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Arte educadora utiliza o grafite como forma de expressão e apoio a maternidade solo

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 A arte educadora Mariana Salomão, encontra no grafite o matriarcado de quebrada e conta as tretas de ocupar os espaços públicos com a sua arte.

 Mariana Salomão, 41, é grafiteira, arte educadora, mãe solo e moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo. Ela se formou em educação artística e começou a dar aulas na rede estadual, trabalho que desenvolve há vinte anos. Através da pós-graduação na Unesp, voltada para a promoção da igualdade racial nas escolas, a arte educadora começou a pesquisar e trabalhar a linguagem do grafite em sala de aula.

“Mais ou menos em 2013, peguei um spray e começou minha jornada de ir pra rua, de sentir o que é o grafite, de me encontrar, encontrar uma forma de expressão que me representasse mais, eu já era mãe e comecei assim”, conta Mariana Salomão.

Ela afirma que o grafite foi o encontro com a sua identidade como artista, e a partir daí começou a se questionar e entender o seu lugar dentro da sua comunidade.

“Encontrei no grafite o matriarcado de quebrada, que chamo de estar dentro da comunidade, junto com as mães, com as avós, com essa rede de mulheres que movimentam a quebrada mesmo. Essa rede de apoio”, reflete a arte educadora sobre ser mãe e artista na quebrada.

Mariana afirma que o grafite foi uma forma de criar redes e fazer conexões, compartilhando as vozes das mães correrias, a mãe solo periférica: “Dentro desse patriarcado que oprime muito a gente e sobre a culpa, né. Dizem que nasce uma mãe, nasce uma culpa, tento representar mesmo o que a gente passa”, diz.

Ao longo da sua trajetória como grafiteira, Mariana encontrou muitos desafios e relata momentos em que seu trabalho sofreu apagamentos. “Uma mulher na rua é sempre um corpo vulnerável”. afirma.

Ela compartilha que quando teve a oportunidade de ser artista convidada de um encontro de estencialistas, modalidade do grafite, teve seu trabalho barrado por envolver questões políticas.

“Coloquei Marielle Presente, gerou uma discussão, eu vi que meu trabalho estava sendo censurado. O organizador não se posicionou, não tive suporte e vi que ia ser apagada, e isso foi um evento, tá tudo registrado”, relata.

“Como sou mãe solo, comecei a assinar como mãe correria e usar o grafite como forma de expressão disso mesmo, de falar sobre o peso e a responsabilidade que a gente carrega dentro da quebrada”.

Mariana Salomão, arte educadora e moradora do Grajaú, zona sul de São Paulo.

Ao conversar com a artista visual, antropóloga e grafiteira Carolina Itzá, que desenvolveu uma pesquisa chamada ÚTERO URB, uma residência artística autônoma pela América Latina, ela explica que essa dinâmica de apagamento de trabalhos no espaço público é comum e atinge com frequência alguns grupos específicos de artistas.

“Os trabalhos de mulheres, feitos por mulheres e dissidentes de gênero, também são tratados na rua como os nossos corpas, isso porque existe uma solidariedade masculina que tenta fazer com que essas expressões voltem para o seu lugar de subalternidade”, analisa Itzá.

Carolina Itza é artista visual e antropóloga. (Foto: Carolina Carmo)
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“É uma aliança simbólica expressiva, quando um homem atropela um trabalho de uma mulher, que é uma coisa muito frequente, ele tá dizendo, além de danificando o nosso trabalho: ‘olha aqui eu sou solidário aos outros homens, vocês vão pra invisibilidade, vocês vão pra um lugar apagado na cidade'”, coloca a artista visual e antropóloga.

“E também quando tem imagens de mulheres, imagens que remetem a corpa feminina, também esse trabalho pode ser danificado”, analisa Itzá.

Marina reforça a importância da arte como forma de existência e representação de um lugar político. “Acredito que a arte é política e não vejo outra maneira de fazer minha arte”.

Para a arte educadora, o ato de estar na rua com o seu corpo e o seu filho, sempre nos corres, é uma afirmação do seu poder de questionar os espaços da arte e o machismo como uma mulher preta, sapatão e mãe solo.

“Estou falando de um apagamento, de um silenciamento, de uma referência a uma mulher que representa muita coisa, uma força muito grande”, ressalta.

Ela também aborda a arte como um lugar de representação e questiona as homenagens e monumentos espalhados pela cidade com referências a figuras como Borba Gato.

“E esse Borba Gato que representa um assassino? Monumentos também são arte de rua, o que a gente quer preservar dessa história? Mas é história, tem que preservar, mas você vai preservar uma homenagem? E a imagem da Marielle sempre sofre ataques. Até uma resposta a esse incêndio do Borba Gato foi ir lá e pixar a Mariele”, reflete Mariana.

A antropóloga Itzá, ressalta que a rua tem um alcance muito maior, e que as respostas das ruas são imprevisíveis, diferente do que acontece em um ambiente controlado como em um museu. Isso implica uma responsabilidade com o discurso e com a exposição do artista e da obra, já que é um ambiente de disputa de narrativas.

“O imaginário não é só algo abstrato que fica na nossa cabeça, a gente acha que uma pintura é só uma pintura, mas não é, uma pintura ela tem poder. Então essa ação do Borba Gato entra em sintonia com outras ações que têm sido feitas não só no Brasil, mas na América Latina inteira”, analisa Itzá.

Ela reforça que essas movimentações e questionamentos, são um movimento não apenas do Brasil, mas na América Latina.

“Muitas vezes as pessoas tentam neutralizar as tretas que vem acontecendo, desse genocidio, mas num país com o histórico de violência como o nosso, isso é difícil. Essas ações de insurgência têm sido feitas necessariamente em lugares que não são centrais, aí tem uma coisa nova, você começa a movimentar outros territórios”, coloca.

A rua sendo um espaço público, coloca os trabalhos que ali estão num estado de constante mudança e sujeito às interferências da população. Assim, a construção de monumentos e homenagens deveriam ser mediadas pelo poder público através de restaurações e debates abertos.

Nos últimos tempos, devido às ações em torno da estátua do Borba Gato, na zona sul de São Paulo, esse movimento se intensificou pela cidade, e como analisa Itzá, vários trabalhos entraram no “território de disputa de imaginários”, que coloca a rua como esse território de disputa imagética, com movimentos de insurgências e reavaliações históricas acontecendo por toda América Latina.

“Cabe a nós traçarmos as melhores estratégias para estar nessa guerra, para sobreviver e manter vivo o nosso imaginário”, conclui Carolina Itzá.

Biblioteca comunitária usa delivery para enviar livros às crianças moradoras de Perus

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Mais de 100 empréstimos de livros já foram realizados pela biblioteca comunitária que vem atuando em formato online, mostrando o interesse dos moradores de Perus pelo universo da leitura.

Emily é uma das crianças que tem recebido livros em casa. (Foto: Alessandra Cristina)

‘Muito obrigado Tia Carol por fazer voar minha imaginação’, foi um dos agradecimentos escritos em uma carta por uma criança de oito anos, enviada para a gestora cultural Carolina Araújo, uma das agentes culturais que organizam o projeto de delivery de livros na Ocupação Cultural Canhoba, um espaço comunitário de integração, criação, formação e fruição artística, localizado em Perus, bairro da zona noroeste de São Paulo.

Em 2019, os integrantes da ocupação cultural inauguraram uma biblioteca comunitária, para fomentar a leitura entre as crianças do território. Mas após o crescimento da pandemia de coronavírus determinar o encerramento das atividades presenciais do espaço comunitário de cultura, adultos e crianças do território foram diretamente afetadas pelo fechamento do equipamento cultural.

A gestora cultural Caroline Araújo, conta que a pandemia afetou a empolgação das crianças que estavam começando a descobrir a biblioteca comunitária. “As crianças estavam super empolgadas, a gente estava com um grande público infantil, mas em março de 2020 a gente fechou, por conta da covid-19”, relata.

