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O gigante infame

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Quando as violências simbólicas continuam sendo absorvidas, como acreditar na justiça?

Estátua do Borba Gato em São Paulo – Foto: Revolução Periférica

Eu quando pequena não compreendia a importância ou fato de termos estátuas, assim como estranhava o nome das escolas que faziam parte de um grupo de pessoas desconhecidas que davam nome a coisas, eu não conhecia o significado de dar nome de pessoas a objetos inanimados, nem que isso representava uma homenagem, nós só naturalizamos.

Eu não sei como foi na vida de vocês, mas demorei muito para saber quem era Dona Zulmira Cavalheiros Faustino, que nomeia a escola estadual da qual fui estudante secundarista, que ela foi uma liderança da Vila Prel, que lutou no movimento brasileiro de educação, foi muito atuante na luta social nesse bairro.

Qual o sentido de fazer essas homenagens se nem o Estado, nem esses locais que levam os homenageados como nomes, nos educam, como população, sobre a importância dessas pessoas? Qual o sentido dessas homenagens vazias? Quem nós realmente queremos lembrar e quem são as figuras que nos são relembradas constantemente?

Assim foi com todos os pontos históricos da Zona Sul, como a Casa Amarela, a história de Santo Amaro e o Gigante Borba Gato, ponto de referência da região e a imagem mais alta que já havia visto na vida. Quando pesquisei a respeito, fiquei triste pela existência da representação, de forma tão gigantesca, de um Tenente Capitão do Mato.

Em 2008, com diversos artistas, ativistas sociais e lideranças periféricas da ponte pra cá, realizamos o Julgamento do Borba Gato. Lembro que foi estranho, mas era preciso, como se fosse nossa obrigação dizer que aquele gigante era um criminoso que representava toda violência do Estado.

Depois de 13 anos de sua condenação, que o Gigante cumpriu em regime aberto, no dia 23 de julho de 2021, sua sentença foi realizada, fogo nós fascistas!

Não posso dizer que não fiquei emocionada, depois de tanto terror que vivemos nessa pandemia, tanta falta de perspectiva para o que vamos enfrentar nas eleições que se aproximam, queimar a representação da militarização da vida e genocidio indigena, me traz um pouco de esperança.

Aqui se apresenta uma metáfora: não derrubamos uma estátua, como derrubaremos o totem bolsonarista? Não é exagero, a vida é simbólica.

Dias difíceis para mudar o mundo, quando a pedra vale mais que vida

O Estado não relativiza o fogo em nossos corpos, em nossos lideres, em nossa ancestralidade, em nossa religiosidade, em nossas casas, em nossas florestas. Talvez geramos todos os dias milhares de capitães do mato, em função de ainda considerarmos o nosso algoz.

Nossos verdadeiros gigantes não estão em estátuas pela cidade, em números possíveis de mudar o rumo da nossa história, muita gente ainda acredita em descobrimentos, libertações, em bons algozes navegando para nosso desenvolvimento em torno de modernidades transformadoras.

É importante lembrar que ele não é gigante pela própria natureza, mas porque existe um grupo no Brasil que sustenta esse tipo de ideologia do que um Tenente General, Capitão do Mato representa, exploração do povo, domínio imperialista.

Ainda existe uma faísca de respeito ao sinhozinho bondoso, ao sinhozinho sorrindo, ao sinhozinho permissivo, ele faz parte da história, contudo, nossos ancestrais também e onde estão os monumentos de repudio a escravidão no Brasil? Quando seremos ressarcidos?

Os poderosos como Borba Gato, sempre são perdoados, e nosso povo segue encarcerado, ainda existe uma fagulha de compreensão ao malvado chicote. Queremos uma democracia plena, porém, não julgamos como errado um conjunto de símbolos coloniais e imperiais que impelem em nosso legado a injustiça.

Quando as violências simbólicas continuam sendo absorvidas, como acreditar na justiça? O genocio indigena não é repudiado ao ponto da retirada de todos os símbolos que o consagraram, o que significa, de fato, esse repúdio? Não repudiamos a política escravocrata ao ponto de retirar seus executores de seus eternos palanques de pedra, o que de fato significa a luta anti-racista, anti-facista?

Foi-se os anéis, mas ficaram os dedos e esses dedos cutucam nosso imaginário todos os dias com a possibilidade de perdoar o trajeto histórico que vivemos, – que é imperdoável -, e que lentamente se levanta contra nós nesse momento.

Dinheiro para tirar o povo da miséria na pandemia, o Estado e seus mandatários não tem, mas para retificar o símbolo da sua origem, sempre haverá.

Nunca negamos a existência do nosso passado colonial, ele está cravado na criação de um país em divisões, como castas sociais que geraram o monopólio do poder político, o qual conferiu a esses estamentos senhoriais, como Borba Gato, a possibilidade de controlar a máquina do Estado e com isso nossas vidas.

Como dizia Florestan Fernandes, uma sociedade que tolhe as pressões de baixo para cima, não está somente na infância. É uma sociedade de classes que só funciona como tal para os “mais iguais”, ou seja, para as classes altas e médias.

FLOR DA SÉ

Eu vi uma flor na Sé.

Pois bem, era um dia de semana comum,

nós sozinhos na Sé, no centro, uma flor.

Enquanto isso, pessoas que pela sua classe social

desistiram da moralidade

e da tão sistemática cidadania.

Na Sé o barulho é ensurdecedor,

por isso é ignorado

e o que não se ouve, não se sente.

E lá junto a um lugar literário,

onde talvez nasceu no Brasil

o galego português,

uma casa, uma marquesa,

um amor

um amante.

Quem foi D. Pedro I?

E quem sou eu?

Eu vi uma flor na Sé

responda-me quem puder.

A sé

Asé

Até tu, São Paulo

Que só te explicam a pobreza,

e dão teu nome a politicagem soberba.

Até tu amiga que me abraça

com braços fortes,

E me faz gigante, mas não pela própria natureza,

e sim por punhos de nordestinos,

que transformam essa,

a quem deram o nome de pátria.

Sei ser cidadã e sei ser eu mesma.

Não me pergunte o que eu prefiro ser.

Anabela Gonçalves, 1997

Casa Poética realiza circuito de debates sobre cultura jovem

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Em parceria com diversas bibliotecas municipais, a programação gratuita é diversa e reúne cerca de 30 artistas e articuladores culturais convidados de diversas linguagens em debates virtuais. 

 Com curadoria de Rodrigo Ciríaco, produção executiva de Mônica Alves, o evento traz 10 mesas de debates com intervenções artísticas, em diferentes linguagens: cinema, cultura Geek e quadrinhos, arte e direitos indígenas; comunicação e jornalismo, saraus e slams, cultura lgbtqia+, funk, educação e hip-hop. E conta com nomes de destaques nestas áreas como BIA DOXUM, Dj Sophia, Chavoso da USP, Jéssica Queiroz, Luiza Romão, Ariane Freire, Samela Awiá, Ana Julia Travia, Matriarcak, Kandú Puri, Midria, Vinicius Sousa entre muitas outras pessoas convidadas.

Os encontros são virtuais, gratuitos e acontecem entre os dias 09 e 14 de agosto, com transmissão na página do poeta Rodrigo Ciríaco na  programação das Bibliotecas Municipais.

