Home Blog Page 65

Direitos invisíveis: ações coletivas de prevenção à covid-19 orientam moradores das periferias

0

Iniciativas de comunicação nos distritos da Brasilândia, Parelheiros, São Mateus e João XXIII, atuam para garantir que a população das periferias e favelas nesses territórios tenha direito à informação. Por meio de ações de comunicação que traduzem os efeitos da pandemia, esses grupos estão investindo na orientação de famílias no portão das casas, na rua ou enviando áudios pelo WhatsApp com dicas e entrevistas sobre como prevenir o contágio de covid-19.

Sem esperar por uma mudança de narrativa nos canais de comunicação de grandes grupos empresariais e sem depender do apoio do poder público, que deveria seguir a risca o artigo 5º da Constituição Federal, que diz: 

Iniciativas de comunicação nas periferias e favelas de São Paulo estão realizando ações informativas em plataformas online e offline para conscientizar os moradores sobre as formas de proteção e prevenção ao contágio do coronavírus. Será que a frase ‘fique em casa’ contempla moradores dos territórios periféricos que precisam sair para trabalhar e manter sua família? Perfil que em sua maioria são os principais responsáveis pelo funcionamento de diversos serviços essenciais da cidade.

Nos territórios onde as iniciativas de comunicação estão atuando para orientar a população, os dados sobre os números de mortos divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde mostram a gravidade dos impactos da pandemia.

No distrito de Brasilândia, na zona norte, há cerca de 270 óbitos. Na zona leste, o distrito de São Mateus tem mais de 100 mortes, e na zona oeste já foram registrados mais de 40 óbitos no distrito de Raposo Tavares. Em Parelheiros, mais de 70 pessoas já morreram da doença causada pelo coronavírus.

Em meio a esse cenário de avanço da pandemia de coronavírus nos territórios periféricos da capital paulista, os noticiários continuam mostrando que nas quebradas a vida segue com a realização de bailes funk, aglomeração de jovens em praças e bares abertos. Mas quem deveria fazer um trabalho de conscientização desse público levando em consideração o seu modo de vida?

Essas iniciativas acreditam na importância de criar um canal de diálogo com os moradores, utilizando a vivência e o olhar de quem faz parte do cotidiano da quebrada como uma aliada para entender as variadas demandas desses locais, transformando esse repertório numa estratégia de comunicação que busca informar a população ao invés de criminalizar moradores e principalmente a juventude desses territórios, que em grande parte sempre enxergaram a rua como um caminho de fuga de diversas situações de conflitos que passam dentro das suas casas.

Em Parelheiros, zona sul, podcast ‘desuniversaliza’ os impactos da pandemia

Dados da Secretaria Municipal de Saúde mostram dos 10 distritos com maior número de mortes em São Paulo, seis deles se encontram na região sul, entre eles estão: Grajaú (267), Capão Redondo (237), Jardim São Luís (195), Jardim Ângela (240), Cidade Ademar (193), e Parelheiros (96).

Como uma alternativa à falta de ações de comunicação voltada aos moradores do território de Parelheiros, o coletivo Arque Perifa, formado por cinco jovens que atuam no distrito, criaram o podcast “Lugar de Quarentena”. A idéia é que as pessoas entendam os seus lugares, ou mesmo escutem outros lugares, sobre os impactos e as vivências no período da pandemia do coronavírus, além de fugir da ideia de que o impacto do vírus se resume apenas a pauta de saúde.

Segundo Laura da Silva, 19, produtora cultural e uma das integrantes do ArquePerifa, nas periferias a pandemia foi apenas uma lupa para várias outras questões e adversidades do cotidiano, e o podcast possibilita novos olhares para esse cenário. 

“A gente chama em cada episódio do podcast um morador para dar um relato, ou justamente nessa parada de lugar de fala, falar sobre a sua vivência de acordo com o recorte que damos para cada episódio, e também em todos os episódios tem um ativista ou especialista da causa. Normalmente a gente valoriza pessoas que sejam da região, e quando não tem essa possibilidade, a gente chama pessoas que estão pensando sobre isso em outras periferias”.

aponta.

A gravação do podcast é feita por uma plataforma de videoconferência, e distribuída através de plataformas de áudio e vídeo, além de utilizarem listas de transmissões com uma versão pocket do material para alcançar pessoas que não tem o hábito de ouvir podcast.

Laura reforça que o conteúdo do podcast não ficará acessível somente aos moradores que utilizam plataformas digitais ou celular. “A gente também quer ampliar o Lugar de Quarenta para carro de som, e panfletagem, porque a gente percebe que na nossa região a questão da internet, ou quando se tem, é muito precarizado, acaba fazendo com que a gente não atinja tantos moradores. Então a gente também vai abrir essa frente de tentar comunicar via carro de som”, compartilha.

A jovem conta que um dos objetivos do podcast é ‘desuniversalizar’ os impactos da pandemia. “Não está todo mundo no mesmo barco. Pessoas passam por determinadas situações, por determinadas questões, em níveis diferentes”. 

Ela também acrescenta: “Quando a gente conversa sobre um assunto que aborda o cotidiano da pessoa, primeiro ela tem uma identificação, tipo ‘eu passo por isso minha vida toda’, ou ‘nossa meu parente passou por isso’, ‘realmente nunca tinha pensado que era um problema’, e partir dessa reflexão a gente começa a engajar”.

Os números de casos confirmados e mortes no distrito de Parelheiros vêm aumentando, mas a capacidade do Hospital Municipal não é o suficiente para atender a quantidade de casos na região. Segundo Laura, o poder público não realiza ações de comunicação na região e isso é uma realidade que antecede o período da pandemia.

Ela afirma que a administração pública local faz publicações nas páginas de redes sociais, mas como prestação de contas sobre o que fizeram. Nunca um diálogo, ou pensando nas demandas da população e demandas da juventude principalmente. “É só uma replicação de uma recomendação geral, e não pensa nas características e necessidades daqui. E acaba que fica para a gente resolver as coisas mesmo”, relata.

A produtora cultural enfatiza que o tom político toma conta dos comunicados oficiais da Subprefeitura local. “Fora os canais oficiais, o que tem de comunicação no bairro é muito não crítico. É sempre realmente divulgando o que os políticos estão fazendo. Acaba que é uma coisa muito política, partidária, do que está sendo feito, muito comprado”, descreve.

Laura acredita que o trabalho do coletivo é inspirado num grupo de jornalistas que atuam no distrito de Grajaú, território que faz divisa com Parelheiros. “A gente tem de ajuda assim territórios próximos, como o Periferia em Movimento do Grajaú, cobrindo coisas que tem haver com nossas demandas, e a gente começou agora. Então realmente não tem muito a comunicação do poder público com a juventude, muito menos com o bairro”, finaliza a produtora.

Na Brasilândia, zona norte, trio elétrico realiza ações em parceria com agentes de saúde 

Na zona norte de São Paulo, muitas iniciativas têm buscado cobrir lacunas na região, e agora com o coronavírus vem propondo soluções para o enfrentamento da pandemia. Uma dessas iniciativas é a Rede Brasilândia Solidária, que vem atuando no enfrentamento da pandemia com mais de 200 voluntários. Formada por lideranças locais, a rede mantém uma constante articulação com agentes de saúde, assistência social, cultura e educação.

Carro de som na Brasilândia orienta moradores sobre uso de mascarás.

A Brasilândia está entre os 10 distritos com maior número de mortes em São Paulo. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, os óbitos por covid-19 confirmados e suspeitos na Brasilândia somam cerca de 270 óbitos, registrados entre 11 de março e 20 de junho. Os dados mostram um aumento superior a 300% em comparação com os números de 21 de abril, que registra 67 mortes.

Consciente da importância de criar estratégias de enfrentamento a pandemia, a Rede Brasilândia Solidária está organizada em nove núcleos de ação: Saúde, Educação, Comunicação, Juventude, Cultura, Assistência Social, Trabalho e Renda, Captação de Recursos e Pessoa com deficiência. Cada Núcleo, dentro de sua especificidade realiza ações e reuniões para encontrar as melhores maneiras de fazer a divulgação de informações para combater o coronavírus no território.

“Temos uma ação que ocorre quase que cotidianamente que são os carros de som e um trio elétrico que a Rede Brasilândia com ajuda de parceiros circula pelo território. Essas ações são articuladas e organizadas em parceria com as UBS’s e Agentes de Saúde que estão distribuídos nos territórios, e consiste em divulgar, por meio de vinheta produzida pela rede, a necessidade do isolamento possível e a importância de se usar a máscara quando for sair de casa e ter contato com outras pessoas”, afirma Jabes Campos, advogado e dirigente do Instituto Saci – Saberes Culturas e Integração, organização que desenvolve projetos focados em jovens e mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Com a possibilidade de circular por todo o bairro, o carro de som e o trio elétrico está em funcionamento desde o início da criação da Rede na Brasilândia. “As ações são realizadas sempre com o apoio logístico e estratégico das UBS, por meio de seus agentes e profissionais de saúde, planejando o trajeto e definindo ruas mais prioritárias para atingir a população. Nos locais aonde não chega o carro de som, a Rede Brasilândia Solidária comprou dois megafones que os agentes usam para a melhor divulgação das ações”, diz o voluntário.

