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Maternidade e pandemia: por amor a minha filha busquei forças para seguir

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Com todas as dificuldades e desafios nessa jornada de me tornar mãe durante a pandemia de covid-19, eu só posso agradecer pela vida da minha filha, porque foi o amor por ela que me salvou de uma depressão profunda, é o amor por ela que tem sustentado e trazido alegria para a minha família.

Eu preciso iniciar esse texto falando sobre a minha experiência com a gestação em tempos de pandemia. Creio que muitos desafios, tristezas e lágrimas impactaram a vida de todas as mulheres que engravidaram em 2020. Se antes da pandemia, o normal da maternidade era estar rodeada pelos seus e com direito a diversas mãos na barriga para sentir o bebê se mexendo, durante essa crise sanitária que afetou a vida do mundo inteiro, isso não foi possível.

Nenhuma mulher que foi gestante em 2020 pode simplesmente ir a um restaurante, sentar-se, conversar e saciar o desejo de comer aquele tão famoso prato inesperado. Foram e são tempos difíceis que estamos enfrentando. Nada de chá de bebê, abraços, beijos como demonstração de carinho, nada de chá-revelação, como mais uma desculpa de reunir quem se ama em um período tão especial na vida de uma mulher que é a gestação.

No meu caso, durante a gravidez, passei por uma situação que não desejo para ninguém, quanto mais para uma mulher grávida. Por conta da Covid-19, perdi minhas duas irmãs, pois é. Com sete meses de gestação, ao invés de estar pensando no chá de bebê, fazendo todo o enxoval da minha filha, eu estava enterrando minhas duas irmãs num intervalo de 10 dias de falecimento de cada uma.

No enterro das duas eu senti minha bebê mexendo sem parar, ao ponto de precisar ir ao hospital ser medicada e só depois, sentir ela se acalmando dentro de mim. Foi por amor a minha filha que busquei encontrar forças para seguir, foi por amor a minha filha que me alimentava todos os dias sem sentir fome, foi por amor a minha filha que aceitei fazer terapia quando minha amiga Mariana Belmont, junto com a Uneafro Brasil disponibilizaram essa possibilidade para mim, e foi por amor a minha filha e também por amor ao meu companheiro Ronaldo Matos e aos meus sobrinhos, Júlio Cesar 25, e Ana Luiza 12, que resolvi me acalmar, viver e seguir em frente, por mais difícil que fosse lidar com toda a dor que senti e sinto durante esses 7 meses sem ter a minhas irmãs ao meu lado. 

Thais Siqueira durante a gestação/Foto: Flavia Lopes

O parto 

Quando descobri que estava grávida eu já tinha em mente a vontade de ter parto natural. Estava me preparando para isso, fazendo exercícios de pilates, yoga e tudo mais. Após ter perdido minhas irmãs, senti que meu mundo havia desabado na minha cabeça, parecia que o universo estava contra mim, sentia que estava me afogando e tentando lutar contra a correnteza sem sair do lugar.

Nesse período, eu estava me preparando para ser mãe pela primeira vez, e o universo me presenteou com mais dois filhos que são os meus sobrinhos. Prometi para minha irmã que cuidaria dos dois, minha irmã sabia que se algo acontecesse com ela, teria minha irmã Flávia e eu para cuidar dos seus filhos, porém, Deus também levou a Flávia e ficou somente eu aqui para cuidar, orientar e dar todo meu amor e carinho para os meus sobrinhos.

Foi quando decidi que meu parto seria cesárea, pois já sem forças meu maior medo era de passar mal durante o parto, de ter uma crise de choro durante esse processo, já que essas crises não tinham hora e nem lugar para começar.

Um dia antes do nascimento da Alika chorei muito por não ter minhas irmãs ao meu lado num momento tão especial e importante da minha vida. Era difícil não ficar emocionada, eu chorava de um lado, e meu companheiro Ronaldo Matos chorava do outro.

Me internei para seguir com o parto cesárea, minha bebê nasceu no dia 14 de dezembro de 2020. A partir deste momento um sentimento inexplicável tomou conta de mim, sentir minha bebê deitada com a cabeça encostada no meu peito pela primeira vez, seu calor, sua respiração, seu cheirinho é algo que estará guardado para sempre na minha memória e no meu coração.

Thais Siqueira durante o nascimento de sua filha, Alika/Foto: Camila Baby Boom

Foi um dia tranquilo, me sentia cansada pelo processo do parto e ao mesmo tempo energizada com a chegada dela. Porém, no decorrer da noite minha bebê teve uma pequena queda de saturação e precisou ir para a UTI. A enfermeira havia entrado no quarto para pegá-la, mas imediatamente eu levantei cheia de dores por conta da cirurgia do parto cesariana e decidir ir junto, não existia nada no mundo que me fizesse ficar deitada naquela cama enquanto minha filha era conduzida para uma UTI, mesmo que fosse para ficar em observação.

Aquela foi a primeira noite que de um total de 11 dias de muita angústia, choros e tristeza, que eu passei com a minha filha internada na UTI neonatal para recém-nascidos.

Meu coração e minha mente não estavam preparados para ter alta da maternidade sem minha filha nos meus braços. Chorei muito quando tive alta e ela ficou, as enfermeiras tentavam me consolar, mas eu não conseguia lidar com todos aqueles sentimentos.

Durante esse período, todos os dias o Ronaldo e eu saíamos cedo de casa e passávamos o dia inteiro no hospital, esperando as horas que eram liberadas para que pudéssemos ver a nossa filha. Como eu amamentava, conseguia entrar mais vezes e passava mais tempo com ela. Ali, pude sentir e observar a dor das mães que precisam lidar com seus pequenos internados numa Unidade de Terapia Intensiva.

Cada bebê que recebia alta era uma alegria coletiva, e ao mesmo tempo, os olhos dessas mães diziam: “estou feliz por ela e pelo bebê, mas quando será a minha vez, a vez de sentir a alegria de sair daqui com a minha filha?”.

Eu dormia e acordava pensando na minha filha. Nada mais fazia sentido, somente a sua recuperação poderia preencher com vida aquele vazio no peito. 

Thais Siqueira e Alika/Foto: Acevo pessoal, Thais Siqueira

Maternidade 

Depois de tanta dor e tristeza, que somaram a perda das minhas irmãs, mais o fato da minha filha ficar internada na UTI, Ronaldo e eu chegamos no hospital com a notícia de que minha filha finalmente teria alta naquele dia 25 de dezembro de 2020. Meu coração batia tão forte, a vontade que eu tinha era de pegar minha bebê no colo e sair correndo do hospital na mesma hora em que ficamos sabendo do laudo médico.

Alika teve alta no dia 25 de dezembro, data comemorativa que sempre foi importante na vida das minhas irmãs. Para a nossa família foi o melhor presente de Natal, Alika nos trouxe esperança, aconchego, uma leveza na alma depois de tudo que havíamos passado nos últimos meses.

Neste mês de maio que é celebrado o dia das mães, minha filha completa cinco meses de vida eu não vou aqui romantizar a maternidade, pois tudo muda na sua vida, nada jamais será como antes.

São cinco meses de muito amor, cabelos mais despenteados do que penteados, noites mal dormidas e apesar dela já dormir durante a noite toda, meu sono que antes de ser mãe era pesado, tornou-se tão leve que acordo no meio da noite só para olhar e ver se está tudo bem com ela. Sabe aquele velho ditado? Depois que eu fui mãe, nunca mais comi direito. É muito verdade, porque antes da gente as crias vêm em primeiro lugar.

Hoje eu estou buscando conciliar o equilíbrio de ser mãe presente e voltar ao trabalho. Esse processo não é simples, não é fácil. Eu tenho uma rede de apoio, Flavia Lopes e Evelyn Vilhena que são minha família no Desenrola, meus sobrinhos e meu companheiro Ronaldo me ajudam dentro desse processo. Se a mulher tem uma rede de apoio ajuda e muito, porém, se ela não tiver essa rede de apoio se torna mais complicado. Mais complicado ainda por conta da pandemia.

