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“Nosso set de filmagem é a laje”: Tomada Periférica ocupa cinema com primeiro longa-metragem

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Sem financiamento e cheios de ideias, o grupo formado por jovens moradores da Vila Missionária exibiu em uma sessão para amigos e familiares o longa-metragem “Dois conto – a continuação barata de Dez Conto”.

Cartaz do filme “Dois Conto”, produzido pelo grupo Tomada Periférica.

Na manhã do último sábado, dia 28, o sonho do grupo Tomada Periférica de exibir seu primeiro longa-metragem em uma sala de cinema foi realizado. Com aproximadamente 100 espectadores, número reduzido devido às normas de segurança e saúde de combate à Covid-19, a sessão aconteceu em uma sala comercial de cinema na região de Santo Amaro, zona sul da Capital paulista.

Entre os presentes, estavam amigos, familiares, além de vizinhos do grupo. “Eu quero agradecer a todo mundo que está aqui, inclusive a projetista que está exibindo meu primeiro filme, isso é muito especial para mim” disse o morador da Vila Missionário Bruno Maciel, 24, diretor do filme “Dois Conto – a continuação barata de Dez Conto” pouco antes do início da sessão.

O filme é uma continuação da história de Getúlio, personagem apresentado no curta “Dez Conto”, o protagonista se envolve em uma dívida de R$2. O longa ficcional de ação possui um roteiro abrangente que dialoga com questões do cotidiano da juventude da periferia, como conta Bruno. 

Assista ao trailer 

Os jovens ainda avaliam os próximos passos na divulgação do longa, mas é possível assistir o trailer de “Dois Conto” no canal do youtube do grupo. 

 “É um filme que fala sobre cada um de nós: é um filme que fala de abandono, família, covid… é um filme que fala sobre como [parte da] mídia trabalhou durante todo esse processo. Fala sobre todas essas angústias que a gente teve”. Além da direção, o jovem assina a edição e a produção, também colaborando na construção coletiva do roteiro e na atuação.

O diretor também reflete que durante a produção do filme, sentiu a realidade e a ficção se sobreporem. “Conforme a gente foi gravando, as coisas estavam acontecendo no bairro. Por exemplo, na cena que a polícia interroga o menino no beco, tinha acontecido [na mesma época] o assassinato do Guilherme, lá na Cupecê”.

O adolescente Guilherme Silva Guedes, 15, era morador de Americanópolis e foi morto em junho de 2020 com tiros na cabeça que, segundo familiares, teriam sido disparados por policiais militares que alegaram “terem confundido-o com um assaltante”. 

Amizade dentro e fora das telas 

 “Uma brincadeira na minha laje” foi como Luiz Gustavo,24, define a produção do curta “Dez conto”, lançado em 2020. Formado por amigos que participam de um grupo de teatro religioso, o Tomada Periférica se surpreendeu com a repercussão inesperada nas redes sociais de sua primeira produção, que alcançou quase cinco mil visualizações no canal do Youtube do grupo. Entendendo que a “brincadeira” poderia ficar ainda melhor, o grupo se lançou na construção de seu primeiro longa

Foto de parte do elenco de “Dois Conto”

Se denominando como “ninjator”, as cenas de luta foram coreografadas por Luis Gustavo que também faz aulas de artes marciais. No longa, há um número maior de atores, personagens e locações do que no curta, produzido em 2020. “O avanço da vacinação possibilitou que a gente tivesse mais pessoas no elenco”, conta o jovem sobre a preocupação com a pandemia.

“Nosso set de filmagem é a laje” 

Letícia Neves, 33, e seus filhos Angélica Cristina,10, e Pablo Henrique, 8, se consideram os “fãs número 1” do Tomada Periférica e estiveram presentes na sessão de lançamento do filme. Vizinhos de Luis Gustavo, eles acompanharam da janela de sua casa as gravações do curta “Dez Conto” e também do longa-metragem “Dois Conto” que eram realizadas na laje do jovem.

Apesar de hoje admirarem o trabalho do grupo, o início das gravações causaram grande estranhamento no bairro devido aos gritos das cenas de ação. “Quase chamei a polícia”, conta Letícia. 

O passeio de Pablo, Letícia e Angélica foi ir ao cinema assistir “Dois Conto”.

Confira também: 


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Uma dívida de “Dez Conto” é tema de curta metragem produzido por jovens da Vila Missionária

O Grupo Tomada Periférica se inspira nos filmes de ação e velho oeste norte-americanos para contar a história de uma dívida que põe a vida dos personagens em perigo.  

Marcelo Souza: uma trajetória de conquistas no futebol de amputados

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Atleta relata as dificuldades para se tornar uma referência dentro da modalidade e os obstáculos que o esporte enfrenta por ainda não ser paralímpico 

Nascido e criado no Jardim Primavera, em Sapopemba, zona leste de São Paulo, Marcelo Souza, 44 anos, voltou a jogar futebol 10 anos após perder a perna. Na modalidade, se tornou tricampeão brasileiro, tricampeão paulista, tricampeão da Copa do Brasil, disputou o último mundial em 2018 e ficou em 3º lugar.

A história do jogador no esporte envolveu um grande trauma: ele perdeu a perna esquerda em 2001, quando estava em uma partida de futebol de várzea. Durante o jogo ele levou um chute na perna, uma artéria entupiu e devido a um erro médico, precisou amputar o membro.

Por conta do acontecido, Marcelo desistiu de jogar futebol e ficou anos longe dos campos. Em 2011, ele queria voltar à prática esportiva, mas escolheu fazer natação no Sesi de Suzano. A natação não deu certo, e então recebeu um convite para conhecer o futebol de amputados através do projeto Smel Mogi, que hoje é o time de atletas amputados do Corinthians.

Treino no Sesi de Suzano em 2012, pelo projeto Smell Mogi. Foto: Arquivo pessoal

“Aceitei o convite da pessoa e fui conhecer o projeto, desde esse dia eu até hoje não consigo largar”, relata. Quando terminou o primeiro treino com os outros atletas, ele conta que uma sensação o invadiu e que nunca irá esquecer.

“Teve um lance que eu fiz como eu fazia com as duas pernas, e aí eu caí na passada, nessa queda o pessoal já falou: ‘levanta, levanta e vai’. Aí eu falei: caramba, é um mundo nosso… Não tem ninguém que fale: ‘nossa, coitado, meu deus’. Eu gostei da igualdade!”

relembra emocionado.

As dificuldades da modalidade no Brasil 

Desde então ele participou de muitos campeonatos, teve passagem em alguns times e chegou na Seleção Brasileira. Ainda assim, o jogador se deparou com diversos dilemas e toda essa trajetória foi marcada por carinho à modalidade que ele considera um hobbie, pois nunca foi remunerado para jogar: “O futebol para amputados para mim não é profissional, para mim é amador, não somos remunerados, infelizmente”, conta.