Com a ocupação cultural fechada durante a pandemia, os agentes culturais que fazem a gestão do espaço começaram a receber algumas mensagens dos pais de crianças que frequentavam a biblioteca comunitária, perguntando quando o espaço iria reabrir e retomar as atividades.

A partir deste momento, os agentes culturais começaram a pensar em possibilidades para as crianças do bairro de Perus voltarem a ter acesso aos livros da biblioteca comunitária. E foi nesse processo que surgiu a proposta de criar um delivery para entregar livros.

Carol durante a organização dos formularios Créditos: Djair Silva

“A gente teve a ideia de montar um delivery pra gente suprir essa necessidade da falta de livros, as crianças precisam de leitura nessa pandemia”, diz a gestora cultural.

 Ela ressalta que o delivery de livros garante que os pais fiquem seguros em casa e não precisem sair para retirar livros para os filhos. “Muitos pais queriam ir ao espaço retirar livros, aí pra que todo mundo ficasse em casa seguro né, e a ideia é que todo mundo consiga pegar livro emprestado.”

A primeira ação do delivery de livros aconteceu em 2020 e se chamou: ‘Leia e devolva sem sair de casa’. No mesmo ano, a ocupação cultural foi contemplada com um edital de fomento ao teatro para a cidade de São Paulo, que chegou no momento certo para ajudar a financiar o projeto de entrega de livros.

“Tendo verba a gente consegue fazer os empréstimos de livros via delivery, e quem faz as entregas é o motoboy, que a gente contratou aqui da região de Perus. Ele faz as entregas pra gente, e o empréstimo é feito por meio de um formulário online, que a gente manda para as famílias”, explica a gestora cultural.

Ao acessar o formulário, as famílias têm acesso ao acervo de publicações para escolher os livros. A litsa conta com a imagem de capa do livro, uma sinopse, e indicação de faixa-etária adequada para leitura.

Para sistematizar esse processo de entrega e catálogo de biblioteca em um formato de biblioteca online, os agentes culturais da Ocupação Cultural Canhoba criaram um banco de dados utilizando a plataforma de planilhas do Google, um processo simples e inovadores, que vem garantindo acesso ao livro e a leitura na região.

“Eles escolhem até dois livros para pegar emprestado e devolvem depois de 15 dias. A gente vai até a casa da pessoa e retira o livro, que é embalado e entregue numa sacolinha de Craft, e nesse formulário eles também fazem o cadastro, inserindo nome do responsável, registro geral, nome da criança e tem uma data que a gente já agenda com ele, informando o dia que a gente vai entregar o livro na sua casa, no endereço que eles passaram”, conta Araújo.

Mais de 100 empréstimos de livros da biblioteca comunitária online já foram entregues aos moradores de Perus. O foco tem sido impactar as crianças do bairro, fomentando o acesso ao livro e a leitura.

“A nossa biblioteca comunitária tem um acervo adulto, mas só que a gente não conseguiu catalogar ainda, é um acervo grande de literatura, enfim tem todas as áreas, mas o foco que a gente tá tendo agora são as crianças, elas estão com um tempo muito ocioso em casa, algumas não tem indo pra escola, e é aquilo muitas não tem acesso à internet, pra elas não ficarem muito na rua, até para dar um sossego paras as mães que estão em casa, a gente sabe que as crianças também estão super estressadas, por conta da pandemia, e com a leitura ela dá uma acalmada, ela dá uma centrada “, avalia a gestora cultural.

De maneira mensal, o grupo já realizou 13 ações, e um dos principais impactos desse processo de incentivo à leitura é o aumento da procura de moradores de outros bairros nos arredores de Perus que vem procurando a biblioteca comunitária para ter acesso ao empréstimo de livros.

“Por enquanto a gente não consegue atender os outros bairros, mas já viram umas pessoas pedindo e solicitando, mas a gente não consegue”, relata Araújo, apontando que o projeto ainda não tem condições de atender demandas de outros bairros, além de Perus.

Vendedora de cachorro-quente em Osasco se reinventa na pandemia

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Ivone Silva e sua família trabalham vendendo cachorro-quente na cidade de Osasco há mais de 20 anos, mas diante da pandemia da covid-19, a ambulante precisou encontrar novas formas de continuar com seu ofício e gerando renda.

Ivone Silva é moradora do Jardim São Pedro em Osasco e trabalha vendendo cachorro-quente há mais de 20 anos. Foto: Mateus Fernandes

“A pandemia trouxe muito desemprego, muita gente passando necessidade. Pra sair disso a gente tá precisando se reinventar de alguma forma, porque você precisa de um dinheiro.” 

Conta Ivone Silva, 55, moradora do Jardim São Pedro, em Osasco.

Se sustentar como ambulante sempre foi um caminho cheio de dificuldades, mesmo antes da pandemia da covid-19. Em Osasco, região metropolitana de São Paulo, os ambulantes mais famosos são os do carrinho de cachorro-quente. A cidade, inclusive, é considerada a capital brasileira do alimento.

Segundo dados oficiais da Prefeitura de Osasco, em 2019, ano anterior à pandemia, o município vendia por dia cerca de 40 mil cachorros-quentes em 600 barracas espalhadas pela cidade. Só na rua Antônio Agu, conhecida como calçadão de Osasco, haviam mais de 50 carrinhos.

Dona Ivone Silva, que nasceu e cresceu em Osasco, se incluía nesse grupo, porém, com a pandemia, passou a trabalhar de casa e não mais no centro da cidade de Osasco. 

Ivone Silva é moradora do Jardim São Pedro em Osasco e trabalha vendendo cachorro-quente há mais de 20 anos. Foto: Mateus Fernandes

O trabalho com cachorro-quente vem de família, desde seu pai, hoje aposentado. Como a família toda é ligada ao negócio, a queda de vendas na pandemia consequentemente afetou a todos.

“Aqui em casa nós ficamos assim, todos dependendo do meu pai, que é aposentado. Porque ficou todo mundo parado. Renato, meu filho, não voltou a trabalhar até hoje. Ele trabalha no Ceasa, e lá o negócio tá mal, ein. A maioria da gente trabalha nisso. Só que meu pai parou devido a idade”, conta Ivone, que hoje é quem comanda o carrinho.

Foto: Mateus Fernandes

Com a queda no número de clientes, a solução foi vender de casa 

Segundo a Fecomercio-SP, o calçadão de Osasco recebia em média mais de 350 mil pessoas por dia, número que fica atrás apenas da rua 25 de março em São Paulo. Com a chegada da pandemia o número de pessoas visivelmente diminuiu.

“No começo da pandemia eu ainda estava lá (no centro de Osasco). Depois que foi avisado que ia fechar e que tava formando um circuito de pessoas infectadas, aí diminuiu uns 70% (o número de pessoas circulando). O calçadão ficou vazio. E conforme ia noticiando, foi diminuindo mais.”

analisa a vendedora ambulante.

Ivone conta que ainda assim encontrava muita gente circulando sem os cuidados necessários. “Mas mesmo assim tinha gente indo, até sem máscara no começo. Porque tem gente que não acredita na doença, cê entendeu!? Mesmo com os infectologistas falando eles não acreditam né”, diz.

“A gente geralmente colocava 100 pães no carrinho. A meta da gente é vender os 100 pães no dia. Se não vendesse, ficava pro próximo dia. Conforme a pandemia, sobrou muito pão”.

E a observação dessa diminuição do movimento no calçadão compartilhada por Ivone foi registrada também na pesquisa do Diário da Região, mostrando que a venda de cachorro-quente no calçadão de Osasco caiu 60% durante a pandemia.

Além disso, para comercializar na principal rua da cidade é necessário uma licença paga diariamente. Sem condições de ficar pagando o aluguel, a solução encontrada por Ivone foi trabalhar dentro de casa. “Quando eu vi que deu um mês e nada, eu comecei a trabalhar lá na minha cozinha, com entrega. Aí eu entregava pelo iFood e aqui na porta mesmo”, relata.

