teve que trabalhar com serviços de limpeza, então vamos pensar nas gerações da minha avó, minha mãe e o que eu tenho notícia da minha bisavó, todas elas foram mulheres que trabalharam com serviço de limpeza e não conseguiram chegar nem na quarta série”, revela Débora, citando suas motivações pessoais e políticas para “ser uma corpa e uma construtora desse coletivo de políticas públicas que também faz desse lugar pra outras mulheres negras, outras meninas e meninos pretinhos das nossas quebradas.”

A cientista social destaca a importância de eleger pessoas que tenham planos políticos e discussões políticas alinhadas com essas identidades. “Eu acho que tem uma coisa que é muito importante dizer, é que assim: não basta só nós elegermos pessoas pretas, pessoas indígenas, lgbtqia +. Essas pessoas precisam estar alinhadas a um projeto político de vida para essas corpas, porque a gente tem experiências de pessoas pretas, pessoas lgbtqia+, pessoas indígenas que estão dentro do processo da política institucional e não estão alinhadas com as pautas de necessidade que esses grupos precisam”, argumenta ela.

Segundo Débora, o projeto político precisa ser decolonial e anti-racista. “Olhando o processo da classe trabalhadora, das mulheres, mulheres negras especificamente, mulheres indígenas, enfim, das mulheres trans, acho que a gente tem que tomar um pouco de cuidado, as representações são importantíssimas, isso muda muita coisa, muda o corpo, muda as tensões que se criam nesse ambiente da construção da política institucional, mas essas representações elas não podem estar vazias, só utilizando esse nome de ‘preta’ ou ‘de quebrada’ ou etc., ela tem que ser uma representação que de fato tenha preposições de um projeto político de vida para esses grupos”, enfatiza.

Ela finaliza a entrevista destacando as expectativas de ações dentro da Câmera Municipal. “Trabalhar esse momento que a gente está adentrando ao espaço, esse é o momento de conhecer cada nuance dessa casa, conhecer os processos normativos, voltar aos nossos planos e construções políticas que vem de muitos anos né, a gente tem 300 anos aí para poder de algum modo recuperar, a gente não vai fazer tudo de uma vez, mas a gente tem como centralidade olhar para cada especificidade dessa cidade pensando nessas questões de centralização do orçamento, pensando em questões que protejam as nossas comunidades periféricas que incentive a cultura do povo preto, periférico, economia solidária. A gente começa sabendo que tem muita demanda, muito trabalho para ser feito, e aí a gente está na disposição de poder somar em cada uma das lutas que a gente se dispôs a construir dentro dos movimentos que a gente participa e que a gente acompanha”, conclui. 

Sopa sem letrinhas: a magia de não falar

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Experimente o som das coisas na sua casa, sem planejar, experimente as texturas das coisas, temperaturas, cores, cheiros, sentimentos que te passam, como bem cunhou Renata Laurentino, mana de inventividades, tudo isso é “nutrição para imaginação”, nossa, das crias.

Foto: Trilha Favela

A construção da linguagem com Malik, tem sido um processo fascinante, empolgante e mágico. Percebo que de um lado, alguns de nós adultos querem a facilidade das palavras, mesmo que essas não sejam lá muita coisa e tenham suas diversas possibilidades de interpretação. Por outro lado, o convívio diário, a constante troca de gestos e olhares, vão avolumando de uma tal forma que de repente, quase que de imediato, você sabe exatamente o que a criança está pedindo.

Lembro-me de uma cena, com a família em casa e Malik resmungava ainda, hoje com 1 ano e 7 meses já possui algumas palavras, mas lá com seus 4 ou 5 meses os resmungos e suas diversas entonações diziam muitas coisas. Enquanto ele resmungava uma das pessoas presentes pegou qualquer coisa e lhe deu, ele explicitou que não era aquilo, levantei de onde estava, peguei o objeto e lhe dei. Ele me olhou, mas me olhou com uma satisfação, parecia agradecer enormemente com os olhos, pois ele já estava ali a uns 2 ou 3 minutos na demanda, o que imagino que seja uma eternidade pra ele, pois conte ai vc até 8 pra ver rs… Eu também fiquei tão feliz e satisfeito rs.