Campos conta que a população de modo geral tem atendido aos apelos da Rede. Mas em relação à juventude local, eles ainda estão procurando um melhor meio de comunicação. O dirigente do Instituto Saci relata que ainda encontra muitos jovens em pequenas aglomerações no território, mas de modo geral tem sido positivo. “A receptividade das ações por parte da população é visível. Tem ajudado e muito na conscientização e entendimento da população para que se proteja. Todas as ações que realizamos entregamos máscaras que recebemos de doações e também máscaras que são confeccionadas por 40 costureiras voluntárias que temos no território”.

O advogado relata não ter conhecimento de ações do poder público pensando em atingir os moradores, principalmente os jovens. “A região já tem carências históricas, o poder público não tem uma atuação robusta, só os serviços de saúde e de educação são visíveis, fora isso os outros serviços são esporádicos”, conta.

A Rede Brasilândia Solidária é formada por diversas associações, coletivos e agentes atuantes no distrito, e juntos assinam uma carta com reivindicações para o território. Entre as ações e reivindicações da Rede está um pedido para instalação de espaços públicos para isolamento. Enquanto isso não acontece, eles seguem espalhando mais de 150 faixas de alerta e prevenção nas ruas, além de arrecadação de alimentos, e entrega de máscaras produzidas por costureiras da região.

No João XXIII, zona oeste, cartilha traduz informações sobre a pandemia 

Pensando na ideia de comunicar de morador para morador, um grupo de jovens do João XXIII, um dos bairros do distrito Raposo Tavares, se organizaram coletivamente por meio do cursinho pré-vestibular Cláudia Silva Ferreira, iniciativa de educação popular que oferece aulas para moradores que estão em busca de acessar o ensino superior.

Jovens orientam moradores no Jardim João XXIII, zona oeste da cidade.

As ações iniciais começaram com a distribuição de máscaras e pedras de sabão junto com uma cartilha que traduz informações sobre cuidados contra o coronavírus para uma linguagem não formal e pensada no morador do território. Além desta função, o material também aborda a importância da auto-organização e mostra opções de como se organizar no contexto comunitário neste momento.

Pedro Henrique Fernandes, 23, morador do João XXIII e integrante do cursinho afirma que comunicar de morador para morador é a forma mais potente, e que as pessoas dão mais credibilidade porque sabem quem você é. “Fizemos uma cartilha porque percebemos que as informações que vem do Estado não são muito acessíveis, é algo mais institucional e formal, então fizemos uma direto para o bairro, foi feita de morador para morador e tem um alcance maior e a gente vê que as pessoas acreditam mais quando você é do espaço”.

Fernandes afirma que outra dimensão importante da ação também foi o fato de conversar diretamente com jovens que muitas vezes continuam seguindo suas vidas de maneira normal por acharem que não serão atingidos pelo covid-19. 

“É uma doença que desde o começo vem sendo colocada que mata só idoso, mas na verdade não mata só idosos, aí muitos jovens têm a ideia de que podem continuar suas vidas normais, a cartilha também coloca a responsa nos jovens, de que mano você está levando esse vírus para os espaços. Vem muito na ideia de responsabilização dos jovens que furarem a quarentena, e também mostrar que tem formas de se organizar como bairro. Independente do Estado, a gente precisa se organizar para continuar sobrevivendo”.

Com o aumento das ações de mobilização de cuidado, o grupo de jovens moradores já estuda a possibilidade de transformar a experiência em uma série de vídeos para as redes sociais. 

“A gente percebe que depois da ação que se tem um clima muito mais cuidadoso no bairro, está todo mundo de máscara, até porque é uma lei, mas está todo mundo tentando respeitar uma distância. Mas a gente percebeu que no momento que a gente está ali e conversa, existe um choque das pessoas, e agora estamos nos organizando para postar uma série de vídeos produzida pelos moradores que fala sobre as questões do coronavírus junto com questões sociais, como por exemplo, a desigualdade social e o coronavírus”, conta Fernandes.

“São Mateus é um bairro de luta e iremos vencer mais essa batalha” 

 A ação ‘Graffiti contra a fome’ faz parte da campanha articulada pela rede de coletivos culturais São Mateus em Movimento, que atua na subprefeitura de São Mateus, zona leste de São Paulo. A ação conta com a participação de artistas da região, como Rafael Bone, Cris Rodrigues, Val OPNI e Todd OPNI, para homenagear quem está na linha de frente do combate ao Coronavírus. O coletivo também tem distribuído panfletos informativos com a proposta de conscientizar também aqueles moradores quem não assiste televisão.

“A importância é trazer proximidade do tema, para quem não assiste TV e para quem acha que ainda é um problema distante, mas que na real já está atingindo a quebrada e estamos usando da ideia de panfletos impressos e colocando nas cestas, e estamos estudando a possibilidade de uma agenda de lives e vídeos informativos também para tentar comunicar os moradores principalmente os mais jovens”, relata Rafaela Maiara, 24, moradora de São Mateus e integrante da rede de coletivos.

A moradora conta que as ações realizadas pelo grupo também são um lembrete de resistência e luta no território: “A ação realizada no dia 16/05, Graffiti contra Fome, faz parte da nossa campanha São Mateus Contra a Fome, e foi pensada com os artistas da região para homenagear quem está na linha de frente do combate ao Coronavírus: profissionais da saúde, limpeza e a própria natureza em seus ciclos de cura e resistência imunológica”.

Maiara acredita que a campanha também servirá para mostrar aos moradores a importância de união comunitária. “É um convite para que pensem nisso, no cuidado, em como tratamos o nosso corpo e o mundo em que vivemos. Também é um lembrete de que nós estamos aqui, se ajudando e se cuidando, que São Mateus é um bairro de luta e que iremos vencer mais essa batalha”.

A articuladora comunitária afirma que é de responsabilidade do Estado o fato dela presenciar ainda um grande número de pessoas na rua, e não conseguirem respeitar a quarentena. 

“Maioria do público que está na rua é o público jovem e a ausência do poder público é a causa de tantas pessoas não respeitarem o isolamento social, única medida capaz de conter a disseminação do vírus. A maioria das pessoas não está na rua por querer, mas por necessidade. O Estado precisa garantir as necessidades básicas para garantir que as pessoas fiquem em casa”, finaliza.

Construção

0

Filho de pai pedreiro, uma parte da minha história (e de tantas outras pela quebrada) pode ser contada através do bloco, pedra, areia e cimento. 

Favela Fim de Semana, Jd. São Luís, zona sul, 2019 – Foto: DiCampana Foto Coletivo

Caminhando pelas periferias é possível reparar em objetos, formas e cores. Não raro dá para enxergar vários blocos laranjas subindo um muro e uma nova casa sendo construída. Filho de pai que virou ajudante de pedreiro após perder o emprego em uma fábrica, cresci no meio de blocos, areia, pedras e cimento, então essa paisagem para mim é comum. Não dificilmente eu era solicitado para carregar alguns blocos em troca de umas moedas para um sorvete. Era alegria na certa. Quando o serviço era grande então, eu me sentia o próprio patrão, convidando algum colega da rua para passar a tarde toda carregando bloco. Eu não sabia, mas ali estavam sendo construídas histórias. Um espaço aberto agora se tornava moradia ou comércio, sendo aberto mais um capítulo para a história do meu bairro.

Papai tinha problemas com bebida alcoólica. Por diversas vezes “passavam a perna nele” e o dia de serviço não era remunerado. Eu ficava triste não só porque minha família não iria ter dinheiro para a mistura naquela noite, mas eu sentia como se a construção e meu pai não tivessem sido valorizados. Era como se o artista tivesse terminado a obra e não ser lembrado. Essa percepção, óbvio, eu tenho hoje, com vinte e tantos anos. Naquela época mesmo eu só queria o trocado para o sorvete.

E a periferia continua se expandindo. Meu pai faleceu quando eu era adolescente e parou de construir. Desde então, eu continuo sua história. Mas agora, ao invés de carregar blocos e erguer muros, eu carrego palavras e construo pontes. Pontes entre um passado não tão distante de um pai pedreiro e um futuro de um filho metido a jornalista, que faz da periferia não apenas sua moradia, mas sua razão de escrever.

Bom, esse texto é um pouco mais curto do que estou acostumado a fazer. Mas é proposital. Assim como as construções de quebrada, ele tem um prazo para começar, mas nunca para terminar. Com um puxadinho aqui, uma reforma ali, essa coluna vai tomando forma e sendo construída com ajuda de você, que lê o que eu tenho a dizer. Obrigado por também ser pedreiro ou pedreira da minha história.

Solidariedade digital: página cria outdoor de doações para moradores

0

Através de perfil no Facebook, a página Piraporinha City está criando uma rede de solidariedade digital, ajudando moradores a receber alimentos e propostas de emprego durante a pandemia de covid-19.

Patricia Ferreira com seu filho William Ferreira (Foto: Igor Ferreira)

Desde que a crise econômica gerada pela pandemia de coronavírus afetou os moradores das periferias e favelas, a página Piraporinha City, iniciativa comunitária que divulga de maneira séria e cômica os acontecimentos que fazem parte do cotidiano dos moradores do Jardim São Luís e Jardim Ângela, impactando mais de 60 mil seguidores, passou a desempenhar o importante papel de aproximar moradores das periferias que podem doar alimentos de pessoas que podem ser seus vizinhos e estão passando por muitas dificuldades financeiras, falta de emprego e alimentos dentro de casa.