Thais Siqueira e Ronaldo Matos com Alika e família Desenrola/Foto: Acevo pessoal

Maternidade na pandemia 

Thais Siqueira e sua filha Alika / Foto: Marcelino Melo e Arte: Flávia Lópes

Eu gostaria que a minha filha estivesse rodeada de toda a minha família e de todos os meus amigos que me ajudaram no decorrer de todas as coisas que aconteceram. Porém, por conta da pandemia, isso ainda não é possível. E ser mãe durante a pandemia também é mais um desafio que precisamos enfrentar, por aqui, ninguém chega perto e pega a Alika no colo sem lavar as mãos, usar álcool em gel e usar máscara.

Nem o Ronaldo e eu que somos os pais da Alika não pegamos ela no colo sem máscara, é uma triste realidade, mas necessária para preservar a saúde da nossa filha. Não sabemos se a qualquer momento podemos nos contaminar com a covid-19 e passar para nossa bebê, o vírus é invisível, ele não avisa onde está.

Além disso, os passeios com a Alika acontecem somente quando vamos em uma consulta com a pediatra, ela ainda não sabe o que é ir ao parque, mercado ou qualquer outro lugar. Todo cuidado é pouco, mas achamos que é melhor passarmos por tudo isso agora e nos mantermos protegidos, do que renunciarmos à segurança e cuidados com ela, por conta deste momento.

Diferente da realidade de muitas mães, estou voltando ao trabalho e tendo a possibilidade de fazer isso, sem sair de casa, o que me permite mais tempo com a minha bebê, são mamadas, troca de fraldas e banhos durante reuniões por meio do Zoom ou Meet. Às vezes, é preciso pedir uns 5 minutos para agilizar uma coisa aqui e outra ali para não perder o foco da reunião.

Diante de tudo isso posso dizer uma coisa: não podemos romantizar a maternidade, mas também não podemos negar o sentimento, a força, a coragem, a fé e principalmente o amor que sentimos ao sermos mães, é um sentimento tão inexplicável que ao meu ver é um amor divino e genuíno, que só pode vir de Deus para os nossos corações.

Com todas as dificuldades e desafios nessa jornada da vida de mãe, eu só posso agradecer pela vida da minha filha, porque foi o amor por ela que me salvou de uma depressão profunda, foi o amor por ela que tem sustentado e trazido alegria para a minha família.

Então para mim, enquanto mãe, está tudo bem, não comer direito, não dormir, não conseguir me arrumar e todas as dificuldades para encontrar o caminho para lidar com a Maternidade x Trabalho, porque sei que encontrarei o equilíbrio para isso, e está tudo bem, porque o amor que sinto por ela é mais forte do que tudo que já senti na vida.

Marketplace conquista morador e empreendedor da quebrada

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Preços baixos, boa visibilidade e a presença garantida de moradores da quebrada. Esses são os principais atrativos que estão levando empreendedores a criar lojas eletrônicas no Shopee, um shopping digital que vem reunindo uma série de marcas criadas por moradores das periferias.

Gustavo postando seus produto em sua loja virtual (Foto: Fabio Dasmaceno)

Criar uma loja virtual para algumas pessoas pode ser algo comum, que faz parte das estratégias de vendas dentro universo do comércio eletrônico, mas para empreendedores como Gustavo é muito mais que isso. Eles acreditam na criação de uma comunicação estratégica sobre sua identidade e cultura, que busca transferir um valor através de um propósito presente na vida dos moradores das periferias e favelas.

Poderíamos definir essas palavras como construção de marca ou persona, mas para esses empreendedores o real significado vai muito mais além do que um conceito de marketing. E foi assim que Gustavo Damasceno, 19, morador do jardim Guarujá, bairro da zona sul de São Paulo, criou a marca Vestiário da Quebrada.

“Antes do empreendedorismo eu comecei jogando bola, tentando ser jogador, aí veio na minha mente o significado do vestiário né, pois quando os moleques pensam em vestiário eles imaginam o ato de entrar, trocar de roupa e sair pronto para o jogo, entendeu? Aí eu falei: ‘essa vai ser minha fita, essa vai ser minha visão, os moleques e as meninas vão entrar e sair do vestiário prontos para o jogo, vai sair com sua camiseta de time, vai sair com sua lupa, vai fazer aumentar autoestima”, vislumbrou Gustavo, relembrando a inspiração que vem direto do seu cotidiano como morador de quebrada para criar a sua marca de roupas e acessórios.

Segundo o empreendedor, ele migrou sua loja do Mercado Livre paro o Shopee, por apostar nas taxas que são menores e no potencial de venda do novo marketplace que vem chamando a atenção de consumidores e empreendedores das periferias. “No começo desse ano eu usava o Mercado Livre e trabalha só com lupa, como eu disse é enxuto, eu sabia que lupa era uma coisa que tinha mais procura, fiz pesquisa de mercado antes claro, e soube que esse era o melhor produto pra eu vender, então comecei a trabalhar só com óculos, criei um Instagram chamado Lab Lupas, que é o nome que do perfil até hoje, só que eu vi essa oportunidade da Shopee que tem taxas baixas, onde eu poderia estar vendendo mais e atraindo mais o meu público, então eu migrei pra ela”, relata Damasceno..

Após migrar para o marketplace, o criador da Vestiário de Quebrada conta que passou a identificar um potencial de público formado por moradores da quebrada. “A diferença que eu percebo na Shopee é que ela agrega mais o público da periferia, uma coisa que atrai muito são os preços baixos no início desta plataforma entendeu, e assim, quem vem de onde a gente vem não costuma comprar roupa original, costuma comprar réplica certo, comprar no Brás, final de ano é Brás, naquele pique”, afirma o empreendedor, resgatando uma cultura periférica do morador consumir roupas com cara de original, mas que na verdade são réplicas de marcas bem conhecidas.

Ele também conta que já percebeu mudanças significativa em suas vendas dentro da plataforma e principalmente no comportamento do público. “Depois que a Shopee começou a passar na TV está vindo mais pessoas das periferias. Eu já estou vendo o pessoal me chamar por gíria, assim como no Instagram, agora estou sentindo que a periferia está mais presente”, conta Gustavo.

O empreendedor faz questão de enfatizar que não atende somente o morador da quebrada e que adapta o seu estilo de venda a qualquer perfil de cliente. “Independentemente de ser voltado pra quebrada, eu trago adaptabilidade no sentido que por mais que a cultura seja daqui eu também acabo atraindo pessoas que tem um pouco mais de dinheiro, que vem comprar na minha loja e mandam mensagens em uma linguagem diferente, na qual eu como vendedor me adapto ao vocabulário deles”, explica.

Perguntamos para Gustavo se ele sentiu que seus produtos tiveram algum tratamento desigual devido ao fato dele alcançar diferentes perfis de públicos dentro das plataformas digitais, e a resposta do empreendedor foi inspiradora. “Essa parada de discriminação eu não senti, eu não recebi nenhuma mensagem, pelo fato de eu ir diretamente no meu público-alvo né, que é o pessoal daqui”, revela, ressaltando novamente sua estratégia de trabalhar em comunidade para fortalecer sua rede de consumidores.

Do ponto de vista de Gustavo, a internet foi uma ferramenta transgressora que contribuiu para o desenvolvimento de suas habilidades alinhadas com sua identidade como morador da quebrada. “Para negócios online, a internet nos dá a possibilidade de criar e ser quem a gente é, tá ligado”, opina. Ele complementa sua linha de raciocínio enfatizando que sua história pode inspirar o surgimento de outras marcas e empreendedores.

“Eles querem que a gente não tenha conhecimento, querem que a gente não estude, então a gente tem que estudar tio, a gente tem que usar a internet como meio de conhecimento, e através desse conhecimento agregar para a sociedade, independentemente de como for, precisamos nos tornar uma pessoa melhor”, conclui o empreendedor da quebrada.

“Não tenho acompanhamento psicológico”: a saga de Malúe Aba Dias para sobreviver na pandemia

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No retorno da série Relatos LGBTQIA+, a artista Malúe Aba Dias, moradora do Jardim João XXIII reflete sobre o futuro de pessoas não binárias na quebrada e o impacto da pandemia no seu direito de existir.

“Sou uma pessoa não binária e androssexual”, define Malúe Aba Dias, 21, artista que mora no Jardim João XXIII, zona oeste da cidade de São Paulo. Ela atua no movimento cultural do território onde vive, realizando saraus em espaços públicos, peças de teatro e outros eventos de cunho político e artístico.