Programação completa 

09/08, 14h – Cinema: Produção e Diversidade
Biblioteca Milton Santos
Participantes: Ana Julia Travia, Jéssica Queiroz, Jéssica Campos
Mediação: Rodrigo Ciríaco

10/08, 11h – Cultura Geek e Periferia
Biblioteca Raimundo de Menezes
Participantes: Sâmela Hidalgo, Jonatas Varella e Ruthe Campos
Mediação: Rodrigo Ciríaco

10/08, 14h – Jornalismo, Comunicação e Ativismo
Biblioteca Rubens Borba de Moraes
Participantes: Ariane Freire, Stephanie Catarino e Midria
Mediação: Jennyfer Nascimento

11/08, 11h – Cultura do Slam: Arte, Rua e Poesia
Biblioteca Sérgio Buarque de Holanda
Participantes: Luiza Romão, Matriarca e Jatobá
Mediação: Mônica Alves

11/08, 14h – Arte, Ativismo e Direitos Indígenas
Biblioteca Pref. Vicente de Carvalho
Participantes: Samela Awiá, Kandu Puri e Djuena Tikuna
Mediação: Rodrigo Ciríaco

12/08, 11h – Cultura Lgbtqia+ e Quebrada
Biblioteca Paulo Guimarães
Participantes: Peu Morais, Vinicius Sousa e Estefani Moura
Mediação: Jennyfer Nascimento

12/08, 14h – Cultura do Funk e Favela
Biblioteca Vinicius de Moraes
Participantes:Thiago Torres, Fernanda Sousa e Matriarca
Mediação: Rodrigo Ciríaco

13/08, 11h – Saraus e Produção Cultural
Biblioteca Sylvia Orthof
Participantes: Potyra Paz, Gabriel Kinder e Pedro Lucas
Mediação: Mônica Alves

13/08,14h – Cultura, Educação e Direitos Sociais
Biblioteca Álvaro Guerra
Participantes: Igor Chico, Stephanie Felício e Rafael Antunes
Mediação: Rodrigo Ciríaco

14/08, 11h – Cultura Hiphop
Biblioteca Pedro Nava
Participantes:Bia Doxum, Dj Sophia e Kandu Puri
Mediação: Rodrigo Ciríaco


Curso forma jovens para transformar a quebrada com tecnologias sustentáveis

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Teve jovem que conseguiu emprego após fazer curso com professor pardal da quebrada e outros alunos que quebraram a barreira social sobre o desenvolvimento de soluções tecnológicas.

Creditos: Barbara Borda

O curso Seja Sustentável 4.0 começou com uma experiência de metodologia de ensino à distância para aproximar jovens das periferias da zona norte de tecnologias open source e do universo das energias renováveis. Um dos objetivos é preparar os alunos para desenvolver produtos e serviços empresariais e de impacto social que possam ser úteis para aplicar no cotidiano do bairro onde moram ou fora dele.

Nesta edição do curso online, o educador e inventor Fábio Miranda destaca algumas soluções tecnológicas desenvolvidas pelos alunos que poderiam ser aplicadas em diversos contextos sociais das periferias e favelas, resolvendo problemas que o poder público ainda se nega ou tem dificuldade para sanar.

Em um auditório de uma empresa parceira do curso, foi proposto para os alunos que eles se organizassem em grupos e fizesse um projeto reunindo tudo o que eles tinham aprendido no decorrer da formação.

“Teve um grupo que criou um sistema que trazia hortas verticais, e outro criou um sistema de iluminação, era um protótipo de uma árvore solar e ela tinha um banco de bateria que você conseguia carregar o celular ali na hora, e ela tinha um sistema de medição de temperatura ambiente e umidade do ar que você conseguia ver pelo aplicativo no celular, tudo isso feito por eles, a gente mostrou o caminho, mais a ideia foi eles que pensaram, eles elaboraram tudo”, conta Miranda, com um sorrido orgulhoso dos seus alunos do Seja Sustentável 4.0.

Entre esses alunos, o educador destaca um que lhe chamou atenção. “Tem um jovem que se chama Ryan, é um jovem que ele tinha um poder de liderança muito grande com a turma, na época ele tinha dificuldade para e ir ao curso porque ele morava longe, e não tinha dinheiro de condução, mas como eles usam essa camisa laranja do PAC, ele sempre conseguia pegar carona, e às vezes ele chegava muito cansado, mas sempre determinado, eu acho que é isso, tem que levar essa possibilidade pros jovens e ativar esse potencial deles”, relembra.

Após a apresentação dos projetos de conclusão do curso, o mesmo jovem relatado pelo educador veio até ele para agradecer os ensinamentos. “Depois ele entrou em contato comigo e falou: ‘eu saí empregado de lá, fui contratado naquele dia da apresentação, para trabalhar em uma empresa, o cara me contratou lá, só por te visto minha apresentação e a forma que eu falava, ele gostou muito e queria que eu fosse para a empresa dele”, revela Miranda.

 “Comecei a gostar da tecnologia, quero me relacionar mais “

Créditos: Barbara Borda

Outra jovem participante do curso é Ana Rodrigues,16, moradora de Pirituba. Nessa edição, ela conta que a cada conteúdo das aulas novas possibilidades de atuação profissional surgiam na sua cabeça, pois tudo era novo e interessante. “Eu não tinha nenhuma noção sobre gestão empresarial, juros, tecnologia também, muito menos noção de como mexer no Excel e Power Point, durante esse tempo eu consegui aprender bastante, pois pra mim foi tudo novo”, enfatiza.

Ela também faz questão de abordar alguns aprendizados que possibilitaram construir soluções tecnológicas focadas em sustentabilidade. “A gente mexeu com tecnologias de Arduino, placa solar, mexemos na prática com energia totalmente sustentável para criar um poste que liga através da energia solar, aí quando ficasse de noite ele ia perceber que fica escuro para iluminar a rua”, conta Ana, toda empolgada com as novas possiblidades de pensar e produzir energia limpa no seu bairro.

A descoberta dos processos de automação foi outro momento marcante para a jovem moradora de Pirituba.

“A gente mexeu na horta vertical, no caso ela fica automatizada quando a própria plantação percebe que o solo está seco, aí o sistema começa a liberar água para ir regando a terra, aí ele percebe que tá molhado e para de irrigar”, descreve ela, apontando que a experiência mudou sua visão sobre produzir sua própria alimentação.

Após a participação no curso, Ana já revê seus conceitos em relação a tecnologia e diz que se sente mais próxima do processo de produção de tecnológica, algo que antes era visto com muita distância. “Comecei a gostar da tecnologia e quero me relacionar mais, eu aprendi bastante coisa que eu não sabia e minha relação hoje em dia tá boa”, afirma.

 Repensando o ensino remoto

Créditos: Fabio miranda

Durante a pandemia, a realização de aulas e cursos à distância se tornaram uma plataforma de interação para manter alunos conectados com a produção de conhecimento. Em meio a esse cenário, muitos educadores encontraram diversos obstáculos para desenvolver métodos intuitivos e inclusivos de ensino remoto. Mas há outras experiências que acumulam uma série de impactos positivos no público.

Uma dessas iniciativas é o curso Seja Sustentável 4.0, formação técnica criada pelo inventor e educador Fábio Miranda, também conhecido como ‘Professor Pardal da Quebrada’. No primeiro semestre de 2021, ele desenvolveu uma metodologia de ensino remoto, usando open sources e energias renováveis, para impactar a imaginação e a criatividade da juventude periférica com uma série de novos aprendizados voltados ao desenvolvimento de tecnologias de impacto território criadas à base de materiais sustentáveis.

Mas antes do curso acontecer, o professor Pardal relembra que foi necessário testar método de ensino remoto para entender como o processo pedagógico seria colocado em prática, a fim de suprir os gargalos de acesso à internet presente no cotidiano dos moradores das periferias e favelas. 

“A gente montou os kits e mandamos para dez pessoas. As pessoas receberam esse kit em casa via motoboy, então a gente deu um jeito de chegar nas pessoas. Foi fantástico desenvolver tecnologia mesmo a distância”, conta Mirando, afirmando que aí foi o projeto piloto para testar novas formas de ensino a distância, num curso que atendeu jovens de todo o Estado de São Paulo

Após algumas experiências que deram certo e errado nessa fase de testes do curso Seja Sustentável 4.0, o inventor relata que se adaptou ao ensino remoto e principalmente a falta de internet de alguns alunos.

“No começo foi um pouco difícil, mas eu já tinha ganhado experiência na dinâmica desse curso totalmente online, alguns alunos tinham acesso à internet em casa, mas outros não”, revela o educador, apontando que contou com a parceria do Projeto Amigos das Crianças (PAC), uma organização social da Zona Norte de São Paulo que incentiva jovens e adolescentes a ter contato com novas tecnologias por meio da alfabetização digital.