Ivone conta que precisou do apoio dos filhos para inserir seu negócio nos aplicativos de delivery e se reinventar. “O pessoal tá usando tanto essa palavra, mas é verdade. Hoje o pessoal precisou se reinventar. Então meu filho fez uns combos no Ifood. Ele foi pesquisando e montou. Daí chamou a atenção das pessoas”, conta.

“A gente procura temperar bem o lanche pra pessoa gostar, aí a pessoa pede de novo. Porque assim, o cachorro-quente que faz o público. Esse público já existe mas é como qualquer comida: você vai num lugar, você gostou, você vai lá sempre. Assim vai formando a freguesia. Geralmente de sábado, de domingo, o pessoal prefere comprar lanche”, afirma Ivone.

Aumento nos preços dos alimentos 

Na contramão da baixa no número de clientes, houve o aumento no preço dos alimentos. Segundo os dados do IPCA sobre a inflação oficial do país, os preços das carnes subiram 2,24% em maio de 2021, acumulando 38% de variação nos últimos 12 meses. Por trabalhar com alimentos, Ivone sentiu esse peso não só na mesa dentro de casa, mas também diretamente em seu trabalho.

“O que aumentou pra gente mesmo foi a salsicha. Salsicha a gente não tá encontrando preço que precise comprar. A gente tinha dois fornecedores de salsicha antes. Hoje em dia não é mais. Um dos fornecedores foi vendido. A batata também aumentou bastante”, analisa.

Tal aumento, é claro, também refletiu no preço do cachorro quente.

“Tinha de 3, de 4, de 5 (reais). Dependendo do cachorro-quente, né. Agora não, já aumentou tudo. Eu tinha prato de 10, até prato de 8. Agora é prato de 12, de 15 (reais). O cachorro quente mesmo, o completo agora é 7 reais. Mas agora em Osasco (no centro) já é 8 o completo.”


Existe toda uma estrutura para manter a indústria do cachorro-quente. Os que se candidatam para trabalhar no centro de Osasco, precisam passar até por um curso em parceria com a prefeitura.

E é difícil trabalhar sozinha. Hoje, aos 55 anos, Ivone conta com a ajuda de Val, que a auxilia nas produções e vendas. “E vai aprendendo na prática, precisa de alguém que te ensine, porque não é fácil. Eu ensinei a Val, ela não sabia fazer lanche”.

Ao lado, Val brinca: “Mas eu tô aprendendo ein”.

“Já aprendeu bem. Já faz no prato, já faz tudo. E eu vejo como gerando emprego, né. Porque eu preciso dela, ela precisa de mim. Ela também tava parada, precisava ganhar dinheirinho. E assim uma ajuda a outra aqui. E vai indo”, afirma Ivone.

Preocupação com a saúde

A queda no número de clientes e vendas não foi a única razão de Ivone preferir trabalhar de casa. A preocupação com a saúde também foi determinante.

“O povo é desobediente, né. Porque tá sabendo e mesmo assim continua (sem usar máscara). Eu vou dizer uma coisa pra você, as pessoas, elas só vão se preocupar mesmo quando acontecer com alguém da família delas. Do contrário, se você olhar, olha na rua aqui mesmo, aí você já tem uma base”, analisa. 

“Eu cheguei a ver, amigo do meu filho que ficava aí nesse bar e agora tá na intubação, já faz 3 meses. O médico diz que o pulmão dele não reage”

 conta a ambulante.

Ela reforça a necessidade dos cuidados que toma ao trabalhar na rua. “Eu não peguei essa doença porque eu me cuido muito. Eu sou diabética então assim, em Osasco eu não tirava a máscara um minuto do rosto. E eu troco de máscara durante o dia. Mas houve uma necessidade de eu trabalhar lá no centro no começo, porque meu filho Renato não arrumou emprego”, compartilha.

“Nem tudo está perdido. Há coisas que a pessoa não quer dar um passo atrás. Tem que esperar surgir uma porta. Agora essa porta não tem. Mas se a gente for esperar, da onde vai vir dinheiro? Não vai vir do prefeito, do ministério. A doença continua aí. Na vida a gente tem que recomeçar.”

Apesar de tudo, Ivone conta que ainda olha para o futuro com esperança.

“É ter a mente aberta pro simples. Não adianta começar do grande, tem que começar do pequeno. Mesmo a gente querendo pra ontem, não é assim. A gente quem tem que pensar o que vai fazer, em como melhorar nossa vida, seja como for. E assim vai”, finaliza Ivone.

“Essa lesão mudou a minha vida”, conta Gizele Dias, paratleta da seleção brasileira e moradora de Mogi das Cruzes

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Foi através do vôlei sentado que Gizele realizou o maior sonho de sua vida: vestir a camisa da seleção brasileira e competir no esporte que ama desde criança.

Com a medalha de bronze conquistada pela seleção brasileira feminina de vôlei sentado nas Paralimpíadas do Rio 2016, em Tóquio 2020 as jogadoras almejam mais uma vitória. Entre as paratletas do time está Gizele Costa Dias, 43 anos, moradora de Mogi das Cruzes, em São Paulo.

Comemoração da equipe com a vitória contra a Ucrânia nas Paralímpiadas de 2016. Foto: Francisco Medeiros

O vôlei acompanha a trajetória de Gizele desde antes dela entrar para a seleção brasileira em 2009, e até mesmo antes da lesão que sofreu em 2007, que a fez entrar para a modalidade paralímpica. Incentivada pelo pai, seu João, 79 anos, que gostava de jogar bola com os colegas do trabalho, ela começou a criar uma paixão pelo esporte, mas diferente do pai, ela escolheu outra modalidade e começou a treinar com 9 anos.

Ainda criança, Gizele estudava na EMEF Coronel Almeida, em Mogi, e quis fazer parte do time de vôlei da escola.

“Desde o colégio eu venho praticando essa modalidade que eu escolhi pra minha vida. Eu queria ter 18 anos pra jogar com as meninas mais velhas e com 12 eu já jogava entre elas”

A partir daí, a prefeitura de Mogi das Cruzes decidiu montar um time para representar a cidade nos campeonatos regionais, e o desejo de se tornar jogadora profissional no esporte, virava realidade para Gizele.

Durante todas as trocas de time a equipe não se separava. Se uma ia, todas iam, e foi com essa amizade que Gizele entendeu a missão mais valiosa do esporte.

“A minha relação continua igual como se nada tivesse acontecido, como se a gente não tivesse se separado. Eu tenho contato com todos até hoje, eu tô aqui e elas estão me mandando mensagem”, relata sobre as amizades que construiu ao longo do tempo com Fabi, Cilene, Cintia, Tânia e Márcia e outras jogadoras.

Gizele e as paratletas Nathalie Silva, Edwarda Dias e Laiana Rodrigues recebendo a medalha de prata nos jogos Parapan-Americanos de 2019, em Peru. Foto: Arquivo pessoal

Além das amigas, o pai e a mãe dona Judite, 81 anos, são os seus maiores apoiadores e vibram com cada conquista da filha como se fosse deles: “A minha melhor torcida são eles”, conta.

Gizele representou Mogi por um ano, mas o time que a adotou foi Ferraz de Vasconcelos, no qual a jogadora ficou por 12 anos. Depois representou a cidade de Campos de Jordão por um ano, e foi para o time de Poá, quando aconteceu a partida que mudou sua vida.

Representando Poá contra a equipe de Cruzeiro, nos jogos regionais de Ubatuba em 2007, Gizele sofreu uma lesão ao torcer o joelho esquerdo e se desequilibrou. Ao bater com o pé no chão, seu fêmur foi para dentro e a tíbia para fora. Na mesma hora ela sentiu que aquele era um ferimento grave e poderia comprometer a sua carreira.