Enfim, muitas vezes buscamos resolver da forma mais fácil e rápida possível, parece que estamos ansiosos à tudo estar dentro do nosso normal e voltar ao normal o quanto antes, a criança precisa aprender as regras da casa, os tempos da casa, os gostos da casa e ela não pode por nada quebrar o que foi construído com tanto empenho na vida do ser adulto. Estou tratando de forma genérica, sobre observações não só na minha família, mas outros tratos com outras crianças que acompanho desde que cheguei a dar aula em creche.

Eu não pesquiso infância, mas diria, por trocas com amigas, amigos e vivências quão rico é pra nós e para a criança esse encontro no parquinho da construção da comunicação, da linguagem, pois falar, se expressar, não é, nem deve, nem nunca foi regido por palavras, sonoras palavras. O corpo fala e muito, vá pra Bahia e veja se com um ‘hum’, tu não diz um milhão de coisas!?

Quando permitimos nos abrir à escuta, nos permitimos a crescer ainda mais e contribuir para o crescer e para o poder de se manifestar, criar e existir de cada criança, elas ficam tão felizes em contar do mundo delas pra nós, a nos levar pelo mundo delas, que vai se vendo uma criança cheia de auto confiança, esmero, carinho e tantos outros adjetivos crescendo e se erguendo ali, na nossa frente.

Acredito que não nos cabe, de forma alguma dar direção, mas contribuir pro caminhar, oferecer ferramentas, recursos para que ao longo de seu crescimento e até ao longo de sua vida, tenha discernimento e capacidade para sonhar, criar, escolher, se relacionar com o mundão. De longe existe receita pra isso, mas acredito sim que no lugar onde duas pessoas, seja qual for a idade que cada uma tenha, num lugar de escuta plena, sincera e disponível, vai ter magia, vai ter satisfação, alegria.

Satisfação né, palavrinha tão importante, o quanto buscamos satisfação na vida. E acho que ela está ali, no lugar onde eu sonho, elaboro, manifesto e usufruo do sonho. Quantos de nós nos permitimos de pequenas ou grandes formas criar caminhadas de satisfação? Porque se tu tem uma cria, então veja de experimentar, mesmo que seja pintar uma parede, mudar o móvel de lugar ou fazer um prato que tanto quer, faz isso, pra tu ter a experiência e as sacadas que vão te dar recurso para auxiliar e facilitar que sua cria também vivencie isso.

Experimente o som das coisas na sua casa, sem planejar, experimente as texturas das coisas, temperaturas, cores, cheiros, sentimentos que te passam, como bem cunhou Renata Laurentino, mana de inventividades, tudo isso é “nutrição para imaginação”, nossa, das crias. Nossa, delicia demais sô!

E chama a gente pra compartilhar, pra trocar, pra crescermos juntes nesse criar, educar, facilitar, seja lá qual for o termo ou nome que dê! Só chama!

Desenrola participa do maior evento de tecnologia do Brasil nesta quinta-feira

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Com um bate papo formado por convidados que desenvolvem soluções tecnológicas nas periferias e favelas, o Desenrola vai discutir a importância das tecnologias de impacto social nesse momento da pandemia de coronavírus.

Foto: Thais Siqueira

Começa nesta terça-feira (23) e vai até o dia 25 de março, o The Developer’s Conference, evento dedicado a ditar tendências do setor de desenvolvimento de software no Brasil.  Ao longo dos três dias de programação, uma série de profissionais e formadores de opinião irão compartilhar suas visões de futuro sobre o universo da tecnologia.

Em parceria com UOL TILT, o Blog Quebrada Tech, iniciativa criada pelo Desenrola E Não Me Enrola para investigar o impacto da quarta revolução industrial no cotidiano dos moradores das periferias e favelas de São Paulo, será um dos destaques do evento. 

A importância das tecnologias de impacto social nas periferias e favelas é o tema de debate que acontece nesta quinta-feira, às 10h da manhã, mediado pelo editor Ronaldo Matos e a repórter Tamires Rodrigues do Desenrola E Não Me Enrola. O encontro pode ser acessado na plataforma do evento.

Juntos eles irão entrevistar Fábio Miranda, criador do Lab Periferia Sustentável, projeto que desenvolve tecnologias sustentáveis conectadas com energias renováveis, e Maria Dinha, que desenvolveu uma rede colaborativa de internet livre para moradores terem acesso a serviços públicos, como educação e o auxilio emergencial durante a pandemia.