Ele reforça que todos os jovens que precisaram ir à sede do PAC para acessar a internet seguiram todos os protocolos de segurança, usando máscaras, passando álcool em gel e respeitando o distanciamento social para assistir e interagir com as aulas.

O curso contou com dois módulos: o primeiro foi composto por conteúdos teóricos e seguiu a proposta de ser totalmente online; e o segundo módulo teve encontros presenciais onde os alunos tiveram a oportunidade de colocar em práticas conhecimento técnicos para desenvolver experimentos tecnológicos.

Na fase presencial, Miranda conta que o cuidado foi redobrado para impedir aglomeração e prevenir contágios de covid-19 entre a turma de alunos. “Pode ver na foto todos os jovens com máscara, turma reduzida e usando álcool em gel. Além disso, todos os materiais chegavam antes da aula e a gente higienizava tudo”, relata.

A primeira turma do Seja Sustentável 4.0 online encerrou o curso em junho de 2021. Com o sucesso do curso, já está previsto novas turmas para participar da imersão no universo das tecnologias sustentáveis e das energias renováveis.

Um dos pontos fortes do curso é o processo pedagógico que permite identificar a afinidade dos alunos com o processo de desenvolvimento de soluções tecnológicas baseadas nas necessidades do seu cotidiano.

“Dentro do processo do curso eu apresento pra eles todas as possibilidades de tecnologias existentes referentes às tecnologias sociais e as energias renováveis, é um trabalho bem aberto que me permite identificar quais são os alunos interessados no campo da programação, que gosta de mexer com open source e a cultura maker, então eu vou identificando isso, e vou mostrando quais são as possibilidades que a gente tem de trabalhar com essas tecnologias”, explica.

Mirada relata que em meio a esse processo, um dos momentos marcantes no curso é o encontro presencial para utilização de ferramentas para montagem de estruturas de PVC e madeira. “A aula que eles gostam mais é sobre o uso prático das ferramentas, eu levo furadeira, martelo e serra, tudo isso para ministrar uma aula sobre como usar essas ferramentas, respeitando segurança, uso de proteção da forma correta, qual tipo de broca eu uso para furar uma madeira, aí é interessante perceber como eles vão furando tudo em qualquer lugar, você pode ver até as meninas aí com a furadeira furando uma parede”, conta o inventor.

Ao observar a reação dos alunos em contato com as ferramentas, Miranda destaca a potência dessas experiências para despertas nos jovens habilidades e interesses que eles ainda não reconheceram para seus futuros. “Durante o processo, eles falam: ‘nossa eu sempre tive vontade de mexer em uma furadeira, mas eu nunca tive oportunidade’. Então a ideia desse curso é despertar esse potencial que eles têm, que muitas vezes é falta de oportunidade”, finaliza.

“O que tá acontecendo é a fome”: moradoras protestam por políticas públicas no Butantã

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Um grupo de mulheres que são lideranças comunitárias ocuparam a frente da Subprefeitura do Butantã junto a moradores de 22 territórios da zona oeste de São Paulo, para dialogar com representantes do poder público sobre o acesso às políticas públicas que vem sendo negadas às famílias da região.

 

Lideranças comunitárias saíram as ruas do Butantã para reivindicar seus direitos. (Foto: Vitória Guilhermina)

Na última sexta-feira (30), lideranças comunitárias de 22 territórios de periferias e favelas localizadas no distrito do Butantã, zona oeste de São Paulo, ocuparam a parte de baixo da ponte do Peri Peri, ao lado da Rodovia Raposo Tavares e caminharam em protesto na direção da Subprefeitura do Butantã, com o objetivo de dialogar com o subprefeito sobre políticas públicas que foram encerradas ou estão ameaçadas pela prefeitura de São Paulo.

Uma carta elaborada pelos moradores e líderes comunitários contendo seis eixos de discussão, entre eles: Segurança Alimentar; Emprego, Trabalho e Renda; Assistência Social; Moradia Digna; Saúde; e Zeladoria na Periferia foi entregue ao subprefeito do Butantã.

“Comida no prato é direito, por um teto debaixo da cabeça, pela volta do auxílio emergencial e pelo não fechamento dos Centros das Crianças e Adolescentes – CCAs”, foram alguns dos gritos ecoados pelos moradores organizados para reivindicar melhores condições de vida e acesso a direitos sociais.

“O que tá acontecendo é a fome” 

“O que tá acontecendo é a fome, é por isso que a gente está aqui hoje lutando. A prefeitura esqueceu as comunidades e esse tempo todinho de pandemia a gente vem sofrendo e sofrendo cada vez mais”, conta Claudete Cordeiro, 48, moradora e a liderança comunitária do Jardim D´Abril.

Ela é uma das articuladoras da manifestação e comentou sobre suas motivações para organização do ato. “A gente vem conseguindo ajuda dos movimentos sociais, das ONG´s, mas tem um momento que não tem mais de onde tirar ajuda, até os movimentos secam, e hoje viemos cobrar a prefeitura que tem que dar esse apoio para gente.”

A líder comunitária complementa que a luta dos moradores das periferias e favelas do Butantã está apenas começando. “A ideia é fazer esse diálogo e ser ouvido, a gente tá aqui para lutar, para ser visto, para não morrer, não deixar os nosso morrer”, relata ela. 

A ato foi protagonizado por mulheres que são lideranças comunitárias em 22 territórios periféricos da zona oeste de São Paulo. (Foto: Vitória Guilhermina)

O principal objetivo de Cordeiro é construir o diálogo com representantes do poder público para apresentar a carta produzida a muitas mãos pelos moradores, e para isso, ela e outras lideranças comunitárias já estão organizando a próxima manifestação na porta da prefeitura no centro de São Paulo.

“Eles vão ter que ouvir a gente, estamos levando nossa carta de reivindicações e queremos ser ouvidos, e lutando também contra os desmontes que vem acontecendo nos CCAs”, reforça ela. 

“Nós temos 1380 famílias mapeadas e nós queremos atendimento, queremos o mínimo de direitos”

Ana Cláudia Severino, moradora do Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo.

Moradores de favelas do Rio Pequeno também marcaram presença no ato, uma delas é Ana Cláudia Severino, liderança comunitária que participou da manifestação motivada pelas batalhas por direitos sociais que a Favela do Camarazal, onde ela mora tem enfrentado desde o início dos anos 2000, data na qual, ela recorda que ocorreu a última visita do poder público na região.

“O último atendimento do poder público foi em 2000, e de lá pra cá, não teve mais atendimento, e só cresceu o número de famílias que estão em estado de miséria”, afirma. Segundo Severino, citando que o estado das moradias na Favela do Camarazal é um dos principais problemas que precisam de atenção do poder público.

Ela conta que lá acontece de tudo, de incêndios a enchente e a Subprefeitura do Butantã nada faz a respeito. “A subprefeitura chega lá e mapeia a comunidade e as família, dá auto de interdição, mas não faz nada, não saí da estaca zero, bem dizer eles enxugam gelo né, fazem vista grossa e mais nada, e são muitas as famílias, nós temos 1380 famílias mapeadas e nós queremos atendimento, queremos o mínimo de direito.”

Durante o ato, um grupo de lideranças apresentou ao subprefeito do Butantã uma carta com seis eixos de políticas públicas que precisam ser colocadas em prática pelo poder público. (Foto: Vitória Guilhermina)

 A trajetória da moradora na luta por direito começou após a casa onde morava com sua família ser atingida por um incêndio. A partir deste momento, ela decidiu agir em prol de outros moradores que sentem o descaso do poder público.

Ela conta que já ocorreram três incêndios dentro da favela Camarazal. “Eu sou uma das famílias que foi prejudica pelo incêndio em 2016, fiquei com oito filhos na rua, e muitas famílias hoje perderam os barracos em enchente, os barracos estão caindo”, descreve a moradora.

Um dos direitos sociais que ela visa pautar em diálogo com o poder público é o auxílio aluguel, que começou a ser pago em 2017 para 21 famílias do território, mas foi cortado no ano seguinte, em 2018.

“No mesmo ano eu fui com as famílias para a defensoria pública lá na rua Boa Vista, atenderam a gente, e logo depois cortaram de novo, muitas famílias estão voltando para a terra natal, muitas conseguiram ir para casa de parentes, mas muitos seguem lutando e se ajudando, porque nosso governo é uma vergonha.”