Após o acidente, Gizele, na época com 30 anos, estava vivendo um início de depressão, pois a recuperação estava lenta e apesar da lesão não comprometer sua mobilidade na hora de caminhar, ela teria que desistir do vôlei em pé por conta dos impactos da movimentação do esporte em quadra. Foi quando a amiga, Fabi Teles, apresentou a modalidade sentada.

“Ela me encaminhou a essa modalidade que hoje é minha vida e eu sou dedicada 25 horas do meu dia. Ela falou: ‘Gi, por que você não conhece?’. Seja vôlei sentado ou vôlei em pé, eu tô indo!”

afirma Gizele.

 A amiga recomendou que Gizele procurasse pelo Sesi de Suzano, que oferece capacitação esportiva gratuitamente e ajuda a formar atletas de diversas modalidades para competições. O treinador do Sesi, Ronaldo Oliveira, era o mesmo que treinava a seleção brasileira de vôlei sentado na época.

A jogadora conta que nunca vai esquecer do misto de sensações que sentiu no instante em que entrou no ginásio: “Quando eu entrei na quadra eu vi aquele monte de próteses encostadas na parede, foi chocante, pelo lado positivo. Eu vi aquelas pessoas sem perna e felizes da vida correndo para lá e para cá com as mãos e pensei: é aqui que eu quero estar!”, relembra emocionada.

“O vôlei construiu meu caráter e me fez quem sou hoje”, relata Gizele sobre a modalidade. Foto: Washington Alves EXEMPLUS/CPB

Quando conheceu o treinador Ronaldo, ele a instruiu a fazer uma série de exames para uma classificação funcional do tipo de deficiência. O resultado dos exames foi de uma lesão neurológica periférica (lesão de nervo fibular na perna esquerda), sendo que a classificação era de deficiência mínima. Em uma equipe de vôlei sentado só é permitido duas atletas com deficiências mínimas, uma em quadra e outra no banco de reserva.

Com a equipe do Sesi Suzano completa, ela foi competir por Jacareí e logo foi convocada para a seleção brasileira em seu primeiro ano, em 2009. Desde então está há 12 anos como levantadora e carrega muito orgulho pela modalidade que transformou sua vida, já que até 2007, tentava entrar para a seleção, e conseguiu através do vôlei sentado ter esse sonho realizado.

A paratleta jogou por Jacareí até 2012, depois ficou oficialmente com Ronaldo no Sesi de Suzano, onde conquistou o título de octacampeã brasileira. “É pra ele que dedico todas as minhas conquistas”, diz carinhosamente sobre o treinador que acreditou em seu potencial desde o primeiro dia.

Instalada na Vila Paralímpica, em Tóquio, Gizele teve uma partida algumas horas depois da entrevista com o Desenrola. Empolgada antes de cada jogo, ela lamenta sobre os torcedores não poderem acompanhar a trajetória da seleção e vibrarem com ela, pois conta que o torneio não recebe a mesma cobertura midiática como as Olimpíadas.

“Nós ainda somos tratados como ‘os deficiente que chocam’. Salvo as exceções do atletismo e natação que são bem divulgados, o vôlei ainda tá bem precário a divulgação”, dispara. Além disso, Gizele comenta que os paratletas precisam ser tratados iguais aos atletas olímpicos, pois se dedicam na competição de alto rendimento de maneira igual.

Para Gizele, durante toda a trajetória na modalidade, o lado positivo está começando a superar o negativo, e a mídia está um pouco mais do lado das paratletas. No dia 31 de agosto de 2021, o jogo contra a Itália foi televisionado por um canal fechado e os familiares e amigos de Gizele conseguiram assisti-la representar o país.

Ainda assim, há muito o que conquistar nessa cobertura, pois apesar de alguns jogos paralímpicos serem transmitidos ao vivo na televisão, em sua grande maioria são exibidos em canais fechados, com acesso limitado a grande parte das pessoas.

Equipe técnica e paratletas da seleção brasileira feminina de vôlei sentado, nas Paralimpíadas de 2020, em Tóquio. Foto: Divulgação

No momento, Gizele é uma das paratletas mais velhas da seleção, mas segundo ela, isso não significa que pensa em se aposentar da modalidade, e quer continuar representando o país por mais alguns anos.

“Enquanto Deus me permitir ter saúde física, saúde mental e eu identificar na minha cabeça que estou ajudando a seleção brasileira, eu vou continuar. Vamos ver se dá, se não der, eu passo pra parte da comissão técnica, vamos ver como eu vou trabalhar, mas do vôlei sentado eu não vou sair”, finaliza a paratleta.



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“Nosso set de filmagem é a laje”: Tomada Periférica ocupa cinema com primeiro longa-metragem

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Sem financiamento e cheios de ideias, o grupo formado por jovens moradores da Vila Missionária exibiu em uma sessão para amigos e familiares o longa-metragem “Dois conto – a continuação barata de Dez Conto”.

Cartaz do filme “Dois Conto”, produzido pelo grupo Tomada Periférica.

Na manhã do último sábado, dia 28, o sonho do grupo Tomada Periférica de exibir seu primeiro longa-metragem em uma sala de cinema foi realizado. Com aproximadamente 100 espectadores, número reduzido devido às normas de segurança e saúde de combate à Covid-19, a sessão aconteceu em uma sala comercial de cinema na região de Santo Amaro, zona sul da Capital paulista.

Entre os presentes, estavam amigos, familiares, além de vizinhos do grupo. “Eu quero agradecer a todo mundo que está aqui, inclusive a projetista que está exibindo meu primeiro filme, isso é muito especial para mim” disse o morador da Vila Missionário Bruno Maciel, 24, diretor do filme “Dois Conto – a continuação barata de Dez Conto” pouco antes do início da sessão.

O filme é uma continuação da história de Getúlio, personagem apresentado no curta “Dez Conto”, o protagonista se envolve em uma dívida de R$2. O longa ficcional de ação possui um roteiro abrangente que dialoga com questões do cotidiano da juventude da periferia, como conta Bruno. 

Assista ao trailer 

Os jovens ainda avaliam os próximos passos na divulgação do longa, mas é possível assistir o trailer de “Dois Conto” no canal do youtube do grupo. 

 “É um filme que fala sobre cada um de nós: é um filme que fala de abandono, família, covid… é um filme que fala sobre como [parte da] mídia trabalhou durante todo esse processo. Fala sobre todas essas angústias que a gente teve”. Além da direção, o jovem assina a edição e a produção, também colaborando na construção coletiva do roteiro e na atuação.

O diretor também reflete que durante a produção do filme, sentiu a realidade e a ficção se sobreporem. “Conforme a gente foi gravando, as coisas estavam acontecendo no bairro. Por exemplo, na cena que a polícia interroga o menino no beco, tinha acontecido [na mesma época] o assassinato do Guilherme, lá na Cupecê”.

O adolescente Guilherme Silva Guedes, 15, era morador de Americanópolis e foi morto em junho de 2020 com tiros na cabeça que, segundo familiares, teriam sido disparados por policiais militares que alegaram “terem confundido-o com um assaltante”. 

Amizade dentro e fora das telas 

 “Uma brincadeira na minha laje” foi como Luiz Gustavo,24, define a produção do curta “Dez conto”, lançado em 2020. Formado por amigos que participam de um grupo de teatro religioso, o Tomada Periférica se surpreendeu com a repercussão inesperada nas redes sociais de sua primeira produção, que alcançou quase cinco mil visualizações no canal do Youtube do grupo. Entendendo que a “brincadeira” poderia ficar ainda melhor, o grupo se lançou na construção de seu primeiro longa

Foto de parte do elenco de “Dois Conto”

Se denominando como “ninjator”, as cenas de luta foram coreografadas por Luis Gustavo que também faz aulas de artes marciais. No longa, há um número maior de atores, personagens e locações do que no curta, produzido em 2020. “O avanço da vacinação possibilitou que a gente tivesse mais pessoas no elenco”, conta o jovem sobre a preocupação com a pandemia.