Malúe vive com a família, na qual, mora com a sua avó, primos e o seu pai. A artista conta que ao todo convive com sete pessoas dentro de casa, e relata como é a convivência diária com os parentes, que pouco compreendem as questões de gênero e sexualidade que impactam a vida de uma pessoa não binária.

“Sempre tive um maior contato com as mulheres de casa, minha vó e minha tia, ao todo sete pessoas divididas em três casas, eu, meu pai na primeira casa, a família do meu tio na segunda, minha vó na terceira, a convivência entre eles, eu acho natural e normal, claro, todos cis, o igual se conhece e se trata muito bem, agora comigo é diferente”, diz a artista.

Segundo a moradora do Jardim João XXIII, o processo de se assumir uma pessoa não binária começou em 2018, e de lá para cá muitas coisas mudaram a sua visão de mundo. “Me assumi em 2018, me entendia como cis, usava o nome de registro, ainda me sentia atraído por mulheres, foi um choque aqui em casa, nunca pensariam que pudesse ter alguém diferente em casa, mas fui me entendendo de outras formas, hoje entendo que sou trans não binaria, atraído por homens, que se chama Malúe, mas aqui em casa não me chamam pelo nome, já tentei explicar, gritar, mas não adianta, sei que não vão evoluir”, descreve.

A maneira como é tratada pela família, por mais normal que pareça para os parentes mais próximos, deixa marcas na trajetória de vida de Malúe, que vive um constante processo de construção de identidade. “Me enxergam com outros olhos, cuidam de mim de outras formas, mas na mente e emoção deixam de lado, às vezes me sinto sozinha, por não poder contar tudo para eles, pois vão me julgar e dizer que não é certo, eu sei que é sim, este sou eu, queira eles ou não, não vou voltar pra um armário que vivi por 19 longos anos, um dia sairei daqui e vou voar que nem uma borboleta”, afirma.

O pronome pessoal em terceira pessoa ‘ele ou ela” não se encaixa de maneira apropriada para se referir a o gênero não binário, pelo fato das pessoas que assumem essa identidade de gênero não se reconhecem como homem ou mulher, portanto, se identificam como um gênero neutro. Essa compreensão abre margem para que a forma de se referir a elas mude por completo.

Malúe faz questão de explicar o que é androssexual e conta como enxerga seu corpo. “É quase homossexual, mas como não me entendo como homem não seria assim, ou seja, androssexual é uma pessoa que sente atração por homens, seja trans ou não. Sou uma pessoa preta, gorda, forte, que sempre está em mudança, ama cantar, canto desde sempre, mas profissionalmente desde 2019.”

Como será o futuro? 

A maior preocupação que atravessa os pensamentos de Malúe é sua condição socioeconômica, que parece não dar sinais de melhora. “Eu acho que a maior dificuldade é não ter um emprego, não poder ter uma estabilidade financeira, ajudar em casa, comprar roupas e makes, porque tendo essa pequena estabilidade, você saindo pra trabalhar, comprar suas coisas, seu equilíbrio emocional, no meu caso, vai se igualando, angústia e medo vão indo embora por alguns momentos”, argumenta.

Mesmo diante desse cenário, a artista não deixa enxergar o futuro. “Eu estou tentando enxergar as coisas daqui para frente de uma forma positiva, que vamos sair dessa, já passamos por outras pandemias, não tirando a importância e letalidade que a covid-19 tem, creio que a sociedade em questão de direitos vai ser muito difícil de mudar, principalmente o patriarcado que está enraizada em nós, mas acho que com luta, com pessoas pretas, mulheres, indígenas, LGBTQIA+ nos altos cargos de governo, com todos unidos vamos alcançar algo muito bom no futuro”, reflete.

Atenta a sua contribuição para o universo artístico, Malúe fala sobre a importância de se preparar para aprimorar seus conhecimentos, visando um futuro coletivo para quem faz cultura na quebrada. “Eu espero me aperfeiçoar mais na arte que eu estou fazendo, tentando passar meu cotidiano e de muitos outres, através da arte, na música e dança, tenho essa esperança, meu futuro é a arte”, enfatiza.

O isolamento social e o corpo LGBTQIA+ 

Em meio a pandemia de coronavírus, muitas famílias estão construindo ou não laços de afeto que não eram exercitados da melhor forma antes do isolamento social. Nesse cenário, a artista destaca como a convivência familiar está afetando a sua saúde emocional. “Eu estou um turbilhão de coisas, são muitas coisas mesmo dentro de mim, é preocupação em arranjar um trampo e fazer as tarefas que já temos que fazer dentro das nossas vidas”, relata.

Aba Dias lembra que outro fator que mexe com sua estrutura emocional é a forma como os familiares demonstram se importar com você. “Dentro de casa se importam comigo, mas de uma forma que impede minha existência, eu tento entendê-los, mas não tenho nenhum acompanhamento psicológico, conheço pouco, mas também nem procurei muito, acho que por falta de tempo e dinheiro para me preocupar sabe.”

A aceitação do gênero e da sexualidade é um dos pontos que mais afetam o bem-estar da artista, que vive em busca de um apoio para lidar com situações adversas do cotidiano. “Para uma pessoa como eu, que se vê sozinha dentro de casa, não tendo a aceitação de quem se convive todos os dias, é complicado demais, porque não vemos ali um apoio, vemos os mesmos olhos julgadores que na rua, e ficar presa dentro de casa vai nos afetar com ansiedade, depressão e muitos outros distúrbios mentais”, avalia.

O dilema da não aceitação dentro de casa causa impactos severos na artista, como por exemplo, a necessidade de sair de casa para conseguir respirar outros ares. “Eu tenho ansiedade e essa falta de aceitação dentro de casa me faz sair, mesmo na pandemia eu sigo tendo todos os cuidados e usando todos os protocolos, máscara, álcool em gel, graças aos deuses não peguei esse maldito vírus, fico triste por ver jovens como eu não ligando realmente pra isso, saindo pra longe sem máscara e sem distanciamento, mas fazer o que, não temos uma mansão, uma piscina dentro de casa pra ficar, não tem nada que nos faça manter-se em casa”, avalia Malúe. 

Malúe Aba Dias mora no distrito do Jardim João XXIII, território onde ela afirma se sente mais segura. 

Me sinto mais segura aqui na minha quebradinha

Malúe Aba Dias, 21, moradora do Jardim João XXIII, zona oeste da cidade de São Paulo

Desde 1999, a artista mora no Jardim João XXIII, território que Malué considera o “fundão da zona oeste”. No seu ponto de vista, um dos diferenciais do bairro onde mora é a união entre os moradores.

“Sinto que o povo aqui de certa forma é unido, quase todo final de semana tendo um baile, um churrasco (infelizmente ainda nesta pandemia), gosto dessa união, aqui não vemos muita cultura, como há em outras regiões, até tem, mas geralmente os artistas ficam dentro de suas casas e vão se apresentar fora daqui”.

É no Jardim João XXIII que Malúe encontra sua rede de apoio, formada pelos próprios moradores do território. “A minha roda de amigos reside aqui, são quase que meus vizinhos, todos LGBT’s, são a minha rede de apoio, querendo ou não, são eles que me aceitam do jeito que sou, e uma parte dessa rede também é a minha família, que me fez ser que eu sou hoje, me deu fundamentos para ser a Malúe, mesmo eles não me aceitando eu os agradeço, sem eles não estaria aqui, mas eu e os amigues sempre estamos em alguma ação cultural aqui, mas é difícil, é um bairro que não teve uma inserção cultural antes, mas seguimos tentando e vamos conseguir”, conta, afirmando que neste momento está preparando uma proposta de projeto para o VAI, programa de valorização de projetos culturais destinado a coletivos artísticos das periferias de São Paulo.

Ao analisar a forma hostil como a cidade de São Paulo trata a população LGBTQI+, Malúe garante que se sente à vontade para circular em sua quebrada, mas que esse sentimento muda quando pensa em outras regiões da cidade. “Pensando na São Paulo toda, querendo ou não me sinto mais segura aqui na minha quebradinha, estou rodeada por pessoas que já me conhecem e de alguma forma vão correr por mim e vice-versa, o centro é mais aleatório, um corpo como o meu, preto, lgbt, ainda é um alvo, pensar como vou me vestir, me portar, não digo que nas margens não é assim também, porque tem seus casos, mas é algo que não acontece todo hora”, acredita. 

