Geradora de energia solar quer combater crise climática e econômica nas periferias de São Paulo

Edição:
Redação

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Além de gerar outra cultura de consumo e produção de energia limpa, a iniciativa quer combater o gato e a inadimplência que não param de crescer entre os consumidores de São Paulo.  

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As placas solares foram instaladas no telhado do Instituto Favela da Paz. (Foto: Raphael Poesia)

Combater ligações elétricas irregulares, a inadimplência, e promover a cultura de consumo e produção de energia limpa nas periferias e favelas são os principais objetivos da micro geradora de energia solar, instalada em julho de 2021, na sede do Instituto Favela da Paz, localizado no Jardim Nakamura, zona sul de São Paulo. A iniciativa foi desenvolvida pela cientista ambiental Graziela Gonzaga em parceria com o inventor e educador Fábio Miranda.

“Eu quero tornar viável o uso de placas solares para os moradores das periferias, porque eu também sou moradora da periferia, eu sei o que é as pessoas terem que usar gato ou pagar contas de luz altas”, afirma a cientista ambiental, moradora de Itaquaquecetuba, cidade da região metropolitana de São Paulo.

No estado de São Paulo 14,7 milhões de pessoas estão inadimplentes, segundo estudo do Serasa divulgado em agosto de 2021. O estado lidera o ranking com o maior número de pessoas endividadas do país. Neste cenário, as contas básicas como água e luz aparecem com uma fatia de 23,30% das dívidas que mais levam as pessoas à inadimplência no Brasil.

Segundo dados do Anuário de Energéticos por Município, publicado pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente em 2021, o estado de São Paulo tem 18 milhões de consumidores de energia elétrica cadastrados com a classificação de consumo residencial urbano. Deste montante, 8 milhões residem na Região Metropolitana de São Paulo e 4,7 milhões na capital. 

“A ideia é criar essa reflexão nas pessoas que esse formato de consumo consciente é uma tecnologia acessível”

Graziela Gonzaga é cientista ambiental e responsável por desenvolver o projeto da micro geradora de energia solar. 

A cientista ambiental teve a ideia ao observar a infraestrutura das ligações elétricas em casas localizadas em territórios periféricos por onde ela já passou. A partir desta percepção, ela contou com o apoio de três colegas de trabalho para participar de um desafio de projetos inovadores na Worley, empresa onde ela atua e foi contemplada com uma premiação de recursos materiais para viabilizar a ideia.

Durante o trajeto para colocar a iniciativa em prática, Graziela conheceu Fábio Miranda, músico, inventor e coordenador de sustentabilidade do Instituto Favela da Paz, ecovila onde ele trabalha há mais de 30 anos com práticas educacionais dedicadas a transformar a relação dos moradores locais com os recursos naturais disponíveis nas periferias e favelas.

“Eu vejo um grande potencial de crescimento da energia solar nas periferias, por isso a ideia é criar essa reflexão nas pessoas que esse formato de consumo consciente é uma tecnologia acessível”, acredita o inventor.

Além de vizinhos de Miranda que ficaram interessados em conhecer mais sobre o uso de placas solares, o pioneirismo chama a atenção também de especialistas no setor de energia solar.

Segundo o engenheiro elétrico Rodrigo Poppi, profissional que acompanha o desenvolvimento do mercado de energia solar no Brasil desde 2011, a iniciativa é a primeira experiência nesse campo no Estado de São Paulo e a segunda no Brasil. Ele também é o responsável pela implantação da micro geradora.

A primeira iniciativa em território nacional é a Revolusolar, organização social criada em 2015 que realiza instalações de energia solar nas favelas do Rio de Janeiro e oferece cursos de capacitação profissional e oficinas para moradores da favela da Babilônia.

Foram necessários quinze dias úteis para a micro geradora de energia ser homologada pela Aneel. (Foto: Paulo Araújo PackDrone)

Homologação

A micro geradora de energia solar foi projetada para produzir em média 900 quilowatts por hora mês, o suficiente para atender mensalmente as quatro casas que fazem parte do Instituto Favela da Paz, impactando mais de 20 moradores do local. A expectativa é que a conta de luz referente ao mês de outubro não tenha custos.

Foram necessários quinze dias úteis para a micro geradora de energia solar da quebrada ser homologada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel, mas o processo pode levar até 30 dias segundo a legislação brasileira.

A homologação inclui a certificação de geração de energia e um relógio específico para medir a produção, consumo e distribuição de energia de volta para a rede elétrica da concessionária.

A documentação técnica necessária para obter a homologação junto à Aneel foi elaborada pelo engenheiro elétrico Rodrigo Poppi, responsável por coordenar a instalação da geradora de energia solar no Instituto Favela da Paz.

Ele afirma que o sistema está operando no formato Ongrid, uma modalidade de geração de energia solar que é conectada ao sistema de distribuição da Enel.