“Nosso set de filmagem é a laje” 

Letícia Neves, 33, e seus filhos Angélica Cristina,10, e Pablo Henrique, 8, se consideram os “fãs número 1” do Tomada Periférica e estiveram presentes na sessão de lançamento do filme. Vizinhos de Luis Gustavo, eles acompanharam da janela de sua casa as gravações do curta “Dez Conto” e também do longa-metragem “Dois Conto” que eram realizadas na laje do jovem.

Apesar de hoje admirarem o trabalho do grupo, o início das gravações causaram grande estranhamento no bairro devido aos gritos das cenas de ação. “Quase chamei a polícia”, conta Letícia. 

O passeio de Pablo, Letícia e Angélica foi ir ao cinema assistir “Dois Conto”.

Confira também: 


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Uma dívida de “Dez Conto” é tema de curta metragem produzido por jovens da Vila Missionária

O Grupo Tomada Periférica se inspira nos filmes de ação e velho oeste norte-americanos para contar a história de uma dívida que põe a vida dos personagens em perigo.  

Marcelo Souza: uma trajetória de conquistas no futebol de amputados

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Atleta relata as dificuldades para se tornar uma referência dentro da modalidade e os obstáculos que o esporte enfrenta por ainda não ser paralímpico 

Nascido e criado no Jardim Primavera, em Sapopemba, zona leste de São Paulo, Marcelo Souza, 44 anos, voltou a jogar futebol 10 anos após perder a perna. Na modalidade, se tornou tricampeão brasileiro, tricampeão paulista, tricampeão da Copa do Brasil, disputou o último mundial em 2018 e ficou em 3º lugar.

A história do jogador no esporte envolveu um grande trauma: ele perdeu a perna esquerda em 2001, quando estava em uma partida de futebol de várzea. Durante o jogo ele levou um chute na perna, uma artéria entupiu e devido a um erro médico, precisou amputar o membro.

Por conta do acontecido, Marcelo desistiu de jogar futebol e ficou anos longe dos campos. Em 2011, ele queria voltar à prática esportiva, mas escolheu fazer natação no Sesi de Suzano. A natação não deu certo, e então recebeu um convite para conhecer o futebol de amputados através do projeto Smel Mogi, que hoje é o time de atletas amputados do Corinthians.

Treino no Sesi de Suzano em 2012, pelo projeto Smell Mogi. Foto: Arquivo pessoal

“Aceitei o convite da pessoa e fui conhecer o projeto, desde esse dia eu até hoje não consigo largar”, relata. Quando terminou o primeiro treino com os outros atletas, ele conta que uma sensação o invadiu e que nunca irá esquecer.

“Teve um lance que eu fiz como eu fazia com as duas pernas, e aí eu caí na passada, nessa queda o pessoal já falou: ‘levanta, levanta e vai’. Aí eu falei: caramba, é um mundo nosso… Não tem ninguém que fale: ‘nossa, coitado, meu deus’. Eu gostei da igualdade!”

relembra emocionado.

As dificuldades da modalidade no Brasil 

Desde então ele participou de muitos campeonatos, teve passagem em alguns times e chegou na Seleção Brasileira. Ainda assim, o jogador se deparou com diversos dilemas e toda essa trajetória foi marcada por carinho à modalidade que ele considera um hobbie, pois nunca foi remunerado para jogar: “O futebol para amputados para mim não é profissional, para mim é amador, não somos remunerados, infelizmente”, conta.

Marcelo diz que como o esporte não é paralímpico, os atletas não são remunerados como tal, mas ele anseia que talvez em 2024, essa seja uma realidade possível. “Só falta a aprovação do comitê, pois atinge todas as exigências. Está bem próximo de acontecer”, diz.

São duas as modalidades que envolvem o futebol nas Paralimpíadas: futebol de 5, exclusivo para cegos ou deficientes visuais e futebol de 7, praticado por atletas com paralisia cerebral. 

Pela falta de remuneração, os atletas da modalidade precisam conciliar outros trabalhos para conseguir se sustentar, é o caso do Marcelo. Ele, a esposa Monalisa, e os filhos: Milena, Lucas, Guilherme e Marcelo Júnior têm o próprio negócio na área de confecção de utensílios e já trabalham juntos há 13 anos.

Por ser autônomo, ele conseguiu fazer um horário flexível para conciliar os treinos que geralmente acontecem no período da noite ou aos finais de semana. Porém, os campeonatos acontecem em dias consecutivos e é mais difícil outros atletas terem essa mesma flexibilidade.

“Já ouvi muita história de nego perder o emprego por causa de campeonato”, comenta. Outro problema que ele aponta, é a falta de patrocínio dentro da modalidade, mas ele analisa que as coisas estão melhorando com o passar dos anos e o interesse de algumas empresas pelo esporte está aumentando.

Contudo, a contratação está relacionada com registro em carteira, o que pode possibilitar o corte do benefício que ele recebe por direito devido a deficiência.

Por isso, Marcelo enfrentou outro dilema:

 “O benefício eu tenho garantido, o esporte não”

conta relatando que como o patrocínio é ligado à uma empresa, o contrato pode ser rompido em algum momento, deixando o atleta sem amparo.

Marcelo comenta que em outros países a modalidade é bem mais valorizada e os atletas conseguem viver de futebol. “A gente foi disputar o mundial em 2018 e vimos os outros países, como a Inglaterra, Turquia e os angolanos, você vê que eles ganham casas, carros, em dólar. Um treino mais focado e adequado”, comenta, sobre o sonho de outros atletas, como o de Luiz Cláudio, de jogar no exterior.

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Planos para o futuro 

Marcelo joga pelo time Ponta Preta, mas por conta da pandemia ele treinou com a equipe apenas uma vez e considera estudar outras propostas caso tenha alguma forma de remuneração. Atualmente ele também pensa em se aposentar da modalidade para se dedicar ao esporte de outra forma: organizando partidas que promovam inclusão social e não apenas o alto rendimento.

Último jogo pela Ponte Preta antes da pandemia da Covid-19. Foto: Arquivo pessoal

Ele participou da organização da primeira partida de futebol de amputados da várzea paulistana, que aconteceu em 2021, na Toca da Coruja, em Osasco, que além de promover lazer para pessoas que nunca haviam jogado futebol na vida, também apresentou novos atletas para a modalidade.

“Isso é completamente fora do alto rendimento, esse nosso trabalho a gente faz porque a gente percebeu que em cada beira de campo a gente tem um amputado lá, e trazer também as outras pessoas que não estão muito bem no alto rendimento, mas gostam de participar e bater uma bola ali”, enfatiza.

Outro sonho, seria comprar uma câmera para registrar as partidas, pois além de não ver outro amputado fazendo isso, é uma forma de continuar participando e estar sempre em contato com a modalidade.

Para Marcelo, os empecilhos que a modalidade enfrenta fazem parte de uma trajetória de melhorias e superação que os novos atletas irão encontrar. Foi através do esporte que ele conseguiu vencer o trauma e sempre vai ser a sua maior paixão.

“Me ajudou demais o esporte, até hoje. Eu gosto de passar isso pra outras pessoas, sabe, o cara tá na beira do campo e a gente fala: vamos jogar! […] Do mesmo jeito que me resgatou, a gente tá tentando resgatar outros, essa é a ideia”

 finaliza o atleta.

Família do Capão Redondo conta como o racismo atravessa sua história

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Na primeira série de fotorreportagens do Desenrola, moradores compartilham como é o cotidiano de quem bate de frente contra o racismo dentro e fora das periferias.

Retrato da família de moradores do Capão Redondo.(Foto: Gustavo Henrique)

 O Desenrola fez um mergulho na história de três moradores do Capão Redondo, distrito da zona sul de São Paulo. Reinaldo Alves, 27, Ananda Beatriz,19, e Ana Lúcia de 55 anos, revelam como eles enfrentaram e continuam enfrentando o racismo nos dias de hoje dentro e fora da quebrada.

