Home Blog Page 57

Comunidade Cultural Quilombaque comemora 16 anos com celebração virtual

0

Com o tema “Quilombaque, 16 anos de resistência: Nossa vitória não será por acidente!”, o espaço cultural promove até o dia 26 de setembro uma programação de atividades virtuais para celebrar mais um ano de atuação

Foto: Ira Romão

 Um ano após a compra do espaço de sua sede, a Comunidade Cultural Quilombaque realiza a celebração de 16 anos de atuação com uma série de atividades virtuais que incluem sarau, atividades para crianças, bate-papos e shows com Bivolt, Fabriccio Oliveira e Leci Brandrão. As atividades são virtuais, gratuitas e serão exibidas pela página do Facebook e também pelo canal do Youtube do espaço cultural.

Tendo o tambor como nosso princípio organizativo, cantamos e atentos nos conectamos ao Axé, gingamos pelo fim do genocídio da população pobre, preta, indígena e periférica, pois onde quer que estejamos, estamos na luta! Alongamos a utopia como elemento fundador da nossa geração nessa travessia pandêmica de desesperança.

Manifesto de aniversário da Comunidade Cultural Quilombaque

Programação 

23/09, às 20h – Baobá escritas e saberes com Nelson Maca

Nelson Maca, poeta, performer, professor de Literatura, fundador do Coletivo “Blackitude: Vozes Negras da Bahia”, que realiza ações artísticas de formação sócio-racial há mais de 20 anos tais como Sarau Bem Black e o Slam Lonan. Autor de Gramática da Ira (poesias), Go Afrika, Relato da Guerra Preta ou Bahia Baixa Estação (contos) e Ani: todos os Felas do mundo(romance) ambos pela editora Blackitude. Também organizou os livros Tarja Preta (Maloqueirista) de Zinho Trindade e A Rima Denuncia (Global) do GOG.

24/09, às 20h – Sarau D’Quilo com Andréa Amorim – lançamento do livro “Farfalhar rememórias”

Neste delicado livro de Andrea Amorim poesia e prosa se mesclam com graça desabrochando histórias cultivadas pela autora. Escrita testemunho. Forte. Amorosa. Necessária provocação em tempos tão difíceis.

25/09, às 16h – Espetáculo Infantil “Esquadrão Bombelhaço” com o Grupo Circo Teatro Palombar

Um batalhão de bombeiros composto por palhaços, correm para acabar com um incêndio que tomou conta do picadeiro. Um carro entra em alta velocidade com o esquadrão e seus equipamentos de combate ao fogo… A tropa atrapalhada inicia seus procedimentos de salvamento entre trombadas, tropeços, saltos na pizza e bofetões.

26/09, a partir das 17h – Shows com: Leci Brandão, Bivolt e Fabriccio Oliveira

As atividades serão transmitidas pela página do Facebook e canal do Youtube.

Mães revolucionárias: “O meu sonho é que a Síndrome de Williams seja reconhecida”, diz Silvana Souza

0

Com 24 anos dedicados a defender acesso às políticas públicas para pessoas com deficiência física e intelectual, Silva Souza construiu uma trajetória ao lado de seu filho, portador da Síndrome de Williams. 

 Há 24 anos, Silvana Souza, 55, moradora do Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, iniciou uma luta para promover direitos sociais e acesso às políticas públicas de saúde e educação para crianças que possuem Síndrome de Williams, uma deficiência física e mental pouco difundida nos meios de comunicação tradicionais e nos serviços públicos de saúde.

Essa luta começou quando ela estava acompanhando seu filho Alan Souza, 24, em uma consulta com um pediatra. Nessa ocasião, ela ouviu pela primeira vez o termo Síndrome de Williams, e a reação dela como mãe foi de desespero por nunca ter ouvido falar nessa doença.

As crianças que possuem Síndrome de Williams apresentam características de comportamento hiper-social e comunicativo, além de problemas cardíacos, coordenação motora, equilíbrio, atraso mental e psicomotor.

“Quando meu filho nasceu, não tinha nenhum artigo no Brasil sobre Síndrome de Williams, como tinha só em espanhol e inglês, eu tive que traduzir para o português, a sorte foi que uma cunhada minha pegou e traduziu pra mim”, relembra Silvana, contanto a importância do apoio da cunhada que tinha trabalhado numa escola de inglês, para traduzir o artigo de pesquisa sobre a Síndrome de Williams.

Alan Souza é filho de Silvana e sonha em ser musicista e um dos seus instrumentos prediletos é o acordeon. (Foto: Carolina Carmo)

“A gente ajuda crianças não só aqui, mas no Brasil todo”

Silvana Souza, 55, é moradora do Itaim Paulista, zona leste de São Paulo.

A partir deste momento, ela começou a entender um pouco mais sobre a síndrome que estava afetando o desenvolvimento físico e intelectual de seu filho. Em meio a muitas dificuldades, ela foi buscando formas de apoiar outras mães que estavam passando pelas mesmas situações.

Nesse processo, ela acabou fundando a Associação Brasileira de Síndrome de Williams. “A gente achou bonito colocar Associação Brasileira de Síndrome de Williams, e não de São Paulo, e aí acabamos abraçando o Brasil. Então a gente ajuda crianças não só aqui, mas no Brasil todo”, conta Silvana.

A Associação Brasileira de Síndrome de Williams é uma organização social fundada em fevereiro de 2002. Com abrangência em território nacional, ela é composta por pessoas portadoras de Síndrome de Williams e seus familiares, profissionais de diversas áreas e pessoas interessadas em participar e colaborar com a organização, cujo principal objetivo é melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência.

Uma das características das pessoas que nascem com a Síndrome de Williams é a alta sensibilidade ao som e intolerância a ruídos, características que quando trabalhadas podem se transformar em uma elevada habilidade musical, como foi o caso de Alan, filho de Silvana, que estuda música e toca diversos instrumentos.

Há 24 anos, Silvana Souza, iniciou uma luta para promover direitos sociais e acesso às políticas públicas de saúde e educação para crianças que possuem Síndrome de Williams. (Foto: Carolina Carmo)

Educação especial 

Apesar de não ter tido o suporte necessário na escola onde estudou, para o desenvolvimento de suas habilidades, o filho de Silvana foi bem recebido pelo Projeto Guri, organização social que oferece educação musical gratuita às crianças e adolescentes.

“Eles fizeram um trabalho maravilhoso. Eu não acreditei pela coordenação motora, mas quando eu vi meu filho tocando a nona sinfonia de Beethoven, eu nunca mais deixei de acreditar no potencial dele”, conta Silvana.

Alan segue procurando formas de dar continuidade aos seus estudos já que o projeto Guri é oferecido a jovens até os dezoito anos, pois hoje ele está com 24. Ele diz ter vontade de seguir carreira na música, porque é o que ama e faz de melhor.

Ao refletir sobre a questão da inclusão e a acessibilidade de pessoas com deficiência aos serviços públicos, Silmara Silva, especialista em educação especial pela UNESP, aponta a importância de discutir melhorias na legislação brasileira.

“Em decorrência da Lei Brasileira de Inclusão, a questão da inclusão e da acessibilidade vem à tona com mais frequência e força, tirando muitas pessoas com deficiência da invisibilidade e colocando-os no lugar de pessoas de direito. Isso é muito bom e importante, porém, não é o suficiente”, aponta a profissional que está há 10 anos atuando em escolas públicas das periferias com educação especial.

 “O Ministro da educação não sabe nada sobre a realidade das mães que têm filhos com deficiência”

Silmara Silva é especialista em educação especial pela UNESP.

Silvana conta que tem mais três filhos sem nenhuma deficiência e no caso deles a experiência com a escola não significou nenhum desafio, já para o Alan foi uma longa busca.

Ao relembrar a recente fala do Ministro da Educação sobre a inclusão de pessoas com deficiências na educação pública, Silmara deixa claro o seu ponto de vista: “O Ministro da educação não sabe nada sobre a realidade das mães que têm filhos com deficiência e os obstáculos percorridos para garantir o direito à educação. Tem que respeitar cada deficiência em suas especificidades.”

O posicionamento de Silmara reflete diretamente na vida de Silvana e de Alan no acesso à educação. Apesar das leis que já estão em vigor, ele recebeu recusas de matrícula em muitas escolas públicas, sob a justificativa de falta de preparo dos profissionais e de recursos da escola para receber o jovem.