Uma dessas pessoas que utiliza a página para solicitar doações de alimentos para a sua família é Patrícia Ferreira, 49, moradora do Jardim Santa Margarida. Ela está sobrevivendo através de pedidos de doações que divulga na página Piraporinha City.

Hoje suas maiores fontes de arrecadação de alimentos vêm das ações de solidariedade digital organizadas pela Piraporinha City. Ferreira conta que logo no começo da pandemia perdeu seu emprego de condutora escolar, a partir de então ela vem contando com o apoio da rede de solidariedade digital criada pela página para sustentar seus filhos. “Como eu tenho um filho especial acamado, a página publica coisas do meu filho para me ajudar com a dieta, fralda ou até mesmo com meu serviço de condutora escolar, a gente coloca lá na página essas informações que me ajuda muito”, descreve a moradora.

 “Hoje eu recebi mais de 30 mensagens de famílias precisando de cesta básica”

Durante a entrevista com um dos organizadores da página, obtivemos a informação que mais de 30 pedidos de doações haviam chegado na sua caixa de entrada do Facebook para serem publicados ao longo do dia. “No início da pandemia a gente postava individualmente quando alguém estava precisando de alguma coisa, porém hoje, somente na parte da manhã eu recebi mais de 30 mensagens de famílias precisando de cesta básica, pedindo leite, arroz e produtos de higiene”, conta um dos produtores de conteúdo da Piraporinha City, que preferiu não se identificar devido algumas ameaças que eles recebem por se posicionar politicamente nas periferias.

Ele enfatiza que com o agravamento da pandemia e do desemprego, semanalmente a página reserva um espaço de anúncios para mapear onde está acontecendo doações de alimentos e a partir desse momento o próprio seguidor começa a informar nos comentários quais organizações ou igrejas estão fazendo doações de alimentos.

O administrador da página ressalta que além das doações, a Piraporinha City também procura divulgar vagas de emprego. “Toda semana também a gente posta em relação de vagas de emprego e muitos seguidores já conseguiram emprego através das nossas postagens”, afirma.

O administrador explica que para organizar o crescente fluxo de pedidos de doações, foi preciso adotar uma política de privacidade para preservar os dados de contato das pessoas que precisam de ajuda. “A gente não gosta de expor o contato da pessoa nas redes sociais, só quando a pessoa quer expor mesmo, normalmente funciona assim: a gente faz a solicitação e posta na página , ai algum grupo de doadores ou alguma instituição entra em contato com a gente, aí a gente repassa o contato da pessoa que precisa das doações”, explica.

A Piraporinha City existe desde 2013, porém ficou inativa durante três anos, e em 2016 começou a distribuir conteúdo, que segundo o administrador é criado pelos próprios seguidores, que fornecem informações sobre doações, oportunidades de emprego, situação do trânsito local, entre outros assuntos relevantes para os moradores.

 “Graças a Piraporinha City eu paguei meu aluguel esse mês”

Ruth no celular (Foto: Bruno da Silva)

“Eu só recebo só 180,00 do bolsa família, eu estava muito preocupada, não sabia o que fazer, ai eu falei: vou pedir ajuda na página Piraporinha City, pois eles sempre me ajudam, ai eu fui lá e pedi ajuda, pra ver se alguém podia me ajudar a pagar o aluguel porque eu não estou conseguindo vender bala e nem água no farol”, conta Ruth Costa, 24, moradora do Jardim Leônidas , localizado no distrito do Campo Limpo, zona sul da cidade.

Ela trabalha vendendo balas no farol, uma atividade empreendedora comum no cotidiano do morador da quebrada, mas que em meio pandemia ficou mais difícil de ser executada, devido aos protocolos sanitários. Para a moradora, a sua situação ficou ainda mais complica pelo fato dela ter problemas mentais e não ter um suporte de políticas públicas do governo. “Eu sou especial, tenho problema mental, não consegui encostar no INSS ainda, estou há três meses esperando o INSS e até agora nada”, conta ela.

Enquanto o apoio do governo não chega até Ruth, ela afirma que ao recorrer a página para pedir ajuda, o engajamento dos seguidores foi imediato. “As pessoas do grupo me ajudaram, pediram meu Pix e depositaram na minha conta, me chamaram no WhatsApp e graças ao Piraporinha City eu paguei meu aluguel desse mês”, revela.

Mesmo contato com o apoio da página para suprir essas emergências financeiras, Ruth conta que o acesso à internet ainda é uma barreira para conseguir receber doações por meio de soluções digitais.. “Não ter acesso à internet é muito ruim, a gente fica longe da família, dos amigos, não tem como se comunicar, não tem como falar com ninguém, a gente fica isolado no mundo, não tem como você falar com ninguém é muito ruim”, finaliza a moradora.

Centro de Mídia M’Boi Mirim realiza oficinas virtuais de vídeo projeção

0

Vídeo mapping e graffiti digital são alguns dos temas abordados na formação gratuita, que é uma iniciação para o mundo da vídeo projeção. As inscrições para as atividades estão abertas até o dia 22 de abril.

 O Centro de Mídia M’Boi Mirim, espaço de trabalho compartilhado e formação para comunicadores, empreendedores e agentes culturais das periferias, realiza entre os dias 26 e 29 de abril a Semana de Cultura Digital, uma formação gratuita de vídeo projeção organizada em parceria com o Coletivo Coletores.

A oficina de vídeo projeção faz parte da Semana de Cultura Digital, evento que foi adaptado para o ambiente virtual devido a pandemia de covid-19. Em parceria com o Coletivo Coletores, a oficina acontece de maneira gratuita e os interessados devem se inscrever por este link.

O objetivo da formação é promover uma série de diálogos sobre arte, tecnologia e cidade. Os encontros são temáticos e acontecem de forma virtual e gratuita. Para participar, é necessário ser morador(a) das periferias e ter mais de 16 anos. Serão disponibilizadas 30 vagas e as inscrições estarão abertas até o dia 22 de abril ou até o número de inscritos ser atingido.

As atividades serão realizadas pela plataforma do Google Meet. Os encontros acontecem das 19h às 21h e cada um deles apresentará um tema específico relacionado com a vídeo projeção, serão eles: vídeo mapping, vídeo guerrilha, projeção em shows e graffiti digital. 

A ideia é que a formação seja uma iniciação à vídeo projeção. Não há formação de VJ, profissional de vídeo projeção nas faculdades. Muitas pessoas também não sabem o que é necessário para se fazer vídeo projeção. Então, se você é um produtor cultural, você pode descobrir como esse recurso pode ampliar a experiência visual da sua atividade. Ou se você viu uma vídeo projeção e quer aprender como ela acontece. Ou ainda, se você é do graffiti, do audiovisual, ou de outras linguagens artísticas, pode acrescentar a vídeo projeção ao seu trabalho. O mais interessante da formação é que ela pode abrir possibilidades

Toni Baptiste, coletivo coletores

Coletivo Coletores 

Criado em 2008 pelos artistas visuais Toni Baptiste e Flávio Camargo, o Coletivo Coletores é de São Mateus, na zona leste de São Paulo. O Coletores atua com instalação, stencil, web art, fotografia, interfaces de baixas tecnologias, game art, vídeo mapping e publicações impressas. Já participaram de inúmeras atividades nas periferias e também realizaram exposições, palestras e intervenções artísticas na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Dakar (Senegal), Red bull Station, FILE- Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, Instituto Tomie Ohtake, entre outros.

Para conhecer o trabalho do Coletivo Coletores, acesse seu perfil no instagram.

Semana de Cultura Digital do Centro de Mídia M’boi Mirim 

 26, 27, 28 e 29 de abril

19h às 21h, pelo Google Meet – somente inscritos

Para se inscrever, acesse o formulário aqui.

Terapeutas criam estratégias de atendimento remoto para moradores das periferias de SP

0

Entrevistados afirmam que a realização de terapia por meio de plataformas de reunião ou chamadas de voz via celular fazem parte de uma medida emergencial para democratizar o acesso a saúde mental, demanda que cresceu generosamente junto com as desigualdades sociais que se agravaram durante a pandemia. 

Integrantes do coletivo PerifAnálise. (Foto: Adalberto Bussola)

Você já parou para pensar na importância de obter autoconhecimento para cuidar da saúde mental? Você acha que esse é um papo furado ou coisa de gente fresca que não sabe como gastar dinheiro e acaba investindo em consultas para falar dos problemas do cotidiano para pessoas desconhecidas que nem conhecem as suas reais necessidades físicas e mentais?

As perguntas acima fazem parte da cultura de muitas pessoas moradoras das periferias e favelas que não conhecem ou não tem acesso ao serviço de um psicólogo ou psicanalista.

Ao entender que a pandemia iria gerar um grande passo para trás, devido ao encerramento de diversas políticas públicas que garantiram acesso a direitos sociais importantes para a população pobre brasileira, um grupo de moradoras das periferias, formado por psicólogas começou a refletir sobre os efeitos do ‘bolsonarismo’ e o modo do presidente Jair Bolsonaro enfrentar o coronavírus.

Esta motivação política levou a criação do PerifAnálise, coletivo formado por mulheres da quebrada que atendem moradores das periferias que desenvolveram problemas de saúde mental durante a pandemia de covid-19.