Marcelo diz que como o esporte não é paralímpico, os atletas não são remunerados como tal, mas ele anseia que talvez em 2024, essa seja uma realidade possível. “Só falta a aprovação do comitê, pois atinge todas as exigências. Está bem próximo de acontecer”, diz.

São duas as modalidades que envolvem o futebol nas Paralimpíadas: futebol de 5, exclusivo para cegos ou deficientes visuais e futebol de 7, praticado por atletas com paralisia cerebral. 

Pela falta de remuneração, os atletas da modalidade precisam conciliar outros trabalhos para conseguir se sustentar, é o caso do Marcelo. Ele, a esposa Monalisa, e os filhos: Milena, Lucas, Guilherme e Marcelo Júnior têm o próprio negócio na área de confecção de utensílios e já trabalham juntos há 13 anos.

Por ser autônomo, ele conseguiu fazer um horário flexível para conciliar os treinos que geralmente acontecem no período da noite ou aos finais de semana. Porém, os campeonatos acontecem em dias consecutivos e é mais difícil outros atletas terem essa mesma flexibilidade.

“Já ouvi muita história de nego perder o emprego por causa de campeonato”, comenta. Outro problema que ele aponta, é a falta de patrocínio dentro da modalidade, mas ele analisa que as coisas estão melhorando com o passar dos anos e o interesse de algumas empresas pelo esporte está aumentando.

Contudo, a contratação está relacionada com registro em carteira, o que pode possibilitar o corte do benefício que ele recebe por direito devido a deficiência.

Por isso, Marcelo enfrentou outro dilema:

 “O benefício eu tenho garantido, o esporte não”

conta relatando que como o patrocínio é ligado à uma empresa, o contrato pode ser rompido em algum momento, deixando o atleta sem amparo.

Marcelo comenta que em outros países a modalidade é bem mais valorizada e os atletas conseguem viver de futebol. “A gente foi disputar o mundial em 2018 e vimos os outros países, como a Inglaterra, Turquia e os angolanos, você vê que eles ganham casas, carros, em dólar. Um treino mais focado e adequado”, comenta, sobre o sonho de outros atletas, como o de Luiz Cláudio, de jogar no exterior.

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Planos para o futuro 

Marcelo joga pelo time Ponta Preta, mas por conta da pandemia ele treinou com a equipe apenas uma vez e considera estudar outras propostas caso tenha alguma forma de remuneração. Atualmente ele também pensa em se aposentar da modalidade para se dedicar ao esporte de outra forma: organizando partidas que promovam inclusão social e não apenas o alto rendimento.

Último jogo pela Ponte Preta antes da pandemia da Covid-19. Foto: Arquivo pessoal

Ele participou da organização da primeira partida de futebol de amputados da várzea paulistana, que aconteceu em 2021, na Toca da Coruja, em Osasco, que além de promover lazer para pessoas que nunca haviam jogado futebol na vida, também apresentou novos atletas para a modalidade.

“Isso é completamente fora do alto rendimento, esse nosso trabalho a gente faz porque a gente percebeu que em cada beira de campo a gente tem um amputado lá, e trazer também as outras pessoas que não estão muito bem no alto rendimento, mas gostam de participar e bater uma bola ali”, enfatiza.

Outro sonho, seria comprar uma câmera para registrar as partidas, pois além de não ver outro amputado fazendo isso, é uma forma de continuar participando e estar sempre em contato com a modalidade.

Para Marcelo, os empecilhos que a modalidade enfrenta fazem parte de uma trajetória de melhorias e superação que os novos atletas irão encontrar. Foi através do esporte que ele conseguiu vencer o trauma e sempre vai ser a sua maior paixão.

“Me ajudou demais o esporte, até hoje. Eu gosto de passar isso pra outras pessoas, sabe, o cara tá na beira do campo e a gente fala: vamos jogar! […] Do mesmo jeito que me resgatou, a gente tá tentando resgatar outros, essa é a ideia”

 finaliza o atleta.

Família do Capão Redondo conta como o racismo atravessa sua história

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Na primeira série de fotorreportagens do Desenrola, moradores compartilham como é o cotidiano de quem bate de frente contra o racismo dentro e fora das periferias.

Retrato da família de moradores do Capão Redondo.(Foto: Gustavo Henrique)

 O Desenrola fez um mergulho na história de três moradores do Capão Redondo, distrito da zona sul de São Paulo. Reinaldo Alves, 27, Ananda Beatriz,19, e Ana Lúcia de 55 anos, revelam como eles enfrentaram e continuam enfrentando o racismo nos dias de hoje dentro e fora da quebrada.

Com 53,90% da sua população preta e parda, o Capão Redondo é o oitavo distrito de São Paulo com o maior número de população afrodescendente, segundo o Mapa das Desigualdades.

A empregada doméstica Ana Lúcia é uma das moradoras que fazem parte deste contexto racial da quebrada. Ela conta que desde criança mora no Capão Redondo, território que também serviu de moradia para os seus pais.

Ana começou a trabalhar como doméstica aos 14 anos, em uma metalúrgica. Com 20 anos, ela alisou o cabelo pela primeira vez, com um pente que ela esquentava no fogão. Ela diz que sofre preconceito desde que começou a trabalhar em seu primeiro emprego.

Retrato de Ana Lúcia. Foto: Gustavo Henrique

Ela conta que já sofreu diversos casos de racismo no trabalho, onde colocavam as coisas dela dentro do banheiro que era usado para lavar cachorros e para uso de outros empregados.

“Eu trabalhava numa mansão e tudo que era meu ficava num quartinho e no banheiro, onde dava banho no cachorro, que era meu trabalho também, um banheiro onde o pessoal que vinha fazer jardinagem, os homens todos usavam. É onde eu guardava o que eu comia, e também guardava meu copo”.

revela a moradora 

Ao contar a sua história, Ana diz que outro ponto marcante na sua trajetória de vida é a forma como as pessoas comentavam de maneira preconceituosa sobre o seu cabelo.

Ana Lúcia mostra como alisa seu cabelo regularmente. (Foto: Gustavo Henrique)

“Eu tinha muito vergonha do meu cabelo, porque as pessoas me xingavam de ‘neguinha do cabelo duro’, ‘cabelo de Bombril’, de ‘arear panela’, então eu alisava e aliso até hoje”, relata ela, ao lembrar do preconceito que sofria sempre que deixava de alisar seu cabelo na infância.

Ana Lúcia, moradora do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Para a moradora do oitavo maior distrito de São Paulo em população negra, nos dias atuais aconteceu uma mudança significativa na forma como as pessoas enfrentam o preconceito em relação a época em que ela era jovem.