Jardim João XXIII – Zona Oeste ( Foto: Malúe Dias)

Canto pra que a pele preta e lgbt sempre estejam em nossos ouvidos

Malúe Aba Dias, 21, moradora do Jardim João XXIII, zona oeste da cidade de São Paulo 

A arte de cantar faz parte do processo de construção social e política de Malúe. A poética do canto a motiva a seguir em frente, para espantar suas frustrações. “A arte me fortalece muito, é nela que despejo minhas frustrações, alegrias, lágrimas, sorrisos, a arte está na minha raiz, nós pretos criamos o pop, jazz, blues e o rock, tornamos possível a ida do homem branco à lua. Eu canto para espantar os maus, canto para que a pele preta e lgbt sempre estejam em nossos ouvidos”.

Mas foi em um espaço de formação audiovisual que aconteceu o processo de percepção e construção de identidade da artista. “Fazer um curso do Instituto Criar, um curso de audiovisual voltado para pessoas pretas e que moram nas margens foi um boom na minha mente e no meu jeito de ser, conheci pessoas trans, lésbicas, gays, e ali fui entendendo que eu não era cis, muito menos bissexual, e que era tudo bem ser assim”, afirma.

Relembra que com cerca de 10 anos já percebia que tinha um comportamento diferente dos outros ditos meninos. Na escola sempre andava com as meninas e já sabia que sentia algo pelos meninos.

“Eu reprimia isso demais porque achava que era algo ruim e que não iriam me amar”, conta o artista, relembrando que antes do ano de 2019 nunca teve contato com pessoas Lgbts., e que a partir do curso, sua vida ganhou outro sentido para construir uma história livre de estereótipos e pressões psicológicas.

Motorista de ônibus do Grajaú usa Tik Tok para mostrar amor pela profissão

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Morador do Grajaú afirma que seu cotidiano mudou há um ano, após a descoberta do aplicativo de vídeos curtos e gostar da experiência de mostrar o seu trabalho nas redes sociais.

Jefferson Oliveira filmando seu onibus de trabalho (Foto Ramildo Francisco)

O Tik Tok tem revelado muitos moradores das periferias que tem a habilidade de contar histórias de vida carregadas de vivências sociais e culturais, por meio de vídeos que duram no máximo 15 segundos. O roteiro e o cenário desses vídeos são baseados no cotidiano do morador da quebrada, característica que vem chamando a atenção e engajando muitos seguidores em pouco tempo.

Esse é um pequeno resumo da história do Tik Toker Jefferson Oliveira, 36, morador do Jardim Reimberg, bairro localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo. Ele conta que tudo começou como uma brincadeira e hoje se tornou um movimento importante para ele revelar o amor pelo seu trabalho. “Uma simples brincadeira se tornou um hobby de quase 4.200 seguidores, e cada dia estou conquistando mais seguidores fazendo o que eu gosto né, que é dirigir, e sou apaixonado pela minha profissão, tudo que você faz com amor é carinho sai bem feito né “, afirma o motorista.

O morador do Grajaú conta que trabalha como motorista de ônibus há 10 anos, mas foi há cerca de um ano que ele criou o perfil no Tik Tok chamado @Robozao920, que hoje possui 4.532 seguidores. Suas postagens têm mais de 30 mil likes. O público do que interage com seus vídeos assiste a rotina de um condutor de transporte público que acima de tudo ama o que faz e se preocupa com o bem-estar dos seus passageiros e com as adversidades no trânsito da cidade.

Confira o perfil do motorista no Tik Tok.

“Baixei o aplicativo por um acaso há mais ou menos um ano, porque eu sempre gosto de conhecer aplicativos novos, e de uma brincadeira se tornou um hobby fazer os vídeos, divulgar meu trabalho, a paixão que sinto por ônibus, não só por ônibus, mas por carro em geral”, relata Oliveira.

Ao falar sobre aa experiência de produzir pequenos vídeos sobre o seu cotidiano, o motorista enfatiza que um dos principais assuntos recorrentes nos vídeos aborda o cuidado em dirigir um veículo motorizado que está presente na vida de diversas pessoas periféricas, que o acompanha durante algumas horas do dia na ida e volta para casa.

“Eu cuido dele como se fosse meu, até minha esposa às vezes tem ciúmes dele de tanto que eu cuido desse carro, cuido até demais”, confessa Oliveira, demonstrando sua paixão pelo ônibus, que ele apelidou com um nome curioso e explica o seu significado. “Chamo de Robozão porque é um ônibus de 23 metros, que na cidade de São Paulo não é tão comum, é um ônibus grande, e 920 , porque é o prefixo dele, é o número de identificação dele e da empresa, então a gente apelidou ele de robozão920”, descreve.

Oliveira relata que não prepara um roteiro ou cronograma de posts para produzir seus conteúdos, pois o objetivo é ser bem natural e rotineiro. “Geralmente é espontâneo. Eu vejo oportunidade de fazer os vídeos, eu viciei em fazer os vídeos, então do nada, quando eu vejo a oportunidade de fazer os vídeos eu já estou fazendo “, conta.

Ele revela que também recebe alguns vídeos de pessoas que transporta no dia a dia e que compartilham do mesmo cotidiano. “Algumas pessoas me enviam os vídeos ou quando eu passo na rua algumas pessoas que me conhecem fazem o vídeo e me enviaram pelo WhatsApp”.

Atento às leis de trânsito e a segurança do público que transporta, Oliveira diz que quando o veículo está em movimento pela cidade recebo apoio do cobrador para realizar as filmagens. “Eu tenho auxílio do cobrador que trabalha comigo, ele me ajuda também nas gravações, que geralmente precisa de uma segunda pessoa gravando, mas é espontâneo”.

Oliveira finaliza a entrevista explicando que não se considera um sujeito criativo, ele nos conta que a sua presença no Tik Tok vem da habilidade que ele desenvolve a cada dia como motorista de ônibus. “Na nossa profissão cada dia é um conhecimento novo que a gente aprende, é uma situação nova, a gente acaba aprendendo a lidar com aquela situação, é com a habilidade no volante que você aprende, você nunca sabe tudo, você sempre vai aprendendo como lidar com situações diferentes, como se comportar, habilidade e conhecimento eu digo que vem do fato de eu trabalhar com um ônibus moderno com a grande tecnologia embarcada “, conclui. 

Motorista de ônibus do Grajaú usa Tik Tok para mostrar amor pela profissão

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Morador do Grajaú afirma que seu cotidiano mudou há um ano, após a descoberta do aplicativo de vídeos curtos e gostar da experiência de mostrar o seu trabalho nas redes sociais.

Jefferson Oliveira filmando seu onibus de trabalho (Foto: Ramildo Francisco)

 O Tik Tok tem revelado muitos moradores das periferias que tem a habilidade de contar histórias de vida carregadas de vivências sociais e culturais, por meio de vídeos que duram no máximo 15 segundos. O roteiro e o cenário desses vídeos são baseados no cotidiano do morador da quebrada, característica que vem chamando a atenção e engajando muitos seguidores em pouco tempo.

Esse é um pequeno resumo da história do Tik Toker Jefferson Oliveira, 36, morador do Jardim Reimberg, bairro localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo. Ele conta que tudo começou como uma brincadeira e hoje se tornou um movimento importante para ele revelar o amor pelo seu trabalho. “Uma simples brincadeira se tornou um hobby de quase 4.200 seguidores, e cada dia estou conquistando mais seguidores fazendo o que eu gosto né, que é dirigir, e sou apaixonado pela minha profissão, tudo que você faz com amor é carinho sai bem feito né “, afirma o motorista.

O morador do Grajaú conta que trabalha como motorista de ônibus há 10 anos, mas foi há cerca de um ano que ele criou o perfil no Tik Tok chamado @Robozao920, que hoje possui 4.532 seguidores. Suas postagens têm mais de 30 mil likes. O público do que interage com seus vídeos assiste a rotina de um condutor de transporte público que acima de tudo ama o que faz e se preocupa com o bem-estar dos seus passageiros e com as adversidades no trânsito da cidade.