O projeto Periferia Sustentável, criado pelo cientista Fábio Mirando será um dos destaques do bate papo. (Foto: Periferia Sustentável)

Ao longo do bate papo com os convidados, será abordado como essas experiências de soluções tecnológicas apoiam ações solidárias de enfrentamento à pandemia de covid-19, construindo uma intencionalidade tecnológica que se propõe a resolver problemas sociais estruturantes na vida de moradores de territórios com alta vulnerabilidade social.

Saiba mais:

Serviço: TDC Innovation 2021

Quando: De 23 a 25 de março de 2021, das 9h às 19h (horário de Brasília);

Ingressos: thedevconf.com/tdc/2021/innovation

Programação gratuita: promo.thedevelopersconference.com.br/tdc-2021-innovation

CyberFunk: conheça o futuro do funk nas periferias e favelas

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Movimento futurista criado por jovens da Brasilândia, zona norte de São Paulo, visa transformar o funk numa tecnologia de impacto social de geração de renda, trabalho e autoestima da juventude periférica.

Foto: Dan Fotografia

“Cada pessoa da quebrada é uma estrela, e o nosso baile é um sistema solar”. Essa é definição que o rapper Rincon Sapiência canta em sua música “Amor e Calor”. Essa referência musical inspirou jovens da Brasilândia, zona norte de São Paulo, a criar um novo imaginário sobre o futuro da cultura do Funk nas periferias, transformando os jovens em protagonistas desse cenário.

A partir destas experiências culturais, dois jovens moradores do território da zona norte criaram o Cyberfunk, uma tendência de tecnologias sociais que na visão deles irão transformar a relação das pessoas com o Funk,  diferente da forma como ele é conhecido nos dias atuais. 

Essa história começa a partir do trabalho cultural de Milena Fonseca, 21, moradora do Jardim Carumbé, bairro localizado no distrito da Brasilândia, zona norte da cidade. Ela é diretora criativa e produtora da festa Afrika Queens, um evento dedicado a resgatar e celebrar a ancestralidade e o protagonismo da mulher negra.

Junto com o fotógrafo Danilo Santos 21, morador de Taipas, bairro localizado em Pirituba, criaram um editorial fotográfico denominado CyberFunk, que segundo eles, é o ponto de partida para o movimento futurista ganhar uma estética e um significado popular e acessível a outros jovens das periferias, por meios das redes sociais.

O editorial retrata através da fotografia os cenários culturais que eles pretendem criar e estar no futuro do funk em suas quebradas. Para esse processo ser elaborado, eles imaginaram um futuro, onde o funk não seja só o movimento que agita as noites na quebrada, mas que também traga um protagonismo para juventude periférica.

“São jovens de vários lugares da cidade contribuindo para essas tendências, essas criações e movimentos” 

Milena Fonseca

“O Funk sempre foi popular, como DJ, eu posso dizer que o Funk é o que anima as festas sabe. Se tocar o Funk a festa vai animar na hora, é uma coisa que foge do nosso entendimento”, afirma a produtora cultural.

Ela não se compromete em trazer uma definição sobre o Funk, mas sim explorá-lo em suas diversas narrativas para criar vários imaginários de futuro. “Ele revoluciona, ele cria tendência sabe, ele dita muitas coisas na cidade, e é um movimento inteiro, são jovens de vários lugares da cidade contribuindo para essas tendências, essas criações e movimentos”, complementa.

Milena faz parte da direção criativa do editorial CyberFunk. Ela conta que teve a ideia de construir cenários de futuro para o Funk e para a juventude periférica quando se juntou com outros artistas envolvidos no projeto, como a Mc Luana, na qual, ela considera uma artista incrível que inspirou a desenvolver a ideia do funk futurista.

O próximo passo de Milena foi mergulhar em referências na internet para criar o nome e o conceito do projeto. “Surgiu esse nome Cyber por causa dessas novas tecnologias que a gente tá acessando e da nova era que a gente tá vivendo”, explica.

Danilo relembra o momento quando os jovens começaram a produzir o editorial CyberFunk, “Fiquei muito feliz nesse dia que ela me mandou toda a proposta, eu fiquei no pique de produzir. O resultado foi muito longe, se é louco”, elogia o fotógrafo, afirmando que os artistas envolvidos também ficaram satisfeitos com o resultado do trabalho.