“A periferia é a que mais sofre com a ascensão do bolsonarismo, é nesse momento que a gente começa estudar psicanálise”, afirma Paula Jamele, psicóloga clínica que atua no PerifAnálise, coletivo de profissionais que oferecem atendimento terapêutico a moradores das periferias.

O PerifAnálise foi fundado em agosto de 2018, com o objetivo de cuidar do bem estar mental do moradores da periferia e democratizar a psicanálise. “A gente começou a construir a possibilidade de ter um dispositivo clínico, que pudesse estar próximo da periferia, já que a psicanálise é sempre tão centralizada, sempre tão distante da periferia, e que muitas vezes acaba acontecendo de uma forma nem tanto democrática, então no primeiro momento a gente pensa em construir um dispositivo clínico que a periferia pudesse acessar”, acrescenta Jamele.

Mesmo com uma ideia boa para ser colocada em prática, a chegada da pandemia impediu imediatamente os atendimentos presenciais, assim o grupo passa imigrar o contato com os pacientes para o ambiente online, outro desafio a ser enfrentado nesse momento turbulento de luta pela vida.

Ao firmar o compromisso de fazer atendimentos online, a psicóloga clínica afirma que o coletivo ganhou bastante visibilidade no Instagram, uma plataforma que atraiu muitas pessoas interessadas em conhecer mais sobre o PerifAnálise, fato que resultou inclusive no crescimento do projeto e geração de novas oportunidades.

Essa transformação no atendimento ao público exigiu do PerifAnálise uma adaptação ao cenário da escassez de recursos digitais que os moradores da periferia têm em plena era da quarta revolução industrial, puxada principalmente pelas novas tecnologias.

“Estou atendendo uma analisante que mora na periferia e desde o início ela me disse: ‘olha minha internet não tem um bom sinal’ e desde então, a gente faz análise por chamada de voz, e a gente vai pensando em outras possibilidades que a tecnologia permita”, relata Jamele.

Segundo a psicóloga, analisante é a pessoa que recebe o atendimento terapêutico e está na condição se passar por um processo de acompanhamento das suas necessidades de cuidado com a saúde mental.

Ela reforça que existe uma diferença entre o serviço de internet disponível no centro da cidade e na periferia. “O que é uma internet da periferia em comparação para uma região mais central? Tem isso, a gente foi percebendo ao longo do tempo é percebe até hoje”, aponta Jamele.

Com o atendimento reduzido a chama de voz, ou seja, sem ver a expressão facial do paciente, Jamele relata a importância do áudio e da escuta ativa da voz para acessar o subconsciente dos seus pacientes. “Uma presença por chamada de voz, ainda que não se possa ver a imagem um do outro é um elemento muito importante, porque a voz pra psicanálise vai dizer muito do aspecto inconsciente também”, explica.

Atenta ao diálogo com Jamele, a colega de profissão Emília da Silva, 30, moradora da Cidade Tiradentes ressalta que o atendimento online não é algo presente no cotidiano dos estudantes universitários. “Essa questão do online nunca foi muito abordada pelo menos na minha faculdade, eu sabia que existia, mas pouquíssimas pessoas faziam, já tinha ouvido ou lido algo sobre fora do Brasil, mas aqui no Brasil não”, conta ela, afirmando que já iniciei sua atuação profissional com o atendimento no ambiente digital.

A psicóloga Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, problema essa questão da grade pedagógica e enfatiza que falta uma disciplina e estudos voltados para o atendimento online nas universidades.

As ferramentas tecnológicas utilizadas por Emilia para realizar o atendimento são aplicativos que os analisantes já estão familiarizados no seu cotidiano. “Eu costumo atender mais pelo whatsapp, pensando muito na memória do celular, e se for por alguma outra plataforma, como Google Meet ou Skype, vai da demanda do analisante, eu espero ele colocar essa procura pela facilidade”, descreve.

Ao trazer essa questão da flexibilidade de escolha de aplicativos para o atendimento, ela faz uma ponderação sobre o uso do whatsapp e a memória dos smartphones dos analisantes. “O whatsapp chega até ser impessoal em alguns momentos, mas eu espero da pessoa né, muitas pessoas não têm capacidade de baixar vários aplicativos e tem essa questão da memória do celular”, argumenta.

“Eu acho que o online é mais uma possibilidade”

Rosimeire Bussola

Rosimeire Bussola é moradora de São Mateus e integrante do PerifAnálise. Para ela, a experiência com atendimento online é atribuindo a uma nova maneira de se fazer psicanálise e torna-la mais acessível para o morador da quebrada.

“A gente vê que existe uma infinidade de outras possibilidades, eu acho que o online é mais uma possibilidade, tem muita gente já estudando, debatendo e conversando sobre essa ferramenta que gente chegou para ficar, e a gente consegue ver efeitos interessantes, tanto nos efeitos da clínica convencional, quanto em relação à estrutura física”, analisa.

Bussola entende a criação desse espaço online como uma ação emergencial, para que pessoas tenham um lugar para falar das suas dores. “Quando a gente se disponibilizou em ouvir as pessoas elas vieram e com a pandemia, além da gente inventar formas de poder atendê-las, essas pessoas também se reinventaram”, explica.

A visão solidária do morador da periferia, que busca de alguma forma ajudar o próximo a superar determinado problema é algo presente em uma das experiências de atendimentos online realizado por Rosimeire.

Pude perceber o quanto as pessoas davam importância para esse espaço de escuta, tive experiência de pegarem celulares emprestados pra poder sustentar a presença os atendimentos, e ouvi coisas do tipo: olha eu moro aqui na favela, então é muito barulho, vou precisar encontrar outro lugar”, confidencia a psicóloga, afirmando que esse relato aponta para as condições da vulnerabilidade social do indivíduo, mas aponta também para uma busca de solução para continuar contando suas questões no espaço terapêutico online.

Uma das coisas que torna os valores acessíveis no coletivo é a flexibilidade de preços na sessão, onde é adequado para cada morador, de acordo com suas condições econômicas no momento de buscar a terapia. “Isso que a gente faz de combinar com cada pessoa, com cada analisante de que ela possa pagar aquilo que ela consegue no momento”, diz Rosimeire, abordando que através desse questionamento ela busca durante as sessões trazer uma maior consciência sobre o valor do dinheiro. “Ao longo do acompanhamento das sessões, a própria pessoa vê quanto quer e quanto vai pagar inclusive isso acaba sendo o acompanhamento da própria análise, qual é a função do dinheiro para vida de cada pessoa”, acrescenta.

Douglas Felix é psicólogo e sócio proprietário do espaço terapêutico Canto Baobá. (Foto: Katia Lopes)

“Atendemos pessoas na laje, banheiro, praça, já atendi também na frente do ponto de ônibus”

Douglas Felix

Outro projeto que se propôs a oferecer um espaço de cuidado para a saúde mental da população preta e periférica é o Canto Baobá, iniciativa que oferece terapia com ênfase em questões raciais, gênero e orientação sexual. A clínica foi idealizada pelo psicólogo Douglas Felix, 36, antes da pandemia e hoje também utiliza o ambiente online para atender os analisantes.

“A gente foi ser perguntando quem era essas pessoas que estavam na clínica de psicologia e como esses psicólogos estavam recebendo mesmo, quando a gente começou a construir o projeto, nossa ideia sempre foi atender essa população periférica, porque a gente lembrou muito da nossa história”, relembra Felix, abordando como os motivos para criar a empresa.

Para o psicólogo que saiu do Parque Santo Antônio, na zona sul de São Paulo e foi morar na Bela Vista, região central, as sessões de terapia ficaram mais intensas nesse novo formato online. “Eu vejo que as sessões ficaram muito mais profundas, porque agora eles conseguem mostrar pra gente de uma forma mais concreta o que eles querem dizer, ou o que eles querem dizer”, analisa Felix.

Douglas entende o cenário no qual estamos vivendo torna a terapia um serviço essencial pra cuidar da saúde mental da população. “Essa pandemia fez a gente repensar novas formas de construir e ser psicólogo, de chegar a outros espaços, de levar a psicologia de uma forma diferente, ou até mesmo tirar esse estereótipo, essa forma que psicologia é só pra quem precisa, a gente vai vendo que a saúde mental tinha que ser muito mais trabalhada nas políticas públicas, pelos nossos governantes”, opina.

Um dos argumentos do psicólogo para tornar a terapia um serviço essencial ou uma política pública é a questão dos fatores sociais que causam as doenças invisíveis que atingem principalmente os moradores das periferias.

“Quando você pensa em uma doença quem vai somatizando no corpo, o quanto tem a haver com a história dessa pessoa, principalmente em pessoas periféricas né, ela não tem a escolha de fazer um home office, ela tem que ir lá fazer o trampo dela, então ela tem que ser colocar em risco, a gente vai pensando o quanto de outras violências estruturais foram acontecendo com essa pessoa”, reflete o psicólogo.

Ana Albuquerque e sócia de Douglas na construção do espaço terapêutico Canto Baobá. (Foto: Juliana Ribeiro)

A psicóloga Ana Albuquerque, 29, é sócia de Felix na construção do Canto Baobá, conta que os atendimentos têm circulado em torno de temas e debates focado em desigualdades sociais. “A gente tem trabalhado falando muito do social e tentando aliviar culpas singulares que vão sendo internalizadas, o que é só mais uma estratégia das violências e opressões também”, explica.