O engenheiro explica que neste sistema a geradora capta os raios solares, transforma em energia elétrica, supre a demanda total de consumo do imóvel, armazena a energia excedente e devolve para a rede da concessionária e tudo isso acontece graças ao dimensionamento correto das placas solares.

“A gente analisa o quanto a pessoa consome de energia em um ano, levando em consideração o município onde a pessoa mora, pois, cada cidade do Brasil tem uma irradiação solar diferente. Em seguida, realizamos a orientação e posicionamento das placas para melhor aproveitamento de geração de energia”, diz o engenheiro elétrico.

Encargos 

Desde o aumento da tarifa de energia elétrica para 52% adotado em junho pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), fruto da crise hídrica que motivou a implantação da bandeira vermelha de patamar 2, moradores das periferias e favelas vem enfrentando dificuldades para continuar pagando em dia a conta de luz.

No mês de agosto, enquanto Miranda estava aguardando a implementação final da micro geradora de energia solar, o inventor conta que recebeu uma conta de luz no valor de quase um mil reais, fato que causou um grande susto, pois ele nunca havia pagado um valor tão alto.

“Essa conta do mês de agosto é uma coisa que a gente não conseguiu entender até hoje. Eles (Enel) falam que a gente teve um consumo muito alto de energia, que é praticamente o dobro do que a gente está acostumado a consumir”, relata o inventor, lembrando que o não pagamento desta conta poderia inviabilizar o funcionamento da geradora de energia solar.

A solução para não ficar inadimplente com a Enel foi buscar o parcelamento da dívida. Segundo a Enel, o motivo para a conta vir tão alta é o fato do consumo de Miranda ter ultrapassado o consumo de 200 quilowatts por hora, com isso, a concessionária acrescenta uma alíquota de ICMS de 25% em cima do valor total da conta de luz residencial. Residências com consumo inferior a 90 quilowatts por hora são isentas do pagamento de ICMS. 

Veja Tabela de Encargo aqui.

A micro geradora de energia solar foi projetada para produzir em média 900 quilowatts por hora mês. (Foto: Raphael Poesia)

Energia compartilhada 

Segundo a Aneel, uma casa de família de baixa renda com quatro moradores consome em média de 100 e 150 quilowatts por hora de energia. Com base nesses dados, o engenheiro elétrico Rodrigo Poppi propõe a seguinte avaliação de investimentos para moradores como a Queila instalar uma usina de energia solar de pequeno porte em sua casa.

“O investimento é de 10 a 12 mil reais. O principal custo está nos equipamentos, com gasto de sete mil reais. Já o serviço de instalação pode variar entre três e cinco mil reais”, explica o engenheiro.

O que torna essa conta ainda mais atraente para os moradores das periferias e favelas são as linhas de crédito que existem hoje em diversos bancos, com parcelas que variam de 60 a 120 meses para quitação do financiamento.

Segundo o engenheiro elétrico especializado no setor de energia solar, o valor financiado sai bem mais barato do que pagar uma conta de luz mensal, mesmo levando em consideração a taxa de juros cobrado por cada instituição financeira.

“A gente enxerga a energia solar como parte da solução para gerar renda e trabalho nas favelas”

Camila Nascimento é coordenadora da Associação Brasileira de Energia Solar (ABSOLAR).

Oferecer formação técnica para os moradores de territórios populares e difundir informação sobre formas de financiar e implantar esse sistema de produção e consumo de energia são fatores importantes listados por Camila Nascimento, coordenadora da Associação Brasileira de Energia Solar – ABSOLAR no Rio de Janeiro, para inserir as periferias e favelas no promissor mercado da energia solar no Brasil.

“Qualificando a mão de obra nesses bairros para o processo de instalação de equipamentos, a gente enxerga a energia solar como parte da solução para gerar renda e trabalho nas favelas”, ressalta a coordenadora da ABSOLAR, lembrando que o setor criou em 2020 mais de 200 postos de trabalho por dia.

A facilitação de acesso ao financiamento de equipamentos, como placas solares para instalação de micro geradoras é outro fator lembrado por Nascimento que torna essa tecnologia acessível às famílias de baixa renda.

A coordenadora da ABSOLAR destaca que hoje a energia solar contribui com apenas 1,9% de participação na matriz energética brasileira, e mesmo com essa tímida colaboração, ela enxerga um grande potencial de crescimento para enfrentamento da crise econômica e hídrica no Brasil.

“Quando a gente olha o Brasil tendo que importar quase 5% de sua energia consumida de outros países, pagando caro por essa energia, e a luz solar participando bem pouco dessa matriz enérgica, a gente consegue ver o potencial de crescimento, porque o sol está aí acessível para todos, pois é muito simples fazer o uso dessa energia para gerar eletricidade”, conclui.

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