O ato denunciou o fechamento de dois Centros para Crianças e Adolescentes (CCA) que poderá deixar 300 crianças e adolescentes sem atendimento. (Foto: Vitória Guilhermina)

O ato foi protagonizado pela coragem de mulheres que enxergam na organização popular e no diálogo com o poder público uma forma de reduzir os problemas sociais que afetam as famílias da região.

A moradora da Cohab Raposo Tavares, Milena Alves Nascimento, 27, é outra liderança comunitária que levou para a Subprefeitura do Butantã as suas pautas com propostas de melhorias para os serviços públicos, que não tem agradado os moradores.

“Somos esquecidos por esta em uma região onde tem muitos bairros ricos, por estar na mesma região que Pinheiros, mas estamos aqui para mostrar a realidade das nossas comunidades da Raposo Tavares, das Cohabs, das favelas, viemos para a luta para que eles nos ouçam e de uma atenção”, explica Nascimento.

Ela denuncia que as famílias que possuem crianças e adolescentes atendidos por dois Centros para Crianças e Adolescentes (CCA) na região não sabem como irão fazer, pois as unidades serão fechadas sem um diálogo prévio com moradores da comunidade.

“Nós temos muitas crianças vulneráveis nas ruas, e agora estamos perdendo dois CCAs, que é o CCA Gracinha e o Clarice, e isso causa um impacto, né? O impacto de ter mais crianças na rua e expostas a criminalização. A gente entende que quando a criança está na escola, ela tá tendo um direito à educação, e com as perdas desses espaços vamos ter mais crianças nas ruas”, comenta.

Ao entender a gravidade da situação das famílias que perderão esses serviços públicos, a conselheira do CMDCA (Conselho Municipal da Criança e Adolescente) Roberta Seto, 37, moradora do Jardim Monte Kemel, marcou presença no ato representando o CCA Gracinha, que está ameaçado de ser fechado.

Ela explicou para a nossa reportagem os motivos que estão por trás desse processo de retirada de direitos dos moradores. “A prefeitura junto com a Associação Pela Família vai fechar dois centros de convivência e fortalecimento de vínculos. A Prefeitura alega que os dois imóveis não são acessíveis e a Associação afirma não ter recurso, apesar de ter recurso para fazer as obras de acessibilidade”, denuncia Roberta.

Ela destaca que o possível fechamento destes serviços vai gerar um grande impacto nas famílias que são usuárias. “Essa indisposição para o diálogo entre a Prefeitura e a organização vai colocar 300 crianças e adolescentes na rua sem atendimento. São famílias de alta vulnerabilidade que perderam suas casas e seus empregos durante a pandemia e ninguém está olhando para isso,” finaliza a conselheira.

Um convite ao afeto: às vezes é bom poder se afetar

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Este texto é um pouco diferente dos demais da coluna, ele irá falar sobre afetos, sobre a importância da construção afetiva.

Agnes junto com alunos e coordenadores da Ubuntu. Foto: Adimildo Martinho

Ao falar de afeto, o que vem em sua mente? Um abraço, talvez um beijo, alguém que você ama… afeto pode ser tudo isso, mas também ganha outros significados, afeto às vezes não é somente o contato físico, mas o falar, o se importar, o olhar para o outro e compreendê-lo.

No primeiro ano da universidade tive contato com Henri Wallon, um teórico importante e que coloca a afetividade como algo essencial para o desenvolvimento da criança. Naquele momento eu começo a concordar e a relembrar muitas coisas que vivi na escola, mas também a criar uma identidade sobre o que eu pensaria mais tarde a cerca da educação e o que me levaria a escrever esse breve texto.

De forma extremamente simplista usei Henri Wallon, mas o fato é que hoje a pauta dos afetos possíveis, da construção de identidade com afetos, entre outras, se tornaram mais comuns, e é fato, somos seres sociais e vivendo em sociedade criamos laços todos os dias, ao longo do tempo e da vida em meio a tanta desigualdade e problemáticas, tantos sustos, dores e tantas coisas que precisamos reprimir para seguir em frente perdemos nosso olhar afetivo para os ‘outros’, mas ser afetado não é ruim.

Afetar-se do outro, dos acontecimentos e das vivências não é negativo, mesmo que isso passe por sentimentos como raiva e tristeza, isso faz parte da construção das nossas relações e nos ensina sobre como poderíamos melhorar, mudar formas de falar, mudar gestos e demonstrar afetos de novas formas.

É fato que criar afetos possíveis dentro de alguns contextos é quase como correr na contramão da realidade, mas é um dos caminhos e podemos ousar tentar!

O afeto auxilia no nosso processo de autoestima, de construção do olhar e de desenvolvimento, negar isso é também perder momentos importantes e valiosos. 

Hoje, a produtividade é o motor das nossas vidas (estou escrevendo este texto me culpando por não ter feito mais coisas hoje, mas são minhas férias), essa vontade desesperadora de bater metas como se nossas vidas fossem corporações retira também a possibilidade (maravilhosa) de vivenciar afetos e de poder tocar o outro.

Afinal, dentro desse contexto precisamos ser egoístas de forma negativa, precisamos ser ambiciosos e viver dentro de constantes sustos sociais.

Mas por que falar e ter afeto é importante? 

Eu sempre digo uma frase que parece de efeito, mas faz parte da minha crença na vida e nas pessoas que é: a vida só é boa, porque existem pessoas comigo, sem as pessoas não existe beleza em viver.

Essa frase rodeia minha trajetória inteira, principalmente após a Rede Ubuntu-Educação Popular onde existe a valorização da coletividade e isso me renderia momentos inesquecíveis, que realmente não daria para descrever, a possibilidade da troca e de ser eu mesma em coletivo me ajudou e me fez acreditar que era possível.

Na Escola Comum eu sou salva em um dos piores momentos da minha vida, é lá que eu encontro jovens brilhantes, professores brilhantes e um ano que era um sonho, pensar política e juventude, pensar em construções partindo das juventudes de periferia seria algo único, minha maior marca foi quando a maravilhosa antropóloga Rosana Pinheiro-Machado escreveu uma dedicatória iniciada com “minha brilhante”, após isso eu li essa dedicatória muitas vezes, eu acreditava e o culpado disso era o afeto. 

Turma piloto da Escola Comum

Já na universidade eu encontro muitas angústias e assim começo a fincar meu real pensamento sobre educação e é fazendo isso que chego até a Dra. Maria Carla Corrochano, professora na UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos, e a pessoa que irá me auxiliar a traçar meu caminho mais recente, foi pesquisando com a Carla que aprendi e reafirmei crenças sobre o afeto, sobre a identidade, sobre a valorização das pessoas.

Sempre confiei ser possível fazer ciência, pesquisa e universidade acessível, que fosse acolhedora e que trabalhasse nossos afetos, afinal, pesquisar também relembra nossas dores, também passa por pessoas, também reafirma duras realidades. Ao realizar pesquisas que envolviam várias pessoas e que tinham uma ideia coletiva revejo afetos possíveis, e se fazem através da fala.

Poder falar, poder se expressar, ser ouvido, ser respeitado, criar hipóteses e ver que não estão corretas e passar pelo processo de questionamento me possibilitou relembrar e valorizar os afetos, eu não saberia dizer se estaria aqui hoje mais focada em educação se não tivesse acessado essas pessoas.

Não precisamos só relembrar que necessitamos de trocas, mas aprendermos a sermos abertos a elas, isso não precisa envolver afeto romântico, nem nada que talvez possa incomodar algumas pessoas por inúmeros motivos, mas ainda estamos nessa sociedade, ainda podemos olhar ao nosso redor e enxergar nossas realidades, o que mudou? O outro é menor que eu? Eu preciso ensinar algo para alguém? Quantas pessoas moram no meu bairro? Eu entendo essas territorialidades?