De olho na mobilidade que as plataformas digitais oferecem, a psicóloga revela que tem realizado atendimentos nos locais mais diversos. “Atendemos as pessoas na laje, banheiro, praças, e já atendi também na frente do ponto de ônibus, onde dava pra encontrar ali um espaço, a gente foi tentando ter a criatividade e trazer essa pessoa, então vamos continuar pensando e criando o que dá para fazer”, conta Albuquerque.

Ela também morava na periferia, mais precisamente na Freguesia do Ó, região noroeste de São Paulo. A psicóloga revela mais uma vez são as desigualdades sociais são temas recorrentes nos atendimentos realizados por ela. “Muito da ansiedade vem de uma angústia, do eu não posso ficar em casa, eu vou pegar transporte, eu vou chegar do trabalho, eu vou faltar, eu moro com toda minha família, não tenho tantos cômodos aqui, é a ansiedade é despertada a partir do eu posso passar todo dia, posso transgredir todo dia, e a gente tem trabalhado muito isso, e a gente tem trabalhado muito para que essa culpabilização não seja singular.”

A psicóloga finaliza a entrevista falando do quão importante é se adaptar às condições de cada pessoa, pensando no acesso à internet, para ela ter acesso ao cuidado com a sua saúde mental. “Nem todo mundo tem um lugar pra fazer terapia com privacidade e a gente precisa pensar também como a internet não chega a todos os lugares?”, questiona ela, esclarecendo que fazer uma triagem dos analisantes é o ponto de partida para gerar uma inclusão social. “Hoje a gente pensa em um caminho de triagem, de entender a realidade de cada pessoa, e o fechamento do valor é individual, de acordo com cada realidade, cada história e com cada pessoa”, conclui. 

Terapeutas da quebrada transformam plataformas de reunião em consultórios

0

Uma motivação política levou a criação do coletivo PerifAnálise, formado por mulheres da quebrada que atendem moradores das periferias que desenvolveram problemas de saúde mental durante a pandemia de covid-19.

Time de psicanalista do coletivo PerifAnalise creditos Adalberto Bussola

 Você já parou para pensar na importância de obter autoconhecimento para cuidar da saúde mental? Você acha que esse é um papo furado ou coisa de gente fresca que não sabe como gastar dinheiro e acaba investindo em consultas para falar dos problemas do cotidiano para pessoas desconhecidas que nem conhecem as suas reais necessidades físicas e mentais?

As perguntas acima fazem parte da cultura de muitas pessoas moradoras das periferias e favelas que não conhecem ou não tem acesso ao serviço de um psicólogo ou psicanalista.

Ao entender que a pandemia iria gerar um grande passo para trás, devido ao encerramento de diversas políticas públicas que garantiram acesso a direitos sociais importantes para a população pobre brasileira, um grupo de moradoras das periferias, formado por psicólogas começou a refletir sobre os efeitos do ‘bolsonarismo’ e o modo do presidente Jair Bolsonaro enfrentar o coronavírus.

“A periferia é a que mais sofreria com a ascensão do bolsonarismo, é nesse momento que a gente começa estudar psicanálise”, afirma Paula Jameli, psicóloga clínica que atua no PerifAnalise, coletivo de profissionais que oferecem atendimento terapêutico a moradores das periferias.

O PerifAnalise foi fundado em agosto de 2018, com o objetivo de cuidar do bem estar mental do moradores da periferia e democratizar a psicanálise. “A gente começou a construir a possibilidade de ter um dispositivo clínico, que pudesse estar próximo da periferia, já que a psicanálise é sempre tão centralizada, sempre tão distante da periferia, e que muitas vezes acaba acontecendo de uma forma nem tanto democrática, então no primeiro momento a gente pensa em construir um dispositivo clínico que a periferia pudesse acessar”, acrescenta Jameli.

Mesmo com uma ideia boa para ser colocada em prática, a chegada da pandemia impediu imediatamente os atendimentos presenciais, assim o grupo passa imigrar o contato com os pacientes para o ambiente online, outro desafio a ser enfrentado nesse momento turbulento de luta pela vida.

Ao firmar o compromisso de fazer atendimentos online, a psicóloga clinica afirma que o coletivo ganhou bastante visibilidade no Instagram, uma plataforma que atraiu muitas pessoas interessadas em conhecer mais sobre o PerifAnálise, fato que resultou inclusive no crescimento do projeto e geração de novas oportunidades.

Essa transformação no atendimento ao público exigiu do PerifAnalise uma adaptação ao cenário da escassez de recursos digitais que os moradores da periferia têm em plena era da quarta revolução industrial, puxada principalmente pelas novas tecnologias.

“Estou atendendo uma analisante que mora na periferia e desde o início ela me disse: ‘olha minha internet não tem um bom sinal’ e desde então, a gente faz análise por chamada de voz, e a gente vai pensando em outras possibilidades que a tecnologia permita”, relata Jameli.

Segundo a psicóloga, analisante é a pessoa que recebe o atendimento terapêutico e está na condição se passar por um processo de acompanhamento das suas necessidades de cuidado com a saúde mental.

Ela reforça que existe uma diferença entre o serviço de internet disponível no centro da cidade e na periferia. “O que é uma internet da periferia em comparação para uma região mais central? Tem isso, a gente foi percebendo ao longo do tempo é percebe até hoje”, aponta Jameli.

Com o atendimento reduzido a chamada de voz, ou seja, sem ver a expressão facial do paciente, Jameli relata a importância do áudio e da escuta ativa da voz para acessar o subconsciente dos seus pacientes. “Uma presença por chamada de voz, ainda que não se possa ver a imagem um do outro é um elemento muito importante, porque a voz pra psicanálise vai dizer muito do aspecto inconsciente também”, explica.

Atenta ao diálogo com Jameli, a colega de profissão Emília da Silva, 30, moradora da Cidade Tiradentes ressalta que o atendimento online não é algo presente no cotidiano dos estudantes universitários

“Essa questão do online nunca foi muito abordada pelo menos na minha faculdade, eu sabia que existia, mas pouquíssimas pessoas faziam, já tinha ouvido ou lido algo sobre fora do Brasil, mas aqui no Brasil não”, conta ela, afirmando que já iniciei sua atuação profissional com o atendimento no ambiente digital.

Emília da Silva

A psicóloga Cidade Tiradentes, extremo leste de São Paulo, Vê problema na questão da grade pedagógica e enfatiza que falta uma disciplina e estudos voltados para o atendimento online nas universidades.

As ferramentas tecnológicas utilizadas por Emilia para realizar o atendimento são aplicativos que os analisantes já estão familiarizados no seu cotidiano. “Eu costumo atender mais pelo Whatsapp, pensando muito na memória do celular, e se for por alguma outra plataforma, como Google Meet ou Skype, vai da demanda do analisante, eu espero ele colocar essa procura pela facilidade”, descreve.

Ao trazer essa questão da flexibilidade de escolha de aplicativos para o atendimento, ela faz uma podenração sobre o uso do whatsapp e a memória dos smartphones dos analisantes. “O whatsapp chega até ser impessoal em alguns momentos, mas eu espero da pessoa né, muitas pessoas não têm capacidade de baixar vários aplicativos e tem essa questão da memória do celular”, argumenta.

 “Eu acho que o online é mais uma possibilidade”

Rosimeire Bussola é moradora de São Mateus e integrante do PerifAnálise. Para ela, a experiência com atendimento online é atribuindo a uma nova maneira de se fazer psicanálise e tornar-la mais acessível para o morador da quebrada.

“A gente vê que existe uma infinidade de outras possibilidades, eu acho que o online é mais uma possibilidade, tem muita gente já estudando, debatendo e conversando sobre essa ferramenta que gente chegou para ficar, e a gente consegue ver efeitos interessantes, tanto nos efeitos da clínica convencional, quanto em relação à estrutura física”, analisa.

Rosimeire Bussola

Bussola entende a criação desse espaço online como uma ação emergencial, para que pessoas tenham um lugar para falar das suas dores. “Quando a gente se disponibilizou em ouvir as pessoas elas vieram e com a pandemia, além da gente inventar formas de poder atendê-las, essas pessoas também se reinventaram”, explica.

A visão solidária do morador da periferia, que busca de alguma forma ajudar o próximo a superar determinado problema é algo presente em uma das experiências de atendimentos online realizado por Rosimeire.

Pude perceber o quanto as pessoas davam importância para esse espaço de escuta, tive experiência de pegarem celulares emprestados pra poder sustentar a presença os atendimentos, e ouvi coisas do tipo: olha eu moro aqui na favela, então é muito barulho, vou precisar encontrar outro lugar”, confidencia a psicóloga, afirmando que esse relato aponta para as condições da vulnerabilidade social do indivíduo, mas aponta também para uma busca de solução para continuar contando suas questões no espaço terapêutico online.

Uma das coisas que torna os valores acessíveis no coletivo é a flexibilidade de preços na sessão, onde é adequado para cada morador, de acordo com suas condições econômicas no momento de buscar a terapia. “Isso que a gente faz de combinar com cada pessoa, com cada analisante de que ela possa pagar aquilo que ela consegue no momento”, diz Rosimeire, abordando que através desse questionamento ela busca durante as sessões trazer uma maior consciência sobre o valor do dinheiro. “Ao longo do acompanhamento das sessões, a própria pessoas vê quanto quer e quanto vai pagar inclusive isso acaba sendo o acompanhamento da própria análise, qual é a função do dinheiro para vida de cada pessoa”, acrescenta.