“Eu acho que hoje em dia tá melhor do que antigamente, porque antigamente o racismo não era escondido, porque a gente não batia de frente, aí as pessoas falavam né? Mas hoje a gente pode combater frente a frente”.

Ana Lúcia, moradora do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Retrato de Ananda Beatriz. 

A jovem Ananda Beatriz,19, é filha da moradora Ana Lúcia. Ela sempre morou no Capão Redondo, tem cinco irmãos, mas foi a primeira da sua família a assumir o cabelo natural.

Diferente de sua mãe, Ananda conta que teve a influência do partido “Panteras Negras” e de seu professor de história para conhecer mais sobre a cultura negra, comprovando que a opinião da mãe faz sentido, ao afirmar que hoje os jovens enfrentam mais o racismo.

Foto de Ananda antes de usar seu cabelo natural. (Foto: Arquivo pessoal)

Antes de usar o cabelo natural, Ananda conta que alisava o cabelo desde os 11 anos. Ela começou a trabalhar como jovem aprendiz com 14 anos, na área de telemarketing.

Foi aos 15 anos que ela começou a entender as formas como o preconceito racial atingia a sua vida e de outras pessoas a sua volta. E nesse processo, o pontapé inicial dela para ativar essa percepção foi a curiosidade de como ela ficaria com o cabelo natural.

“O pontapé inicial para eu começar a usar o meu cabelo natural com certeza foi a curiosidade. Eu queria saber como ia ficar, eu queria experimentar a sensação de usar cabelo natural”.

Ananda Beatriz,19, moradora do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Ananda usa seu o garfo para finalizar os cachos do seu cabelo. 

Beatriz lembra que a transição capilar foi um processo muito difícil, por conta das mudanças em sua aparência, que nem sempre eram bem vista pelas pessoas em volta, até porque ela foi a primeira pessoa da sua família a assumir seu cabelo natural.

A transição nunca é fácil, sabe? Porque você cria uma expectativa com o cabelo, e às vezes ele não fica do jeito que você queria que ficasse. Foram anos e anos de aprendizado, de frustrações em relação ao meu cabelo, até eu compreender, até eu saber usar ele do jeito que eu uso hoje”.

revela a jovem

André Oliveira é professor, mestre em historia. (Foto: Jonas Tucci)

 Para André Oliveira, professor, mestre e historiador, o racismo é uma política econômica, que provoca uma estrutura de sentimentos. Esses sentimentos tendem a provocar como efeito uma necessidade dos negros se afirmarem pela obediência.

Segundo a análise do historiador, isso explica por que as mulheres tendem a alisar os cabelos, numa tentativa de servirem mais, porque estão mais dispostas a serem servis.

Retrato de Reinaldo Alves. 

A batalha de Ananda Beatriz também faz parte do cotidiano do seu primo Reinaldo Alves, 27. Ele nasceu e mora até hoje no Capão Redondo, e tem duas irmãs mais velhas.

O morador começou a trabalhar com 16 anos como ajudante de pedreiro, e atualmente tem sua própria empresa, a JR Freelancer Empresarial. Reinaldo conta que já passou por tantas situações de racismo e preconceito que nem se recorda quando aconteceu a primeira.

A abordagem policial está entre as principais situações que o morador acredita ter sido vítima de racismo.

“Sobre os enquadros que eu já levei cara foram tantos que eu não consigo nem saber quantos foram, desde o primeiro aos doze anos foram vários, tinha vezes que eu tomava enquadro toda semana”.

Reinaldo Alves, 27, é morador do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Foto de Reinaldo no local onde foi feita a abordagem policial. (Foto: Gustavo Henrique)

Foi na porta da escola que estudava durante a adolescência que Reinaldo relembra um dos enquadros mais aterrorizantes que levou em sua vida. Ele conta que em umas dessas situações, o policial demonstrou não ter gostado da postura dele.

“O policial nesse dia encasquetou comigo, não sei por qual motivo, na verdade, eu sei por qual motivo hoje. E ele ainda falou pra mim que ia me pegar no outro dia na rua”, finaliza o Reinaldo.

Um panorama acerca das mandatas coletivas

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Por sermos uma das primeiras experiências em mandatas coletivas, surgiram diferenças que trouxeram erros e atropelos. Como era de se esperar, nos faltaram instrumentos para lidar com elas, mas seguimos acreditando que poderíamos aprender juntos.

Foto: Leandro Godoi
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Quando fui convidado a compor o Movimento Bancada Ativista, em 2017, decidi conhecer melhor a proposta, mas desde o início fiquei encantado com a ideia de mandatas coletivas. Procurei saber mais, gostei da primeira experimentação do país em Alto Paraíso de Goiás e da própria experiência da Bancada Ativista, lançando nomes à vereança na Capital Paulista, em 2016.

O convite não me foi feito por acaso: eu sempre fui inquieto em buscar tecnologias políticas que fizessem sentido nas periferias e aqui, trabalhos coletivos são mais potentes que trabalho individual.

Eu já buscava brechas para vitórias que fortalecessem nossas lutas, como foi o caso da Lei de Fomento à Cultura das Periferias, como integrar as articulações entre Saraus, participar da construção da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, assim como de grupos de estudos do orçamento público municipal, de movimentos por moradia e outras formas de fazer política que fossem mais horizontais.

Foi necessário entender melhor o que eram as mandatas coletivas, porque eu não gostaria de expor a minha caminhada por essas lutas, tampouco aparecer como tantos que, se colocando como líderes, terminam dispondo do acúmulo ativista em benefício próprio. Esse é um cuidado de quem milita nas margens da cidade: nada sobre nós, sem nós!

Quando fomos eleitos com 149.877 votos fiquei muito surpreso e animado, porque uma das condições para participar era a troca entre lutas com as quais sempre fui solidário. A mandata funcionaria alinhada por acordos entre nós, que apontariam nossas ações em conjunto e fortaleceriam nossas próprias construções militantes.

Por sermos uma das primeiras experiências em mandatas coletivas, surgiram diferenças que trouxeram erros e atropelos. Como era de se esperar, nos faltaram instrumentos para lidar com elas, mas seguimos acreditando que poderíamos aprender,  juntos.

Já eleito e integrando a Mandata Ativista, optei por seguir um fluxo de trabalho, que consiste em acompanhar as demandas dos Movimentos e Lutas Populares. Sigo como antes, junto, nem à frente, nem atrás, mas tentando estar ao lado, dispondo do meu lugar como Co Deputado Estadual, permanecendo atento as demandas do povo que vive nas periferias e sofre com tantas violações de direitos.