O afeto influencia no nosso desenvolvimento cognitivo e nos auxilia na construção dos laços, se afetar também é se permitir construir, é poder repassar isso para nossas crianças e jovens, é poder demonstrar ainda mais do espírito Ubuntu de coletividade que mora na periferia, uma herança ancestral africana e que pode ser o caminho para muitas das mudanças que buscamos.

Neste texto agradeço a todos que foram fontes de afeto e acolhimento para minha história, em especial agradeço a Rede Ubuntu – Educação Popular onde eu fui abraçada desde o primeiro dia em que pus meus pés lá.

Os afetos podem ser possíveis e dentro de contextos periféricos onde convivemos diversas vezes com variadas violências (inclusive do Estado que deveria nos amparar), precisamos construir e reconstruir nossas heranças ancestrais e laços de coletividade. Lutar só é possível em coletivo. Não se faz política sem as pessoas.

Ubuntu: a humanidade é o coração da unidade. Ubuntu, para nós, para os nossos e para todos os que virão depois de nós!  

Cidade Tiradentes e Jardim São Luís ganham videocasts comunitários

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Derivado do formato do podcast, o videocast chega às periferias, por meio de iniciativas que querem revelar novos talentos artísticos na quebrada e desenvolver uma visão empresarial na comunicação digital nas periferias.

creditos: Clessio Meireles

Foi observando os assuntos mais comentados por moradores em grupos de Facebook e em Lives, que o autônomo Maykon Telles, 25, morador Jardim Bandeirantes, na zona sul de São Paulo, decidiu criar o videocast Papo de quebrada, um programa de entrevistas que destaca a participação de artistas independentes e personalidades das periferias.

O que chama a atenção na história de Maykon é a forma como ele construiu a ideia do videocast. Ele conta que foi a partir da produção de lives dentro do seu carro que surgiu os primeiros experimentos digitais para sentir a receptividade do público na internet.

“Eu tinha um carro, um palio 97, aí eu comecei a fazer as lives nesse carro, e meu eu gostava tanto, eu comecei a fazer muito sucesso nesses grupos do Facebook fazendo live e trocando ideia com eles. Mano foi um bagulho muito legal”, relembra o produtor de conteúdo.

A partir destes experimentos de produção de lives dentro do seu carro, ele percebeu que poderia produzir seus próprios conteúdos e ser referência para outras pessoas do bairro usando plataformas digitais de produção de narrativas.

Uma das inspirações para Maykon lançar o Papo de Quebrada foi assistir o já consolidado videocast Podpah, programa de entrevistas que recebe personalidades da música brasileira no Youtube.

“Comecei assistir o Podpah, aí eu comecei a entender mais sobre isso, e daí eu tive essa ideia de fazer um programa chamado cozinhando e resenhando”

Maykon Telles, criador do videocast Papo de Quebrada

A ideia inicial do produtor de conteúdo consistia em criar um podcast diário com a participação de MC´s de rap e funk para bater papo, enquanto eles cozinhavam algum prato. “Seria tipo uma ‘Ana Maria Braga’ aí eu chamaria os MC´s para ficar trocando ideia e fazendo comida”, relata ele, enfatizando que esse formato não foi para frente, devido à falta de dinheiro para bancar a produção do programa.

Ao entender que essa história de podcast iria gerar muitos gastos diário, Maykon passou a desenvolver também um olhar de negócios para o seu projeto.

“Mano imagina pegar e comprar comida todo o dia? Eu não tinha a noção que eu tenho hoje, se eu tivesse a noção que eu tenho hoje, esse pouco tempo de podcast, eu aprendi sobre marketing, sobre tanta coisa velho, se eu tivesse o conhecimento que eu tenho hoje eu até conseguiria um parceiro para me conceder comida todos os dias “, afirma.

Ao final desse processo, Maykon optou por um formato de gravação em estúdio, saindo do seu Palio 97, para ocupar a casa da sua vó. “Eu tinha a casa do meu pai e da minha mãe só que nenhuma dessas casas chegava internet suficiente ao ponto de fazer live com qualidade boa, então eu peguei e fui conversar com minha avó, que era a única que tinha internet que conseguia suprir o que a gente precisava”, explica.

Além de seus familiares, ele teve apoio de seus amigos que acreditaram na ideia e investiram com o empréstimo de equipamentos de áudio, que hoje são a base do seu videocast Papo de Quebrada

“Eu precisava de um equipamento de áudio e tem o Alemão, um amigo meu que a gente conversa todos os dias, e trocando ideia com ele sobre o projeto ele falou pra mim: Maykon eu tenho 5 microfones, uma potência e uma mesa de som, eu consigo estar te ajudando”, comenta ele, que mesmo sem capital de giro para colocar o projeto em prática, contou com ao apoio de familiares e amigos para tirar a ideia do papel.

creditos: Clessio Meireles

Desmistificar que a periferia só tem coisas ruins em seu cotidiano é um dos principais objetivos do videocast. Papo de Quebrada. “Como a mídia só mostra o lado ruim da quebrada, eu fiz o programa para mostrar o lado bom da quebrada, mostrar os artistas que a quebrada tem “, conta.

Ele acredita na importância dos artistas ‘da ponte pra cá’ serem mais vistos e valorizados nas redes sociais. “Claro que vai vir uns caras famosos para impulsionar o canal, só que o foco é ajudar os caras que tá na quebrada e tem muitos que são bons e não estão sendo vistos”, argumenta.

A visão de Maikon de valorizar artistas independentes da periferia que tem pouco espaço na mídia caminha junto do propósito empresarial do produtor de conteúdo. Segundo ele, é preciso construir uma mudança no formato de investir na quebrada.

“Vamos colocar uma filosofia diferente na cabeça das pessoas, pegar um empresário e colocar na cabeça dele que não precisa só empresariar jogador de futebol, que a quebrada não tem só jogador bom de futebol, ele pode empresariar a carreira de um MC, a carreira de um ator, a carreira de seja lá o sonho que a pessoa tiver, então eu fiz no intuito disso o podcast”, complementa.

Atualmente o estúdio do Papo de Quebrada está localizado no Parque Santo Antônio, bairro localizado no distrito do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo. O espaço onde rola as gravações do videocast ganhou uma nova estrutura. “A gente conseguiu fazer um estúdio com sistema Chroma-key, aquele fundo verde que a gente coloca uma favela pro pessoal quando tiver em casa assistir a gente. Essa tecnologia ficou bem legal”, conta Maykon, demonstrando que o sonho cresceu e cada vez mais ganha mais apoiadores.

Em menos de seis meses de atuação, o videocast Papo de Quebrada já acumula muitas parcerias com comerciantes da região. “A gente tem parceria com pizzaria, hamburgueria, adega, tabacaria e tem umas parcerias que mandam coisas pra minha casa entendeu”, revela Maykon.

 “Nenhum de nós sabia lidar com equipamentos e tudo mais”

creditos: Anderson Alves

O morador do Parque do Carmo Anderson Alves é apresentador e investidor do No Fundão, um videocast com estúdio localizado na Cidade de Tiradentes, extremo leste de São Paulo. Mesmo com os desafios de infraestrutura, como acesso a equipamentos e principalmente de acesso à internet de qualidade, o projeto virou uma realidade que demorou apenas duas semanas para ser colocada em prática.

“Duas semanas depois de tomar a decisão de produzir o videocast eu já estava comprando tudo, aí a gente tinha só o desafio de encontrar o lugar. Eu sempre quis que fosse na Cidade Tiradentes, a gente até chegou a cogitar em ir pra outros bairros, por questões técnicas de infraestrutura, pelo fato de a Cidade Tiradentes não ter uma estrutura legal “. relata o apresentador do programa.

Ele considera a missão de produzir conteúdos digitais nos territórios periféricos um desafio difícil pela dificuldade em encontrar um serviço de internet de qualidade na região da Cidade Tiradentes.

“Primeiro que a gente não achou uma empresa que tenha internet no nível que o programa exige, uma internet boa para ficar uma transmissão legal, isso é uma coisa que tá limitando a gente agora, é um dos maiores desafios nossos”, afirma Alves, que segue em busca de serviços de internet adequados a realidade de consumo de dados do projeto de videocast.