 “Atendemos pessoas na laje, banheiro, praça, já atendi também na frente do ponto de ônibus”

Psicologo Douglas do canto baoba creditos Katia Lopes

Outro projeto que se propôs a oferecer um espaço de cuidado para a saúde mental da população preta e periférica é o Canto Baobá, iniciativa que oferece terapia com ênfase em questões raciais, gênero e orientação sexual. A clinica tem como um dos idealizadores o psicólogo Douglas Felix, 36, antes da pandemia e hoje também utiliza o ambiente online para atender os analisantes.

“A gente foi ser perguntando quem era essas pessoas que estavam na clinica de psicologia e como esses psicólogos estavam recebendo mesmo, quando a gente começou a construir o projeto, nossa ideia sempre foi atender essa população periférica, porque a gente lembrou muito da nossa história”, relembra Felix, abordando como os motivos para criar a empresa.

Para o psicólogo que saiu do Parque Santo Antonio, na zona sul de São Paulo e foi morar na Bela Vista, região central, as sessões de terapia ficaram mais intensas nesse novo formato online. “Eu vejo que as sessões ficaram muito mais profundas, porque agora eles conseguem mostrar pra gente de uma forma mais concreta o que eles querem dizer, ou o que eles querem dizer”, analisa Felix.

Douglas entende o cenário no qual estamos vivendo torna a terapia um serviço essencial pra cuidar da saúde mental da população. “Essa pandemia fez a gente repensar novas formas de construir e ser psicólogo, de chegar a outros espaços, de levar a psicologia de uma forma diferente, ou até mesmo tirar esse estereótipo, essa forma que psicologia é só pra quem precisa, a gente vai vendo que a saúde mental tinha que ser muito mais trabalhada nas políticas públicas, pelos nossos governantes”, opina.

Um dos argumentos do psicólogo para tornar a terapia uma serviço essencial ou uma política pública é a questão dos fatores sociais que causam as doenças invisíveis que atingem principalmente os moradores das periferias.

“Quando você pensa em uma doença quem vai somatizando no corpo, o quanto tem a haver com a história dessa pessoa, principalmente em pessoas periféricas né, ela não tem a escolha de fazer um home office, ela tem que ir lá fazer o trampo dela, então ela tem que ser colocar em risco, a gente vai pensando o quanto de outras violências estruturais foram acontecendo com essa pessoa”, reflete o psicólogo.

Psicologa Ana Alburquerque do canto baoba creditos Juliana Ribeiro

A psicóloga Ana Albuquerque, 29, também idealizadora da clinica e sócia de Felix na construção do Canto Baobá, conta que os atendimentos tem circulado em torno de temas e debates focado em desigualdades sociais. “A gente tem trabalhado falando muito do social e tentando aliviar culpas singulares que vão sendo internalizadas, o que é só mais uma estratégia das violências e opressões também”, explica.

De olho na mobilidade que as plataformas digitais oferecem, a psicóloga revela que tem realizado atendimentos nos locais mais diversos. “Atendemos as pessoas na laje, banheiro, praças, e já atendi também na frente do ponto de ônibus, onde dava pra encontrar ali um espaço, a gente foi tentando ter a criatividade e trazer essa pessoa, então vamos continuar pensando e criando o que dá para fazer”, conta Albuquerque.

Ela também morava na periferia, mais precisamente na Freguesia do Ó, região noroeste de São Paulo. A psicóloga revela mais uma vez são as desigualdades sociais são temas recorrentes nos atendimentos realizados por ela. “Muito da ansiedade vem de uma angústia, do eu não posso ficar em casa, eu vou pegar transporte, eu vou chegar do trabalho, eu vou faltar, eu moro com toda minha família, não tenho tantos cômodos aqui, é a ansiedade é despertada a partir do eu posso passar todo dia, posso transgredir todo dia, e a gente tem trabalhado muito isso, e a gente tem trabalhado muito para que essa culpabilização não seja singular”,

A psicóloga finaliza a entrevista falando do quão importante é se adaptar às condições de cada pessoa, pensando no acesso a internet, para ela ter acesso ao cuidado com a sua saúde mental. “Nem todo mundo tem um lugar pra fazer terapia com privacidade e a gente precisa pensar também como a internet não chega a todos os lugares?”, questiona ela, esclarecendo que fazer uma triagem dos analisante é o ponto de partida para gerar uma inclusão social. “Hoje a gente pensa em um caminho de triagem, de entender a realidade de cada pessoa, e o fechamento do valor é individual, de acordo com cada realidade, cada história e com cada pessoa”, conclui.

1 de abril nunca foi mentira

0

Não precisamos esquecer a tristeza, mas lembrar quem nos deixa assim.

Jardim Piracuama, Campo Limpo, zona sul, SP/20 – Foto: @Dicampanafotocoletivo

Eu gosto muito de escrever, pois, a escrita materializa o pensamento, e a história que se faz diariamente. Milhões de relatos não vão para os livros de história, perspectivas variadas e múltiplas não conseguem ser todas apreendidas pelos pesquisadores. Em grande parte a narrativa de quem tem o poder é que conta, estratégia que levou para os livros de história que alfabetizam a população, uma versão corrigida da vida de milhares de pessoas em um determinado tempo da história. Assim se constroem os reis, heróis, vencidos e perdedores.

De tempos em tempos, revelações são feitas como que desfazendo manipulações que levaram milhares de pessoas a acreditar em determinado fato e condenar outro. Estamos exatamente nesse turbilhão de confusões. Políticos acusados se tornam inocentes e inocentes réus.

Em Outubro de 2018, ocorreu a oitava eleição presidencial, após a promulgação da constituição federal de 1988. Após o golpe de 2016 contra a primeira presidenta eleita no Brasil Dilma Rousseff, o Brasil se vê em um momento de desesperança política e no calor da inquisição de todos os políticos corruptos do Brasil, fez dessa eleição o ato de maior retrocesso político.

Nosso Napoleão, sem partido, se fez presente nas páginas históricas da democracia tupiniquim, com promessas contundentes e práticas abomináveis. Nesse ponto da história, nosso Napoleão surge da queima suposta da corrupção, não queria conquistar outros territórios, muito pelo contrário, pelo que temos acompanhado.

Nesses dois anos vivemos as ações históricas mais sombrias, trajetória de tempos nefastos da direita, reviver o obscurantismo, onde Deus e o dinheiro estavam acima da ciência e da vida. Nosso Napoleão não acredita na ciência, na história, nem mesmo na política. A história brasileira já se apresentou como tragédia em 1968 e agora como uma farsa democrática. De 2018 a 2021, o fantasma do golpe militar assombra nossos dias e tantos trabalhadores comuns envolvidos pela férrea máscara mortuária do nosso Napoleão.

” (…) Todo um povo que pensava ter comunicado a si próprio um forte impulso para diante, por meio da revolução, se encontra de repente transladado a uma época morta, e para que não se possa haver sombra de dúvida quanto ao retrocesso, surgem novamente as velhas datas, os velhos nomes, os velhos éditos que já se haviam tornado assunto de erudição de antiquário (…).” 

18 Brumário de Karl Marx

Temos nossas particularidades, mas uma em comum. Nós fazemos nossa história, mas não como queremos, pois, a escolher lados da história no Brasil é um processo obscuro, temos olhado para as sombras políticas da vidas projetadas na caverna, recriam dessas sombras o mesmo mal com outra roupa.

Grande parte do Brasil sabia que esse Napoleão não traria nada de novo, pois fora da caverna estava mais que óbvias suas intenções. Mas um país que não investe em conhecimento não tira seu povo da caverna, poucos relutam na tentativa de uma descolonialidade da escola e na busca de um real avanço democrático. A internet, nossa caverna moderna, cheia de fakes de vida e ideias, foi a principal ferramenta para eleição de nosso algoz.

Talvez o povo quisesse de fato que o fim da corrupção ocorresse com as roupas da inquisição, mas a burguesia brasileira que se colocou de forma ambígua, como sempre, na defesa dessa inquisição, sabia estar metade atolada nessa negociata de direitos que se tornou a política brasileira. Bem se vê no desmonte dos direitos trabalhistas para exploração regulamentada da força de trabalho.

Como em uma receita belicosa nosso povo se vê cheios de impostos que esmagam a classe trabalhadora e tomados por discursos religiosos que vêm de toda parte em uma catequização massiva e doentia, enfraquecendo nossa luta em todo território, tomando nossas lideranças por meros pastores de ovelhas de um sistema envelhecido contaminado pelo neoliberalismo metamorfo do negacionismo.

Assim como em tempos remotos da história do capitalismo, a burguesia brasileira torna nossas lutas em mercadorias e as mercadorias em lutas maiores. A história sempre se repete de forma diferente em cada momento, em cada contexto, mas sob o manto do capitalismo sempre como exploração. Em nosso território, a exploração da terra e do povo foi o ventre de seu nascimento, suas raízes mais perversas alimentadas pelo capitalismo e sua cara maquiada pela cultura parecem sempre familiares de mais, que mal conhecemos de onde vem o açoite, por mais perverso que se apresente.