Acompanhei dezenas de casos de prisões ilegais, invasões policiais na Favela do Moinho, despejos de famílias em plena pandemia e execuções dos nossos jovens, uma vez que componho o Comitê Paulista de Prevenção a Homicídios de Crianças e Adolescentes, da ALESP – Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Estive e estarei com as Mães de Maio, buscando apoiá-las no processo de construção de um projeto de lei de acompanhamento psicológico aos familiares de vítimas da violência do Estado. 

Reintegração de Posse na Comunidade Taquaral em Piracicaba em 07 de maio de 2020. Foto: arquivo Fernando Ferrari

Houve erros, mas também aprendizados, trazendo a certeza de que vale a pena discutir mandatas coletivas. Hoje existe no país uma potente articulação nacional de mandatas e mandatos, que vêm tentando, via ART. 196 formalizar a existência de candidaturas coletivas no TSE.

No período entre 2018 e 2020, no Brasil, foram mapeadas 28 experiências coletivas eleitas, sendo duas para mandatos em assembleias legislativas (Pernambuco e São Paulo) e 26 coletivos eleitos, dentre o número estimado de 250 candidaturas apresentadas com este formato nas eleições municipais de 2020.

Somos vitoriosos por contribuir com a abertura do debate dessa experiência, mas não acreditamos apenas em mandatas: elas são ferramenta e não objetivo. Acreditamos que a única maneira de acabar com as desigualdades é encontrarmos um sistema para além do capitalismo, que nos explora e nos mata, mesmo que simbolicamente, de várias formas todos os dias. 

Como estamos hoje? 

Hoje, nossa porta voz Mônica Seixas está afastada por 120 dias e torço pela sua volta, com saúde plena para seguirmos construindo uma possível confluência de ideias.

Nosso suplente, Raul Marcelo, do PSOL de Sorocaba, assumiu seu posto e tem sido solicito com nossos processos. Em acordo com o PSOL Estadual, Raul, de forma coerente manteve o coletivo e suas assessorias, colocando-se à disposição em colaborar com nossas pautas.

Seguimos na luta pelo melhor desenvolvimento da ferramenta de Mandatas Coletivas no Brasil e que num futuro próximo o TSE e as leis possam reconhecer a legítima vontade das pessoas que elegem seus representantes. 

“A arte me salva”, afirma Nayara, mulher, lésbica e moradora da zona leste

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Na série Relatos LGBTQIA +, Nayara de Souza conta como seu envolvimento com a arte mudou suas experiências enquanto mulher, lésbica e moradora da quebrada e como sua relação com a igreja influenciou na aceitação de sua sexualidade.

“Sou sonhadora, gosto de viver os dias intensamente realizando tudo aquilo que está ao meu alcance”, essa é uma das formas que Nayara de Souza, 24, se apresenta. Nayara é moradora do Parque São Rafael, na zona leste da cidade de São Paulo, é turismóloga, atualmente em um hotel, e se identifica como uma mulher lésbica.

“Amo a arte, tento me manter sempre estudando dança e arte circense. Estou me jogando no mundo do pole dance também e quero continuar desafiando meu corpo e fazer dele meu templo. Eu amo viajar, estar com amigas, ouvir música além de manter uma vida ativa”, afirma.

Atualmente Nayara mora com o pai na zona leste de São Paulo, mas conta que nasceu em Santo André e que seu pai veio de Formosa Oeste e sua mãe de Londrina, buscando outras possibilidades de vida.

“Eu sou a filha caçula, meu irmão do meio morreu e minha irmã mais velha (por parte de mãe, que foi criada pelo meu pai e não pelo pai dela) mora no quintal da minha avó materna, por isso, meu pai me mima bastante”, compartilha Nayara.

A turismóloga relembra como foram suas primeiras percepções com relação a sua sexualidade e como a igreja atravessou esse processo. “Eu não entendia sobre ser homossexual, eu nasci e cresci na igreja, fui doutrinada em padrões religiosos, imposições rígidas de gênero, heteronormatividade, machismo estruturado, etc. Eu só conhecia uma realidade para a minha vida e acreditava que deveria seguir ela”, conta. 

(Foto: Nayara de Souza) da avenida Sapopemba, zona leste

“Eu apresentei algumas atitudes homoafetivas, a mais antiga que me recordo foi aos 13 anos, quando dei meu primeiro beijo e foi com menina, e me recordo de só gostar de homens porque eu fui imposta a gostar e não tinha nada que fazia isso parecer real.”

Nayara de Souza

Ela conta que começou a se questionar sobre sua sexualidade aos 15 anos, quando começou a sentir atração por mulheres.

“Uma história que marca minha vida foi quando eu estava em uma encontro religioso e tinha uma menina lá, porém, eu achava que era um menino, quando eu vi ela pela primeira vez eu falei para a minha irmã: ‘que menino lindo’ e ela me respondeu que achava que era uma menina lá da igreja, por fim, descobri que era uma menina lésbica e eu fiz amizade com ela na época”, relembra.

A moradora da zona leste conta que depois que se apaixonou por uma menina, percebeu que realmente gostava de mulheres e começou a se questionar mais sobre o tema. “Ainda com 15 anos me apaixonei por uma menina, ela já se reconhecia como lésbica, mas não aceitava por causa da igreja. Eu ‘namorava’ um garoto mais velho que eu não gostava, hoje eu entendo que eu queria agradar minha família”, reflete. 

“Foi depois disso que eu comecei reconstruir minha vida como uma mulher lésbica.”

Nayara de Souza

Foto de Mayara de Souza, moradora do Parque São Rafael

 Nayara, reforça que passou por momentos difíceis dentro desse processo de descoberta, e que até os 18 anos tentava de todas as formas se “libertar”. Constantemente buscava representatividade em filmes e séries, mas sempre tinha um final trágico.

“Eu tive um relacionamento bem abusivo com uma menina também, mas eu continuei seguindo minha vida. Aos 21 anos eu tive depressão, porque eu não me aceitava devido a doutrinação religiosa e tudo que eu havia passado, minha família não me aceitava, eu sofri agressão verbal e eu sabia que também não era aceita na sociedade”, afirma Nayara que depois desses processos começou a reconstruir sua vida como uma mulher lésbica.

“Não foi fácil, eu fui julgada, ouvi muitas coisas cruéis e só quando eu tive depressão e quis tirar minha própria vida as coisas começaram a melhorar, eu tive apoio familiar e parei de ter tanta agressão verbal, além de que eu fui me reconstruindo e deixando de me afetar por isso. Hoje eu me sinto à vontade dentro de casa e falo abertamente sobre minha sexualidade sem me importar”, diz Nayara.

“Ser uma mulher lésbica é saber que não estarei segura e que as pessoas simplesmente aturam mas não aceitam, algumas respeitam, mas não entendem e que eu estou aqui por mim, apenas por mim e por quem representa a mesma luta.”