“A lei assegura o direito ao acesso e permanência nas escolas, contudo, nem sempre há formação profissional adequada e recursos (inclusive humanos) que garantam avanço na aprendizagem”, argumenta Silmara.

“O que eu vi nas escolas das periferias foi pessoas com deficiência intelectual, Síndrome de Down, Autismo e Síndrome de Williams dormindo em sala de aula”

Silvana Souza, 55, é moradora do Itaim Paulista, zona leste de São Paulo.

A especialista em educação especial complementa afirmando que “os cursos de licenciatura e graduação não formam para o trabalho com as deficiências e muitos professores sentem-se inseguros (e desamparados) pois não sabem como lidar com isso”, revela ela, afirmando que a necessidade de construir uma formação continuada nessa área para profissionais de educação e recursos que garantam a aprendizagem.

Silvana conta que a sua luta é por acreditar na inclusão, mas, que ela ainda não existe na maioria das escolas públicas, e se tratando das periferias, a situação é ainda mais agravada

“O que eu vi nas escolas das periferias foi pessoas com deficiência intelectual, Síndrome de Down, Autismo e Síndrome de Williams dormindo em sala de aula, não tendo um trabalho. Eu acho que a Secretaria da Educação tem que investir mais e saber respeitar os direitos das pessoas”, diz Silvana, uma das criadoras da Associação Brasileira de Síndrome de Williams.

Para Silmara, é necessário ir além do debate sobre o acesso e discutir o desenvolvimento das pessoas. “Precisamos romper com o simples acesso e contribuir para o desenvolvimento dessas pessoas. Para além dos esforços e empenho dos profissionais, dependemos de políticas públicas para que isso se efetive”, conclui a coordenadora pedagógica de um equipamento de educação da Prefeitura Municipal de São Paulo. 

Documentaristas da quebrada refletem sobre a importância da preservação do audiovisual periférico

0

Para os documentaristas Sidnei Junior e Rosa Caldeira, a Cinemateca tem potencial para expandir e se reinventar, mas ainda é um espaço elitizado que não contempla as produções periféricas.

Cineastas periféricos da produtora Maloka Filmes discursando após a premiação da obra Perifericu. Foto: arquivo pessoal.

Responsável por preservar a produção audiovisual nacional, o galpão da Cinemateca Brasileira, localizado na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, foi atingido pelo quinto incêndio em julho de 2021. Documentaristas periféricos como Sidnei Junior e Rosa Caldeira, lamentaram a perda de registros que ajudaram a construir os próprios referenciais cinematográficos, mas escancararam outra realidade: para a periferia, a Cinemateca já estava em cinzas.

Sidnei Junior, 25 anos, morador do Jardim Elvira em Osasco, região metropolitana de São Paulo, é criador do projeto independente “Quebradas Osasco” e se tornou documentarista através de um desejo de retornar para sua comunidade conhecimentos importantes que adquiriu ao longo de sua trajetória como arte educador.

“Eu atravessei essa ponte, saí da periferia e fui cursar no centro de São Paulo. Atuei trabalhando durante 4 anos no circuito cultural de São Paulo e queria retribuir isso pra cá”

enfatiza Sidnei Junior.

Sidnei Junior é documentarista, morador do Jardim Elvira em Osasco, região metropolitana de São Paulo, e criador do projeto independente “Quebradas Osasco”. Foto: arquivo pessoal.

Sem estar trabalhando no momento e com uma câmera parada em casa, foram circunstâncias que contribuíram para o surgimento da ideia de um projeto que tornasse os moradores das periferias de Osasco protagonistas das suas próprias histórias, criando então o Quebradas Osasco. Os episódios são distribuídos nas redes sociais, com a periodicidade de um vídeo a cada três semanas.

“Eu conheço pessoas com histórias tão legais por aqui, tá ligado. Por que não contar, sabe? Por que não mostrar? As pessoas merecem ter essa visibilidade também e se eu puder fazer, se tiver no meu alcance, é isso!”, afirma Sidnei.

Os episódios do Quebradas Osasco são distribuídos nas redes sociais, com a periodicidade de um vídeo a cada três semanas. Foto: divulgação.

Outro aspecto que o levou a criar o projeto, foi ver a retratação das periferias por pessoas que não moram nela, e o desejo de mudar esse conceito: “A partir do momento que você vê o audiovisual da favela, da periferia sendo representado pelos nossos, sendo feito, sendo utilizado, dirigido, filmado, editado por nós… é outra coisa, né”, relata.

Como documentarista periférico, uma das dificuldades que ele enfrenta está no processo de preservação de suas obras. Devido a falta de equipamentos e infraestrutura necessária para armazenar o material bruto, sempre que termina um conteúdo, ele precisa apagar tudo para conseguir editar os próximos que virão.

Uma das propostas da Cinemateca Brasileira, é fazer a preservação do audiovisual, mas essa informação por muito tempo ficou restrita aos centros. Sidnei, por exemplo, foi saber sobre a existência da instituição em 2016, quando estava em seu primeiro ano de trabalho no circuito cultural do centro de São Paulo.

“Nunca tinha ouvido falar, porque de fato esse é o projeto: que as pessoas da periferia não tenham acesso a esses polos culturais centrais porque convém pra certas pessoas que a gente não tenha esse acesso”, reflete o documentarista.

Cena do segundo episodio do Quebradas Osasco. Foto: divulgação.

Para Renato Candido, cineasta negro e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, se os centros de preservação histórica como a Cinemateca estivessem próximos da periferia, esse material poderia receber mais atenção e políticas públicas de proteção. Mas por conta da distância, não apenas territorial, só quem é da área consegue dimensionar o tamanho da perda.

“É como se impedissem que a gente chegasse em um grande tesouro, porque é muito rica a nossa cinematografia e a gente não tem nem ideia da nossa cinematografia. Então, é perder algo que a gente nem chegou a conhecer”

enfatiza o cineasta.

Para o especialista, as obras periféricas também precisam estar em uma cinemateca pensada pela e para as periferias e angariada pelo Estado brasileiro. “É claro que a gente não vai ficar ‘nossa, pegou fogo? Tô nem aí!’ Porque não tem nada da gente lá, mas as nossas obras infelizmente ainda não estão em uma cinemateca e precisam estar!”, afirma.

Assim como Renato, o cineasta trans Miguel Rosa Caldeira, 25 anos, também enxerga essa ausência de um espaço para a preservação cultural e fomento das obras periféricas. Com a experiência que retirou de suas vivências, ele percebe que um cinema brasileiro diverso, vai conseguir crescer quando envolver a periferia também em sua construção.

“A gente só consegue avançar de fato com essas coisas quando elas estão relacionadas com a base, quando elas estão relacionadas com a periferia, quando elas fazem sentido para o cotidiano dessas realidades, e isso a gente ainda tá muito distante”

analisa o cineasta.

Rosa Caldeira e Maloka Filmes na 23° Mostra de Cinema de Tiradentes com a obra Perifericu. Foto: arquivo pessoal.

Pensar nessa base, é pensar desde como o cinema é financiado, para depois ser preservado. Para Rosa e Sidnei, enquanto o estado não interfere diretamente nesse processo, ele é feito através de Ongs, coletivos e produtoras independentes que também buscam acessar políticas de incentivo como o VAI – Programa de Valorização de Iniciativas Culturais e Fomento à Cultura da Periferia, que são instrumentos importantes para a democratização, mas que ainda não conseguem atender a todos.

Motivado a fazer parte do audiovisual a partir de eventos culturais como saraus de rua, Rosa foi chamado pelos amigos para fotografar um jogo de Rugby da universidade Mackenzie. “Um rolê de ganhar dinheiro, sobreviver e ajudar as coisas em casa, aos poucos fui ressignificando isso e descobrindo outra vida no audiovisual e no cinema”, conta.

Desde então, ele desenvolveu trabalhos como eletricista dentro do audiovisual e junto com Nay Mendl e Wellington Amorim, criaram a produtora comunitária Maloka Filmes. Mesmo tendo dirigido um dos curta-metragens mais premiados do Brasil em 2020, ele demorou muito para se entender como cineasta.

“Demorei muito pra me entender como cineasta porque não tem pessoas como eu. Não tem pessoas trans, não tem pessoas periféricas dentro desse lugar”, expõe.

Para Rosa, ainda são determinados espaços, como museus e cinematecas, que definem o que é cinema e audiovisual dentro do Brasil. Alguns festivais tentam validar outra cultura, mas a reprodução dos mesmos padrões permanece.