A burguesia tomou as frentes de luta, tudo se tornou uma luta socialista, transpor rio, beneficiar banqueiros, construir avenidas para carros, construir transportes com o couro dos trabalhadores, comercializar direitos, vender a educação como um estilo de vida.

Como descrito nos livros da história burguesa, eles sabem que toda a informação, tecnologia, educação, os movimentos sociais, a cultura popular, são armas utilizadas por eles para suas conquistas com dois gumes, que tudo que criaram para sua permanência e controle ameaçam também sua existência. Como dizia Marx, as liberdades burguesas ameaçam o seu domínio de classe, por isso nesse momento endurecem suas rédeas contra a classe trabalhadora.

No disfarce de que a vida boa é uma dádiva de Deus ou da meritocracia, assistimos pessoas morrem de fome e de outros males em decorrência da fome, subnutrição, desnutrição, se morre de COVID-19 e mais todas outras doenças do mundo que ainda não tem cura. Nossa hipertensão, nossa, diabetes, nossa retenção de líquidos, herdados das correntes da escravidão se tornam mais um ponto fraco para nossa morte, como se a COVID-19 tivesse saido da cabeça um homem branco.

O ódio das pessoas pelos valores das lutas revolucionárias são fortes, mas estão sendo vendidos pela propaganda, qualquer antagonismo entre o mercado e os valores sociais, direitos a diversidade racial e de gênero, os direitos humanos e o socialismo estão na mídia que vende de forma escancarada por meio da indústria da beleza que movimentou 166,8 bilhões em 2019, por exemplo, de outros mercados, e continua crescendo mesmo com a pandemia varrendo o país. Os capitalistas não se importam que o povo morra, com tanto que eles enriqueçam, mais e mais.

Gosto de comparar a história, olhar para o passado e ver traços dela, no presente, o mais importante desse processo é pensar sobre o que está acontecendo, seus motivos, seus impactos futuros e minha responsabilidade mesmo que pequena em todo esse processo. Nunca foi tão importante que cada um de nós se sinta sujeito da história. Não podemos ficar em casa porque o governo não tem se comprometido em manter um auxílio, pois não trabalhar significa impacto no bolso da burguesia.

O povo elegeu esse presidente, nosso Napoleão, acreditando na possibilidade do fim da corrupção e a burguesia em seu enriquecimento absoluto sem restrições, podemos ver hoje com 2 anos de supressão de nossos direitos, quem está sendo atendido.

O baixo investimento em educação e atualização tecnológica, desemprego, violência, escassez de moradias, precarização do SUS, falta de medidas contra a fome. A grande chave deste sistema de exploração, a desigualdade social, segundo o relatório da ONU, de 2019, no Brasil 1% da população concentra 28,3% da renda total do país.

Nenhum desses problemas foram realmente enfrentados por esse governo com vias a extinguir os reais problemas brasileiros, mas com sua capacidade tola e irresponsável ele conseguiu nos trazer adversidades que nem imaginamos que viveríamos.

Eu sou uma mulher periférica e me sinto ameaçada pelo Chefe de Estado do meu país, coisa mais séria que nunca vivi. Que a gente nunca esqueça e saiba nas sombras reconhecer o cheiro da carniça política que alguns trazem, a mídia popular e autônoma tem ajudado muito nesse momento, pensar o hoje para entender o amanhã.

Não precisamos esquecer a tristeza, mas lembrar quem nos deixa assim.

O boom das adoções e o abandono de pets na pandemia

0

Você deve estar se perguntando o que você tem a ver com isso, mas se por acaso te passou pela mente adotar ou abandonar um amiguinho quatro patas, por favor leia esse texto até o final.

Lena e Jordan com Jersey e Jequié. Foto: arquivo pessoal

Adotamos dois cachorros na pandemia e não foi por solidão, nem depressão como acontece na maioria dos casos. Ano passado o Beat, nosso vira-lata de estimação morreu e deixou um vazio enorme, principalmente para minha mãe que é deficiente auditiva. O cachorro não era só um pet, ele lhe servia de ouvidos quando nós não estávamos em casa.

Dois meses depois da perda do Beat sentimos a necessidade de adotar um filhote. Procuramos nos grupos de adoção no Facebook, uma ferramenta que por sinal funciona muito bem! A todo momento, fotos e depoimentos eram postados por pessoas de todo lugar do estado. Demorou para encontrarmos o dog pretinho como queríamos, até que apareceu no feed a foto do Jersey. Foi amor à primeira vista.

Bom, você deve estar se perguntando o que você tem a ver com isso, mas se por acaso te passou pela mente adotar ou abandonar um amiguinho quatro patas, por favor leia esse texto até o final.

Com o início da pandemia houve uma explosão de adoção de pets e o principal motivo foi a carência das pessoas em busca de companhia durante a solidão do isolamento social.

A ONG União Internacional Protetora dos Animais (UIPA), que fica na Zona Norte em São Paulo, registrou um crescimento de 400% na procura por cães e gatos. Muitas pessoas, infelizmente, não levam em consideração que um pet é para sempre. Eis a problemática que temos que lidar: o aumento repentino de abandono de cães. Pessoas têm usado a pandemia como desculpa para se desfazer de seus pets.

Segundo um levantamento da Ampara Animal, houve um aumento de 70% de cães, gatos, entre outros bichos domésticos abandonados no Brasil . A falta de instruções e de conhecimento dos tutores sobre o comportamento natural dos animais, os cuidados e gastos que requerem é um dos motivos de abandono e de maus-tratos.

Uma pesquisa realizada em 2019 pelo Instituto Pet Brasil aponta que a população de cães e gatos alojados em organizações não governamentais (ONGs) e instituições é de cerca de 172 mil. 96% desses animais são cães e os outros 4% são gatos.

Fora desse quadro, existem quase 3,9 milhões de animais em condições de vulnerabilidade, aqueles que vivem sob cuidados de famílias abaixo da linha de pobreza ou que vivem nas ruas. O Sudeste é a região com a maior parte dos animais nessa situação, com mais de 78 mil.

Com tantos casos e mortes de pessoas vítimas do covid-19, fica mesmo difícil prestar atenção nos vira-latas, mas se observarmos bem, o abandono de animais nas ruas ou a procriação descontrolada, pode levar a problemas de Saúde Pública, como acidentes por mordeduras, atropelamentos, sarnas e infestação por pulgas e carrapatos até doenças mais graves, como a cinomose, raiva, leishmaniose, parvovirose e leptospirose, principalmente por serem animais que não estão vacinados, o que de consequência, aumenta a transmissão de doenças em seres humanos.

Além de ser cruel, é uma questão de saúde pública que necessita do envolvimento de todos os cidadãos e de promulgação de leis mais específicas, visando o controle de prevenção de zoonoses, a conscientização, a educação em guarda responsável e o bem-estar animal.

A presença de animais em situação de rua tem relação direta com o aumento da aquisição ou adoção por impulso e o posterior abandono desses animais.

E foi assim que, a menos de um mês, encontramos um filhote lindo, sozinho na frente da estação Capão Redondo. Uma fêmea pretinha igual a Jersey. Os comerciantes disseram que ela estava lá há três dias. A levamos para casa pensando em colocá-la em adoção, mas decidimos ficar com ela. Agora temos um novo membro na família, Jequié, em homenagem à cidade onde eu, Lena, nasci. Como o Jersey, que foi batizado com o nome do estado onde o BiXop nasceu. 

II Festejo Raízes do Riso exalta a comicidade negra e saberes indígenas com programação virtual

0

Apresentações de teatro, circo, shows e oficinas fazem parte da programação do festival que reúne diversos artistas periféricos. 

Foto: Fernando Solidade

Entre os dias 05 e 11 de abril, o espaço formativo Terreiros do Riso organiza a segunda edição do festival “Festejo: Raízes do Riso”. Com mais de 70 convidados distribuídos em mais de 20 atividades gratuitas e virtuais, o evento traz como temática principal a comédia preta e saberes indígenas.

As atividades do festival incluem rodas de conversa, exibição de documentário, brincadeiras tradicionais, espetáculos, shows de circo, teatro, música e elas serão transmitidas pela página do Facebook e canal do Youtube do Terreiros do Riso. Além disso, há quatro oficinas que serão realizadas com turmas fechadas pela plataforma de reuniões Zoom.

O Festejo traz a memória e a força dos saberes tradicionais para fortalecimento do riso e da alegria como orientadores da luta, resistência, denúncia e celebração negra no Brasil. Por isso, o festival contempla uma variedade de formatos de atividades que celebram o lado cômico, como as apresentações de palhaços e artistas do riso. 

Quando percebemos alegria como um fundamento ético, presente na sabedoria afro-diaspórica e indígena, estamos falando de cura. Não a cura como a ciência ocidental fomenta, mas sim uma sabedoria ancestral, uma cura que sustenta e firma nossa alma.

Vanessa Rosa, idealizadora e produtora do Festejo

O “burburinho de abertura” será conduzido por Vanessa Rosa, no dia 04 de abril. Às 19h no dia 05, serão realizadas duas apresentações, uma com o babalorixá Rodney William com o tema “Exu é Alegria” e a outra com o professor Muniz Sodré, sobre o tema “Alegria é regência”. O grupo Pastoras do Rosário faz o show que encerra o primeiro dia do festival, às 20h.