Nayara de Souza

A arte como instrumento de sobrevivência 

Para Nayara, a arte reflete sobre quem ela é, que foi e continua sendo salva e fortalecida pela arte. “A arte fortalece quem eu sou por completo, quando eu estou dançando ou performando na lira, no trapézio no tecido acrobático ou no pole dance, eu sinto que sou livre, que posso ser eu mesma, que posso me doar por completo e que estou segura, além de que é um refúgio das minha frustrações, dos meus medos, da minha ansiedade e depressão”, afirma. 

“A arte me salvou, a arte me salva!”

Durante a pandemia, precisou mudar sua rotina, o que significou ficar distante das aulas, do circo e de outras atividades que a energizam.

“A pandemia trouxe a minha segunda crise de depressão, eu perdi tudo que me fazia bem, meu trabalho, minhas aulas, a dança, o circo, minha rotina. Eu tive mais tempo comigo mesma, eu tive que encarar meus medos, minhas frustrações, meus traumas, eu tive tempo de encarar coisas que eu odiava em mim, eu passava horas me olhando no espelho e odiando o que eu via”, compartilha. 

“A pandemia me fez refletir sobre toda a minha vida e tudo o que essa estrutura machista, patriarcal da sociedade fez eu vivenciar. Eu questionei muito sobre minha sexualidade e sobre a imposição de gênero.”

Nayara segue se descobrindo e diariamente identificando o que a faz bem ou mal. “No momento as coisas estão se ajeitando, foi muito difícil para mim, hoje em dia o que está sendo mais difícil de lidar é com o emocional, tive muitas crises existenciais e baixa autoestima. Por muito tempo fiquei sem minhas rotas de refúgio e tive que bater de frente com tudo que me fez e me faz mal”, finaliza.

Futebol de amputados reacende sonhos em jovens da periferia como Luiz Cláudio

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Após perder a perna, Luiz encontrou na modalidade uma oportunidade para se tornar jogador e continuar fazendo o que ama.

Foi nas ruas, junto com os amigos do Jardim Ângela, zona sul da cidade de São Paulo, que Luiz Cláudio Pereira dos Anjos, 18 anos, descobriu uma grande paixão: jogar futebol.

As partidas nas margens da represa do Guarapiranga, em São Paulo, faziam parte da rotina dele e dos colegas de bairro até seus 13 anos. Foi nesta idade que ele foi atropelado na rua de casa e ficou sem a perna direita. Desde então, o jovem começou a praticar a modalidade de futebol para amputados. 

Luiz participou da 1ª partida de futebol de amputadas da várzea paulistana, na Toca da Coruja, em Osasco. Foto: Jucinara Lima

Em uma tarde, depois do almoço, Luiz foi para rua jogar vôlei com o irmão do meio, Erick, 19, e outros colegas do bairro, quando uma pessoa passou de moto fugindo da Rocam – Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas e o atropelou.

Ele ficou por mais de 40 minutos esperando a ambulância e amparo médico. No hospital, foi diagnosticado com trombose e recebeu a notícia de que a perna direita precisaria ser amputada.

Mesmo com o choque, Luiz não se deixou abalar:

“Pra falar a verdade, eu tive uma força surpreendente, porque depois de um mês eu já estava fazendo fisioterapia e jogando bola”

Por conta das condições financeiras da família, Luiz foi criado pela avó Eulina, as tias Sueli e Roseli, e o irmão mais velho Caio, de 24 anos. No mesmo ano do acidente que o deixou amputado, ele também perdeu a avó, vítima de dois derrames e um começo de AVC. Com a ausência da avó, o atleta foi morar com a mãe Viviane Pereira, 39, e todos sempre se deram bem.

O jovem descobriu o futebol para amputados por meio da fisioterapeuta que o apresentou para a professora Erika de Castro do Bola pra Frente, time de atletas amputados do São Paulo. Desde então, o atleta ressignificou o futebol em sua vida e se não fosse a pandemia, disputaria sua primeira Copa do Brasil na modalidade.

Partida de futebol com os atletas do Bola pra Frente, meses após o acidente. Foto: Arquivo pessoal

Para Luiz, a melhor parte do esporte foi a identificação que ele teve com os outros atletas amputados:

“Eles vivem a mesma coisa que eu, ninguém é diferente de ninguém, mas nois se sente à vontade quando tá nois tudo porque todo mundo passa pelas mesmas coisas”

As amizades dentro e fora de campo foram essenciais nesse processo. No esporte, ele encontrou pessoas importantes como Alex Sandro, atacante da modalidade: “Ele me ajuda em tudo”, dispara Luiz, que encontrou no amigo a inspiração que precisava para seguir carreira no futebol.

Para “Robinho”, apelido que Luiz ganhou dos colegas por conta das pedaladas e do jeito de jogar igual do atacante Robson de Souza, o apoio dos colegas de bairro também foi essencial para ele dar a volta por cima e vencer por meio do esporte.

“Amigos que eu nem imaginava que eram amigos mesmo. Minha mãe até falava: ‘nossa, você tem bastante amigos mesmo’. E levavam Danone, faziam umas compras e levavam, cesta básica, o pessoal tava do lado mesmo […] até celular os caras compraram: ‘vai ocupar a mente’, eles disseram”, compartilha.

Dando a volta por cima 

Por conta da pandemia da covid-19 e por um desentendimento que teve com outro jogador do Bola pra Frente, o atleta ficou 8 meses sem treinar. Com o desânimo, saiu do time e pensou em desistir do esporte.

Luiz estava sozinho em casa quando recebeu a ligação de Alexandre, que também é atleta do futebol para amputados e coordenador da modalidade no Ajax, falando que estava convocando alguns jogadores, e convidando Luiz para a partida que ele ainda não sabia, mas se tornaria a mais especial da vida dele.

Por conta de uma iniciativa dos times Ajax, localizado na Vila Rica, na zona leste, junto com o Vila Izabel, time de Osasco, zona oeste de São Paulo, no dia 01 de agosto de 2021, aconteceu na Toca da Coruja, o primeiro jogo de futebol de amputados na história da várzea paulistana.

Atletas que já atuavam na modalidade jogaram com outros que estavam entrando em campo pela primeira vez na vida. Nesse jogo, Luiz estava sem treinar há alguns meses, mas conseguiu se destacar, fazer dois gols pelo Ajax e recebeu um convite.

“O goleiro que é do Corinthians estava lá nesse jogo, ele tomou 2 gols e falou pra mim no final: ‘vou mandar mensagem lá pro Corinthians’. Quando foi na segunda-feira o técnico do Corinthians me ligou”, relata empolgado.

