Bolsonaro: para além do burro, para além do louco, para além do incompetente

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Esperamos que um presidente não seja um fascista, mas é fato que ele nunca se escondeu, nunca disse que seria melhor do que foi e nunca se negou a usar todos os meios possíveis para ser o que é.

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Ato pró Bolsonaro no 7 de setembro de 2021 na Avenida Paulista. Foto: Agnes Roldan

A figura de Bolsonaro é constantemente explorada para uso de memes e críticas onde ele seria burro, um líder louco ou um incompetente, mas ele não é nenhum desses três, Bolsonaro é uma das melhores criações já feitas para mudança de poder no Brasil. Em 2016 ele fala abertamente que seria presidente, em meio a risadas ninguém confia em suas falas e suas “piadas”, mas em 2018 ele ganha a eleição e desde então não é retirado do poder.

Chamar um homem que esteve no poder por mais de 25 anos antes de ser presidente de burro, é ser muito inocente sobre a construção da imagem que ele projeta, chamar de louco é ousar dar a ele o benefício da justificativa de suas ações e chamá-lo de incompetente é não entender o propósito de seu governo. Claro, esperamos que um presidente não seja um fascista, mas é fato que ele nunca se escondeu, nunca disse que seria melhor do que foi e nunca se negou a usar todos os meios possíveis para ser o que é.

Dispenso aqui as minhas críticas a quem o colocou no poder, a eleição de Bolsonaro não foi um jogo limpo, foi repleta de uso de marketing, de dados e de fake news, às ferramentas utilizadas por ele foram utilizadas também por Trump e isso é algo mais profundo que só “você acreditou nele”, estamos lidando com os dados e as vidas dessas pessoas que foram invadidas para gerar paixão por algo.

O bolsonarismo é mais forte que Bolsonaro e carrega valores presentes na sociedade brasileira a décadas, mas esse texto não buscará tratar dos votos, do bolsonarismo ou de críticas a cidadãos, mas sim focar em explorar a figura do presidente, com base no que sabemos de suas ações até agora e de uma pasta que guardo a alguns anos com mídias do agora presidente, buscarei escrever sobre a figura por trás da presidência.

Um burro não colocaria um secretário para falar frases nazistas, um incompetente não se seguraria 4 anos no poder com apoio desse mesmo poder, até porque a eleição de Bolsonaro foi apoiada por figuras como João Doria, Fernando Holiday, Arthur do Val entre outros.

Isso não pode ser esquecido, eles sim não eram inocentes sobre o fim desse governo. Um louco não viria a público modificando sua imagem ao longo dos anos, moldando suas falas entre agressividade, cristianismo e paixão.

Um fascista pode fazer tudo isso, e o faz bem.

O projeto é necropolítica, ele conseguiu tudo o que quis, ele não queria pobres com armas, rir das pessoas que não conseguiram comprar um revólver é muita emoção, pois as classes mais altas adquiriram mais armas nesse tempo de governo, é para eles o benefício.

O Brasil dobrou o número de armas nas mãos de civis segundo uma matéria que saiu em julho deste ano: “número de armas registradas na Polícia Federal passou de 637 mil, em 2017, para 1,2 milhão, em 2020. Além de novas pessoas se cadastrando para ter armas, houve também um aumento do arsenal. Decretos editados pelo presidente Jair Bolsonaro e autorização pela PF para a compra de quatro armas de fogo por pessoa fizeram com que mais armas entrassem em circulação.”

Em meio a risadas sobre a fala da ministra Damares “meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, um vídeo da mesma ministra acusa indígenas de realizarem estupro coletivo e saírem impunes por conta de ser um ato cultural de tribo, o foco passa a ser a risada enquanto eles realizam o plantio de suas ideias sem esforço. Assim como foi a eleição toda, Bolsonaro recentemente fala: “quem nunca contou uma mentirinha?”, quando foi questionado sobre fake news e mesmo assim não é retirado de seu cargo. Alguém se incomoda? Ou só tiram seu corpo e dizem que nada podem fazer agora?

Seu objetivo foi realizado e está plantado, as ideias de antidemocracia passam a fazer parte do nosso cotidiano sendo praticamente um ato normalizado, já ao ponto de estar constantemente nas piadas. A antipolítica continua e agora alguns se atracam para conseguirem fazer uma “terceira via”, sair pela culatra e alimentam um discurso “tudo, menos o Bolsonaro”, sem saber que ao fazer isso você deixa espaço livre e a ideia é ter uma posição formada, você não pode deixar certas brechas.

A figura de Bolsonaro em meio a rejeição e a um futuro em que sabemos que ele não irá se reeleger ainda é utilizada por alguns como “se fosse um segundo turno, alguém X Bolsonaro, pode ser qualquer um”. A essa altura, imagens assim ainda circulam e o que parece ser uma crítica ou algo poderoso, na verdade sustenta simbolismos.

Algumas de suas falas não podem ser desfeitas, assim não há pedido de desculpas, nem de reconciliação, apenas demonstrações de poder como a descida dele no 7 de setembro. Assim como a simbologia fascista ao andar de moto, assim como tantas outras coisas que parecem minúsculas, mas que movem nossos maiores medos, nossos anseios de infância, nossas paixões e lembranças de ensinamentos que nem lembramos.