“É a mesma lógica da elite, branquitude, cisgeneridade, porque não existem pessoas periféricas, trans, pretas, coordenando, dominando, pensando ativamente esses espaços”

afirma Rosa.

O filme “Perifericu”, desenvolvido através do VAI, recebeu mais de 25 prêmios, incluindo o Festival de Tiradentes, em que ganharam como melhor curta metragem pelo Canal Brasil. Representar o filme no festival foi importante para debater a ocupação desses espaços, mas chegando lá, se depararam com uma contradição.

“É um espaço que aceita nosso filme ao mesmo tempo que exclui ele. Aceitam o Perifericu pra validar esse festival porque a nossa presença lá enquanto corpos marginais valida aquele espaço enquanto legítimo. E o fato da gente ter o nosso filme aceito lá faz com que outras pessoas como a gente não possam estar lá, porque a gente é visto como exceção e não como regra”, dispara.

Rosa faz um paralelo sobre o difícil acesso entre os festivais e outros centros culturais de preservação nas regiões centrais, como a Cinemateca. “A Cinemateca era um lugar de super difícil acesso, localizado em um bairro extremamente elitizado com uma programação muito complicada e com poucas iniciativas voltadas para jovens da periferia”, analisa o profissional.

Para Rosa e Sidnei, é importante protestar por uma cultura de produção e preservação do audiovisual que inclua a periferia como base, pois espaços como a cinemateca podem se reinventar, serem potencializados e expandidos a partir do olhar para obras periféricas, pretas e LGBTQIA+. 

Sétima edição da Felizs debate o papel da arte diante da desinformação nas periferias

0

Com a programação voltada para as plataformas digitais, ao longo de sete dias consecutivos, a feira literária irá promover debates, shows musicais, intervenções artísticas, oficinas com alunos de escolas públicas e o Festival “Tem uma arte no meio do redemoinho”.

 A literatura indígena e os saberes ancestrais da população preta ganham destaque na VII Feira Literária da Zona Sul (FELIZS), que acontece de 18 a 25 de setembro com uma programação repleta de mesas literárias e intervenções artísticas.

“Nesse momento de grande turbulência política do Brasil, a Feira Literária da Zona Sul quer ser uma plataforma de informação crítica, cumprindo o papel que a arte sempre fez nas periferias, que é promover pensamento crítico nos moradores”, afirma Diane Padial, idealizadora da Feira Literária da Zona Sul.

Ela justifica esse propósito explicando o significado do tema que norteia toda a programação do evento. “‘Existirmos! A que será que se destina?’ O verso da música ‘Cajuína’ de Caetano Veloso é nosso tema de destaque, que nos faz refletir: estamos existindo com qual propósito num momento em que a morte se tornou algo banal e os nossos governantes nada fazem a respeito?”, questiona Padial.

Seguindo a tradição das edições anteriores, a abertura da FELIZS conta com a participação do Sarau do Binho. A intervenção poética será transmitida no Facebook e Youtube da feira literária.

No dia 19 de setembro, a intervenção “Livros no Ponto”, que propõe entregar gratuitamente, livros para moradores, nos pontos de ônibus localizados na Estrada do Campo Limpo, irá movimentar o território, com livros de literatura e livros infantis. Uma ação que já é realizada pelo Sarau do Binho há alguns anos.

Valor ancestral  

Segundo Silvia Tavares, uma das curadoras da programação, a feira literária dará destaque para mesas literárias que vão debater, por exemplo, como a arte indígena e o afrofuturismo têm sido uma plataforma de informação histórica para sensibilizar as pessoas a refletir e enxergar a realidade à sua volta.

“Ao avaliar o impacto da desinformação, o negacionismo, as fake news e o descaso governamental que ampliou o número de mortes causadas pela pandemia de covid-19 no cotidiano da população preta, periférica e indígena, nós decidimos levar para a FELIZS a importância de coletivos, autores independentes, selos editoriais, e grupos culturais que fomentam a arte indígena e o afrofuturismo”, explica a curadora da FELIZS.

Para provocar reflexões importantes no público, o debate do Marco Temporal vai ser bastante abordado por Daniel Munduruku, professor e escritor que vai discutir como a literatura indígena aborda os pactos políticos que atentam contra a vida da população dos povos originários.

Com Mestrado e Doutorado em Educação pela USP,  Daniel Munduruku é autor de mais de 50 livros e foi vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura em 2017, na categoria Literatura Juvenil.

O direito ao luto e cuidados com a saúde mental, por meio de círculos de afeto, também aparecem na programação da sétima FELIZS, como forma de debater a importância da literatura como um experimento terapêutico possível para vivenciar e superar esses momentos de constante pressão psicológica.

Território educador 

Nesta edição, a FELIZS homenageia Geraldo Magela, patrono da cultura popular de Taboão da Serra, que preserva a tradição de danças populares, como o coco, o bumba meu boi, a ciranda e o cacuriá, ritmos que fazem parte do imaginário de migrantes nordestinos que escolheram as periferias nos anos 70 e 80 para construir família.

“Além de grande artista, Magela é um dos fundadores do Grupo Candearte, coletivo que transformou uma antiga associação de moradores do Parque Marabá, em Taboão da Serra, em um centro cultural comunitário que celebra, difunde, aproxima e forma moradores do território com atividades culturais que valorizam a cultura popular brasileira”

Suzi Soares, uma das produtoras da FELIZS.

Assim como a Feira Literária da Zona Sul tem sua existência vinculada a história do Sarau do Binho, o Grupo Candearte e Geraldo Magela também fazem parte desse contexto histórico da cena cultural das periferias do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, pois o distrito faz divisa com o município de Taboão da Serra. 

O show “Todos os Sons” de Geraldo Magela e banda será apresentado no dia de abertura da feira, dia 18 às 20h.

 Festival “Tem uma arte no meio do redemoinho”

Como artistas independentes das periferias reinventaram suas produções no período de isolamento social e que ainda não acabou chegou ao fim? Essa é a pergunta norteadora que mobilizou a equipe de organização da FELIZS a construir o Festival “Tem uma arte no meio do redemoinho”, que terá a exibição de vídeo-depoimentos de artistas que irão fazer relatos de suas experiências.

O festival conta com 20 convidados, entre eles, poetas, escritores, artistas visuais, atores e músicos. “Eu costumo dizer que a FELIZ joga luz sobre a potência cultural das periferias da zona sul de São Paulo, então, não tem como realizar uma edição em plena pandemia e não promover um espaço de diálogo com esses agentes culturais que mostraram resiliência para continuar existindo na pandemia”, conta Diane Padial.

Ao longo da programação da FELIZS, haverá momentos exclusivos dedicados a participação de convidados especiais que marcam a história da arte nas periferias, como por exemplo, o poeta Akins Kinte, Thata Alves, Dandara Pilar, Cleydson Catarina, Serginho Poeta, Fernanda Coimbra, Aloysio Letra, Daniel Minchoni, Michel Yakini, Ermi Panzo, entre outros.

VII FELIZS

18 a 25 de setembro de 2021

Atividades serão exibidas na página do Facebook e no canal do Youtube da Felizs.

Interdição do CEU Capão Redondo preocupa pais de alunos e funcionários

0

No início de março deste ano, a Defesa Civil interditou o polo da instituição devido a problemas estruturais, e a Secretaria Municipal de Educação afirma que está tudo “sob controle”, mas muitos envolvidos permanecem preocupados com a situação.

 Desde o dia 19 de março de 2021, o CEU Capão Redondo, localizado na Rua Daniel Gran, no bairro Jardim Modelo, na região do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, encontra-se interditado. Segundo colaboradores, alunos e pais de alunos, muitas questões ainda permanecem sem respostas.

Conversamos com alguns professores que compõem o corpo docente da instituição e também com alguns responsáveis por alunos do polo, que contaram sobre o impacto dessa interdição. Os entrevistados que dividiram seus relatos com o Desenrola preferiram não se identificar.

De acordo com os profissionais entrevistados, a construção de uma identidade própria para o CEU Capão Redondo demorou anos para ser concretizada e foi preciso muita persistência para que hoje o polo pudesse receber alunos surdos, oferecer aulas de libras, materiais adequados e profissionais capacitados.

“Aprendi a ser professora lá, profissionais incríveis entraram, saíram, mas tem um grupo maravilhoso que permaneceu. Temos poucos professores com pouco tempo de casa, a maioria está há mais de 5 anos. Quando cheguei lá, a escola ainda não tinha identidade, muito menos vínculo com a comunidade e alunos”, conta uma das educadoras.