“Baixei o aplicativo por um acaso há mais ou menos um ano, porque eu sempre gosto de conhecer aplicativos novos, e de uma brincadeira se tornou um hobby fazer os vídeos, divulgar meu trabalho, a paixão que sinto por ônibus, não só por ônibus, mas por carro em geral”, relata Oliveira.

Ao falar sobre a experiência de produzir pequenos vídeos sobre o seu cotidiano, o motorista enfatiza que um dos principais assuntos recorrentes nos vídeos aborda o cuidado em dirigir um veículo motorizado que está presente na vida de diversas pessoas periféricas, que o acompanha durante algumas horas do dia na ida e volta para casa.

“Eu cuido dele como se fosse meu, até minha esposa às vezes tem ciúmes dele de tanto que eu cuido desse carro, cuido até demais”, confessa Oliveira, demonstrando sua paixão pelo ônibus, que ele apelidou com um nome curioso e explica o seu significado. “Chamo de Robozão porque é um ônibus de 23 metros, que na cidade de São Paulo não é tão comum, é um ônibus grande, e 920 , porque é o prefixo dele, é o número de identificação dele e da empresa, então a gente apelidou ele de robozão920”, descreve.

Oliveira relata que não prepara um roteiro ou cronograma de posts para produzir seus conteúdos, pois o objetivo é ser bem natural e rotineiro. “Geralmente é espontâneo. Eu vejo oportunidade de fazer os vídeos, eu viciei em fazer os vídeos, então do nada, quando eu vejo a oportunidade de fazer os vídeos eu já estou fazendo “, conta.

Ele revela que também recebe alguns vídeos de pessoas que transporta no dia a dia e que compartilham do mesmo cotidiano. “Algumas pessoas me enviam os vídeos ou quando eu passo na rua algumas pessoas que me conhecem fazem o vídeo e me enviaram pelo WhatsApp”.

Atento às leis de trânsito e a segurança do público que transporta, Oliveira diz que quando o veículo está em movimento pela cidade recebo apoio do cobrador para realizar as filmagens. “Eu tenho auxílio do cobrador que trabalha comigo, ele me ajuda também nas gravações, que geralmente precisa de uma segunda pessoa gravando, mas é espontâneo”.

Oliveira finaliza a entrevista explicando que não se considera um sujeito criativo, ele nos conta que a sua presença no Tik Tok vem da habilidade que ele desenvolve a cada dia como motorista de ônibus. “Na nossa profissão cada dia é um conhecimento novo que a gente aprende, é uma situação nova, a gente acaba aprendendo a lidar com aquela situação, é com a habilidade no volante que você aprende, você nunca sabe tudo, você sempre vai aprendendo como lidar com situações diferentes, como se comportar, habilidade e conhecimento eu digo que vem do fato de eu trabalhar com um ônibus moderno com a grande tecnologia embarcada “, conclui. 

Afetos em pandemia

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Pense num texto que já de início, é um desafio escrever. Refletir e mergulhar em meio a sentimentos tão conturbados e atravessados. Vamos, se achegue aqui comigo, vai que temos algo pra trocar!?

Campo Limpo, São Paulo, 2015 – Foto: @DicampanaFotoColetivo

Nesses últimos dias tenho percebido a cria bem mais dengosa, manhosa, birrenta. Às vezes é comum do crescimento, construímos e experimentamos variados dramas de controle (pesquisa sobre, é massa) para atender nossas demandas de fome, afeto, prazer, higiene, dentre outras coisas. Então nesse balaio tem choro, tem birra, tem às vezes até uma febre, que alguns ainda adultos também têm, só para termos aquele colinho bom, aquele cuidado e uma atenção maior dedicadas a nós.

Em meio a isso, essa pandemia nos tira do convívio social, da interação tão básica e estruturante de nos tornar humanos, as crianças brincando na rua, a relação com crianças mais velhas e mais novas, nos instigando, provocando a curiosidade, a ousadia, nos levando a experimentações de nós mesmos e de nós com o outro.

Isso tudo nos dá prazer, alegria, ânimo, disposição e para a cria não é diferente. Estar somente com seus pais, as vezes repetidas vezes com as mesmas brincadeiras, brinquedos, ambientes, gera estresse, desgaste. Num momento tão criativo, tão sensível e desejoso de estímulos para compor e nos estruturar no caminho do crescimento.

Por outro lado, o do pai, fico buscando (já que sou autônomo) trabalhar mais na semana que não estou com ele, para que em nossa semana juntos, possa dedicar maior tempo a ele. Mas esse não é o mundo real, as agendas de trabalho não são construídas com base unicamente em nossas necessidades particulares, então sempre tem um demanda, uma agenda, uma reunião para fazer, um cliente para atender e a necessidade do apoio familiar para ficar com a cria, já que ainda não tem creche com todo mundo vacinado e segurança garantida em meio a variações de cepas e humores governamentais, diga-se de passagem.

Moro ao lado da casa da minha mãe, consigo, as vezes, demandar um dia da semana para focar mais no trabalho, mas é engraçado como as dinâmicas me afetam, por exemplo:

  1. Se minha irmã desce para minha casa e me ajuda cuidando dele aqui, metade da minha atenção está voltada para o trabalho e outra metade, senão 70%, aos sons que a cria ta fazendo, chamando papai, chorando, não querendo comer, não querendo tomar banho ou dormir, coisas que você sabe – se eu fizer assim, assado, talvez dê para dar só um pulinho ali e dar uma atenção para ele.
  2. Já se ele sobe e fica na casa da vó, eu consigo focar mais, mas ao mesmo tempo, trabalhando uma parte com a cabeça na cria e outra parte na agenda depois que pegar a cria.

 

Primeiro que eu só tenho a agradecer, que mesmo em pandemia, tenho uma rede de apoio próxima, a menos de um minuto. Sei que uma par de manas, monas e manos estão com suas famílias longes e é maior corre.

Mas seguindo! Por esses dias tenho pensado: “puxa cara, se está com sua mãe, foca, ou mesmo, se está próximo ouvindo, foca, confia, entrega”.

Uma parte é controle, uma parte é culpa de não estar 100% toda hora, outra parte é dengo mesmo rs. Mas há também o que trouxe nas primeiras linhas, em meio a pandemia a criança está mais constante com os pais, cortar o cordão umbilical fica sendo mais difícil. Ouvi de uma amiga: “Dimas, são as crianças da pandemia”. Nossas crianças em sua maioria estão isoladas e restringidas em sua relação com o mundo, isso torna ainda maior e mais intensa a referência pai/mãe/pãe.

Nesse vuco todo, que até o texto ficou muvucado, não tenho conclusão, só um compartilhar de momento e buscando refletir, me dizer que está tudo bem não estar todas as horas do dia voltado a cria, ou ver ele chorando porque tu foi ali comprar uma fralda, faz parte e é necessário, mesmo neste contexto atual, dialogar e construir com a criança um entendimento desses processos, para que ela possa entender os diferentes momentos e demandas que nos vêm.

Desenrola indica 4 espetáculos de teatro gratuitos para assistir online

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Separamos quatro peças de teatro que estão com exibição gratuita e online durante as próximas semanas e são realizadas por grupos que atuam a partir dos territórios e contextos periféricos.

Espaço Clariô – Foto: Fernando Solidade

Como forma de continuar oferecendo ao público acesso à cultura e lazer de maneira segura durante a pandemia de covid-19, muitos artistas da quebrada adaptaram seus trabalhos para o formato online. O mesmo aconteceu com grupos e coletivos do teatro, que passaram a produzir e distribuir seus espetáculos para o público, por meio de plataformas online.

O Desenrola selecionou quatro espetáculos que estão acontecendo de forma online e que são gratuitos para você acompanhar ao longo dos próximos dias. As apresentações abordam desde temas como relações familiares até a obra de Carolina Maria de Jesus. Além das peças que estão previstas para acontecer nos próximos dias, os grupos possuem outros espetáculos e atividades que desenvolvem ao longo do ano. Confira:

Jardim Vertical – Grupo Pandora 

Segundo o grupo, o espetáculo retrata a realidade de uma família que opta por se isolar do mundo exterior em um seguro apartamento no quadragésimo sétimo andar de um edifício, trazendo à tona aspectos significativos da sociedade. A peça reflete sobre as relações familiares na contemporaneidade e a falsa ideia de segurança.

