A partir da rua Alagoa Nova, a Cohab Perus, vem ganhando novas cores e significados através do Festival Gigantes das Ruaz. O projeto de grafite, realizado desde 2024, no bairro e distrito de Perus, zona noroeste de São Paulo, tem impactado a vida dos moradores da região, tanto no fortalecimento da identidade, quanto na valorização e visibilidade do local, segundo Mariana Calle, 27, uma das idealizadoras e produtoras da iniciativa.

“A partir do primeiro mural que foi pintado, um menino preto com uma armadura, a gente viu muitas pessoas se emocionarem. As pessoas negras que vivem nesse território se sentem cada vez mais representadas”, conta Mariana ao citar a obra “O guardião da quebrada”, realizada pelo artista Preto TNA, que é morador da Brasilândia, na zona norte de São Paulo.


“Uma mãe veio falar comigo, ‘obrigada por vocês fazerem isso aqui, porque eu nunca vi meu filho dar um sorriso tão grande do jeito que ele deu quando viu aquilo ali [o grafite de um menino preto] e falou que era ele’.”
Mariana Calle, artista grafiteira e idealizadora do Festival Gigantes das Ruaz.
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O projeto é realizado pela Ruaz Produções, através dos artistas, idealizadores e produtores Mariana Calle, moradora de Perus, Luiz One, de Osasco, e Andreza Pasqualini, de Diadema. Mariana comenta que até dezembro de 2024 foram realizados cinco murais de artistas das diferentes periferias de São Paulo: Preto TNA, da Brasilândia; Image, do Capão Redondo e os grafites dos três produtores do festival. “Não tem uma temática, [mas] até então todos os artistas que pintaram, exceto a Andreza que faz letras, representaram pessoas pretas”, explica a produtora.
Mariana estima que o bairro de Perus tem cerca de 80 mil habitantes, a Cohab 8.000 moradores, e é essa a estimativa apontada pelo grupo da quantidade de pessoas impactadas diretamente com esse trabalho, além daquelas que estão de passagem pela região, pois os murais podem ser vistos a grandes distâncias, como conta Luiz One, 30, grafiteiro desde 2009.
“A essência do grafite é impactar a vida da pessoa que passa cotidianamente por aquele trabalho, levando um pouco de cor para aquelas pessoas e também conseguir fomentar a cultura, [no sentido de] poder adquirir novos adeptos, crianças e jovens”
Luiz One, artista e produtor do Festival Gigantes das Ruaz.

Mariana e Luiz comentam que as crianças são as que mais ficam entusiasmadas com a iniciativa e que o projeto também inclui oficinas de grafite para as crianças e os jovens dos prédios. “A gente tem um menino que fica muito com a gente, o Pedro. Ele é bem esforçado, mas tem bastante problema familiar. Ele tem habilidade [em] fazer o grafite, mas [ainda] não sabe exatamente o que é. Então, a gente vai mostrando para eles pouco a pouco”, coloca Luiz. A intenção é expandir as oficinas também para as escolas próximas à Cohab.
No festival, as pinturas são feitas nos muros das laterias dos prédios e nas empenas, que têm 15 metros de altura. Ao todo são 30 prédios, ou seja, 60 empenas que o projeto pretende grafitar.


“A gente pensa em incrementar a Cohab como [parte da] rota turística artística que tem aqui em Perus”, comenta Luiz ao citar as trilhas do Museu Tekoa Japuí, realizadas na região pela Agência Queixada.
No entanto, há alguns entraves com relação ao projeto. “Foi muito desafiador conseguir as autorizações [dos moradores e síndicos], porque infelizmente a gente ainda sofre muito preconceito com o grafite”, afirma Mariana. “Alguns [moradores] não aceitam as artes de referências negras, já teve casos de moradores com falas racistas”, aponta Luiz.
Por meio da comunicação e de reuniões, os artistas contam que vão estreitando as relações com os moradores. A maioria é a favor, como uma das síndicas que já até ajudou com a manutenção do andaime, mas há pessoas de dois blocos que são irredutíveis. “Quem determina se sim ou não é o síndico. [Mas] a gente opta pela questão democrática. São 30 blocos, cada bloco tem um grupo de WhatsApp e lá eles colocam em votação, a gente vê dos 20 apartamentos quem é a maioria e quem é a minoria. Os prédios que estão irredutíveis, a gente largou pra tentar retomar futuramente”, explica Mariana.
Edital e autonomia
O projeto teve inicio em 2021, na cidade de Francisco Morato, região metropolitana de São Paulo com o nome “Entre amigos” e em outubro de 2024 teve um novo formato, realizado pela produtora Ruaz.
A renovação do projeto surgiu como uma forma de reivindicação ao edital do Museu de Arte de Rua (MAR), que segundo Mariana e Luiz, não contempla artistas e periferias de forma ampla. “Entre dois [e] três anos no máximo, eles estão dando mais oportunidades para pintar em periferias, porém o foco sempre foi a pintura do centro”, pontua Mariana.
Através da Ruaz Produções, a produtora relata que, em 2024, foram feitas 23 inscrições de projetos de diferentes periferias de São Paulo e de alguns estados do nordeste no edital MAR, porém nenhum foi selecionado e três ficaram na lista de espera. A artista menciona que não há devolutivas sobre os critérios de avaliação que são usados nessa seleção. O Museu de Arte de Rua existe desde 2017 e é uma iniciativa da Prefeitura de São Paulo, realizada pela Secretaria Municipal de Cultura.


“O edital MAR [é] fundamental para a cultura do grafite em São Paulo, [mas] a gente foi entendendo que é algo muito particular, porque são sempre as mesmas pessoas [escolhidas]”, coloca Mariana, que já foi contemplada pelo edital em 2023 e realizou o grafite que está no CEU Perus.
Além do impacto para o território, o festival também tem grande significado para os artistas, pois segundo Mariana, pintar grandes estruturas, como prédios, é o sonho de muitos grafiteiros.
“A gente só dá realmente a estrutura que é o andaime [e] o artista convidado paga a tinta dele, os ajudantes, tudo sai do bolso dele”, conta Mariana. Ela coloca que isso gera visibilidade para os artistas e que a iniciativa contribui para a quebra do estigma negativo que ainda existe sobre as periferias e sobre os grafiteiros, que por vezes também são marginalizados.


Mariana comenta que o maior desafio é pagar um andaime bem estruturado para os artistas produzirem de forma segura. Luiz comenta que a comunidade também tem fortalecido, “uma água, uma garrafa de refrigerante que um morador traz pra gente já é válido, porque aquilo sairia do nosso bolso”. Os artistas mencionam que toda ajuda é bem-vinda e que a continuidade do projeto também depende disso.
“Nós somos uma produtora com CNPJ, tudo formalizado, se for uma ajuda financeira a gente presta contas do dinheiro usado”, menciona Mariana. Ela fala que a doação de materiais também ajuda. O projeto segue e os murais realizados podem ser conferidos na Cohab Perus, o acesso é livre e os grafites podem ser visualizados da rua.