Outra característica do espaço, que tem um polo bilíngue, é que oferece aulas de libras não somente aos alunos com deficiência auditiva, mas para todos os estudantes, para que assim, consigam também se comunicarem entre si.

Foram muitos projetos idealizados no local para contribuir com o desenvolvimento e crescimento acadêmico dos alunos, entre eles: dança, teatro, leitura, natação, xadrez, reforço de português e matemática, além de grafite, futsal e música. Muitos desses projetos eram incluídos na rotina dos alunos, incentivando o contato com o meio cultural.

“O trabalho ao longo do tempo nunca foi fácil, temos muitos alunos com deficiência, então sempre fomos bastante cobrados” conta uma das professoras.

O polo possui três unidades educacionais, sendo elas o CEI, EMEI E EMEF e um dos diferenciais é que sua estrutura comporta mais de 120 alunos com deficiência auditiva. 

“Muitas escolas da região não aceitavam os alunos com deficiência e mandavam procurar o CÉU, que lá nós tínhamos suporte, mas não, não tínhamos suporte, lá nós tínhamos uma equipe que estava disposta a fazer diferente”

relatou uma professora.

As professoras reforçam que o processo de construção do CEU Capão não foi e ainda não é fácil, que foi com o tempo, diálogo e otimismo que os profissionais se sentiram aptos e seguros para estarem na linha de frente de um polo diferencial na região.

“Fomos nós que com muito trabalho, fomos criando laços, destruindo barreiras e construindo a identidade da escola. Quando o polo bilíngue chegou, também foi assim, sem muita conversa com os professores, houve bastante resistência. Mas aos poucos o trabalho foi acontecendo”, comentou a professora.

 Falta de suporte

Devido a pandemia, em 2020, as aulas presenciais foram suspensas no CEU do Capão Redondo e foi adotado o ensino remoto. No início de 2021, retomaram com as aulas presenciais, seguindo os protocolos necessários para essa nova fase, mas no mês de março de 2021, o polo sofreu a interdição feita pela Defesa Civil, por problemas estruturais na construção.

Alguns pais dividiram com a gente suas angústias diante do cenário que seus filhos estão vivendo. Entre muitas queixas, uma das mais comuns é o fato das crianças terem sido transferidas involuntariamente para outras escolas, sem nenhum diálogo e sem as famílias e os profissionais do CEU serem ouvidos.

“Essa desorganização é lamentável. Só foram correr atrás quando foi liberado 100% dos alunos de forma presencial. Aí jogaram nossos filhos de qualquer jeito em qualquer escola só pra dizer que eles não estavam sem escola”, desabafou a mãe de um aluno do CEU.

O que também preocupa muitos pais, é que as escolas para onde seus filhos foram transferidos, não possuem condições para receberem os alunos. Além da distância de suas casas para as novas escolas, sendo que agora, alguns precisam tirar de seus próprios bolsos o gasto da locomoção dos filhos de casa até a escola.

“Estou em tratamento médico e meus filhos estavam já sendo prejudicados com as aulas remotas, mas era necessário, em razão da pandemia. Agora, restando apenas alguns meses para o final do ano letivo, a gestão pública de maneira irresponsável, agrega mais este prejuízo ao desenvolvimento cognitivo dos alunos”, relata o pai de dois alunos do polo.

Um dos benefícios que os alunos do CEU Capão Redondo tinham, era o TEG – Transporte Escolar Gratuito, onde conquistaram esse recurso e era o que deixava muitos pais mais tranquilos, mas por conta da transferência para outras escolas, muitos estudantes perderam esse benefício, sendo que diversos alunos foram matriculados em escolas muito distantes de suas residências.

“Se meus filhos correm risco de perderem o ano letivo? Não, já perderam!”

desabafou o pai dos alunos.

A interdição, que ocorreu este ano pela Defesa Civil, se deu pelo deslocamento de placas de concreto que envolvem a estrutura, e que de acordo com alguns profissionais da unidade, já era do conhecimento da DRE – Diretoria Regional de Educação do Campo Limpo, há quatro anos.

Essa interdição está prevista para ser finalizada até dezembro deste ano, e os pais dos alunos optaram por manterem seus filhos nas aulas remotas até que a reforma seja concluída, mas de acordo com as próprias famílias, eles não foram ouvidos nas reuniões feitas com órgãos responsáveis, e os alunos, compulsoriamente, foram remanejados para escolas de outras regiões.

“Os alunos que frequentam o polo, tem uma prioridade da TEG (Transporte Escolar Gratuito), por isso fazem parte do projeto, mas eles estando fora do polo essa garantia já não é mais garantida. E eles vão para uma lista de espera de toda uma rede municipal. Tem aluno que dentro do polo já tinha uma dificuldade de TEG, imagina fora”, coloca outra profissional do corpo docente da unidade, que prefere não ser identificada.

Dessa forma, muitas famílias estão tendo que pegar transporte ou se deslocarem a pé para chegarem nas escolas onde os estudantes foram transferidos.

Entramos em contato com a Secretaria Municipal de Educação e eles alegaram que não há risco de desabamento no local. Afirmaram também que a SIURB – Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras realizou vistorias no CEU para acompanhar a evolução das placas de concreto e que na última vistoria foi constatada a movimentação dessas placas e a necessidade de intervenções emergenciais no local.

A Secretaria concluiu dizendo que o prazo de execução das obras é de, no máximo, 180 dias. A preocupação dos familiares e professores da unidade só aumenta, tendo suas falas, sugestões e angústias não ouvidas, além da falta de garantia que após a conclusão da obra, todos alunos e professores retornem para o polo. 

“A gente não vai deixá-los pegarem essa maldita doença”, desabafa mãe durante tentativa de vacinar filhos contra a covid-19

0

Para vacinar os três filhos adolescentes contra a covid-19, Denise precisou encarar os transtornos causados pela falta de acesso à informação sobre a disponibilidade da vacina Pfizer no ponto de vacinação mais próximo da sua casa.

Denise precisou encarar os transtornos causados pela falta de acesso à informação sobre a disponibilidade da vacina Pfizer no posto de vacinação do Grajaú. (Foto: Thais Siqueira)

Na última segunda-feira (12), Denise Moreno, 35, moradora do Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo, estava sob sol forte junto com seus quatro filhos na fila do ponto de vacinação do Centro Cultural do Grajaú, aguardando receber a senha, quando de repente uma agente de saúde passou avisando sobre o encerramento da vacinação de adolescentes por falta de vacina Pfizer.

A cidade de São Paulo iniciou no dia 6 de setembro a vacinação de adolescentes de 12 a 14 anos sem comorbidades ou deficiência física. Em comunicado oficial publicado no site da prefeitura, o objetivo é vacinar cerca de 360 mil adolescentes.

Seis dias após esse comunicado oficial ser publicado, Denise ainda está tentando vacinar seus três filhos, Luiza Moreno, 12, Carlos Eduardo Moreno, 14, e Lúcio Moreno, 17, ambos estão em busca de obter a primeira dose da vacina.

Ela é mãe de Luiza Moreno, 12, Carlos Eduardo Moreno, 14, e Lúcio Moreno, 17, pois ambos estão em busca de obter a primeira dose. (Foto: Thais Siqueira)

“Às vezes não tem a dose ou a gente chega perto das cinco horas aí e eles avisam que só vai ter amanhã”

Denise Moreno é moradora do Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo.

“Às vezes não tem a dose ou a gente chega perto das cinco horas aí e eles avisam que só vai ter amanhã. E aí eu ligo para saber e falam que não tem, está assim desse jeito”, relata a moradora, citando que o contato com os postos de vacinação não vem sendo positivo para ela obter informações precisas, que a permita organizar sua rotina para imunizar os filhos.

Em junho de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a indicação da vacina Comirnaty, da Pfizer, para aplicar em adolescentes com 12 anos de idade. Antes desse período, a vacina já estava liberada para jovens com 18 anos a 15 anos.

Após a apresentação de estudos que foram desenvolvidos fora do Brasil e avaliados pela Anvisa, a aplicação do imunizante foi aprovada nesses grupos com essa faixa etária de idade.

“Eu não tenho muito tempo porque trabalho”

Denise Moreno é moradora do Grajaú, distrito da zona sul de São Paulo.