O editorial CyberFunk pode ser acessado por meio do Instagram. Atualmente, os criadores do conceito futurista vêm utilizando seus perfis pessoais nas redes sociais para alcançar e se conectar com a juventude periférica, que enxerga no funk um movimento cultural transformador.

“Hoje a internet é o nosso maior transporte”, avalia a produtora executiva. Ela revela que o projeto irá ganhar novos formatos de conteúdo para abordar o tema CyberFunk.

A diretora relembra que esse movimento do CyberFunk vem na tentativa de modificar alguns conceitos que existem atualmente no Funk. “A cena do funk ainda é muito quadrada em relação às mulheres, em relação a identidade de gênero, em relação a várias coisas. Eu acredito que quem pode modificar isso somos nós”, acredita Milena.

O fotógrafo que é parceiro de Milena no projeto CyberFunk enfatiza a sua crença no Funk e ressalta como essa cultura está conectada com a transformação da juventude periférica. “O funk já passou o tempo de falar muita besteira sabe, hoje os moleques e as minas estão vindo pra revolucionar de verdade, eu acredito nisso, nessa melhoria sempre na área do Funk”.

Um dos propósitos do CyberFunk, segundo Danilo é abordar a autoestima da juventude periférica, para que as pessoas possam se reconhecer como parte deste movimento. “Nosso trampo tem tudo haver com autoestima, a pessoa não se vê como ela é, aí vendo uma foto que foi tirada ela fala: caramba eu sou bonita sim”, analisa o fotógrafo.

Para Danilo, conectar a arte da fotografia com a autoestima da pessoa logo após o fotógrafo ressalta que trazer esses temas para seus trabalhos se conecta com sua arte

“Eu gosto de levantar a autoestima da pessoa, meu trabalho é esse também. Eu acho que isso faz parte do Funk também”, acrescenta Danilo, destacando que o seu trabalho está crescendo e que ele começará a trabalhar também com artistas que cantam Funk agora. “Recentemente eu abri um canal no Youtube e vou começar a produzir clipe também, quero fazer isso”.

O Funk e a economia da quebrada 

Ao descrever a necessidade de trazer novas narrativas de futuro para uma cultura que sofre repressão dentro das periferias, Milena ressalta que além de um impacto cultural, o CyberFunk visa ter um impacto econômico na vida de diversos moradores das periferias, que muitas vezes se encontra sem perspectiva de futuro.

“É a porta de oportunidade para várias pessoas periféricas. Ser um MC e trampar com isso é um sonho que consome a juventude de verdade, em cada quebrada tem pessoas, tem artistas que subiram e conseguiram fazer uma grana e ser reconhecidos”, enfatiza Milena.

Foto: Dan Fotografia

Ela complementa sua visão de futuro afirmando a necessidade de criar uma identidade cultural aonde a periferia não ganhe apenas com a música, mas com todo o ecossistema que gira em torno dela. “Eu acho que a economia vira uma chave porque aí já é outra história, não necessariamente sendo MC, mas fazendo outras coisas”, explica.

Um dos cenários de futuro apontados por Milena para o desenvolvimento da economia do Funk nas periferias é a construção de uma rede social voltada para o movimento CyberFunk. “Imagino toda arte feita de neon, pessoas fabricando seus próprios kits, pessoas fabricando suas músicas e vendendo nesta rede social também”, vislumbra.

Ao lado da sua parceira de trabalho, Danilo ressalta a importante presença do Funk no ciberespaço, como uma das principais ferramentas de visibilidade para Mc’s, para além dos bailes de favela. “Mano o funk faz as pessoas se sentirem feliz, imagina quando isso melhorar ainda mais tá ligado? Tem vários menor que curte e quer fazer um som hoje em dia e que se vê na internet”, exclama o fotógrafo.

Com uma consciência crítica e bem apurada sobre a importância das tecnologias, os artistas afirmam que ela é um meio de comunicação eficiente e acessível para conseguir se expressar, mas ressaltam que não é um fim, e traz a necessidade de enxergar além dos algoritmos. “A internet aproxima e facilita nosso trabalho para que ele chegue mais longe, e o trabalho de outras pessoas que estão longe chegue até a gente, mas a arte tá quase em tudo, só ter a sensibilidade de enxergar, que você vai ver estar em tudo”, conclui Milena. 