Mesmo com os desafios de conexão, que acabam gerando uma série de gargalos na evolução do projeto, o apresentador revela que descobrir os talentos artísticos da quebrada acaba sendo uma grande fonte de energia para manter o projeto de pé.

“A gente acabou descobrindo que tem muito mais que a gente imaginava, tem muito talento descoberto, tem muita voz calada, e a gente tá dando um pouquinho de espaço pra cada um, a maioria tá ali na luta buscando um espaço na mídia, é o sonho de todo artista seja qual for o nicho dele” 

Anderson Alves, apresentador e investidor do videocast No Fundão

Outro desafio apontado por Anderson é o fato dele e da sua equipe estar em processo de aprendizado para mexer nos equipamentos do estúdio, entendendo a técnica dos aparelhos eletrônicos de áudio na prática. “O aprendizado maior foi fazer a coisa acontecer, mexer em um programa não é fácil não”, revela.

Ele conta que no momento não tem um profissional técnico de áudio ou formado em produção de conteúdo digital na sua equipe para mexer nos equipamentos, e que a saída tem sido pedir suporte para os amigos que tem mais experiência no ramo.

“Pedimos muita ajuda de gente que entende e que é técnico, por meio de ligações pelo telefone ou chamado de vídeo. Eles dizem: ‘faz assim ou assado que na internet tem um programinha que faz isso’. Mas nenhum de nós sabe lidar com equipamentos e tudo mais, acho que é a maior dificuldade também”, diz o apresentador, que investiu no projeto e acredita no potencial do programa.

Com uma proposta de valor semelhante ao Papo da Quebrada, o No Fundão já está recebendo investimentos de comércios das periferias da zona leste. “A gente está conseguindo fechar patrocínio, essa semana inclusive a gente conseguiu fechar nosso primeiro patrocínio, fechamos um patrocínio por 15 dias, aí vamos rodar esse comercial. Estamos correndo atrás de um outro patrocinador e assim por diante”, conta Anderson, enfatizando que o propósito editorial do programa chama a atenção dos parceiros, pelo fato de valorizar os artistas dos territórios periféricos.

Ele e sua equipe ainda estão aprendendo a mexer nos equipamentos, mas os planos de futuro são promissores, pelo fato de já ter montado o próprio estúdio e conseguir parceiros para apoiar a produção do programa.

“Durante esse tempo a coisa que eu não imaginaria fazer é dar conta de conduzir um programa, querendo ou não a gente já trabalha com audiovisual, é imagem e áudio né, agora que tá vindo um podcast com formato de vídeo, a gente por nunca ter feito foi uma descoberta nova pra gente, mas a gente vê que agora que somos capazes de fazer o que a gente quiser, a gente é capaz de testar, se adaptar e aprender qualquer coisa”, finaliza o apresentador.

Celular e televisão viram válvula de escape para distrair filhos na pandemia, diz mãe solo do Grajaú

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Bolinha de gude, soltar pila, brincar de boneca, ir ao parque, passear na praça e dormir na casa dos amigos, são alguns exemplos de simples ações de lazer que fazem parte do cotidiano de famílias periféricas que tem filhos na fase da infância, que deixaram de existir e deram lugar a novos hábitos de diversão na pandemia.

Creditos: Natasha Navarro

“As mães são guardiãs dos nossos lares e das nossas crias”, define a produtora audiovisual Natasha Navarro, 21, moradora do Cantinho do Céu, distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo.

Essa visão de mundo é uma referência direta ao documentário “Guardiãs”, um curta metragem que ela produziu há um ano atrás, retratando o cotidiano de mães, que assim como ela estão desempenhando durante a pandemia um papel ainda mais difícil de ser uma ‘guardiã’ para proteger seus filhos.

No filme, Natasha se coloca também como personagem, a mãe de Elis de 1 ano e 9 meses e de Alice de 4 anos. As duas filhas da vida real estão ao seu lado durante 24 horas, porém ao longo da pandemia, um período forjado por muitas desigualdades sociais para mães das periferias, a produtora audiovisual viu seu papel de mãe se transformar em uma alucinada rotina puxada pelo desafio de gerenciar o tempo entre a vida profissional e a pessoal.

“Tem dia que a gente consegue da conta de tudo realmente, e tem dia que não dá, tem dias que a gente consegue fazer o básico que é alimentar as crianças, dar banho nelas sabe, e conciliar o trabalho também é difícil “, conta a moradora do Cantinho do Céu.

Ela argumenta que faz muita coisa ao mesmo, e por conta disso vive um dia de cada vez. Nesse cenário, a jovem mãe acaba tendo inúmeras barreiras para tirar um tempo para cuidar de si própria. 

“É bem confuso isso porque a gente acaba esquecendo de nós mesmas, às vezes a gente acaba vivendo tanto nesse looping né que vira uma rotina muito cansativa aonde a gente nem se lembra da gente”, diz.

O cenário começa a se complicar para Natasha quando essa falta de tempo acaba se transformando em uma culpa e elevada auto cobrança. 

“É muita responsabilidade para a gente. A gente tem essa preocupação que poxa eu tenho que me manter focada no trabalho, tenho que dar conta das crianças, tenho que deixar a casa minimamente organizada, só que a gente não é robô, então de um tempo para cá eu comecei a fazer a o que dá”, desabafa.

Em meio a esse contexto difícil e desigual para uma mãe solo cuidar de duas filhas Natasha revela o impacto de aparelhos eletrônicos como a televisão e o celular na rotina da vida dela e das filhas.

 “Tem justamente esse momento do celular, eu tento podar isso e não deixar muito tempo porque eu sei que às vezes o que elas estão consumindo não é uma coisa educativa, não é uma coisa que vai trazer um aprendizado para ela”, afirma.

Como ela mesmo define, o momento do celular é quando ela consegue fazer outras coisas em casa, porém ela tem muitas críticas aos conteúdos acessados pelas crianças. 

“Às vezes elas gostam de ver uns vídeos de alguém abrindo uns brinquedos, e outras vezes elas pedem esse brinquedo pra mim”, relata Natasha, enfatizando que quando isso acontece ela não tem o dinheiro para comprar. “Eu fico meio monitorando o que elas estão vendo e tentando colocar horários, mas é muito difícil na realidade, eu só ligo a tv lá, coloco um desenho e elas ficam quietas assistindo.”

Durante a entrevista, a filha mais nova de um ano e nove meses diz que prefere assistir conteúdo no celular ao invés da televisão. 

“Tem a questão da TV, ela falou agora e eu lembrei que ela não gosta de assistir na televisão porque ela não escolhe o que ela vai ver, e no celular como está na mão dela, ela consegue ver tudo, ela consegue mudar, ela consegue escolher, ela fica mudando toda hora, e na tv não”, descreve Natasha sobre o comportamento da filha mais nova.

Ela conta que esse comportamento da filha já reflete o desenvolvimento de uma malícia para entender quais meios eletrônicos são mais interessantes para ter autonomia de escolha dos conteúdos. 

“A mais velha que já tem quatro aninhos e ela já consegue brincar no mundinho dela, ela já consegue ficar mais de boa sem depender tanto, mas agora a mais nova não tem jeito, ou coloca uma Galinha Pintadinha, um Joãozinho, alguma coisa pra eles assistir, ou é total atenção sabe, não que isso seja uma coisa ruim, mas a gente precisa trabalhar, a gente precisa fazer nossas coisas né, então eu acho que ia ser um pouco mais difícil , se não tivesse”, enfatiza Natasha, apontando que apensar do malefícios, os aparelhos eletrônicos e digitais cumprem um papel de aliviar a carga de trabalho das mãe solo.

Ela finaliza a entrevista afirmando que quando não está dedicada ao trabalho, todo o tempo livre é voltada para as suas filhas.

“Eu tento que desvincular isso, por exemplo, na hora de dormir acabou televisão e acabou celular, acabo tudo! Então a comecei a dar livros para elas, sem ser esse meio digital. Eu percebi que no começo elas gostavam mais, mesmo sem entender tanto, mas isso não prendia elas, o celular e a televisão infelizmente acaba sendo uma válvula de escape para mim”. 