Ele conversou com o técnico, foi contratado pelo time e no dia 10 de agosto de 2021 teve o primeiro treino como jogador do Corinthians Mogi das Cruzes. Para ele, iniciativas como essa que visam a inclusão e apresentação de novos atletas, são importantes para fomentar sonhos em pessoas que enxergavam essa realidade como distante.

Depois desse dia, ele carrega um carinho pela partida que abriu novas portas para sua carreira: “Foi a mais importante pra mim. Foi uma partida que eu vi que conseguia jogar, que consigo fazer, que é necessário, aí deu pra sentir mesmo a vontade de jogar”, conta.

Atualmente, Luiz está focado no futuro como atleta e não pensa em outra coisa além de futebol. O apoio dos amigos e parentes é essencial para ele seguir na luta. “Se eu parar eles me matam”, brinca.

Enquanto aguarda ansioso para que a modalidade um dia faça parte das paraolimpíadas e o esporte receba um maior incentivo de patrocinadores, o seu maior sonho é fazer parte da Seleção Brasileira de Amputados ou ser contratado para jogar em algum time do exterior: “Essa é a minha meta!”, afirma esperançoso.



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“É um orgulho representar nossa quebrada”, afirma Giba, paratleta morador de Carapicuíba – Desenrola E Não Me Enrola

Após acidente de moto, o paratleta morador de Carapicuíba encontrou no esporte um caminho de possibilidades, e através do vôlei sentado constrói sua história e leva a quebrada em cada espaço conquistado.

“É um orgulho representar nossa quebrada”, afirma Giba, paratleta morador de Carapicuíba

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Após acidente de moto, o paratleta morador de Carapicuíba encontrou no esporte um caminho de possibilidades, e através do vôlei sentado constrói sua história e leva a quebrada em cada espaço conquistado.

Entre os dias 24 de agosto a 05 de setembro acontecem os Jogos Paralímpicos em Tóquio, e nessa edição dos jogos, o Brasil conta com 234 paratletas, sendo 26% da delegação brasileira paralímpica composta por paratletas de São Paulo, entre eles está Gilberto Lourenço da Silva, 42, conhecido como Giba, morador de Carapicuíba e atleta paralímpico desde 2007.

O esporte já estava presente na rotina de Giba desde antes dele se tornar atleta profissional. Seja na época que jogava futebol aos finais de semana, mas “nada de profissional”, como ele conta, ou de fato como profissional no vôlei sentado; o esporte é um acontecimento importante na vida do atleta paralímpico.

Hoje Giba joga profissionalmente na posição de ponteiro no vôlei sentado, representando a seleção brasileira desde 2007, onde já foi quatro vezes campeão no Parapan. O atleta começou na modalidade em 2006, três anos após o acidente que sofreu de moto na estação Antônio João, no município de Barueri.

“Minha história no esporte começou quando sofri um acidente de moto e vim perder a perna direita. Fui convidado por um colega chamado Carlinhos em 2006, aí comecei a treinar e disputei o Campeonato Paulista do mesmo ano e já recebi uma medalha de destaque”, conta Giba, relatando o início da carreira na modalidade do vôlei sentado.

“Após esse convite comecei a jogar como atleta Paralímpico. Tudo foi muito rápido, fui convocado para a seleção em 2007”

conta Giba.

Além do futebol, que tinha como momento de lazer aos finais de semana, antes do acidente e de se tornar atleta profissional, Giba trabalhava como motoboy. Atualmente se dedica exclusivamente ao esporte. “Hoje o vôlei é minha profissão sim, minha renda vem do bolsa atleta e uma pensão que fiquei com o acidente”, compartilha.

Giba faz parte do Club Athletico Paulistano e treina no Centro Paralímpico Brasileiro – Foto: arquivo pessoal

Atualmente o paratleta faz parte do Club Athletico Paulistano, clube localizado em Pinheiros, região oeste de São Paulo, e treina no Centro Paralímpico Brasileiro que fica na rodovia dos imigrantes.

Ele conta que não possui apoio de espaços esportivos no território onde mora: “Até hoje não consegui apoio nenhum da minha cidade. Nem com espaço para treinar, como apoio pela prefeitura”, afirma Giba, que também analisa a importância de ocupar espaços como as Paraolimpíadas sendo um paratleta da quebrada.

“Pra mim é um orgulho chegar nesses espaços e representar nossa quebrada.”

O tetracampeão do Parapan relata que os acessos são muito ruins para o paratleta Paralímpico. Segundo ele, o único lugar adaptado de forma correta é o Centro Paralímpico. “Na minha opinião falta patrocínio para que o atleta chegue ao topo, com isso temos que seguir dando o nosso melhor desse jeito mesmo”, afirma.

Entre Parapan, Mundial e Paraolimpíadas, o paratleta conta que foi um campeonato regional que mais o marcou na sua trajetória até aqui. “O campeonato que marcou pra mim foi o Paulista de 2006, porque ali senti que achei o meu lugar após o acidente”, relembra.

Ele continua abordando momentos marcantes da sua vida como paratleta e destaca uma partida em especial. “A partida que marcou minha vida foi o mundial de 2014, o Brasil tirou a equipe do Irã da final que não acontecia há 32 anos”, recorda Giba.

Além da importância para o território e de representar a quebrada, para Giba, o esporte é uma via de fortalecimento. “Foi através do esporte que consegui refazer minha vida, foi onde minha família viu também que eu tinha achado uma profissão e que não cairia em depressão. Ajudou muito na minha vida, minha família hoje tem eu como um ídolo”, compartilha o paratleta.

“Com tudo que já conquistei, a paraolimpíada é a medalha que falta e também ela é o espelho para o mundo ver como é jogar vôlei”, finaliza o ponteiro, que leva na memória títulos, lugares e espaços que conquistou e tem conquistado através do esporte.

Quebrada, quebradinha, vamos todos requebrar

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Rap e funk, culturas periféricas, e ninguém vai nos tirar

Quermesse Acapulco Drinks na Favela Inferninho, Capão Redondo – Zona Sul – SP18 | Foto: DiCampana Foto Coletivo

Do micro ao macro, nossos ouvidos captam a essência da batida musical que ecoa nas vielas, avenidas e becos, e fica nítido que as periferias respiram música. Na infância, aprendemos muitas musiquinhas, utilizadas principalmente para nosso desenvolvimento com as palavras, auxiliando também as atividades motoras e até mesmo sociais.

“Ciranda, cirandinha

Vamos todos cirandar

Vamos dar a meia volta

Volta e meia, vamos dar”

Mais grandinhos, temos acesso a outros conteúdos: músicas mais complexas, com mais reflexão e por muitas vezes nem entendemos o que é dito, apenas imitamos os sons que estão sendo cantados.