Mulheres em lockdown

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Existe um lockdown invisível que atua sobre os corpos nas cidades, isolando e confinando em um estado de pobreza e sofrimento longe das boas novas da modernidade e do direito humano.

Foto: Juh na Varzea @juhnavarzea

No dia em que eu nasci minha mãe trabalhou na casa de sua patroa até a hora do meu parto. Dona Ana, portuguesa, levou minha mãe até o Amparo Maternal, que era para onde se encaminhava mães solteiras pobres em 1981. Minha mãe chegou cedo, mas eu resolvi nascer só às 14h30 da tarde, do dia 30 de julho, prolongando aquele misto de alegria e tristeza, abandono e chegada, medo e coragem que seguem uma mãe solo em sua trajetória.

Minha mãe pediu a nossa senhora Aparecida para que não morresse, pois sem ela, eu não teria como saber quem eu era, mesmo que esse ser fosse forjado pela sua mente sabida, eu seria. Minha mãe teve complicações na cesariana e ficou internada. Dona Ana, como boa patroa me levou para casa, que era dela. Minha mãe queria melhorar logo, dona Ana sempre anunciava lares adotivos ricos para minha melhor estadia.

Sabida também era dona Ana e me registrou em seu nome e em sua homenagem Anabela, nome português. Minha mãe viveu e eu me tornei Anabela Aparecida, pois era impossível mudar o primeiro nome naquela época, não era, mas minha mãe continuou trabalhando na casa de Dona Ana. Eu conheci a Senhora Dona Ana, das Barbies da sua filha Alexsandra que tinha o cabelo preto, diferente de Dona Ana que era loira. Talvez fosse como o pai. Apesar de quase morar no quarto de empregada de Dona Ana, nunca vi o marido dela, nem seu nome sabia. Quando ele chegava, tínhamos que silenciar. Isso foi antes da escola. Depois veio o Collor e Dona Ana voltou para Portugal, pois segundo ela o Brasil havia roubado seu dinheiro.

Nunca mais ouvi falar de Dona Ana, ela morava naquelas ruas atrás da Biblioteca Kennedy.

Meu irmão nasceu em 1983 e eu não me lembro como ele aparece, enfim, eu só tinha 2 anos quando ele chegou. Lembro da gente já grandinho, ainda dente de leite, mas já correndo pelos cortiços de Santo Amaro, ali bem do lado da casa amarela tinham muitos cortiços e amigas da minha mãe dividia quartos com ela. Minha mãe continuou doméstica de outras casas, nessas a gente não ia, ficava na casa de uma amiga da minha mãe, que morava na favela do Puma, era difícil, tínhamos pouca comida para dividir e sentia muita falta da minha mãe.

Até que veio meu pai, seu Antônio adotou a gente. Foi bom, nós começamos a ter paradeiro. Fomos para a favela Monte Azul e desde então, só quando jovem sai de lá.

Nunca se tem muitos sonhos quando se tem uma vida muito dura. Para minha mãe e meu pai, a educação era o caminho de diminuir a exploração do lombo. Não precisar trabalhar com peso ou depender de favor de patrão. Era necessária, importante. Não tinha a ver com faculdade ou outros lugares.

Depois que eu fui descobrindo o mundo, minha mãe foi conhecendo comigo as possibilidades, coisas que não existiam antes. Minha mãe sofreu muito na vida, perdeu minha Vó muito cedo, dona Ernestina, mulher indígena não aguentou por muito tempo 6 crianças e o moinho de cana. Um dia em Vitória da Conquista, Bahia, colhendo arroz na beira do poço teve um infarto e se foi, minha mãe lembra de como encontrou sua mãe e juntas passamos a lembrar de como morreu minha vó, antes que eu pudesse me ver através dela.

Mãe dizia que eu parecia com a Vó. Depois que ela morreu, meu avô, seu Onildo, deu todos os filhos, ficando apenas com o de colo. Minha mãe foi dada a um casal que vinha para São Paulo, ela trabalhou nessa casa como escrava doméstica até os 18 anos. Fugiu sem documentos, analfabeta, pelos conselhos das empregadas das casas vizinhas. Conseguiu morada na casa de uma colega. Tirou documento novo, criou o nome Maria Gonçalves Vaz, com sílabas que lembrava que já ouviu alguém dizer.

Minha mãe me ensinou muito sobre luta, dignidade e amor. Amor pelos filhos de forma incondicional que lhe trouxe muito sofrimento na vida.