Natasha finaliza lembrando que por muitas vezes tentou outros formatos de entretenimento para suas crianças para fugir do universo digital, porém esse ainda é o tipo de conteúdo que mais prende a atenção delas.

Culpa e paternidade

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Sei que me dei conta desse “estado de ser” chamado culpa e que daqui, sigo desorganizando para me organizar.

Favela Monte Azul, Jardim São Luís – Zona Sul – SP/16 – Foto: Dicampanafotocoletivo

Nos últimos meses tem sido difícil conseguir escrever, compartilhar das vivências por aqui. Um pouco de desejo de saber como tem ressoado em quem lê e um pouco de conseguir falar mais abertamente, sem necessariamente falar das experiências com Malik.

Vou me ater mais um pouquinho às nossas experiências, por que, enfim, consegui me dar conta do sentimento que também vem contribuindo para esse bloqueio na escrita, A CULPA. Tamdamdam (imaginem esse som clássico rs)

Quando Malik nasceu, havia um cronograma bem delineado, no qual buscava seguir, pra auxiliá-lo em seu desenvolvimento, mas também para ter algum tempo entre cuidar-se e preparar as coisas pra quando ele acordasse. Foi seguindo por um tempo, iniciou na creche, então ganhamos um respiro, mas aí se instaurou logo, poucos meses depois do início da creche, a pandemia.

Foram momentos de muitas reorganizações emocionais, afetivas e uma tentativa de entendimento de por onde e como as coisas iriam se dar… a gente deprime, cansa o corpo, as contas começam a se embolar e as agendas começam a não serem mais as mesmas.

Tem horas que o cansaço físico e mental batem de uma tal forma, que junta com a comida que ainda não está pronta, com o atraso que tu deveria ter acordado um pouco mais cedo e a ansiedade começa a bater, a criança começa a demandar e bate aquela angústia, aquela culpa, de “eu tinha que ter acordado mais cedo'”, “ontem eu deveria já ter adiantado algumas coisas”.

Pense, na real está tudo bem. Tudo bem se naquele momento quebrou o fluxo da agenda. Mas isso passa a afetar o humor, estressa e instaura um autojulgamento.

Dissabor, somos impermanentes, mas como fomos pouco instruídos, fomos educados a lidar com nossas frustrações? Como é que podemos acreditar lá no fundo de nós, que temos que ser perfeitos? Afinal, sabemos conscientemente que não rola essa tal de perfeição, ritmos e agendas impecáveis.

Mas o monstrinho tá lá cutucando, dizendo: tu podia ser melhor, fazer melhor, se adiantar, se organizar, mesmo quando a organização chega a preencher as paredes de anotações e horários idealizados.

Voltemos ao dissabor. Minha povaria, esse ser, vai se impregnando no corpo tempo, a criança começa a brincar com uma borboleta e tu não vê, diz seu nome três vezes e tu só ouve na quarta, ai tu fala: “o filho, num chora, é só chamar o pai”, mas a cria já chamou três vezes e tu só ouviu na quarta. Ai a cabeça entra em parafusos, porque tu queria que a criança não ficasse nervosa a toa, mas tu não prestou atenção e se contradisse.

Ai tu para pra conversar com as pessoas sobre isso e percebe que isso acontece, é comum, e que o dissabor virou culpa e a culpa te consumiu tempo e apreciação. E se a gente não se dá conta ela nos toma conta por dias, perdemos por esses dias o encantamento, a troca, a surpresa, só operamos no café da manhã, almoço, janta, sonecas e banhos. Robóticamente está tudo certo.

Não acho que tem uma receita, não sei se deu pra sentir a agonia que essa nóia dá!?

Sei que me dei conta desse “estado de ser” chamado culpa e que daqui, sigo desorganizando para me organizar.

Sigo conversando comigo, me acolhendo pra me reconectar em fazer coisas que me dão prazer e compartilhar isso com ele. Os preparos da comida, o banho junto, havia até me esquecido que ele não gosta de comer sozinho, que é um desafio imenso dar comida pra ele e um prazer enorme, comer junto com ele.

Tenho curiosidade de saber, tu que me lê, quais suas experiências? Comenta aqui! 

Alegrias e desafios da maternagem são temas do novo livro de Juliana da Paz

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 “Seria cômico se eu não fosse a mãe”, lançado pelo Selo Sarau do Binho, relata as experiências de gerar e cuidar de crianças, explorando a multiplicidade de emoções e descobertas da autora sobre o cuidado diário com seus filhos.

 Com uma série de crônicas sobre como é ser mãe, mulher afroindígena e de periferia, o livro “Seria cômico se eu não fosse a mãe”, de Juliana da Paz, será publicado por meio do Selo Sarau do Binho durante a programação Intercâmbios Culturais da FELIZS – Feira Literária da Zona Sul deste ano. O lançamento será no dia 27, às 19h, durante a realização virtual do Sarau do Binho.

A ideia da publicação é compartilhar as experiências de maternidade, vivências ligadas à gestação e ao parto, e também da maternagem, termo que abrange os cuidados com a criança depois do parto e que também pode envolver outras mulheres. 

O projeto gráfico, a diagramação e as colagens de “Seria cômico se eu não fosse a mãe” foram feitas pela Kacili Zuchinali e o texto foi revisado pela Sônia Bischain.

“Quem vê de fora, elogia, acha legal. Ou depois que a história passa, a gente acha graça de determinadas situações. Mas no momento que a gente vivencia é tudo dolorido e pesado”, afirma a autora Juliana da Paz, 37, mãe, pedagoga e moradora do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Ela relata que a ideia de contar suas vivências neste formato de livro surgiu em 2015, quando engravidou do seu primeiro filho, Joaquim. Em 2021, nasceu Vicente, seu segundo filho, e o desejo de compartilhar suas vivências se fez ainda mais presente. 

Ser mãe na sociedade que a gente vive inclui sentir culpa por não conseguir fazer tudo. E quanto mais você estuda, mais culpa você sente por não ser uma mãe perfeita. Inclui medo de errar, de cometer enganos. É um lugar de muita tomada de decisão. E também tem uma sobrecarga emocional, psicológica e física imensa. Isso porque, geralmente, tudo que dá errado é culpa da mãe.

“A criança é um sujeito forjado na sociedade, no meio, na família” 

Além de pedagoga, Juliana é pesquisadora na área da infância e conta que a maternidade e a maternagem, surgiram também como uma possibilidade de vivenciar seus estudos a partir de outra perspectiva. “Eles [filhos] enriqueceram meu repertório muito mais do que eu consegui aplicar o que eu estudei”.

As alegrias da maternagem convivem com a sobrecarga física e emocional, além da constante preocupação de criar crianças em uma sociedade machista. A partir da perspectiva feminista, a autora também sente a responsabilidade de quebrar os padrões machistas no dia a dia da educação de seus filhos.

Na nossa conjuntura social, geralmente quem cuida é a mulher, é a mãe ou a mãe da mãe. Essas pessoas deveriam ter mais tempo ou serem remuneradas para realizar esse trabalho. Porque, no final das contas, nós estamos produzindo a mão de obra para o capital, cidadãos para a nossa sociedade. Somos nós que estamos criando e cuidando dessas pessoas. Isso é muito pouco valorizado

Juliana ainda grávida de Vicente ao lado de Joaquim, seu filho mais velho.

Intensa produção literária 

A ligação com a escrita vem de muito tempo em sua vida. Incentivada por amigos e professoras, ainda na pré-adolescência, Juliana participou da criação do jornal da escola, onde publicou sua primeira poesia. “Tinha muita vergonha de assumir que quem escreveu fui eu e criei um pseudônimo para a autoria do poema que foi Luciana Viana”, lembra a autora com carinho de sua conquista aos 13 anos.

Alagoana, Juliana esteve em São Paulo pela primeira vez entre seus 12 e 17 anos. Neste período, morava no Jardim Monte Azul, zona sul de São Paulo e teve contato com a literatura por meio da escola pública que estudava e de organizações do território, como a Associação Cultural Monte Azul e a Tropis, na qual ajudou a fundar. Foi frequentando estes espaços que a autora conheceu o Sarau do Binho.