Enquanto a ciência cumpre o seu papel de desenvolver, analisar e aprovar procedimentos confiáveis para imunizar jovens e adolescentes, a unidade de vacinação mais próxima da casa da moradora do Grajaú não vem colaborando tanto com o processo logístico, devido à falta de imunizantes.

Esse cenário vem tornando ainda mais exaustiva a rotina de Denise, uma mulher independente que trabalha, cuida da casa e de três filhos. “Eu não tenho muito tempo por que trabalho. E aqui como é mais perto, eu prefiro vir aqui. Ou seja, essa questão dos polos de vacinação fora dos postos de saúde facilita bastante”, afirma ela, lembrando que o único problema é a falta de vacina.

Para vacinar jovens menores de idade, a presença dos pais ou algum outro responsável é obrigatória, por isso, a moradora vem se esforçando para conciliar demandas profissionais e pessoais para acompanhar a vacinação dos filhos.

Desânimo

Após perceber que teria que voltar para casa sem ter os filhos vacinados, ela ficou ainda mais revoltada e disse estar desanimada para voltar em outro dia e tentar vacinar os filhos novamente.

“Com certeza não dá nem vontade de voltar para vacinar as crianças né? Quando a gente vinha para tomar a nossa vacina já era difícil, agora as crianças têm que faltar na escola para tomar, dá vontade nem de dar a dose, dá vontade de ficar sem tomar vacina”, desabafa a moradora.

Ciente da importância de preservar a saúde dos filhos, a moradora respira fundo e enfatiza que eles são sua maior motivação. “O que motiva é porque são meus filhos né? A gente não vai deixá-los pegarem essa maldita doença”, conta ela.

Ao tomar conhecimento do que estava acontecendo com os moradores, conversamos com uma das enfermeiras responsáveis pelo ponto de vacinação. Recebemos a informação que haviam apenas 30 doses disponíveis, sendo 15 para adolescentes e 15 para adultos quem iriam tomar a segunda dose do imunizante AstraZeneca, que foi substituída pela  vacina da Pfizer, fato que motivou a agende de saúde avisar as pessoas na fila que não haveria imunizantes para todos os moradores.

Em seguida, buscamos novas informações sobre a previsão de data e horário da chegada de mais vacinas, e fomos comunicados que só seria possível obter essa informação com um representante da Unidade de Vigilância em Saúde (UVIS) da Capela do Socorro.

Enquanto o nosso repórter se preparava para ir atrás dessas informações, todas as pessoas que estavam na fila começaram a receber a senha para serem imunizadas , contrariando o aviso da agente de saúde que afirmou inicialmente não ter mais vacinas no local.

Dicas de acesso à informação 

Esse acontecimento reforça a importância de cobrar e fiscalizar o processo de aplicação das vacinas nas periferias e favelas de São Paulo, um procedimento bastante confiável, mas que se torna ainda mais participativo e transparente quando os moradores têm acesso às informações que lhe são úteis no processo de aplicação da vacina.

Por isso, o Desenrola lista abaixo quatro passos importantes sobre como os moradores podem estar melhor informados sobre a disponibilidade de vacinas, quantidade de doses, e em qual endereço de posto de vacinação esses imunizantes estão disponíveis, utilizando o site Filômetro da Prefeitura de São Paulo, plataforma que cria uma fila digital e norteia o usuário a se organizar para ir no dia mais adequado receber a imunização.

1 – Acesse o site: https://deolhonafila.prefeitura.sp.gov.br/ para identificar de maneira atualizada o tipo de ponto de vacinação. Se é uma Unidade Básica de Saúde, um Parque Público, um Mega Posto ou um ponto volante, que pode mudar de lugar eventualmente.

2 – O site disponibiliza essas informações também em formato regional, ou seja, a partir da região onde cada usuário mora, ele consegue verificar e selecionar o bairro e posto de vacinação mais próximo da sua casa.

3 – Ao clicar em cada ponto de vacinação descrito no site, surge uma lista completa dos locais, onde o usuário consegue identificar endereço, situação da fila, além da data e horário que os dados foram atualizados. Ao clicar sobre a frase: “Disponibilidade”, é possível identificar qual dose está sendo aplicada e quais vacinas estão disponíveis.

4 – O filômetro é confiável porque em todos os pontos de vacinação, agentes de saúde estão alimentando o sistema com os dados de pessoas que estão indo até o local se vacinar, então se você acessa o site, pode confiar na veracidade destas informações.

*Esta entrevista foi produzida com o apoio do Fundo de Resposta Rápida para a América Latina e o Caribe organizado pela Internews, Chicas Poderosas, Consejo de Redacción e Fundamedios. O conteúdo dos artigos aqui publicados é de responsabilidade exclusiva dos autores e não reflete necessariamente a opinião das organizações.  

Trancistas formam novas gerações de cuidados ancestrais

0

Além de possibilitar a conexão e reencontro com as raízes e conhecimentos ancestrais afro-brasileiros, a prática do trançar tem fortalecido financeiramente muitos profissionais moradores das periferias, se firmando como uma tecnologia social.

De uma ação de resistência a um gesto de afeto, o ato de trançar o cabelo tem sido ressignificado e possibilitado oportunidades de fortalecimento financeiro para inúmeras trancistas que estão formando novas gerações de cuidados com o cabelo e se reconectando com esse saber ancestral.

Entre essas trancistas que têm passado seus conhecimentos a outras pessoas, fortalecendo a si mesmas e também outras mulheres, está a Monalisa Braga, 36, moradora do Parque Santo Antônio, no distrito do Jardim São Luís, zona sul de São Paulo. Ela é trancista há mais de dez anos e já formou em torno de 80 pessoas desde que começou a oferecer cursos de tranças.

Monalisa já trabalhou em uma rede de fast food e em uma loja de eletrodomésticos, mas conta que sempre trançou cabelos e já fazia isso como uma fonte de renda desde os seus 12 anos de idade, contribuindo na renda dos pais.

Seu primeiro contato com a trança começou no cabelo da sua irmã mais nova, e com o passar do tempo usou clipes de rap como referência principal nas suas primeiras tranças. Hoje seus atendimentos e os cursos que ministra se tornaram a sua única fonte de renda.

“Eu comecei com uma empresa familiar em parceria com meu irmão que é barbeiro, nossos clientes eram uma boa mistura de clientes locais e pessoas que vinham de toda parte da cidade de São Paulo”, compartilha Monalisa, que antes da abertura do salão com seu irmão, em 2012, já atendia em sua casa, mas foi a partir de 2015, que passou a oferecer cursos para outras mulheres.

“No início, há uns 7 anos atrás não me trazia renda alguma. Hoje ainda dou bolsas para as alunas e as aulas são ministradas junto com as alunas pagantes. E ninguém sabe quem é bolsista ou não. Hoje tenho uma renda dos cursos”

conta a profissional, que além de do curso pago, oferece bolsas de estudo.

Uma das aulas ministrada pela trancista Monalisa Braga

A trancista já ministrou o curso para pessoas que vieram de longe para aprender, como Ceará, Alagoas, Minas Gerais, interior de São Paulo, Rio de Janeiro e Baixada Santista. Ela também já foi a outros estados ministrar workshops.

“Não faço ideia de quantas pessoas fizeram o curso comigo até hoje, mas no grupo de suporte do ano passado até hoje temos em torno de 80 pessoas. Entre alunas e ex-alunas que já concluíram o curso. A grande maioria já tem seu próprio negócio. Tem algumas trancistas até famosas da internet que iniciaram no meu curso”, afirma.

Ela também conta que sente uma grande procura pelas tranças por pessoas que estão passando pela transição capilar.

“Agora está em alta a transição capilar, e para passarem por esse momento usam tranças para se sentirem bem e não sofrerem tanto nesse processo que mexe demais com a autoestima”, relata ela, que também conta que um dos públicos que mais procuram pelo seu curso são mães solo, mulheres pretas e periféricas.

Tecnologia social

Para Lúcia Udemezue e Denna Souza, do Manifesto Crespo, coletivo de arte-educação formado por mulheres negras que dialogam sobre identidades, gênero e práticas antirracistas, a trança é uma modalidade do campo da estética dos cabelos, e é uma oportunidade de geração de renda que cresce cada vez mais.

“Surge também como possibilidade para outras mulheres que precisam prover seus filhos e necessitam de dinheiro, a trança como geração de renda pode ser sugerida também em contextos que observamos a importância de autonomia financeira para sair de situações de violências e outras vulnerabilidades”, avaliam as pesquisadoras e arte-educadoras que fazem parte do Manifesto Crespo junto com Nina Vieira.