Cada problema que temos traça um caminho, cada forma de resolver esse problema traça outro caminho, cada escolha determina como será o seu destino. Desse não se foge, ele só muda de cara com cada escolha.

Eu, como minha mãe fui mãe solteira e tive minha filha na maternidade de Interlagos em 2001, alguns destinos não se muda. Diferente de minha mãe, eu não trabalhei durante minha gestação. Eu não tive complicações em minha cesariana, como minha mãe teve. Voltei para minha casa com meu bebê no colo. Às vezes sinto o cheiro do quarto que fiquei com a Yasmin, do medo, da preocupação de como viver a partir dali.

Minha mãe morreu através de um infarto, não por causa dele, faz pouco. E às vezes tenho medo de morrer como elas, pois mudasse os caminhos, mas destino, esse é danado. Sei que o meu já é bem melhor que minha vó e minha mãe, pois eu vivo melhor. E sei que minha filha, bisneta de Ernestina, neta de Maria, filha de Anabela, viverá melhor que todas nós.

Eu recorro a minha história para falar das linhas da vida das mulheres, somos um trajeto de muita ancestralidade construída em uma dor recente, que ainda podemos ver viajando nos transportes públicos. O anúncio de uma história começa com um bom dia, uma boa noite ou um tudo bem.

Em tempos como esses de terrível crise cíclica do capitalismo anunciada desde 2008 e que foi intensificada e atrelada a uma pandemia para sobrevivência desse sistema de exploração primitiva dos pobres, eu penso em minha Vó e minha mãe.

Solenemente colho das minhas essências as histórias de sobrevivência para construir a minha.

Escrevo sobre minha favela, minha narrativa única que meus olhos traçaram, escrevo sobre o córrego que enredava minha casa e me atravessou na construção da minha auto estima, beleza, sonho e perspectiva de mundo.

Sou eu mulher que compreende as palavras e suas condutas, a primeira das minhas matriarcas que teve a caneta como materialização das ideias, posso mudar o destino?

Ainda em solo periférico, me penso, me questiono, às vezes me vejo vivendo como se não houvesse futuro. Pois, o futuro foi desenhado antes de mim. 

Qual o futuro de uma mulher? 

O passado foi masculino, foi patriarcado de exploração. O futuro espero que se construa pelas mãos das mulheres, que renasça em nossos ventres, mentes e úteros. Mulheres que nascem e outras que se tornam e capazes do ato de luta primordial que é se auto parir, criam um caminho de possibilidades políticas e sociais.

Nós sabemos, murmuramos e gritamos. Expressamos em nossa arte, escrita, trabalho e ciência que a liderança hegemônica do homem falhou em garantir a vida na terra.

Nós reinventamos o sentido da força, dando a ela mais que músculos, potência.

Os homens tentam conhecer nosso ser de força e sensitivo. Não é fácil, mas se não se nasce mulher, se torna como disse Simone, que eles se tornem mulheres.

Aqui nesse pedido não há nada de biológico, ou das identidades de gênero feminino construído para a masculinidade. Mas nascer mulher é reconhecer nosso subconsciente, nossa subjetividade, espiritualidade e a força presente no mais frágil ser.

O machismo e a masculinidade tóxica perpassam os corpos das mulheres, mas nossas dúvidas e lutas dentro da produtividade e produtividade fazem com que essas mazelas se tornem multáveis no nosso modo de vida.

Eu, como milhares de mulheres da minha geração, que nascem no processo de democratização brasileiro, no meio de muita violência forjada pela polícia e o tráfico de drogas, vimos como nós, a periferia crescer, a especulação imobiliária chegar, “shopping”, lojas de departamento, food se acomodar nas esquinas.

Mesmo que crescida e com várias mudanças na vida, a periferia ainda é uma viela e nós mulheres que por mais crescidas e sabidas que nos tornamos, nós e a periferia, ainda temos feridas abertas vindas desse passado recente de desinteresse do Estado e de invisibilidade econômica.

Audre Lorde diz em seu livro “Irmã Outsider”, que toda mudança implica crescimento, e crescer pode ser doloroso. Mas que aprimorar nossa autodefinição quando impormos nossa identidade no trabalho e na luta, saberemos que nós mulheres compartilhamos um objetivo comum e isso pode representar novos caminhos para nossa sobrevivência.