Deixo claro nesse ponto do texto que ele não busca defender ninguém que votou em Bolsonaro, nem pedir clemência, mas sim reunir algumas impressões do que compreendo até agora sobre essa figura presidencial que foi moldada e construída, não foi um sucesso, mesmo assim adentrou o poder, e que após tudo o que fez, após tantas mortes, não vemos a CPI sendo tão martelada em todos os canais como foi a Lava Jato. 

Não acredito na força de sua reeleição, nem cogitaria isso, mas é fato que temos uma grande jornada pela frente acerca de como o poder agirá e o que nos aguarda após tantas mortes e crimes que seriam inimagináveis para algumas pessoas até meses atrás. 

Ao contrário do que é reproduzido, o público que votou em Jair Bolsonaro não é idoso e burro, essa é uma suposição preconceituosa, o eleitorado de Bolsonaro tinha maior escolaridade, focando em perfis de homens com ensino médio ou superior completo, segundo as pesquisas da época.

As mulheres tinham mais resistência, mesmo assim, segundo um artigo da FESPSP, ao longo do tempo sua campanha foi tentando conversar mais com esses grupos mais distantes, ao ponto de serem criados grupos de facebook “mulheres com Bolsonaro” entre outros.

A antropóloga Rosana Pinheiro Machado ainda divide os eleitores em três, os caracterizando de maneiras diferentes e especificando que o eleitorado mais pobre seria aquele com o qual conseguimos criar um diálogo, este assume que o Lula fazia algo. Existem entre esses três, o rico altamente escolarizado que deseja se livrar do pobre por meio desse governo, e existem os precariados que estariam entre ricos e pobres e que teriam diversificados perfis e seria aí que moraria nosso medo.

Ele ganhou através também da antipolítica, mas o seu discurso vinha carregado de ideais que perseguem o Brasil a décadas. O medo do comunismo se inicia na década de 30 a 40, não é algo novo, naquela época a imprensa chega a noticiar, mas ao menos na mesma época o Brasil teve inícios de formações organizadas nesse sentido. 

Hoje não mais, mas essa história, a mensagem anticomunista, é colocada em confronto com uma democracia ameaçada e mensagens implícitas de fascismo, esse terror vem sendo carregado e se fortaleceu com as “crises” em países como Venezuela, sendo expostas em rede nacional na mesma época. Aqui estamos falando de altas paixões, de altos ideais, de altos amores, não é algo tão simplificado como poderíamos pensar.

Pode parecer óbvio dizer que o Brasil nunca foi comunista, mas para um país onde o pobre era só sujeira e não tinha poder de consumo nenhum, ver pobres fazendo rolezinho dentro de shoppings, em locais nobres da cidade de São Paulo, é um passo maior que a perna do ponto de vista higienista ao mesmo tempo que a classe média que ascendeu se vê sem tanto poder de compra em meio a “crise”. Classe ascendida graças às políticas de consumo nos governos petistas.

Isso se intensifica com o fervor da Lava Jato, a retirada da então presidente Dilma por meio de um golpe e o início da preparação de um governo com Bolsonaro a partir da assumida de Temer. Assim que Temer assumiu, Jair sabia que venceria, esse foi o jogo perfeito, Dilma seria massacrada em rede nacional e o próximo passo seria impedir Lula de concorrer, eles conseguiram realizar cada passo do plano, a essa altura retirar ele do imaginário nacional seria muito difícil, até então (acredito eu) ninguém teria se utilizado tanto de tecnologia em uma eleição. 

Enquanto isso o MBL continuava a pregar antipolítica sendo extremamente político e apoiando o PSL, diversos futuros governantes se apegam a figura de Bolsonaro e assim também sobem. João Dória, na mesma época, fala abertamente que a Polícia Militar de SP poderia matar. Viva Doria terceira via? Nada assim seria realizado sem uma boa jogada, ele não é um louco, um burro ou um incompetente, ele é um fascista, é um criminoso e deveria estar preso. 

Ato pró Bolsonaro no 7 de setembro de 2021 na Avenida Paulista. Foto: Agnes Roldan

Não falo aqui somente como quem acompanhou essa trajetória, mas como quem aos 7 anos conheceu Geraldo Alckmin. Naquela época ele rodou igrejas e assistia aos cultos com sua família, se manteve anos no poder antes de abrir alas para Dória.

Bolsonaro, muito antes do que todos previam, vai comer hóstia e ser batizado em uma das igrejas mais ricas em dinheiro e poder de manipulação do Brasil, vai ser apoiado por homens de Deus estudados e influentes como Silas Malafaia, vai ser visto como o cara bobão que fala besteira às vezes, mas foi criado próximo a Jesus, pois Jesus aqui simboliza o capital.

Olhe em qualquer nota que você tem em casa e veja a mensagem “Deus seja louvado”, parte da esquerda vai reproduzir sem intenção esse discurso dele ser um asno e sendo um asno ele irá completar 4 anos de governo, é esse asno que conseguiu auxiliar abertamente na morte de mais de 600 mil pessoas, esse asno mexeu em estruturas de ministérios, esse asno levou vários outros meninos brincalhões com ele para praticar o jogo da necropolítica. 

E agora quem é o burro, louco e incompetente? Como com tantas subjetividades o patriotismo autoritário não poderia conviver com a democracia? 

“O Brasil não me respeita, quer me ver morrer

Quer um preso a mais

Por quê que eu fui nascer?”

Facção Central, 12 de outubro

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