Nesse momento, os ritmos se misturam: é forró no carro de som, é um funk na festa de aniversário do vizinho, o gospel no culto da igreja na esquina e o sertanejo vindo da nossa própria casa. Não vou entrar no mérito sobre a lei do silêncio, pois aprendemos a ser silenciadas desde sempre. Minha conversa aqui é sobre a música como cultura, mas é aí que começamos a ter nossas preferências, o que agrada ou não os nossos ouvidos.

Funk e rap são culturas de periferia, fato. Mas de onde vem tanto preconceito? Por vezes, a letra é o motivo para que o som não possa ser ouvido dentro de casa: “essa música é de bandido” ou “essa música fala muita besteira” são frases comuns vindas dos nossos familiares.

E quando a música é apenas a batida, qual é a desculpa? Eu não sou digno de dizer o que é “bom” ou “ruim”, até porque minha opinião é que essa divisão nem exista de verdade, o que me chateia é ver favelados influenciados externamente, não levando em conta a potência musical desses dois estilos musicais, levando artistas periféricos ao auge em pouco tempo, trazendo alegria no fone no busão lotado e anima aquele churrascão de domingo.

Tem funk consciente, funk proibidão, rap consciente, rap proibidão, basta saber o que nosso corpo e nossa mente está pedindo. 

Abra seus olhos e seus ouvidos para as sensações que esses estilos nos trazem, revolta, paixão, vontade de rebolar: se expressar, e se expressar é o que muitas vezes a juventude periférica não consegue fazer. Ninguém tem o direito de tirar a expressão de outra pessoa.

Quando criança, lá pelos 8 ou 9 anos, eu e um amigo de rua tínhamos o sonho de ser MC de funk, hoje meu sonho é que o funk e o rap se torne um Patrimônio Cultural Periférico. 


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Editorial: O Baile da Dz7 é um patrimônio cultural da juventude periférica – Desenrola E Não Me Enrola

Os donos dos ‘olhos que condenam’, sejam eles representantes da sociedade civil ou membros do poder público, precisam urgentemente entender que esse baile funk se tornou um Patrimônio Cultural da juventude periférica.

Do Jardim Helena à Parelheiros: as tretas do acesso à internet móvel na quebrada

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Acesso à internet precário e tardio faz parte do contexto das desigualdades digitais que afetam jovens moradores de periferias do extremo leste e sul de São Paulo.

Gustavo Ricardo teve seu primeiro acesso a internet aos 15 anos, após ganhar o primeiro celular dos seus pais. (Foto: Arquivo Pessoal)

O acesso à internet chegou à vida de Gustavo Ricardo, 23, morador do Parque Paulistano, bairro localizado no distrito do Jardim Helena, zona leste de São Paulo em 2012, ano no qual ele completou 15 anos, e como presente de aniversário ele ganhou dos pais o primeiro celular. A partir desse momento marcante, ele relata que começou a explorar o mundo digital.

Gustavo considera que as novas gerações de jovens moradores das periferias se conectam cada vez mais cedo com a web, uma história bem diferente da sua, que só começou aos 15 anos. “É até uma idade bem avançada, porque hoje em dia as pessoas têm acesso a internet desde pequeno e isso não foi uma realidade pra mim”, afirma.

Oito anos após ganhar o primeiro smartphone, ele conta que até hoje o celular é o seu principal meio de acesso à internet. Além disso, ele enfatiza que na região onde mora o acesso à internet não é amplo, e que muitas vezes os vizinhos recorrem uns aos outros, devido à falta de cobertura.

“Não é uma maravilha a conexão da internet por aqui”
 

Gustavo Ricardo, 23, morador do Jardim Paulistano, bairro localizado no distrito do Jardim Helena, zona leste de São Paulo.

“Não é uma maravilha a conexão da internet por aqui. Moro num bairro que gerações passadas ocuparam, então desde lá de trás todo mundo se conhece, se você tem uma relação de afinidade com o vizinho certamente ele vai te emprestar e te ajudar. Essa coisa de emprestar internet é muito comum, você passar a sua senha do wi-fi e o vizinho também passar a dele”, relata.

As experiências de Gustavo com o acesso tardio à internet também fazem parte da história de vida da estudante de moda Andressa Mafra, 22, moradora do Parque Alvorada, bairro localizado na periferia de Guarulhos.

Ela lembra com detalhes sobre quando acessou a internet pela primeira vez e como era o computador usado para acessar a rede. “Comecei a ter acesso a internet a partir dos meus 14 anos”, relata Andressa, relembrando o formato do computador que ela tinha em casa. “Na época era aquele computador enorme com a caixa atrás e depois disso que foi evoluindo para o telefone pra celular né.”

A estudante de moda ressalta que a partir do momento que ela começou a ter wi-fi em casa, o celular ganhou uma função fundamental na sua vida. “Até hoje o celular é o melhor veículo de comunicação pra mim, o que eu mais uso, é algo indispensável na minha vida.”

Davi Biaggioli sofre para estudar, pois tem dias que sua internet não tem nenhum mega de velocidade para acessar a web. (Foto: Coletivo ArquePerifa)

Esse cenário faz parte da rotina do estudante da área da tecnologia e morador de Parelheiros, Davi Biaggioli, 16. Ele conta que a chegada da internet no bairro faz parte de um cenário precário de idas e vindas.”Foi difícil a gente ter acesso à internet aqui, teve um tempo que tinha e depois não tinha mais”, conta o jovem.

Nesse processo, uma das formas do estudante de tecnologia acessar a internet foi por meio de modem móvel, um meio que trouxe muitos problemas com o passar do tempo. “A gente teve aquele pen drive, que é horrível e por volta de 2014 a gente teve internet, mas dependia do dia.”

A alternância da qualidade de sinal faz parte do cotidiano de Davi, que às vezes consegue acessar sites básicos para apoiar os estudos, mas em outros momentos fica sem sinal. “Num dia bom o acesso chega a seis megas, mas dependendo do dia é 1, 2 ou nenhum mega”, afirma.

A solução encontrada pelo jovem é pedir apoio para as irmãs que moram numa região central de Parelheiros, onde a qualidade de internet é melhor, devido aos comércios no entorno. “Minhas irmãs moram no centro e lá tem internet boa, não posso contar com a internet da minha casa, sabe? Se for algo que precise mesmo, tenho que sair de casa. Isso dificulta né, principalmente na pandemia.”

Dados desiguais 

Um estudo recente apontou o Jardim Helena como um dos 10 distritos de São Paulo com maior desigualdade digital no acesso à internet.

Esse é o cenário apontado pela Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações (ABRINTEL), que investigou a quantidade de antenas de celular nos distritos paulistanos por quantidade de habitantes.

Dos 135 mil habitantes do Jardim Helena, a região possui uma antena de célula para cada 8.440 pessoas usarem o sinal de telefonia móvel. O estudo mostra que o ideal é que uma estação de transmissão de sinal seja usada por no máximo 2.200 usuários.