O espetáculo acontece entre os dias 22 e 27 de abril, com sessões às 17h, 19h e 21h, pela plataforma Zoom. A atividade faz parte do projeto aprovado pelo Edital Proac Expresso Lei Aldir Blanc. Clique aqui e adquira o ingresso gratuito.

Sediado no bairro de Perus, região noroeste de São Paulo, o Grupo Pandora de Teatro possui 17 anos de atuação e tem como uma de suas abordagens artísticas a história do bairro de Perus e do Brasil, suas injustiças sociais e suas problemáticas, através de uma intervenção poética que exalta a força da teatralidade. Há cinco anos, o grupo ocupa o Cine Teatro Pandora – Ocupação Artística Canhoba, espaço público que foi transformado por coletivos culturais de Perus em um polo cultural aberto ao público, fortalecendo o fazer artístico como um ato social e político dentro do bairro.

Serviço: “Jardim Vertical”

Datas:

22 de abril de 2021 (quinta-feira) sessões às 17h e 21h

23 de abril de 2021 (sexta-feira) às 21h

24 de abril de 2021 (sábado) sessões às 17h e 21h

25 de abril de 2021 (domingo) às 19h

26 de abril de 2021 (segunda-feira) às 21h

27 de abril de 2021 (terça-feira) sessões às 17h e 21h

Onde? Link para ingresso online e gratuito

Siga nas redes sociais: Instagram Grupo Pandora

Um canto para Carolina – Cia dOs Inventivos 

A companhia volta a apresentar, agora de forma online, o espetáculo infanto-juvenil “Um canto para Carolina”, inspirado no livro “Quarto de despejo”, uma das principais obras da escritora Carolina Maria de Jesus. As apresentações desta temporada vão até o dia 27 de abril e estão sendo exibidas através do canal do Youtube da companhia.

A peça será apresentada para grupos agendados como Escolas, Fábricas de Cultura e Etecs, mas parte dos ingressos será aberto para o público em geral. Para a realização do espetáculo, o grupo foi contemplado pelo edital Proac Lab Expresso.

A Cia dos Inventivos atua no movimento do teatro de rua desde 2008 e constroem seus repertórios a partir da estética e aprofundamento no movimento.

Serviço: “Um canto para Carolina”

Datas: Temporada abril de 2021, próximas datas.

20/04 – 10h

21/04 – 10h

23/04 – 09h30

27/04 – 9h

Onde? Youtube Cia dos Inventivos.

Siga nas redes sociais: Instagram Cia dOs Inventivos.

Para mais informações enviei e-mail para: espacoculturalinventivo@gmail.com

Memórias da Rabeca – Cia. Mundu Rodá 

A Cia. Mundu Rodá está apresentando o espetáculo “Memórias da Rabeca”. Segundo o grupo, a peça busca exaltar a poética de rabequeiros brasileiros e a luta pela preservação dessa cultura, onde o espetáculo fala sobre memórias guardadas por sete rabecas, falando sobre histórias, personagens e memórias de rabequeiros brasileiros, colocando em foco dinâmicas das relações entre o humano e a rabeca.

Ao final de cada apresentação o grupo realiza um bate-papo com integrantes da equipe de criação do espetáculo e mestres rabequeiros convidados. O espetáculo tem tradução em libras e acontece através do facebook e youtube do grupo, sempre às 19h.

Serviço: Memórias da Rabeca

Datas: 16 a 21 de abril de 2021, às 19h00.

Onde? Facebook e Youtube da Cia Mundu Rodá

9° Mostra Internacional Mario Pazini de Teatro do Gueto – Grupo Clariô de Teatro 

O Grupo Clariô de Teatro deu início no dia 17 de abril a 9° Mostra Internacional Mario Pazini de Teatro do Gueto. A programação vai até dia 29 de abril e conta com espetáculos, shows e debates com a participação de artistas convidados. A mostra será transmitida pelo canal do youtube do Espaço Clariô, sempre às 20h.

Além da participação de companhias de teatro de São Paulo, como a Cia Os Crespos, Coletivo Negro e Cia do Sal, a mostra também terá a participação de companhias de outros estados e países, como o Grupo Formosura do Ceará, e Fundação Olho D’Agua da Colômbia.

Com quase 20 anos de história, o Grupo Clariô de Teatro pensa e produz no cenário artístico a partir de sua ligação e atuação nas periferias. O trabalho do grupo está enraizado no município de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo, local onde desde 2005 o grupo mantém sua sede, que se tornou um espaço de referência cultural no território, abrigando diversas outras iniciativas.

Serviço: 9° Mostra Internacional Mario Pazini de Teatro do Gueto

Datas:

Dia 19 De Abril – Núcleo Toada – Sp | Pagu, Anjo Incorruptível | Classificação 12 Anos

Dia 20 De Abril – Grupo Caras Pintadas – Mg | Mata Rasteira |Classificação Livre

Dia 21 De Abril – Grupo Formosura – Ce | Duplicité | Classificação Livre

Dia 22 De Abril – Mesa “Teatro De Guetos Em Tempos De Isolamento” | Convidades: Emilce Gonzales / Daniel Veiga / Luiz Carlos Laranjeiras / Interprete Espanhol: Juan Velasquez / Mediação: Naloana Lima | Classificação Livre

Dia 23 De Abril – Coletivo Negro – Sp | Preta Rainha | Classificação 14 Anos

Dia 24 De Abril – Fundação Olho D’água – Colômbia |Wüin, Agua En Wayunaiki | Classificação Livre

Dia 25 De Abril – Grupo Famíla – Sp | Canto De Fraldas | Classificação Livre

Dia 26 De Abril – Barbara Leite Matias – Cariri/Ce | Cardinal | Classificação Livre

Dia 27 De Abril – Cia De Teatro De Bonecos Vira Toco – Ba | Zaiza E A História Do Tear | Classificação Livre

Dia 28 De Abril – Cia Do Sal – Sp | Macacos | Cia Do Sal | Classificação 14 Anos

Dia 29 De Abril – Lenna Bahule – Moçambique | Show: Mcika | Classificação Livre

Onde? Youtube Espaço Clariô. Instagram Grupo Clariô.

Essas são algumas das peças que irão rolar nos próximos dias, mas as companhias continuam criando e estreando espetáculos durante o ano todo.

Coletivo Coletores vira referência de vídeo projeção nas periferias

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Artistas visuais mostram como a técnica do vídeo projeção que se tornou parte da paisagem de prédios no centro de São Paulo durante a pandemia, pode ganhar as quebradas e se transformar em uma linguagem artística e autônoma para informar moradores. 

A criatividade dos artistas visuais Toni Baptiste, 36, e Flávio Camargo, 44, transformou a técnica elitizada de vídeo projeção em linguagem artística voltada para as periferias da cidade de São Paulo. Juntos, eles formam o Coletivo Coletores, um dos principais precursores desta linguagem que foi disseminada ainda mais por conta da pandemia de covid-19.

Com restrições à circulação de pessoas pela cidade, a vídeo projeção conquistou as ruas e foi exibida pelas redes sociais e canais de streaming. A ocupação da cidade com arte e tecnologia foi alcançando as telas dos celulares e é tema de uma formação gratuita e virtual ministrada pelo Coletores e realizada pelo Centro de Mídia M’ Boi Mirim, espaço de trabalho compartilhado e formação para comunicadores das periferias.

Os artistas formaram o coletivo em 2008, durante a graduação em Artes Visuais e ambos eram professores da rede pública. “Quando conhecemos a vídeo projeção, tínhamos menos recursos do que temos hoje. Compramos projetor para dar aula e usamos este mesmo projetor para fazer as nossas ações artísticas”, conta Toni Baptiste, que é morador da Vila Flávia, bairro do distrito de São Mateus, zona leste de São Paulo.

A vídeo projeção na pandemia  

Em março de 2020, momento que marcou a chegada da pandemia nas periferias de São Paulo, todas as atividades que o Coletores tinha programado foram canceladas. Como muitas das famílias das periferias, os artistas tiveram parentes e vizinhos infectados e também vítimas da covid-19.