A força das mulheres está em reconhecer as diferenças entre nós como algo produtivo e defender sem culpa as distorções que herdamos, mas que podemos juntas transformar.

Eu retiro de mim toda culpa que eu carrego por ser muitas vezes obrigada a fortalecer essa sociedade, pela minha sobrevivência, pois minha, nossa missão é sobreviver.

Eu serei semente e desejo nesse março triste de morte humana, de valores humanos, de sonhos e destinos, que a força da luta das mulheres que vieram antes, em condições materiais e contextos mais difíceis que os nossos, sejam nossa lamparina nessa devastação da ética da vida.

Precisamos contar a história de nossos antepassados para fortalecer nossa humanidade, não vivemos só uma crise econômica, mas uma crise civilizatória, perdemos o rumo e precisamos reeducar os nossos sobre os valores ancestrais.

A educação é ferramenta transformadora e libertadora, mas não somente a educação formal que em certo sentido só prepara a gente para o trabalho. A educação familiar também prepara para a vida, hoje temos medo que as crianças fiquem em casa com suas famílias, pois acreditamos que o Estado é melhor cuidador. Confiamos em nossas mulheres, ou confiamos somente em nós mesmas e nossas crenças instituídas por uma epistemologia branca.

Audre Lorde também fala sobre a raiva que carregamos e como ela se manifesta brutalmente entre nós mulheres, como transformar essa raiva da pobreza e da violência em combustível de mudança social e não em algoz de nós mesmas.

Nesse momento em que esse texto se manifesta, muitas mulheres estão na luta pela sobrevivência sua e dos seus filhos, como diz Mariana Salomão, mãe correria, somos. Algumas ainda têm tempo para expressar sua raiva do sistema em escritas, poesias, arte, dança. Outras ainda aprisionadas pelo sistema de exploração e produção da vida, sonham quando podem, bebem para tentar sonhar e trabalham para não dormir com fome.

Existe um lockdown invisível que atua sobre os corpos nas cidades, isolando e confinando em um estado de pobreza e sofrimento longe das boas novas da modernidade e do direito humano.

Sinal de Nascença 

Sou negra,
sangue indígena,
brasileira
de trajetória
equilibrada na tragédia,
povo, laço, estupro,
miscigenação forjada no murro.
enfileiradas paulistanas,
desfile de trabalhadoras à deriva,
solavancos do transporte público.
mascaradas relembram,
o passado ancestral.
O medo nos olhos,
a fúria nas mãos.
Ladeiras acima, ladeiras abaixo,
seguimos, lenços no cabelo
colares sagrados no peito.
Observando esse filme coletivo,
do homem branco faminto
por sangue nativo,
uma ordem que não cessa,
segue com nome e sobrenome
de vírus,
uma reprise funesta
de antepassados desconhecidos,
mas sentidos, nas veias que nos restam.

Anabela Gonçalves

Uma dívida de “Dez Conto” é tema de curta metragem produzido por jovens da Vila Missionária

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O Grupo Tomada Periférica se inspira nos filmes de ação e velho oeste norte-americanos para contar a história de uma dívida que põe a vida dos personagens em perigo.  

As lajes da Vila Missionária, zona sul da cidade de São Paulo, são parte do cenário do curta-metragem “Dez Conto”, primeira produção audiovisual criada pelo grupo Tomada Periférica. A história ficcional de ação gira em torno de uma dívida de R$10, um fato comum aos personagens. O curta está disponível para ser assistido no canal do produtor audiovisual Bruno Maciel, que assina a direção da produção.

“Uma verdadeira história de cinema, só que muito longe dos cenários e sets de Hollywood”, define o diretor do curta, Bruno Maciel, sobre o enredo da produção. Lançado em julho do ano passado, o curta teve grande repercussão entre os moradores da Vila Missionária e em outros espaços: “Recentemente, a gente fez uma participação na Virada Cultural e também em uma Casa de Cultura. O curta ‘Dez Conto’ nos rendeu diversos convites e participação em mostras de cinema. Queremos mostrar nosso trabalho de cinema independente, contar histórias”, afirma ele. 

Assista! 

“Eu chamei os moleques pra tomar café, jogar um play[station]. Só que do nada o Bruno apareceu com uma câmera e falou: ‘estou com uma ideia aí, bora aí na laje gravar uma ceninha de luta”, conta o ator Luiz Gustavo, integrante do grupo Tomada Periférica, sobre como a ideia da produção surgiu e como começou a ser gravada.

