O crescimento de espaços voltados para o cuidado com cabelos crespos e cacheados nas periferias conectado ao autoconhecimento, tem sido um caminho de proteção para muitos moradores, é o que aponta a trancista Isabela Lopes. “É entender que a gente pode mudar sem maltratar o próprio cabelo, como uma proteção mesmo, porque é uma proteção para o nosso couro cabeludo, para o nosso ori e essa proteção nos traz uma autoestima”, coloca.
“[Alguns clientes] simplesmente vêm aqui falando, ‘eu não aguento mais o meu cabelo’, e [mudar] isso é algo que as tranças proporcionam”, afirma a trancista, sobre a relação entre a autoestima e identidade de jovens periféricos.
ASSINE NOSSA NEWSLETTER
Cadastre seu e-mail e receba nossos informativos.
Isabela, que atende seus clientes no Jardim Santo Eduardo, em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, aponta que as tranças trazem uma conexão entre as pessoas negras e periféricas com as suas origens. “Para a gente é algo novo, mas na nossa família está aí há muito tempo”.
Evellyn Luz, 26 anos, mora em Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo, trabalha com marketing, e é cliente da Isabela. Para ela, mudar de cabelo também é um fortalecimento de sua identidade.
“Ao mudar e saber da história das tranças, como elas surgiram, além da minha autoestima física, fortalece os meus laços de ser uma mulher negra”, comenta Evellyn.
Outro espaço também muito popular nas periferias de São Paulo, são as barbearias. Diego de Albuquerque, barbeiro, morador do bairro Jardim Canaã, em Osasco, possui uma barbearia no bairro desde 2017. A partir do contato com seus clientes, ele avalia como um corte de cabelo reflete nessa autoestima. “A vaidade subiu muito e isso põe a autoestima deles [clientes] lá em cima, porque um corte de cabelo muda muito a pessoa”. Ele completa: “[Na barbearia] vêm pessoas falando assim: ‘eu sou feio, mas o corte me ajuda’”, conta o barbeiro.
Diego aponta que alguns clientes vão à barbearia semanalmente para manter o corte em dia. Entre esses clientes está Gilmar de Souza, 49, que é professor de educação física e também mora no Jardim Canaã.
“Uma vez por semana eu estou aqui cortando o cabelo. Sempre foi o básico mesmo. Agora [que] comecei a cortar um pouco diferente”, diz Gilmar, que durante a maior parte da vida manteve o cabelo baixinho e atualmente aderiu ao chamado corte quadrado.
“A gente vem cortar mais mesmo pra dar uma mudada um pouquinho no visual e tentar ficar mais bonito”, diz Gilmar. O professor de educação física também menciona que a aparência e a identidade dele enquanto homem, negro e periférico dialoga com a sua personalidade.
“Padrão de imagem”
Peterson de Souza, 16, mora em Osasco, no bairro Jardim Canaã e frequenta a barbearia do Diego, mas diferente de seu pai, Gilmar, ele prefere o corte americano.
“Eu não ligo muito [para a] opinião dos outros, mas claro que os outros vão olhar. Ainda mais eu sendo da cor preta, né?”, coloca Peterson. Estudante do ensino médio, o jovem conta que já se sentiu discriminado pela sua aparência. “Já me seguiram em lojas de shopping”, comenta.
Gilmar aponta que sempre manteve o cuidado com a aparência e que isso influencia principalmente quando se trata de trabalho. “Eu sempre trabalhei por conta, mas hoje como eu trabalho com crianças e tem os pais também, então é sempre bom a gente estar ajeitado”, diz.
Diego avalia que determinados cortes de cabelo atraem abordagens policiais.
“A sociedade julga muito, essa é a verdade. Dependendo do corte de cabelo [que você tenha], você vai tomar enquadro.”
Diego de Albuquerque, barbeiro, morador do bairro Jardim Canaã, em Osasco.
“Da ponte para lá [fora das periferias], as tranças vão ser discriminadas. Eu trabalhei numa empresa que se eu chegasse com trança eu era discriminada, porque o meu chefe era branco”, cita Evellyn. “O que é lindo e belo para eles é o loiro e o liso”, coloca.
Isabela coloca que pessoas pretas e periféricas se sentirem confiantes se torna uma afronta em determinados lugares e contextos. “É um grande empoderamento e a galera [branca] sabe, porque eles se sentem com o ego ferido por não se encontrarem [nessa estética]. Essa galera branca se incomoda com a gente ter o nosso local, não se comparar, porque a gente cansou do olho azul e do cabelo liso”, afirma a trancista.
Tendências
“Eu sempre platinei. No final do ano isso já virou uma coisa minha, se eu não platinar eu não fico bem”, conta Peterson sobre uma das coisas que gosta de mudar no visual ao longo do ano. O jovem comenta que todos os seus amigos, em determinados períodos, também aderem ao platinado, que popularmente é chamado de nevou.
“Final de ano para todo canto é o famoso ‘nevou’. Todo mundo quer passar o final de ano com o cabelo platinado, branquinho”, aponta Diego. Ele cita que essa tendência teve início por volta de 2016, e desde então se mantém nas periferias de São Paulo.
O barbeiro conta que atualmente os cortes de cabelos que são tendência nas periferias de São Paulo são: Taper Fade, que é mais chamado como corte americano, o corte Dimil, Selado, que é conhecido também como Boyzão, o Surfista e o corte Maraca.
Isabela comenta que atualmente as tendências nas tranças são: Box Braid, pela versatilidade, que é o modelo em que todas as tranças ficam soltas; as Nagôs, que são enraizadas; e a trança Fulani, que é uma nagô até a metade da cabeça e atrás as tranças são soltas.
“A gente coloca uma personalidade em cima daquele cabelo”, comenta a trancista sobre os cabelos também representarem um modo de se expressar. “Eu acho que ser visto é algo que queremos”, finaliza.