Com o distanciamento social, foi possível acompanhar pelas redes sociais que muitos grupos que trabalham com vídeo projeção em uso comercial ou de entretenimento, passaram a utilizar a técnica para trazer mensagens de conforto e reivindicações no contexto da pandemia.

“A maioria dessas projeções eram no centro de São Paulo, de pessoas que moravam em apartamentos na região e que tinham uma vista privilegiada, para que elas pudessem da própria janela ter um grande paredão para projetar. Essa informação circulava apenas no circuito da vídeo projeção e quando tinha uma mensagem conveniente, a grande mídia divulgava”, conta Toni sobre como essas ações eram restritas e não dialogavam com as periferias.

Ainda em 2020, surgiu um convite do CPDOC Guaianás (Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Guaianás) para fortalecer uma manifestação contra a reabertura de um shopping em Itaquera, zona leste. Além dessa pauta, a manifestação também reivindicava um hospital de campanha na zona leste, que era na época a região do estado de São Paulo onde mais havia vítimas de coronavírus. Com equipamentos simples, o Coletores fez de forma independente nesta manifestação a “projeção de guerrilha”, que também é um dos temas da formação ministrada em parceria com o Centro de Mídia M’Boi Mirim.

Em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, o coletivo também fez uma outra ação de vídeo projeção em equipamentos de saúde. Com equipamentos dentro de uma kombi, o Coletores saiu pelas ruas da zona leste para homenagear os profissionais de saúde que são linha de frente no combate à pandemia, além de trazer mensagens de conscientização.

Subvertendo o equipamento, criando uma linguagem 

Interessados em pensar a arte urbana para além das linguagens tradicionais como o grafitti e o pixo, o Coletores desde suas primeiras ações se empenhou em utilizar criativamente uma combinação de técnicas para criar experimentações artísticas inovadoras. Passando pela fotografia, instalações, design, grafitti, animações e games, a vídeo projeção se apresentou como um desafio com amplas oportunidades.

A barreira da aquisição de equipamentos caros não intimidou o Coletivo Coletores, como conta Flávio. “A gente pensa a projeção como uma linguagem. A gente não pensa só no que será projetado, o conteúdo em si. Temos um modo de fazer. Muitas vezes, em trabalhos que repercutem até hoje, nós tínhamos equipamentos muito aquém daquilo. Mas por a gente ter conseguido adaptar a precariedade dos nossos equipamentos à nossa linguagem, conseguimos tirar proveito disso”, compartilha o artista, que é morador de Poá, município da Grande São Paulo.

Segundo ele, durante o processo de produção das imagens e textos a serem projetados, há a curadoria e edição que burla características dos equipamentos que seriam desfavoráveis.

Um dos exemplos mais emblemáticos dos trabalhos do Coletores é a série de pesquisa iconográfica “Resistência”, que ainda está em desenvolvimento, é feita a partir de fotografias de momentos históricos da luta da população negra, indígena e periférica no mundo.

A fotografia da caminhada de 1965 liderada por Martin Luther King, militante do movimento negro nos Estados Unidos, em Selma, no estado do Alabama, foi projetada na favela da Vila Flávia, zona leste de São Paulo. Considerando o registro da ação tão relevante quanto a intervenção em si, na fotografia da atividade feita pelo Coletores é possível observar as texturas das paredes das casas, sua iluminação e partes do seu interior. Dessa maneira, a “foto da foto” torna-se uma outra obra em si porque captura as interpretações possíveis entre a vida dos moradores das periferias da cidade de São Paulo no século XXI e a luta por direitos da população negra na década de 60 em uma das regiões mais racistas dos Estados Unidos.

Aprenda a multiplicidade desta linguagem tecnológica 

A vídeo projeção, utilizada como linguagem, pode tornar o conteúdo mais dinâmico e agregar outra camada de experiência visual. Dentre os trabalhos que os Coletores já fizeram em parceria com outras coletividades e artistas, estão shows musicais e peças teatrais.

Desde o ano passado, o coletivo realizou diversas oficinas em espaços culturais, como o equipamento estadual Oficina Alfredo Volpi em Itaquera, quanto em espaços universitários como a UFABC e USP. No final deste mês, entre os dias 26 e 29, eles irão ministrar uma oficina gratuita e virtual em parceria com o Centro de Mídia M’Boi Mirim. “A gente sempre pensa a oficina como um campo aberto. De repente, o interesse da pessoa não é a vídeo projeção em si, mas a produção de conteúdo para esta linguagem, como a animação. Entendemos que esse é um ponto de partida, uma entrada a este mundo de produção. Por isso, partimos de ferramentas que sejam usadas de maneira muito intuitiva, acessível. A gente tenta mostrar que existem vários caminhos, como o da poética, para pensar a estética. E também tem um caminho da operação, que muita gente também se interessa pela matemática da coisa”, conta Flávio.

A partir destes tantos caminhos na linguagem, o Coletores selecionou quatro estilos para serem ministrados na atividade voltada para moradores das periferias, são eles: Vídeo Mapping, Vídeo Guerrilha, Projeção em Shows e Grafitti Digital, que é uma linguagem desenvolvida pelo Coletores. “Ao mapearmos o grafitti e fazermos uma projeção nele, criamos uma outra camada de interpretação dele”, acrescenta Toni sobre as novas abordagens dessa linguagem.

São disponibilizadas 30 vagas e as inscrições para a Oficina de Vídeo Projeção ficam abertas até o dia 22 de abril ou até o número de vagas serem atingidos por ordem de inscrição. Para fazer a inscrição, é necessário acessar este link. As aulas acontecem das 19h às 21h e serão ministradas pelo aplicativo Google Meet, sendo que o contato com os inscritos será feito pelo WhatsApp.

Projeto oferece bolsa para jovens que movimentam a cultura periférica

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A plataforma FIXE oferece seis vagas para a juventude periférica participar de um programa de pesquisa e curadoria artística. Cada jovem curador selecionado receberá uma bolsa no valor R$ 1.000,00 reais. 

Batalha de rima organizada por jovens do Jardim Ângela, território que faz parte do programa. (Foto: Thais Siqueira)

A plataforma FIXE está com inscrições abertas para selecionar seis jovens que atuam com cultura nas periferias de São Paulo, para participar de um programa de bolsas de pesquisa e curadoria artística. As inscrições podem ser realizadas até 18 de abril no site da Fixe (www.festivalfixe.com.br), que também publicará o resultado da seleção no dia 20 de abril.

Jovens que atuam com cultura e residem nos distritos de Bom Retiro, Brás, Brasilândia, Campo Limpo, Capão Redondo, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Grajaú, Iguatemi, Itaim Paulista, Jaraguá, Jardim Ângela, Lajeado, Marsilac, Parelheiros, Pedreira, Perus, São Mateus, São Rafael, Sapopemba, Tremembé, Vila Andrade, Vila Curuçá, Vila Maria e Vila Medeiros podem se inscrever no programa.

Segundo a organização do programa, esses territórios foram escolhidos por possuírem o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) com os níveis médio ou baixo na dimensão da educação. Para se inscrever, os jovens terão que ter até 25 anos, perfil ativo nas redes sociais (Facebook e Instagram), disponibilidade para participar de reuniões de equipe e mentoria durante o período de participação no projeto.

A iniciativa foi criada pela empreendedora cultural Fabiana Batistela, que também é diretora geral da Semana Internacional de Música de São Paulo (SIM São Paulo). A FIXE (lê-se “fiche”, gíria portuguesa que significa legal, com estilo e boas qualidades), reúne a produção artística e cultural de países e regiões lusófonas, ou seja, que falam a língua portuguesa.

A atuação de cada colaborador abrange as expressões do Festival Fixe: música, cinema (audiovisual), artes visuais, literatura, teatro e gastronomia, revelando outros jovens talentos das periferias da capital paulista para o Portal FIXE que atuam nessas áreas.

Cada pesquisa será desenvolvida por um mês, com mentoria indicada pelo projeto e o resultado será compartilhado em destaque nas redes sociais e no portal da plataforma FIXE.

A partir da pesquisa e curadoria, o projeto busca dar visibilidade à nova produção artística que vai revelar 36 talentos legitimados pelo próprio grupo de jovens curadores.

Saiba mais.