Na região de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, há 335 pessoas para cada antena de celular. Ou seja, a abundância de antenas na região permite a distribuição de um sinal de internet móvel com muita qualidade para os usuários locais.

Na Região Metropolitana de São Paulo, 61% dos usuários residentes em áreas de baixa vulnerabilidade acessam a internet, por meio de celulares e computadores.

Já nas regiões com alta taxa de vulnerabilidade social, 70% dos entrevistados usam exclusivamente o celular como interface de acesso à rede.

Esses dados pertencem às investigações realizadas na pesquisa TIC Domicílios 2019, publicada em 2020 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).

“A gente tem que perceber que a desigualdade social também é replicada no mundo digital”

Toni Santos, educador de cultura digital e mestre em ciência da informação pelo CELAC-USP

Para Toni Santos, educador de cultura digital e mestre em ciência da informação pelo CELAC-USP, as desigualdades digitais fazem parte do cotidiano dos moradores das periferias na mesma medida de outras ausências de direitos sociais.

“A gente tem que perceber que a desigualdade social também é replicada no mundo digital, da mesma maneira que as periferias são maioria em desigualdade social com relação a tudo que a gente tem de bens e de necessidades básicas, desde saúde, educação, alimentação, transporte e qualidade de vida no geral”, analisa Santos.

Ele explica o analfabetismo digital é um dos produtos das desigualdades digitais a ser percebido e combatido no cotidiano dos moradores das periferias.

“A maioria das escolas públicas estão no ensino híbrido, e muitos estudantes não conseguem realizar as atividades online e por que? Existe um analfabetismo digital que faz com que esse jovem de maneira autônoma tenha dificuldade de acessar os aplicativos do estado e se expressar, se comunicar, fazer as atividades e tirar dúvidas”, argumenta o educador de cultura digital.

Educação e internet precária 

Com um olhar para o ecossistema de educação e formação de estudantes mais conectado com o ambiente escolar, a doutora em educação e escritora Juliana da Paz, moradora do Capão Redondo, afirma que é preciso explicar para a sociedade a diferença entre o acesso à internet e o acesso à educação.

“A escola é uma instituição que deveria proporcionar esse acesso à tecnologia e a internet, contudo, a escola pública ainda não consegue. Então nós temos muitas escolas onde a população acessa a educação, mas dentro desse currículo desenvolvido não há um acesso à tecnologia e a internet na escola”, explica Juliana, afirmando que deveria sim existir uma grade pedagógica para garantir acesso à internet e tecnologia como ferramenta educativa.

“A escola é uma instituição que deveria proporcionar esse acesso à tecnologia e a internet”

Juliana da Paz  é doutora em educação e escritora

O mestre em ciência da informação, Toni Santos, ressalta que o analfabetismo digital é um dos principais problemas gerados pela falta de políticas públicas para acesso à internet e tecnologia nas periferias.

“O analfabetismo digital faz com que as pessoas tenham um celular, e elas não utilizam nem 10% da capacidade desse celular, faz com que as pessoas tenham um equipamento para se comunicar e elas ainda gastem dinheiro com outras coisas. Faz com que as pessoas acreditem em fake news”, aponta o mestre em ciência da informação.

Ele finaliza, afirmando: “a gente precisa primeiramente criar e desenvolver processos de inclusão digital que sejam efetivos para impactar positivamente não só os jovens, mas os moradores das periferias como um todo”, conclui Toni. 

Plataforma de distribuição de notícias para periferias é lançada em SP

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A partir de totens digitais instalados em comércios das periferias e favelas de São Paulo, organizações de jornalismo lançam solução de distribuição de notícias para impactar moradores de territórios periféricos.

A Território da Notícia é fruto de uma parceria estratégica entre as iniciativas Periferia Em Movimento, Alma Preta, Desenrola E Não Me Enrola e Embarque No Direito. (Foto: Patrícia Santos)

A forma como as notícias produzidas por iniciativas de comunicação das periferias de São Paulo é distribuída está em transformação. A iniciativa é da Território da Notícia, que tem seu evento de lançamento marcado para a próxima terça-feira (24), a partir das 19h, em formato online.

A proposta nasceu a partir da parceria entre as iniciativas de comunicação Alma Preta Jornalismo, Desenrola e Não me Enrola, Embarque no Direito e Periferia em Movimento. A TN foi uma das iniciativas selecionadas pelo Desafio de Inovação Google News Initiative na América Latina em 2019.

Agora, os conteúdos jornalísticos dessas iniciativas de comunicação também serão acessados em pontos de grande circulação de público, conectando leitores online e offline por meio de totens digitais.

Conteúdos sobre a pandemia de coronavírus terão destaque nos totens digitais de comércios das periferias de São Paulo. (Foto: Patrícia Santos)

“A TN nasce para atravessar os caminhos de quem vive nas periferias. Não é possível ignorar a falsa democratização da internet e da informação. A desigualdade é estrutural e se renova sempre”, explica a jornalista Gisele Brito, umas das responsáveis pela gestão editorial do projeto. 

Segundo Brito,a distribuição desigual de infraestrutura e as limitações de renda e um certo analfabetismo digital existem e a Território da Notícia é uma solução para reduzir os impactas desse cenário. “O TN tenta contornar isso para promover o direito à comunicação, ou seja, para romper com a concentração da mídia”, enfatiza a jornalista.

Os totens digitais estão sendo instalados em pontos estratégicos nas regiões Leste, Oeste, Norte e Sul da capital. Além da distribuição de notícias, a TN adotou um modelo de negócio sustentável para as organizações de jornalismo, com um plano de monetização de conteúdo.

Ronaldo Matos, responsável pela gestão comercial, explica a importância da estratégia de veiculação de anúncios e de campanhas nas telas para o público e grupos empresariais locais.

“A Território da Notícia vai inovar e oferecer uma solução inédita no Brasil, que é você ofertar a possibilidade de ter um anúncio num território periférico dentro de um estabelecimento comercial, onde o anunciante vai entrar em contato com uma audiência estratégica para o negócio dele, seja um produto, um serviço ou uma política pública”, diz.

Lançamento

O lançamento na próxima terça (24) vai contar com a participação da escritora, cientista social e jornalista Bianca Santana e com da jornalista e co-coordenadora de comunicação e parcerias do Perifatec, Raphaela Ribeiro. A mediação será por conta de Thiago Borges, jornalista, também responsável pela gestão editorial da TN e co-fundador da Periferia em Movimento.

A atividade de lançamento será realizada a partir das 19 horas nas plataformas online da Território da Notícia, no Instagram e Facebook, e também no Youtube do portal Alma Preta.