“A trança é uma tecnologia social artística ancestral”. É dessa forma que Lúcia Udemezue e Denna Souza, do Manifesto Crespo, contextualizam sobre esse saber. Elas reforçam o caráter de comunicação, de linguagem, sentidos, significados e difusão desse saber ancestral.

As pesquisadoras avaliam positivamente as possibilidades criadas a partir dessa expressão ancestral. 

“É muito bacana ver que esses saberes estão sendo repassados e com criatividade cada pessoa pode criar oportunidades de crescimento pessoal e profissional.”

analisam as pesquisadoras Lúcia Udemezue,  Denna Souza e  Nina Vieira do Manifesto Crespo.

E foi vislumbrando um crescimento pessoal e autonomia financeira que a Williny Washington, 24, moradora de Lajeado, bairro de Guaianases, zona leste de São Paulo, buscou em 2020, um curso de tranças.

Williny trabalhava com auditoria e saiu da área no começo da pandemia, em 2020. Atualmente sua única fonte de renda é a partir das tranças, profissão que exerce há em média 7 meses, e que iniciou logo após ter feito um curso com uma trancista. 

Ela conta que ficou sabendo do curso de tranças pelo instagram, ministrado por uma profissional de Artur Alvim. Fez o curso em maio de 2020 e ao término do curso começou a atuar na área.

“Já era uma vontade antiga minha, e no começo da pandemia descobri a gravidez e decidi sair desse ramo por ter muito contato com público e sempre estar viajando. No curso da Carla [trancista] vi a oportunidade de trabalhar pra mim mesma e assim me sentir mais segura por não precisar viajar”, relata Williny.

A maioria de suas clientes são do bairro onde mora, divulga seu trabalho em busca de clientes através da internet e produzindo conteúdo para ganhar visibilidade. Para ela, a trança carrega símbolos: “Um ato de resistência, negritude e estilo e cada vez mais ganhando espaço entre nós”, compartilha.

Uma das atuações do coletivo Manifesto Crespo se dá através de oficinas de tranças, onde destacam a importância de se observar o diálogo geracional que a técnica e o ato de trançar podem transmitir enquanto legado, comunicação e até reconstrução de identidade.

“Trata-se de um saber também passado entre as gerações (por exemplo, mães e filhos), a criança quando vai sendo trançada pelo membro da família é investida de afeto na construção do penteado, pois este vai sendo adornado com miçangas, fibras, fitas e/ou lãs coloridas que fazem mais do que enfeitar a cabeça, mas também de fortalecer o ori, o corpo de afeto, porque o afeto vai sendo representado também na produção do trançado”, analisa o coletivo de arte-educação.

Essa é uma das formas que Alessandra Silva, 30, moradora de Itapecerica da Serra, região metropolitana de São Paulo, enxerga o ato de trançar.

“Eu sempre acreditei que era sim um saber ancestral, um dom passado para aqueles que teriam a sensibilidade de cuidar de algo tão valioso que é nosso Ori, e sempre me senti muito honrada por isso”

afirma Alessandra Silva.

Alessandra conta que justamente por isso demorou para começar a trabalhar na área, “pois sempre tive como grande responsabilidade e durante muito tempo não me achava pronta”, compartilha.

Alessandra Silva trabalha com tranças desde 2017.

Alessandra trabalhava em uma padaria e ficou desempregada, assim começou na área no final de 2017, tendo como primeiras clientes suas conhecidas, também do território. Seu primeiro contato com a trança aconteceu sendo trançada pela sua tia.

“Foi daí que comecei a observar minha tia que decidi aprender e olhando ela fui pegando o jeito, e ela me permitia cuidar do cabelo de minhas primas, onde quase todos os dias eu ia tentando fazer uma trança diferente”, comenta.

A trancista conta que seu maior público é da quebrada e desde que começou na área, a trança tem sido sua única fonte de renda. Segundo ela, no começo foi complicado até alcançar uma clientela e a confiança do público: “Mas eu estava decidida a ter minha independência financeira, e em questão de tempo, mais ou menos um ano, notei que realmente muita coisa havia mudado”, conta.

Durante o período da pandemia, sua renda mudou, mas ela analisa o cenário e o perfil do seu principal público dentro dessa mudança.

“Teve uma redução, porém nada tão absurdo. São prioridades né, a situação não estava favorável, e como a maior parte de minhas clientes são da quebrada, é algo que dá super pra entender, por muitas vezes abrimos mão de algo para poder ter outro”, afirma a profissional.

“Nessa poética de trançados acabamos por salientar os penteados que nos conectam aos nossos ancestrais que utilizam as tranças também para enfeitar-se ou comunicar algo”

apontam as integrantes do Manifesto Crespo.

Alessandra ainda não abriu turmas para oferecer cursos, mas entre os anos de 2018 e 2020, passou seus conhecimentos como profissional da área para fortalecer outras mulheres da quebrada.

“Em uma conversa com uma colega, ela me falou que gostava muito de tranças e tal, e que tinha pedido umas dicas pra uma outra colega, porém essa mesma não estava na disposição de passar informações básicas, foi onde por um impulso eu falei: ‘Ah se quiser eu posso te ensinar o pouco que sei’, e perguntei pra ela se podíamos nos encontrar um dia pra eu já ir passando umas dicas”, conta Alessandra, que passou alguns materiais e técnicas para a colega.

Ela conta que desde então a colega vem trabalhando na área e sempre que precisa, oferece suporte. “Fico muito feliz por ver a evolução dela na área, e hoje não é a única renda dela, porém durante a pandemia foi o que manteve ela com sua família”, afirma a trancista.

“Eu sempre quis ter esse suporte de alguém, mas eu nunca tive, então acho muito importante ter alguém que acredite na gente e nos incentive a melhorar e correr atrás”

compartilha Alessandra.

A trancista já deu suporte a quatro mulheres, sempre tentando contribuir com o que sabe e fortalecê-las: “Tem quatro pretas pra quem eu dou suporte, de quando pensam em fazer algo que nunca fizeram me chamam e eu passo como e as melhores formas de se trabalhar”, diz.

Ela conta que duas delas não estavam trabalhando, pois devido a pandemia foram dispensadas. “Uma delas trabalhava e procurou por querer poder ter uma renda extra e com o tempo poder ficar só nas tranças, a outra é pra poder aprender a cuidar dos cabelos de suas quatro filhas”, compartilha.

Oferecer cursos é algo que está nos planos de Alessandra, como parte de projetos que ela pretende colocar em prática. “O que me impossibilita no momento é que sou muito fiel ao que sinto, assim como começar a trançar, só dei o passo quando me senti pronta, no momento ainda não sinto que eu conseguiria realmente passar tudo o que é preciso e fora a estrutura, que no momento estou planejando meu espaço”, coloca a profissional. 

“A trança, ela é sim transformadora, porque ela permite que eu transforme a minha realidade a partir deste outro lugar, pensando como geração de renda”

afirmam as especialistas do coletivo Manifesto Crespo.

A partir de saberes passados de geração para geração,  o ato de ensinar, partilhar e fortalecer a si e a outros por meio dessa tecnologia social, muitas possibilidades têm sido criadas e conexões têm sido feitas através dessa tecnologia usada como estratégia de resistência até hoje.

“A trança também é uma linguagem e como tal, se comunica. E é essa comunicação que vai registrando e datando por meio das estilizações dos trançados a nossa história e ilustrando o nosso processo de re-existência”, apontam as pesquisadoras do Manifesto Crespo.

O poder do ouvir: um relato de algumas horas no centro de São Paulo

0

No dia 12 de agosto de 2021, novamente fiz algumas caminhadas no centro da cidade de São Paulo e não pude deixar de notar a presença da política ao meu redor. 

Foto: Marcelo Renda @rendaphoto

No dia 12 de agosto de 2021, novamente fiz algumas caminhadas no centro da cidade de São Paulo e não pude deixar de notar a presença da política ao meu redor. A fome gritava como eu nunca tinha visto, nem nos meus anos acompanhando projetos sociais e vivendo em um bairro pobre e sem acessos básicos.

Lembro da primeira vez que vi a face mais dura da fome, eu tinha entre 11 e 12 anos, joguei um pote de sorvete no lixo, na mesma hora um senhor correu e pegou meu pote, eu sentia um misto de sensações, mas eu já não entendia como em um país com tanta comida existiam pessoas comendo do lixo.