Com 53,90% da sua população preta e parda, o Capão Redondo é o oitavo distrito de São Paulo com o maior número de população afrodescendente, segundo o Mapa das Desigualdades.

A empregada doméstica Ana Lúcia é uma das moradoras que fazem parte deste contexto racial da quebrada. Ela conta que desde criança mora no Capão Redondo, território que também serviu de moradia para os seus pais.

Ana começou a trabalhar como doméstica aos 14 anos, em uma metalúrgica. Com 20 anos, ela alisou o cabelo pela primeira vez, com um pente que ela esquentava no fogão. Ela diz que sofre preconceito desde que começou a trabalhar em seu primeiro emprego.

Retrato de Ana Lúcia. Foto: Gustavo Henrique

Ela conta que já sofreu diversos casos de racismo no trabalho, onde colocavam as coisas dela dentro do banheiro que era usado para lavar cachorros e para uso de outros empregados.

“Eu trabalhava numa mansão e tudo que era meu ficava num quartinho e no banheiro, onde dava banho no cachorro, que era meu trabalho também, um banheiro onde o pessoal que vinha fazer jardinagem, os homens todos usavam. É onde eu guardava o que eu comia, e também guardava meu copo”.

revela a moradora 

Ao contar a sua história, Ana diz que outro ponto marcante na sua trajetória de vida é a forma como as pessoas comentavam de maneira preconceituosa sobre o seu cabelo.

Ana Lúcia mostra como alisa seu cabelo regularmente. (Foto: Gustavo Henrique)

“Eu tinha muito vergonha do meu cabelo, porque as pessoas me xingavam de ‘neguinha do cabelo duro’, ‘cabelo de Bombril’, de ‘arear panela’, então eu alisava e aliso até hoje”, relata ela, ao lembrar do preconceito que sofria sempre que deixava de alisar seu cabelo na infância.

Ana Lúcia, moradora do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Para a moradora do oitavo maior distrito de São Paulo em população negra, nos dias atuais aconteceu uma mudança significativa na forma como as pessoas enfrentam o preconceito em relação a época em que ela era jovem.

“Eu acho que hoje em dia tá melhor do que antigamente, porque antigamente o racismo não era escondido, porque a gente não batia de frente, aí as pessoas falavam né? Mas hoje a gente pode combater frente a frente”.

Ana Lúcia, moradora do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Retrato de Ananda Beatriz. 

A jovem Ananda Beatriz,19, é filha da moradora Ana Lúcia. Ela sempre morou no Capão Redondo, tem cinco irmãos, mas foi a primeira da sua família a assumir o cabelo natural.

Diferente de sua mãe, Ananda conta que teve a influência do partido “Panteras Negras” e de seu professor de história para conhecer mais sobre a cultura negra, comprovando que a opinião da mãe faz sentido, ao afirmar que hoje os jovens enfrentam mais o racismo.

Foto de Ananda antes de usar seu cabelo natural. (Foto: Arquivo pessoal)

Antes de usar o cabelo natural, Ananda conta que alisava o cabelo desde os 11 anos. Ela começou a trabalhar como jovem aprendiz com 14 anos, na área de telemarketing.

Foi aos 15 anos que ela começou a entender as formas como o preconceito racial atingia a sua vida e de outras pessoas a sua volta. E nesse processo, o pontapé inicial dela para ativar essa percepção foi a curiosidade de como ela ficaria com o cabelo natural.

“O pontapé inicial para eu começar a usar o meu cabelo natural com certeza foi a curiosidade. Eu queria saber como ia ficar, eu queria experimentar a sensação de usar cabelo natural”.

Ananda Beatriz,19, moradora do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Ananda usa seu o garfo para finalizar os cachos do seu cabelo. 

Beatriz lembra que a transição capilar foi um processo muito difícil, por conta das mudanças em sua aparência, que nem sempre eram bem vista pelas pessoas em volta, até porque ela foi a primeira pessoa da sua família a assumir seu cabelo natural.

A transição nunca é fácil, sabe? Porque você cria uma expectativa com o cabelo, e às vezes ele não fica do jeito que você queria que ficasse. Foram anos e anos de aprendizado, de frustrações em relação ao meu cabelo, até eu compreender, até eu saber usar ele do jeito que eu uso hoje”.

revela a jovem

André Oliveira é professor, mestre em historia. (Foto: Jonas Tucci)

 Para André Oliveira, professor, mestre e historiador, o racismo é uma política econômica, que provoca uma estrutura de sentimentos. Esses sentimentos tendem a provocar como efeito uma necessidade dos negros se afirmarem pela obediência.

Segundo a análise do historiador, isso explica por que as mulheres tendem a alisar os cabelos, numa tentativa de servirem mais, porque estão mais dispostas a serem servis.

Retrato de Reinaldo Alves. 

A batalha de Ananda Beatriz também faz parte do cotidiano do seu primo Reinaldo Alves, 27. Ele nasceu e mora até hoje no Capão Redondo, e tem duas irmãs mais velhas.

O morador começou a trabalhar com 16 anos como ajudante de pedreiro, e atualmente tem sua própria empresa, a JR Freelancer Empresarial. Reinaldo conta que já passou por tantas situações de racismo e preconceito que nem se recorda quando aconteceu a primeira.

A abordagem policial está entre as principais situações que o morador acredita ter sido vítima de racismo.

“Sobre os enquadros que eu já levei cara foram tantos que eu não consigo nem saber quantos foram, desde o primeiro aos doze anos foram vários, tinha vezes que eu tomava enquadro toda semana”.

Reinaldo Alves, 27, é morador do Capão Redondo, zona sul de São Paulo.

Foto de Reinaldo no local onde foi feita a abordagem policial. (Foto: Gustavo Henrique)

Foi na porta da escola que estudava durante a adolescência que Reinaldo relembra um dos enquadros mais aterrorizantes que levou em sua vida. Ele conta que em umas dessas situações, o policial demonstrou não ter gostado da postura dele.

“O policial nesse dia encasquetou comigo, não sei por qual motivo, na verdade, eu sei por qual motivo hoje. E ele ainda falou pra mim que ia me pegar no outro dia na rua”, finaliza o Reinaldo.

Um panorama acerca das mandatas coletivas

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Por sermos uma das primeiras experiências em mandatas coletivas, surgiram diferenças que trouxeram erros e atropelos. Como era de se esperar, nos faltaram instrumentos para lidar com elas, mas seguimos acreditando que poderíamos aprender juntos.

Foto: Leandro Godoi
Aqui

Quando fui convidado a compor o Movimento Bancada Ativista, em 2017, decidi conhecer melhor a proposta, mas desde o início fiquei encantado com a ideia de mandatas coletivas. Procurei saber mais, gostei da primeira experimentação do país em Alto Paraíso de Goiás e da própria experiência da Bancada Ativista, lançando nomes à vereança na Capital Paulista, em 2016.

O convite não me foi feito por acaso: eu sempre fui inquieto em buscar tecnologias políticas que fizessem sentido nas periferias e aqui, trabalhos coletivos são mais potentes que trabalho individual.

Eu já buscava brechas para vitórias que fortalecessem nossas lutas, como foi o caso da Lei de Fomento à Cultura das Periferias, como integrar as articulações entre Saraus, participar da construção da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, assim como de grupos de estudos do orçamento público municipal, de movimentos por moradia e outras formas de fazer política que fossem mais horizontais.

Foi necessário entender melhor o que eram as mandatas coletivas, porque eu não gostaria de expor a minha caminhada por essas lutas, tampouco aparecer como tantos que, se colocando como líderes, terminam dispondo do acúmulo ativista em benefício próprio. Esse é um cuidado de quem milita nas margens da cidade: nada sobre nós, sem nós!