O II Festejo Raízes do Riso é organizado pelo espaço Terreiros do Riso, que atua na região do Grajaú e Cidade Dutra, zona sul da cidade de São Paulo. O espaço promove experimentações no campo da alegria como fundamento ético, do riso e das comicidades afro-diaspóricas, afro-indígenas e dos saberes da periferia.

Serviço 

II Festejo: Raízes do Riso
De 05 a 11 de abril
Online via Facebook, Youtube e Instagram do Terreiros do Riso
Classificação indicativa: livre

Programação 

04 de abril
16h – Burburinho de abertura com Vanessa Rosa

05 de abril
19h – “Exu é alegria” – com babalorixá Rodney Willians
19h – “Alegria é regência” – com Muniz Sodré
20h – Show de Pastoras do Rosário

06 de abril
15h – Espetáculo “Aulas: Caminho” – com Fabio Soares da Silva
18h – Espetáculo “Apresentação Boizinho da aldeia”
19h às 21h – Oficina 1: Mateus: O Dono do Terreiro
Com: Mestre Martelo e mediação de Cibele Mateus (Ao vivo pelo Zoom. Necessário se inscrever por este formulário)

07 de abril
10h – Oficina “Educação, Cultura, Vida e Rezos: o brincar na cultura Guarani Mbyá” – com educadores do Centro de Educação e Cultura Indígena Tenondé Porã
15h – Gira de Conversas “Capoeira de Angola: Gingas, jogos e brincadeiras” – com Mestre Zelão
20h – Show de Coral Amba Vera

08 de abril
09h às 12h – Oficina “Pororoca do Riso” – com Coletivo Catappum (Ao vivo pelo Zoom. Necessário se inscrever por este formulário)
13h – “Circo Guarany: Uma viagem no tempo” com exibição do documentário: “Minha avó era palhaço” e Gira de Conversa com Família Xamego
19h – Espetáculo “Quizumba” – com Rainhas do Radiador
20h – Espetáculo “Catappum!” – com Cia Catappum

09 de abril
09h às 12h – Oficina ” Peças, Danças de Guerreiro e Jogo de Espada” – com Mestra Yara e Maria Fabrisleny (Ao vivo pelo Zoom. Necessário se inscrever por este formulário)
15h – Embolada de Terreiro I – com Terreiros do Riso e convidades
19h – Gira de Conversas “Festejos e Performances na Diáspora Negra” – com Saloma Salomão, Nirele Nepomuceno e mediação de Cibele Mateus

10 de abril
09h às 12h – Oficina “Devolve meu quadril: relações entre quadril, comicidade e desobediência” – com Deise de Brito (Ao vivo pelo Zoom. Necessário se inscrever por este formulário)
15h – Gira de Conversas “Matriarcado, Territórios e Ancestralidade” – com Bartira Menezes, Cristiane Rosa, Yakuy Tupinambá, Dona Didi e mediação de Vanessa Rosa.
18h – Encantaria “Mulheres Negras na Função” – com Carolina Ferreira, Lilyan Telles, Luz Cabocla, Mafá Santos e Raquel Franco.
20h – Show “Bambaê e Cacuriá” com Família Menezes

11 de abril – Cantos de Encerramento
10h – Show de Jongo do Tamandaré
14h – Espetáculo “Auto do Negrinho” – com Terreiro Encantado
16h – Embolada de Terreiro II – com Terreiro do Riso e convidades
20h – Shows de Gê de Lima “Samba e Diversidade”, com participações especiais de Mestra Aurinda do Prado e Danna Lisboa. 

Educação: a arma poderosa contra as violências

0

Tudo passa pela educação, cada parte da sociedade acaba refletindo nela assim como ela reflete a sociedade, é uma troca constante, não existe escola, por exemplo, sem comunidade. Pensar educação é pensar que passei por ela, alguém facilitou meu conhecimento para que hoje eu conseguisse escrever esse breve texto.

Greve da educação em 2019. Foto: João Victor Santos (@joaovictorsantosh)

Quando falamos de educação, o que vem à sua cabeça? Talvez uma sala de aula com muitos alunos, uma escola rígida ou até mesmo algumas memórias de sua época de estudante… mas a educação apesar de ser de fato um facilitador da aprendizagem e estar inserida no ambiente escolar, engloba muito mais que isso.

Tudo passa pela educação, cada parte da sociedade acaba refletindo nela assim como ela reflete a sociedade, é uma troca constante, não existe escola, por exemplo, sem comunidade. Pensar educação é pensar que passei por ela, alguém facilitou meu conhecimento para que hoje eu conseguisse escrever esse breve texto.

Então como ela poderia estar isolada somente a repassar os conhecimentos sobre alguma área? Afinal, já que temos na sala de aula alunos que irão socializar ali e que também convivem em sociedade, assim como professores e os demais funcionários, e isso se repete em faculdades, cursos etc. Ela pode ser uma arma poderosa para nos libertar ou simplesmente pode nos aprisionar mais ainda.

Aprendemos que a violência se inicia no ato, mas isso é mentira. Uma violência se inicia muito antes e muitas vezes é um ato “repassado”, sabe quando vemos crianças repetindo o que os adultos fazem? Esse seria o modo mais simples de explicar como uma educação violenta ou repassada com essa linguagem pode alimentar ainda mais uma sociedade cruel para se viver.

Mas por quê a educação?  

Porque ela é a chave de entrada para nós. É a partir desse convívio, dessas às vezes seis horas dentro de um lugar chamado escola, que aprendemos a ler, escrever, fazer contas, desenhar, momentos históricos, sociológicos, filosóficos e sobre outras pessoas, sobre como o “outro” é, e sobre como a sociedade será.

Nossa mania constante de em escolas repreender sempre meninas ou reproduzir na fala machismo, sexismo, misoginia aumenta as chances daquelas crianças e jovens serem também reprodutores com as próximas gerações. É claro que a educação não é responsável por todo o pacote de violência, porém pode ser a maior ALIADA no combate dela.

Claro que nem sempre as crianças vão reproduzir tudo aquilo, mas vão absorver de alguma forma. A educação é poderosa e tem um lugar pra além de somente facilitar o acesso ao conhecimento, é na escola que muitas vezes são identificadas questões psicológicas, problemas familiares e tantas outras coisas. É nesse ambiente que seria possível evitar repasses de atitudes violentas.

A partir de um ensino mais aberto e que dialogue podemos mudar perspectivas, apenas por introduzir alguns assuntos ou por mudanças de atitude. Muita gente me diz como é bonito meu engajamento com a educação, contudo essas pessoas já reproduziram atitudes violentas próximo a mim.

Então elas são ruins? Não! 

Elas também receberam uma perspectiva social violenta e que é difícil parar de reproduzir, por isso esse não é um trabalho individual, é coletivo. Pensar educação é pensar comunidades, pessoas, trajetórias e TUDO NO PLURAL!

Mas como a educação pode mudar isso de fato?

A partir de práticas educativas dentro da escola que envolvam emancipação social, através de mudanças no sistema que temos, de formações na educação básica para isso, de projetos que envolvam as comunidades, de uma educação que pense o indivíduo como alguém ativo naquela relação e não um mero receptor, uma educação voltada para além das bordas técnicas contando com acompanhamento psicológico e psicopedagógico. Para fazer isso precisamos de todas as instituições sociais juntas, precisamos de mobilizações e de fiscalizações constantes, é um trabalho de formiguinha então? Sim, é. Mas que pode nos gerar resultados incríveis e uma sociedade menos violenta. Investir em educação é investir na mudança de toda estrutura social!

Olhando para os dados de violência contra a mulher podemos ver uma triste realidade. Em 2019 apontavam o Capão Redondo como sendo um dos lugares mais hostis para as mulheres estarem em São Paulo, um pedido de socorro foi feito a cada 20 minutos segundo as pesquisas. O Capão Redondo também é um lugar apontado como ainda desigual, é um lugar onde sabemos que os professores fazem o que podem e o que não podem pra salvar o ambiente escolar, e é lá que começa tudo!

A educação além de poder trazer ascensão social para as mulheres, permitindo-as ter independência, também pode ser a porta para lidar com reproduções de violência que os homens aprendem muito cedo. A escola precisa ser o lugar onde falamos sobre isso, por que se não for lá vai ser onde? Só iremos lidar com isso quando as mulheres morrem?

É claro, precisamos que o Estado faça o trabalho dele, não estou aqui dizendo que temos mãos para isso, contudo já existem nas periferias lugares que procuram introduzir esses assuntos, que tal ajudarmos? Que tal irmos ouvir também?

A educação tem um poder transformador, ela pode libertar e pode ser nossa única arma para diminuir a reprodução de violência, para salvar nossa quebrada e nossas mulheres! Falar em 8 de março, é falar em luta e na quebrada isso é ainda mais denso. A fala tem poder, nossa linguagem, nossas ações são poderosas para as próximas gerações!

“É muito fácil fugir mas eu não vou, não vou trair quem eu fui, quem eu sou. Eu gosto de onde eu tô e de onde eu vim, ensinamento da favela foi muito bom pra mim… Eu não preciso de muito pra sentir-me capaz de encontrar a Fórmula Mágica da Paz…”

Racionais Mc’s, Fórmula Mágica da Paz