No dia 12 de agosto não foi diferente, muitas famílias na rua, muitas crianças na Avenida Paulista em meio a um vento frio pedindo comida, essa era a São Paulo rica, o motor do Brasil, e como eu poderia me orgulhar de morar numa cidade com políticas de austeridade tão cruéis?

Penso neste momento que essas pessoas já não eram pessoas, ao serem vistas morando na rua passam a ser vistas como monstruosidades, não são cidadãs dignas, um incômodo e fedem como o lixo, poderíamos passar por cima delas como se fossem parte da própria rua e ninguém choraria suas mortes. 

Talvez neste exato momento você achou meu texto duro demais ou exagerado, mas a Prefeitura taca água nessas pessoas, confisca seus cobertores e os expulsa de locais onde dormem no frio, elas já são tratadas como eu descrevi, mas no Brasil tudo é velado e a violência mora no nosso olhar. 

Em frente ao Carrefour da Pamplona vejo uma mãe e sua filha, uma cena inédita para meus olhos, já que nunca havia visto alguém pedir comida lá apesar de frequentar há anos. A mãe pedia em voz baixa um miojo “daqueles que vem em pote moça” para ela comer com a filha, eu entrei no mercado atordoada em ver aquela cena e ser parte dela, procurei algo mais útil, tentei encontrar coisas mais saudáveis para comer na rua e que conseguissem gerar sensação de saciedade, no fim, sabia que iria comprar o que a moça pediu, um miojo daqueles de pote, decidi comprar um bolo e uma bebida que crianças costumam tomar.

Assim que fui entregar as comidas para a mãe dela os olhos brilharam, ela sorriu, a mãe me pediu obrigada em voz baixa e eu tentei falar algo melhor antes de virar minhas costas para a fome. O aumento da população moradora de rua não eram os dados, estava no meu olhar, estava na minha frente e na frente de todos os cidadãos que entraram naquele Carrefour sem ouvir essa mãe, e eu não era melhor que eles.

Um pouco mais a frente, entro em uma farmácia onde há três crianças na porta pedindo moedas, uma delas entra para comprar algumas coisas, dentre elas um pacote de fraldas que eu fiquei a noite inteira pensando para quem seria, para a mãe que estaria em outro lugar, para uma irmã, não sei, mas os cidadãos que se consideravam os verdadeiros donos do espaço pareciam não estar confortáveis com aquela sujeira na farmácia limpa, nada de moedas para o que nem é considerado gente, era assim que eu acompanhava quieta aquela cena digna de um filme triste, mas não era sobre isso, era sobre a realidade.

Os trabalhadores daquele local embora também um pouco incomodados olhavam com compadecimento. A pobreza tem várias nuances, mas nós aprendemos, mesmo que de maneira errônea, a nos importarmos. Nós pobres gostamos de dar comida, são heranças ancestrais, apesar disso eles não podiam fazer muito já que ali era seu local de trabalho, assim eu saio de mais uma história, massacrada pela riqueza de São Paulo.

Agora enquanto espero um uber uma senhora passa me avisando para tomar cuidado pois estavam roubando: “acabei de ver uma menininha ser roubada, guarda o celular, eles tão roubando, ela tá chorando lá em cima”. Como em poucas horas eu poderia estar vivenciando tantos tipos de violência? E por que eu era uma cidadã digna até de aviso, mas aquelas crianças não mereciam um olhar?

Pensando nessas coisas eu entro no uber, o motorista era um rapaz jovem, boliviano que morava no Brasil há sete anos e durante aquela viagem nós vamos conversar sobre as condições horríveis de trabalho na uber e na informalidade.

Ele me conta as dificuldades que estavam aumentando, eu vou dialogando com o que sei sobre trabalho e renda, ele me pergunta sobre algumas coisas do Brasil acerca de educação e eu tento sair das minhas caixinhas de linguagens e utilizar formas simples de expressão para falar de temas grandes e complexos, dialogamos e vamos fazendo comparações de educação na Bolívia e no Brasil, eu estava mesmo em São Paulo.

Ser empresário não dá, estudar nem pensar.
Tem que trampar ou ripar para os irmãos sustentar

A Vida é Desafio, música do Racionais Mc’s

Foto: Marcelo Renda @rendaphoto

Mas Agnes, eu não entendi. O que informalidade tem a ver com gente morando na rua? 

Todos esses acontecimentos pautam trabalho, educação, renda e acesso, todos dependem de políticas públicas que visem realmente construir um Estado com um foco para o povo e não para beneficiar o bolso de empresários brancos.

As pessoas estão na rua só por estarem? Uma vida decente garantida com inúmeros outros fatores atuantes não as fariam poder ter um teto? Nosso Estado tem deveres e eles estão e são garantidos pela constituição, mas o que vejo é somente um Estado de direitos para ele mesmo. Ele pode nos matar, nos violentar, permitir trabalhos análogos a escravidão e ainda assim ser exaltado. A nós resta a submissão, o desespero se amanhã teremos o que comer ou seremos tratados como o fedor da cidade e a sujeira da rua.

Tudo isso ocorrendo em meio a uma pandemia que já matou mais de 500 mil pessoas, mas infelizmente nossa população não parará de morrer após o controle da pandemia, pois não morreu somente por isso, nosso país negligenciou diversas políticas possíveis em um país desigual e o governo de São Paulo também.

Para ouvir precisamos primeiro trabalhar nosso olhar, ele precisa se distanciar do que acreditamos e enxergar a crueldade da realidade, onde estamos nela? Serei como o lixo no chão? 

Bruna Bandeira cria outro imaginário sobre a população preta no Instagram

Com mais de 500 mil seguidores, a criadora do perfil ‘Imagine e Desenhe’ desenvolveu uma rede de apoio e representatividade que transcende as barreiras digitais das redes sociais, dando vida a ilustrações que representam ancestralidade, subjetividade e as desigualdades sociais que afetam a população preta e o cotidiano periférico.

A pedagoga e ilustradora Bruna Aparecida Bandeira da Silva, 29, fez da sua paixão pela arte de desenhar um símbolo de representatividade e afeto para a população preta e periférica que a segue nas redes sociais.

Bruna é cria do Cidade Ipava, bairro pertencente à região do M’ Boi Mirim, onde se entendeu como mulher preta e periférica e ambiente no qual colocou em prática os objetivos e projetos que idealizou por tanto tempo.

Ela é a criadora da “Imagine e Desenhe”, um perfil no Instagram que que já se tornou referência de arte digital para internautas negros e negras, justamente por sempre ter como inspiração, manos e manas pretas para protagonizar suas ilustrações.

A página foi idealizada e criada em 2012, quando Bruna ainda estava no processo de formação acadêmica. No corre da faculdade e do trabalho, ela colocou em prática um sonho que a acompanhou pela infância, de trabalhar com arte e poder frutificar a essência da quebrada em que viveu.

Sua família se mudou para o Cidade Ipava quando ela ainda tinha apenas 4 anos de idade, portanto passou sua infância e adolescência morando na periferia. Bruna nos conta que sempre se sentiu bem no lugar onde cresceu. “Gosto de como a gente se sente confortável na periferia. Na periferia ‘cê’ se sente protegido, se sente em casa. A periferia tem aquele aconchego”, afirma.

Dentre muitas metas que a ilustradora conquistou e ainda sonha em conquistar, ela nos contou que tem o intuito de fundar uma instituição para disponibilizar mais oportunidades aos moradores da quebrada.

“Um dos meus maiores sonhos é fundar uma instituição, projeto, informação, cursos, de uma forma que seja de fácil acesso para todo mundo. Porque acho que o que a periferia precisa é de orientação e oportunidade”, ressalta.

Bruna começou a sonhar desde pequena, e foi justamente na sua infância que descobriu sua paixão por lecionar, levar informação e conhecimento ao próximo, mas ainda criança foi diagnosticada com Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDH), onde começou a desenhar como uma forma de válvula de escape, não desenhar por si só, mas criar histórias e raízes através dessa arte.

Foi a partir deste momento que ela decidiu cursar pedagogia, para levar toda sua criatividade para a educação infantil. Tanto que essa se tornou uma das maiores essências da Imagine e Desenhe, onde o nome já diz por si só, suas vivências no ensino médio, na faculdade e já formada, levou a se expressar através de suas ilustrações.