Quando fomos eleitos com 149.877 votos fiquei muito surpreso e animado, porque uma das condições para participar era a troca entre lutas com as quais sempre fui solidário. A mandata funcionaria alinhada por acordos entre nós, que apontariam nossas ações em conjunto e fortaleceriam nossas próprias construções militantes.

Por sermos uma das primeiras experiências em mandatas coletivas, surgiram diferenças que trouxeram erros e atropelos. Como era de se esperar, nos faltaram instrumentos para lidar com elas, mas seguimos acreditando que poderíamos aprender,  juntos.

Já eleito e integrando a Mandata Ativista, optei por seguir um fluxo de trabalho, que consiste em acompanhar as demandas dos Movimentos e Lutas Populares. Sigo como antes, junto, nem à frente, nem atrás, mas tentando estar ao lado, dispondo do meu lugar como Co Deputado Estadual, permanecendo atento as demandas do povo que vive nas periferias e sofre com tantas violações de direitos.

Acompanhei dezenas de casos de prisões ilegais, invasões policiais na Favela do Moinho, despejos de famílias em plena pandemia e execuções dos nossos jovens, uma vez que componho o Comitê Paulista de Prevenção a Homicídios de Crianças e Adolescentes, da ALESP – Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Estive e estarei com as Mães de Maio, buscando apoiá-las no processo de construção de um projeto de lei de acompanhamento psicológico aos familiares de vítimas da violência do Estado. 

Reintegração de Posse na Comunidade Taquaral em Piracicaba em 07 de maio de 2020. Foto: arquivo Fernando Ferrari

Houve erros, mas também aprendizados, trazendo a certeza de que vale a pena discutir mandatas coletivas. Hoje existe no país uma potente articulação nacional de mandatas e mandatos, que vêm tentando, via ART. 196 formalizar a existência de candidaturas coletivas no TSE.

No período entre 2018 e 2020, no Brasil, foram mapeadas 28 experiências coletivas eleitas, sendo duas para mandatos em assembleias legislativas (Pernambuco e São Paulo) e 26 coletivos eleitos, dentre o número estimado de 250 candidaturas apresentadas com este formato nas eleições municipais de 2020.

Somos vitoriosos por contribuir com a abertura do debate dessa experiência, mas não acreditamos apenas em mandatas: elas são ferramenta e não objetivo. Acreditamos que a única maneira de acabar com as desigualdades é encontrarmos um sistema para além do capitalismo, que nos explora e nos mata, mesmo que simbolicamente, de várias formas todos os dias. 

Como estamos hoje? 

Hoje, nossa porta voz Mônica Seixas está afastada por 120 dias e torço pela sua volta, com saúde plena para seguirmos construindo uma possível confluência de ideias.

Nosso suplente, Raul Marcelo, do PSOL de Sorocaba, assumiu seu posto e tem sido solicito com nossos processos. Em acordo com o PSOL Estadual, Raul, de forma coerente manteve o coletivo e suas assessorias, colocando-se à disposição em colaborar com nossas pautas.

Seguimos na luta pelo melhor desenvolvimento da ferramenta de Mandatas Coletivas no Brasil e que num futuro próximo o TSE e as leis possam reconhecer a legítima vontade das pessoas que elegem seus representantes. 

“A arte me salva”, afirma Nayara, mulher, lésbica e moradora da zona leste

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Na série Relatos LGBTQIA +, Nayara de Souza conta como seu envolvimento com a arte mudou suas experiências enquanto mulher, lésbica e moradora da quebrada e como sua relação com a igreja influenciou na aceitação de sua sexualidade.

“Sou sonhadora, gosto de viver os dias intensamente realizando tudo aquilo que está ao meu alcance”, essa é uma das formas que Nayara de Souza, 24, se apresenta. Nayara é moradora do Parque São Rafael, na zona leste da cidade de São Paulo, é turismóloga, atualmente em um hotel, e se identifica como uma mulher lésbica.

“Amo a arte, tento me manter sempre estudando dança e arte circense. Estou me jogando no mundo do pole dance também e quero continuar desafiando meu corpo e fazer dele meu templo. Eu amo viajar, estar com amigas, ouvir música além de manter uma vida ativa”, afirma.

Atualmente Nayara mora com o pai na zona leste de São Paulo, mas conta que nasceu em Santo André e que seu pai veio de Formosa Oeste e sua mãe de Londrina, buscando outras possibilidades de vida.

“Eu sou a filha caçula, meu irmão do meio morreu e minha irmã mais velha (por parte de mãe, que foi criada pelo meu pai e não pelo pai dela) mora no quintal da minha avó materna, por isso, meu pai me mima bastante”, compartilha Nayara.

A turismóloga relembra como foram suas primeiras percepções com relação a sua sexualidade e como a igreja atravessou esse processo. “Eu não entendia sobre ser homossexual, eu nasci e cresci na igreja, fui doutrinada em padrões religiosos, imposições rígidas de gênero, heteronormatividade, machismo estruturado, etc. Eu só conhecia uma realidade para a minha vida e acreditava que deveria seguir ela”, conta. 

(Foto: Nayara de Souza) da avenida Sapopemba, zona leste

“Eu apresentei algumas atitudes homoafetivas, a mais antiga que me recordo foi aos 13 anos, quando dei meu primeiro beijo e foi com menina, e me recordo de só gostar de homens porque eu fui imposta a gostar e não tinha nada que fazia isso parecer real.”

Nayara de Souza

Ela conta que começou a se questionar sobre sua sexualidade aos 15 anos, quando começou a sentir atração por mulheres.

“Uma história que marca minha vida foi quando eu estava em uma encontro religioso e tinha uma menina lá, porém, eu achava que era um menino, quando eu vi ela pela primeira vez eu falei para a minha irmã: ‘que menino lindo’ e ela me respondeu que achava que era uma menina lá da igreja, por fim, descobri que era uma menina lésbica e eu fiz amizade com ela na época”, relembra.

A moradora da zona leste conta que depois que se apaixonou por uma menina, percebeu que realmente gostava de mulheres e começou a se questionar mais sobre o tema. “Ainda com 15 anos me apaixonei por uma menina, ela já se reconhecia como lésbica, mas não aceitava por causa da igreja. Eu ‘namorava’ um garoto mais velho que eu não gostava, hoje eu entendo que eu queria agradar minha família”, reflete. 

“Foi depois disso que eu comecei reconstruir minha vida como uma mulher lésbica.”

Nayara de Souza

Foto de Mayara de Souza, moradora do Parque São Rafael

 Nayara, reforça que passou por momentos difíceis dentro desse processo de descoberta, e que até os 18 anos tentava de todas as formas se “libertar”. Constantemente buscava representatividade em filmes e séries, mas sempre tinha um final trágico.

“Eu tive um relacionamento bem abusivo com uma menina também, mas eu continuei seguindo minha vida. Aos 21 anos eu tive depressão, porque eu não me aceitava devido a doutrinação religiosa e tudo que eu havia passado, minha família não me aceitava, eu sofri agressão verbal e eu sabia que também não era aceita na sociedade”, afirma Nayara que depois desses processos começou a reconstruir sua vida como uma mulher lésbica.

“Não foi fácil, eu fui julgada, ouvi muitas coisas cruéis e só quando eu tive depressão e quis tirar minha própria vida as coisas começaram a melhorar, eu tive apoio familiar e parei de ter tanta agressão verbal, além de que eu fui me reconstruindo e deixando de me afetar por isso. Hoje eu me sinto à vontade dentro de casa e falo abertamente sobre minha sexualidade sem me importar”, diz Nayara.

“Ser uma mulher lésbica é saber que não estarei segura e que as pessoas simplesmente aturam mas não aceitam, algumas respeitam, mas não entendem e que eu estou aqui por mim, apenas por mim e por quem representa a mesma luta.”