Chamamento Jovens Curadores Bolsistas FIXE
De 06 a 18 de abril

Inscrições no www.festivalfixe.com.br


Internet e remuneração ruim desmotivam entregadores de apps na quebrada

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Entregadores afirmam que aplicativos de entrega não levam em consideração a qualidade da internet nas periferias. Além disso, eles contam que a alta demanda de entregadores tem precarizado ainda mais a remuneração e a qualidade de vida de quem trabalha com delivery na quebrada.

Créditos: DiCampana foto coletivo

 Através de um anúncio nas redes sociais, Christopher Augusto, 22, morador do bairro Parque Santo Amaro, zona sul de São Paulo, conheceu as possibilidades de gerar renda se cadastrando nos aplicativos de delivery Lalamove, iFood e Uber Eats. O entregador descreve a ocasião do contato com o anúncio como “um anúncio chamativo e que nos oferece uma boa renda”.

Ele avalia essa descoberta não como uma escolha e sim como o único meio encontrado para não passar dificuldades diante de uma alta taxa de desemprego no país. “Em meio à pandemia, uma das soluções encontradas para não passar dificuldade, e sim à falta de emprego de carteira assinada é uma das causas”, afirma o entregador.

Além de fazer entregas nos aplicativos durante o dia, Augusto trabalha em uma pizzaria a noite, pois ele acredita que a dependência do aplicativo afeta diretamente na sua qualidade de vida “Se formos depender só do aplicativo para sobreviver, nós vamos ter que trabalhar como um serviço de escravo, tá ligado”, define o entregador.

O argumento de Augusto se baseia na quantidade de horas necessárias para se ter uma renda media mensal que possa apoiar no pagamento dos boletos e gastos fixos com a família. “É preciso trabalhar de 12 a 14 horas por dia pra poder manter um salário que possa nos ajudar a pagar nossas dívidas entendeu”.

Augusto explica que a concorrência por realização de entregas é outro fator que tem intensificado a precarização dos trabalhadores de aplicativos de delivery. “A demanda de motoboy está muito alta, querendo ou não se tornou uma concorrência tá ligado”.

Segundo Augusto, as despesas com gasolina e internet por mês giram em torno 700 a 800 reais, sendo que seu salário no mês fora as despesas fica em torno de 1.500 reais. O entregador ressalta que mesmo tendo um plano de internet para trabalhar, muitas vezes o serviço deixa a desejar, causando interrupção da sua rotina de trabalho.

O entregador faz questão de descrever como a internet ruim dificulta o seu trabalho. “Você chega à casa do cliente, no endereço determinado, quando você vai finalizar a entrega muitas vezes não tem internet não dá pra finalizar a corrida, muitas vezes a casa do cliente é em tal lugar e a localização dele é mais pra frente, aí você vai finalizar é não consegue também, então são algumas coisas que dificulta tá ligado, até mesmo da parte da plataforma dos aplicativos”, conta Augusto.

Outra dura realidade apontada por Augusto é o tratamento diferenciado vivenciado pelos entregadores com usuários de apps que vivem na região central de São Paulo e nas periferias. Ele relata que sua entrega nas periferias e no centro da cidade tem recepções totalmente diferentes, sendo que na quebrada o seu trabalho é mais valorizado.

“Nós sentimos que ao chegar à periferia você dá uma boa noite, bom dia ou boa tarde pro cliente, e já é automático que ele vai te responder, vai perguntar se você tá bem, não é criar uma amizade entre o cliente e um motoboy, é respeito é humildade”, conta Augusto, destacando que dá ponte pra lá o desprezo é uma constante na rotina dos entregadores.

“Eles enxergam a gente como escravos do sistema né, tipo eu to te pagando e você é obrigado a fazer isso, eu sou obrigado a falar com você e já era, até a forma de expressão da pessoa, o olhar da pessoa, entendeu pow, a cara de nojo, já na periferia não é assim, querendo ou não somos de dentro, então um tem que respeitar o outro”, descreve.

 A visão macroeconômica da quebrada

 O entregador traz um questionamento importante, fazendo uma comparação com a alta dos preços de combustíveis e a estagnação do valor das taxas de entrega que não são corrigidas pelas empresas de delivery, fator que amplia a visão de Augusto sobre a exploração do seu trabalho. “Eu espero que eles percebam que todos nós tenhamos o serviço reconhecido, da mesma forma que teve aumento no combustível tenha um aumento nas nossas taxa de entrega. Sinceramente somos explorados”, avalia.

Mesmo os aplicativos não trazendo benefícios que garanta a segurança dos entregadores, Augusto conta que a própria comunidade se organiza em busca de auxiliar os entregadores a se manter em busca de seus direitos trabalhistas. “Temos uma comunicação um com os outros, agimos como uma família a fim de ajudar um ao outro, no entanto se nós nos deparamos com motoqueiro acidentado paramos para dar uma assistência”, revela.

Ao lembrar a importância dos direitos trabalhistas que ainda precisam ser conquistados, o entregador deixa um recado para os aplicativos de entrega: “gostaria que nossos serviços fossem reconhecidos, e que seja proporcionado mais segurança com uma demanda de tempo correta e uma assistência a todos para que possamos ir adiante sem tanta exploração”.

 Autonomia na jornada de trabalho

Atuando como entregador nos aplicativos iFood e Uber Eats, Paulo Henrique, 25, morador do Parque Pinheiros, município de Taboão da serra, afirma que uns dos principais motivos para sair de um emprego com registro em carteira e se tornar entregador de aplicativos foi a possibilidade da autonomia na jornada de trabalho.

“Eu saí de um trabalho com carteira assinada só para fazer entregas pelo app. Posso não ter um salário e benefícios garantidos, mas a liberdade de autonomia é maravilhosa, trabalhar na hora e no dia que quero”, conta o entregador.

Durante o seu tempo livre, o morador de Taboão da Serra se dedica a desenvolver seu conhecimento com o audiovisual e a música. “Quero ser artista rico e famoso, mas até lá, preciso desenvolver muito minha arte, então por enquanto vou focar nas entregas”, comenta o motoboy, enfatizando não enxerga alternativa de geração de renda no momento até conseguir aperfeiçoar sua arte com horas de estudos.

Porém, Henrique sente as consequências da escolha pela autonomia de fazer o seu horário de trabalho. Sem uma segurança sobre o que será o presente e futuro, ele lista algumas dificuldades que ficam cada vez mais evidentes e caminham lado a lado com sua a rotina de entregador. “Estar à mercê de vários fatores externos que podem me prejudicar, como chuva, enchentes, entregas em lugares perigosos e a falta de pedido que está acontecendo com freqüência”.

Em meio a essas adversidades, o entregador conta que foi se adaptando com os desafios impostos também pela tecnologia de geolocalização dos aplicativos, que em muitos casos é imprecisa. “Muitos estabelecimentos tem a localização diferente da que mostra no app, daí até eu me acostumar com certos restaurantes eu passei alguns perrengues”.

Diferente da história do entregador Augusto, Paulo conta que utiliza um plano de internet bom, pois nunca teve problemas durante a entrega. “A internet tá sempre disponível em todos os lugares”, afirma, mas quando se trata da recepção dos clientes em territórios da periferia e centro, as vivências dos entregadores não são muito diferentes.

“Bairro rico mal olha na minha cara, enquanto na periferia sou bem acolhido pelos clientes, aliás, o rango chegou não é mesmo? aí eles ficam felizes e são bem legais comigo, dão boa noite, boa tarde”, descreve.

No final da entrevista Henrique nos conta uma dinâmica que normalmente acontece na rotina do motoboy e que representa mais um desafio imposto pelos aplicativos. “As vezes quase não tem pedido em alguns aplicativos, e é comum o motoboy trabalhar para mais de uma plataforma. Eu mesmo faço entregas para o iFood, Uber e às vezes pra Rappi. Isso é bom porque assim são três vezes mais chances de eu ter entrega para fazer. Mas o ruim, é que alguns aplicativos não autorizam o mesmo motoboy trabalhar para o concorrente, então já até ouvi casos de motoboys serem bloqueados em certas plataformas por terem mais de um aplicativo de entrega”, diz o entregador.

Ela finalizando a entrevista mandando um recado para as empresas de aplicativo: “aumenta nosso salário poxa, vocês tiraram uma taxa que já era nossa, daí tá tudo mais difícil”.