Mesmo voltando para Maceió, a autora participou do Sarau do Binho e das atividades da Felizs quando vinha de férias a São Paulo. Há alguns anos, retornou definitivamente para a capital paulista e estreitou seus vínculos com o movimento literário, atuando na equipe de produção da Felizs durante alguns anos. “O Sarau do Binho está na minha trajetória como este espaço de estímulo à produção da literatura na periferia. E também vejo ele engajado com muitas causas sociais”, afirma.

Seja por meio da escrita artística ou da produção literária acadêmica, Juliana se manteve sempre escrevendo. Participou da organização de livros lançados pela EDUFAL – Editora da Universidade Federal de Alagoas, universidade na qual fez sua graduação em Pedagogia, além do mestrado e doutorado em Educação.

Em 2020, Juliana ajudou a fundar o blog “Elas contra Tebas”, que publicava textos produzidos por diversas mulheres, entre eles, textos inéditos de sua autoria. Durante o processo de produção de textos para o blog, as autoras compartilhavam entre si os desafios da escrita enfrentados por mulheres, principalmente em livros impressos.

Dessa troca, surgiu a ideia de criar a editora Vicença Editorial e convidaram Juliana para lançar o livro de estreia. “O principal mote da editora é lançar livros de mulheres com trajetórias parecidas com a minha, que moram na periferia, que são mães, trabalhadoras e que têm dificuldade de encaixar uma obra no mercado editorial, em editoras maiores”, conta.

A editora é formada por Arlete Mendes, Jesuana Sampaio, Carol Tomoi, Ana Karina Manson, Juliana da Paz e Celane Tomaz. A publicação “Um ano sem roupa: textos sobre como amar é difícil e bom” é o livro que abre os trabalhos da editora e nele Juliana reflete sobre as questões das mulheres, autoconhecimento e amor próprio.

“Quero explorar a minha complexidade”, diz Fábio Feijão sobre seu primeiro livro

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Lançado pelo Selo Sarau do Binho, “Âncora de Isopor” traz o múltiplo universo das emoções do autor e é um dos lançamentos publicados este ano pelo selo durante a programação Intercâmbios Culturais da Felizs, Feira Literária da Zona Sul.

“Âncora de Isopor”, livro de estreia de Fábio Feijão, reúne contos, poesias e debate sobre questões raciais, masculinidade, caos político e relações humanas. O lançamento do livro está marcado para o dia 27, às 19h, durante a realização virtual do Sarau do Binho e é um dos lançamentos publicados pelo Selo Sarau do Binho durante a programação Intercâmbios Culturais da Felizs, Feira Literária da Zona Sul, deste ano.

O livro “Âncora de Isopor” foi diagramado por Gastão Cavernoso, tem capa de Daniel Minchoni e revisão de Tatiana Minchoni.

Fábio Feijão, 39, é morador de Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo, poeta, fotógrafo, educador e instrutor de Hatha Yoga. O artista frequenta o movimento literário Sarau do Binho desde 2006 e reconhece neste espaço um ambiente de troca, diálogo e contato com as diversas linguagens artísticas. “O sarau para além da produção artística do território, tem uma coisa muito importante que é a questão do afeto”, compartilha Fábio.

Essa rede de amizades e apoio criada por intermédio da poesia foi essencial para que ele reunisse algumas produções antigas e também produzisse novos conteúdos para seu primeiro livro. “Eu venho pensando no livro há alguns anos e também fazem alguns anos que pessoas que fazem parte da cena, outros poetas, produtores e produtoras vem me cobrando, me incentivando”, afirma.

A obra foi escrita parcialmente durante a pandemia de covid-19 e a distância da sua rede de amigos, seguindo os protocolos de isolamento social. Fábio revela que este momento foi desafiador para sua produção literária. “Isso acabou me afetando de uma forma que eu nem sei ainda e que no futuro eu vou descobrir.” 

Desde sempre fascinado pela escrita 

Encantado pelas possibilidades de troca e relações promovidas pelo sarau, o autor se conectou com o movimento literário periférico por sentir que ele instiga ainda mais seu instinto criativo. “A minha maior alegria na escola, dentro do que o currículo escolar me oferecia, era a literatura, escrever texto, fazer redação, criar histórias”, conta ele sobre o início da sua paixão pela criação literária.

Fábio Feijão permaneceu imerso na literatura durante a adolescência devido à sua ligação com o rock, estilo musical que proporcionou o encontro com amizades e com a produção artística.

“Eu comecei a escrever ali já na adolescência, como se fossem letras de música. Então, eu imaginava um ritmo, geralmente era tudo rimado. Inclusive, mexendo nas minhas caixas recentemente, encontrei muita coisa escrita daquela época. Por isso, eu percebi que nunca deixei de escrever, mesmo que tivesse um intervalo muito grande”.

Foi nesta época também que iniciou seu contato com o audiovisual por meio dos videoclipes das bandas que gostava. Hoje, ele e seu amigo Gastão Cavernoso, jornalista e que também fez a diagramação de “Âncora de Isopor”, são responsáveis pela produtora audiovisual Pasta Base.

Com uma vontade pulsante de se expressar e de produzir arte, o autor se lançou como fotógrafo e produtor audiovisual. Ainda atuou como educador de fotografia em diversos espaços, sempre buscando desenvolver o senso estético e crítico nos jovens atendidos.

O contato com a escrita e a música proporcionou a Fábio Feijão uma rede de amigos e, por intermédio de seu irmão, conheceu o movimento literário das periferias. 

“Eu imaginava o sarau uma coisa muita antiga, de escritores antigos. Quando eu chego e me deparo com um sarau, que era o Sarau do Binho, ali no Campo Limpo, próximo da minha casa, que eu ia andando, vejo uma diversidade de pessoas incríveis. Tinha um palco onde todas as pessoas que estavam ali podiam se manifestar. E, de brinde, ainda era um bar.”

O artista conta que o ambiente que encontrou dentro do movimento literário o encantou, e que carrega consigo até hoje as relações estabelecidas nesses encontros. “Eu podia tomar cerveja e ouvir tudo o que as pessoas ali tinham pra falar. Eu tinha um fascínio pela diversidade de coisas que aconteciam ali”, e assim passou a frequentar o sarau e a tirar seus escritos da gaveta.

“Procuro decepcionar as pessoas que esperaram que eu por ser um cara preto da periferia falasse só das mazelas da vida”

Apesar dos moradores das periferias enfrentarem diversos problemas que ainda persistem devido a estruturas historicamente desiguais, Fábio considera que o movimento do hip hop dos anos 90 conseguiu denunciar o cotidiano de violência e abriu novas possibilidades para os jovens negros se manifestarem, recuperando a autoestima e criando espaço para a expressão artística. “Hoje, se a gente pode falar do que quer é porque lá atrás teve muita gente fazendo esse corre”, afirma.

“Eu estou vivo e o meu livro é a prova disso. Todas as pessoas que desacreditaram de mim e de pessoas que têm a mesma origem que eu vão ter que lidar com isso.”

Fábio também considera que a prática corporal da Yoga é um outro espaço de diálogo e comunicação com as pessoas, assim como a produção literária e a realização de oficinas de fotografia.

“A prática do Yoga olha para este corpo que produz arte, que leva a arte para os lugares e traz referências e pensamentos. Sem dúvida, está tudo interligado”, conta o autor que há mais de 10 anos pratica Hatha Yoga, uma prática corporal milenar, e hoje é instrutor da atividade.

Fábio Feijão pratica Hatha Yoga há mais de 10 anos. “A história do Hatha Yoga mostra ela que é uma prática muito mais transgressora do que muita gente pensa”, conta ele.

Publicar o próprio livro é para Fábio um dos seus maiores atos de resistência e coragem. Receber o reconhecimento de amigos, familiares, de pessoas do movimento literário e o lançamento do livro energizou o autor e o fez planejar novas possibilidades artísticas.

“Essa obra foi um disparador para eu querer colocar mais coisa no mundo. Quero trabalhar com vídeo poesia também, junto com meu camarada Gastão. A gente vem com tudo”, finaliza.