Nayara de Souza

A arte como instrumento de sobrevivência 

Para Nayara, a arte reflete sobre quem ela é, que foi e continua sendo salva e fortalecida pela arte. “A arte fortalece quem eu sou por completo, quando eu estou dançando ou performando na lira, no trapézio no tecido acrobático ou no pole dance, eu sinto que sou livre, que posso ser eu mesma, que posso me doar por completo e que estou segura, além de que é um refúgio das minha frustrações, dos meus medos, da minha ansiedade e depressão”, afirma. 

“A arte me salvou, a arte me salva!”

Durante a pandemia, precisou mudar sua rotina, o que significou ficar distante das aulas, do circo e de outras atividades que a energizam.

“A pandemia trouxe a minha segunda crise de depressão, eu perdi tudo que me fazia bem, meu trabalho, minhas aulas, a dança, o circo, minha rotina. Eu tive mais tempo comigo mesma, eu tive que encarar meus medos, minhas frustrações, meus traumas, eu tive tempo de encarar coisas que eu odiava em mim, eu passava horas me olhando no espelho e odiando o que eu via”, compartilha. 

“A pandemia me fez refletir sobre toda a minha vida e tudo o que essa estrutura machista, patriarcal da sociedade fez eu vivenciar. Eu questionei muito sobre minha sexualidade e sobre a imposição de gênero.”

Nayara segue se descobrindo e diariamente identificando o que a faz bem ou mal. “No momento as coisas estão se ajeitando, foi muito difícil para mim, hoje em dia o que está sendo mais difícil de lidar é com o emocional, tive muitas crises existenciais e baixa autoestima. Por muito tempo fiquei sem minhas rotas de refúgio e tive que bater de frente com tudo que me fez e me faz mal”, finaliza.

Futebol de amputados reacende sonhos em jovens da periferia como Luiz Cláudio

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Após perder a perna, Luiz encontrou na modalidade uma oportunidade para se tornar jogador e continuar fazendo o que ama.

Foi nas ruas, junto com os amigos do Jardim Ângela, zona sul da cidade de São Paulo, que Luiz Cláudio Pereira dos Anjos, 18 anos, descobriu uma grande paixão: jogar futebol.

As partidas nas margens da represa do Guarapiranga, em São Paulo, faziam parte da rotina dele e dos colegas de bairro até seus 13 anos. Foi nesta idade que ele foi atropelado na rua de casa e ficou sem a perna direita. Desde então, o jovem começou a praticar a modalidade de futebol para amputados. 

Luiz participou da 1ª partida de futebol de amputadas da várzea paulistana, na Toca da Coruja, em Osasco. Foto: Jucinara Lima

Em uma tarde, depois do almoço, Luiz foi para rua jogar vôlei com o irmão do meio, Erick, 19, e outros colegas do bairro, quando uma pessoa passou de moto fugindo da Rocam – Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas e o atropelou.

Ele ficou por mais de 40 minutos esperando a ambulância e amparo médico. No hospital, foi diagnosticado com trombose e recebeu a notícia de que a perna direita precisaria ser amputada.

Mesmo com o choque, Luiz não se deixou abalar:

“Pra falar a verdade, eu tive uma força surpreendente, porque depois de um mês eu já estava fazendo fisioterapia e jogando bola”

Por conta das condições financeiras da família, Luiz foi criado pela avó Eulina, as tias Sueli e Roseli, e o irmão mais velho Caio, de 24 anos. No mesmo ano do acidente que o deixou amputado, ele também perdeu a avó, vítima de dois derrames e um começo de AVC. Com a ausência da avó, o atleta foi morar com a mãe Viviane Pereira, 39, e todos sempre se deram bem.

O jovem descobriu o futebol para amputados por meio da fisioterapeuta que o apresentou para a professora Erika de Castro do Bola pra Frente, time de atletas amputados do São Paulo. Desde então, o atleta ressignificou o futebol em sua vida e se não fosse a pandemia, disputaria sua primeira Copa do Brasil na modalidade.

Partida de futebol com os atletas do Bola pra Frente, meses após o acidente. Foto: Arquivo pessoal

Para Luiz, a melhor parte do esporte foi a identificação que ele teve com os outros atletas amputados:

“Eles vivem a mesma coisa que eu, ninguém é diferente de ninguém, mas nois se sente à vontade quando tá nois tudo porque todo mundo passa pelas mesmas coisas”

As amizades dentro e fora de campo foram essenciais nesse processo. No esporte, ele encontrou pessoas importantes como Alex Sandro, atacante da modalidade: “Ele me ajuda em tudo”, dispara Luiz, que encontrou no amigo a inspiração que precisava para seguir carreira no futebol.

Para “Robinho”, apelido que Luiz ganhou dos colegas por conta das pedaladas e do jeito de jogar igual do atacante Robson de Souza, o apoio dos colegas de bairro também foi essencial para ele dar a volta por cima e vencer por meio do esporte.

“Amigos que eu nem imaginava que eram amigos mesmo. Minha mãe até falava: ‘nossa, você tem bastante amigos mesmo’. E levavam Danone, faziam umas compras e levavam, cesta básica, o pessoal tava do lado mesmo […] até celular os caras compraram: ‘vai ocupar a mente’, eles disseram”, compartilha.

Dando a volta por cima 

Por conta da pandemia da covid-19 e por um desentendimento que teve com outro jogador do Bola pra Frente, o atleta ficou 8 meses sem treinar. Com o desânimo, saiu do time e pensou em desistir do esporte.

Luiz estava sozinho em casa quando recebeu a ligação de Alexandre, que também é atleta do futebol para amputados e coordenador da modalidade no Ajax, falando que estava convocando alguns jogadores, e convidando Luiz para a partida que ele ainda não sabia, mas se tornaria a mais especial da vida dele.

Por conta de uma iniciativa dos times Ajax, localizado na Vila Rica, na zona leste, junto com o Vila Izabel, time de Osasco, zona oeste de São Paulo, no dia 01 de agosto de 2021, aconteceu na Toca da Coruja, o primeiro jogo de futebol de amputados na história da várzea paulistana.

Atletas que já atuavam na modalidade jogaram com outros que estavam entrando em campo pela primeira vez na vida. Nesse jogo, Luiz estava sem treinar há alguns meses, mas conseguiu se destacar, fazer dois gols pelo Ajax e recebeu um convite.

“O goleiro que é do Corinthians estava lá nesse jogo, ele tomou 2 gols e falou pra mim no final: ‘vou mandar mensagem lá pro Corinthians’. Quando foi na segunda-feira o técnico do Corinthians me ligou”, relata empolgado.

Ele conversou com o técnico, foi contratado pelo time e no dia 10 de agosto de 2021 teve o primeiro treino como jogador do Corinthians Mogi das Cruzes. Para ele, iniciativas como essa que visam a inclusão e apresentação de novos atletas, são importantes para fomentar sonhos em pessoas que enxergavam essa realidade como distante.

Depois desse dia, ele carrega um carinho pela partida que abriu novas portas para sua carreira: “Foi a mais importante pra mim. Foi uma partida que eu vi que conseguia jogar, que consigo fazer, que é necessário, aí deu pra sentir mesmo a vontade de jogar”, conta.

Atualmente, Luiz está focado no futuro como atleta e não pensa em outra coisa além de futebol. O apoio dos amigos e parentes é essencial para ele seguir na luta. “Se eu parar eles me matam”, brinca.

Enquanto aguarda ansioso para que a modalidade um dia faça parte das paraolimpíadas e o esporte receba um maior incentivo de patrocinadores, o seu maior sonho é fazer parte da Seleção Brasileira de Amputados ou ser contratado para jogar em algum time do exterior: “Essa é a minha meta!”, afirma esperançoso.



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“É um orgulho representar nossa quebrada”, afirma Giba, paratleta morador de Carapicuíba – Desenrola E Não Me Enrola

Após acidente de moto, o paratleta morador de Carapicuíba encontrou no esporte um caminho de possibilidades, e através do vôlei sentado constrói sua história e leva a quebrada em cada espaço conquistado.