Formado por moradores da Vila Missionária, o grupo Tomada Periférica tem por objetivo transmitir a experiência de como é uma produção audiovisual na periferia e incentivar o desenvolvimento de novos artistas e produtores audiovisuais.

Confira os bastidores da produção e entrevistas com os atores 

Professores dão aula de solidariedade nas ruas da zona sul de São Paulo

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Os professores Alessandro Rubens e Douglas Passos, estão dando aula de solidariedade, de compromisso com a periferia e com a população que mais necessita.

Alessandro Rubens, Douglas Passos, Rogério Leite e Rafael Sacramento.

Estamos vivendo um tempo de grandes incertezas e muita desesperança. Infelizmente o desgoverno Federal vem insistindo em uma política genocida: redução do auxílio emergencial, retirada de direitos, falta de mediação política para aquisição de vacinas, congelamento de orçamento para saúde e educação, sem falar na escancarada política do toma-lá-dá-cá para manter-se no poder. Obviamente a população mais carente é a que mais sente as dores dessa Necropolítica.

Diariamente, somos bombardeados com os números, com o avanço e as terríveis consequências da Pandemia do Covid-19. Os dados são assustadores, as mortes não param de crescer, o desemprego é o maior da nossa história, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com 13,9 milhões de pessoas na fila por um trabalho. Inegavelmente, vivemos um período de muito desalento.

Contudo, quando aceitamos o desafio de escrever essa coluna o desejo era evidenciar projetos e movimentos que estão sendo experimentados e construídos nas periferias e/ou por sujeitos periféricos, que trazem esperança e as potencialidades das pessoas. Desta forma, eu trago para esse espaço uma experiência que estou acompanhando de longe, mas com coração cheio de alegria.

Os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que, no Brasil em março de 2020, havia aproximadamente 222 mil pessoas vivendo em situação de rua. Neste mesmo período, março de 2020, dois professores da Rede Ensino Pública Municipal de São Paulo estão levando carinho, acolhimento, roupas e alimentos para a população em situação de rua, que com o avanço da pandemia, cresceu e se tornou ainda mais vulnerável.

Os professores Alessandro Rubens e Douglas Passos, estão dando AULA DE SOLIDARIEDADE, de compromisso com a periferia e com a população que mais necessita.

Todas as sextas-feiras, religiosamente, eles saem às ruas da zona sul de São Paulo, para entregar marmitas com alimentos que eles mesmo cozinham para dezenas de homens e mulheres, que são desassistidos pelas políticas públicas governamentais. Durante todo este tempo já foram entregues milhares de marmitas, toneladas de alimentos e um sem número de roupas, inclusive roupas íntimas, muito solicitadas pelos cidadãos e cidadãs em situação de rua.

Nesse período, esses educadores têm vivenciado inúmeras experiências; encontraram inúmeros novos lugares, infelizmente os mais insalubres possíveis, onde esses moradores ficam para abrigarem-se do frio, da fome e mesmo das violências.

Recordo que ano passado, no dia mais frio do ano, eles recolheram cobertores e roupas de frio, que foram entregues juntamente com as marmitas. Eles percorrem as ruas da sul, desde o fundão da M’Boi Mirim, passando pelo Menininha, Jardim Ângela, Capão Redondo, Piraporinha, São Luiz, Campo Limpo até Socorro, Santo Amaro e Avenida Nossa Senhora de Sabará. Esse trabalho é feito dentro de uma van, toda adaptada para poder desenvolver esse trabalho incrível.

O exemplo e o compromisso desses educadores vêm sensibilizando inúmeros outros professores e professoras que ao longo desse período vem contribuindo de várias formas, com doações de alimentos, roupas e recursos, inclusive alguns juntaram-se a eles e estão indo às ruas semanalmente, como os professores Rafael Sacramento, Cínthya Contreira e Rogério Leite de Oliveira.

A coragem desses mestres fortalece nossas esperanças e nos dá disposição para continuarmos a lutar pelos nossos, lutar contra tanto desalento. 

Ações como a do Alessandro e do Douglas e de tantas outras pessoas pela cidade a fora, nos enchem de otimismo e como costuma dizer Frei Betto,

Vamos guardar o pessimismo para dias melhores