Percebendo que aquilo era muito mais que um dom, em 2012, logo quando o Instagram era novidade para muitos moradores da quebrada, ela criou um perfil pessoal e uma página para a Imagine e Desenhe, que no início era alimentado apenas com desenhos baseados em situações que aconteciam em seu cotidiano, segundo ela, até então nem considerava uma página oficialmente profissional.

“Depois de um fim de relacionamento, aquela coisa adolescente, jovem, vou postar aqui! Aí eu desenhava uma personagem, desenhava todo dia. Pegava frases de música, ai que coisa sofrida”, conta ela, relembrando o processo de criação das primeiras ilustrações de sua autoria.

O processo da página passar a ilustrar personagens negros foi bem intenso, como nos relatou a ilustradora. Ela nos trouxe que no início desenhava meninos e meninas com a pele branca, e que não tinha o entendimento de que aquilo poderia sim ser discutido e repensado.

Foi preciso muitos passos serem dados para a página se tornar fonte de representatividade racial no universo das ilustrações. “Depois de um tempo, entrei para uma casa de dança de pole dance, onde a líder falava sobre aceitação de seus corpos, falava sobre respeito, com seus corpos, seus cabelos e suas raízes. Mas isso era só a base de tudo, comecei a estudar, ir atrás de referências mulheres pretas, para poder ilustrar. E nessa transição, minha personagem mudou. Não conseguia ilustrar só personagens brancas”, relata Bruna.

Nesse meio tempo, a ilustradora passou a receber algumas mensagens de seus seguidores pedindo para que ela ilustrasse também mulheres e homens negros. E todos esses fatores colaboraram para a construção da essência da Imagine e Desenhe, que é levar aos que acompanham, a oportunidade de poder se identificar com as mensagens das publicações.

Oficina e pintura de muros no CRAS Pilar do Sul com as crianças da instituição. Fotos: Bruna Bandeira.

De 2012 até 2017 seus trabalhos e ações foram sem fins lucrativos, apenas atuando voluntariamente em prol de jovens da quebrada. Mas em 2018, foram abertas outras portas para a Imagine, seu nome foi levado até empresas e grandes marcas. Até então, a página era apenas uma rede de apoio e atualmente, possui projetos e parcerias com alguns nomes conhecidos, como a Google, Amazon, TeleCine, Sesc, Instituto Avon, entre outros.

Em 2019, depois de muito esforço e trabalho tanto com a Imagine, onde realizou alguns projetos significativos, quanto como educadora, ela comprou o seu primeiro iPad para profissionalizar ainda mais o seu trabalho, melhorando a qualidade na produção e da entrega.

Mas infelizmente, essas conquistas foram pausadas em 2020, quando Bruna e sua página sofreram muitos ataques e linchamentos virtuais onde a acusaram de plágio. Mas como toda a origem de suas criações sempre foram produzidas com inspiração em alguém ou algum momento marcante, isso confortou a pedagoga em meio a tantas agressões verbais que sofreu na época.

“Meu psicológico ficou bem afetado. Foi quando eu vi que nem todo mundo está lá com você. Achei muito importante esse momento, que foi um divisor de águas e onde resgatei meu propósito, o que me salvou foi minha jornada, foi saber que eu sempre fiz feira, pintei instituição, fazia coisa de graça. Então, sabia que meu trabalho não era virtual, meu trabalho era presencial”, argumenta.

Foi preciso muito discernimento e cuidado psicológico para que toda aquela trajetória não acabasse, mas Bruna se reestabeleceu, relembrou a essência da Imagine e Desenhe e continua até hoje levando sua arte para os corações da quebrada.

Com base nisso, ela estruturou ainda mais o propósito da Imagine e Desenhe, segue subindo nas redes conteúdos que representem as famílias periféricas, mas sempre reforçando que ter o contato com essas vidas e as levando para potencializar as ações é o combustível maior para que toda essa luta se evidencie cada vez mais.

“A Imagine é uma empresa registrada, bonitinho, como uma empresa, pago MEI, faço prestação de serviço e vivo hoje, há 2 anos, da minha arte, em pandemia e no Brasil. E é isso!”, conta ela, orgulhosa do seu trabalho construído com tanta dedicação.

Atualmente, Bruna Bandeira além de viver da sua arte, seja dentro ou fora das redes sociais, faz parte do grupo Mulheres do Brasil, onde apoia as meninas jovens e periféricas em seus trabalhos e projetos de vida.

Solidariedade digital: produtor utiliza redes para mobilizar público e distribuir seu trabalho

0

Vamos contar a história de JotaPê, rapper, produtor e vendedor ambulante que aprendeu com seu pai a “fazer dinheiro” e a lidar com o trabalho informal, acreditando nesse como um meio de ser valorizado pelo o que faz e seguir construindo seus sonhos.

“Eu acho que eu sempre tive próximo do trabalho informal, desde pequeno, meu pai sempre vendeu pastel, sempre vendeu hot dog”, assim Jefferson Portugal, 27, começa relembrando sobre seus primeiros contatos no mercado de trabalho informal. Jefferson Portugal, mais conhecido como JotaPê, é morador do bairro Jardim Planalto, localizado no distrito do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, é rapper, produtor e vendedor ambulante e um dos seus maiores sonhos é viver da música.

Quando mais novo, sem muitas oportunidades no mercado formal que ele se identificasse, pela necessidade, aprendeu a construir suas próprias oportunidades, ou como ele mesmo afirma, formas de “fazer dinheiro”. “Quando pequeno eu dava uns pulinho, já juntei latinha, trabalhava em um samba que tinha próximo de casa que na época era muito consumido garrafa de cerveja, então eu recolhia a garrafa”, conta.

Ele ainda complementa: “Meu pai ganhou um pisca-pisca, que ele ganhou no evento que trabalhava e eu fui vender esse pisca-pisca na feira para pagar minha formatura, então sempre teve próximo, acho que na de precisar fazer dinheiro, na falta de um trabalho formal eu sempre fui em outro”.

JotaPe conta que em todas suas experiências de trabalho no mercado tradicional sentiu que seu trabalho não foi valorizado e na busca de esperar um reconhecimento, recebeu uma demissão. “O que mais me motivou a tomar essa decisão é questão de se valorizar, acho que ninguém é melhor para valorizar mais meu trabalho que eu”, afirma.

O vendedor conta que trabalhava em uma empresa onde estava sendo elogiado, entregava mais do que precisava e ainda assim foi mandado embora, então decidiu trabalhar para si. “Então eu falei: ‘não, vou focar em mim’, então vou trabalhar pra mim, não vou ficar trabalhando pra ninguém mais, eu vou dar meu esforço pra mim e se der certo, o bagulho estourar, vai ser meu e vai me deixar mais estruturado, vai proporcionar minhas realizações”.

Além do trabalho como vendedor ambulante, JotaPê também cuida da construção e desenvolvimento da sua carreira como rapper. Para divulgar seus trabalhos artísticos e seus correntes do dia-a-dia, ele utiliza as redes sociais como vitrine, buscando construir vínculos com a sua comunidade virtual, tendo como sua maior estratégia digital a de ser ele mesmo.

“Na hora de tratar qualquer assunto, de falar com qualquer pessoa, eu tô sempre fazendo contato, tanto no dia a dia ou na internet, de diferentes âmbitos, a gente vai criando vínculo com as pessoas, e ai através do que eu posto, das coisas que eu faço, eu vou colocando nas redes do facebook e as pessoas vão me conhecendo, criando credibilidade em cima de mim e do que eu falo, vendo o meu dia-a-dia, vendo as coisas que eu faço”, conta JotaPê.

“Quando eu preciso trabalhar alguma ação, seja ela coletiva ou pessoal, eu geralmente uso essas redes, eu posto lá esperando que isso tenha um retorno positivo”.

Solidariedade digital 

 “Só um relato triste ou frustrante, sei lá”. Assim começou o depoimento que Portugal compartilhou em sua rede no facebook contando sobre o final de um dia de trabalho vendendo tripés dentro do ônibus que perdeu em torno de R$200 de mercadoria. Essa foi uma das ocasiões que o vendedor utilizou a internet em seu benefício, e como resposta encontrou pessoas que o fortaleceram.

JotaPê estava vendendo tripés para celular pelas linhas de ônibus em São Paulo, e distraído, ao descer do veículo, percebeu que havia deixado a sacola com as mercadorias dentro do ônibus. “Quando desci, fui pro outro ônibus e percebi que estava sem a sacola, só que nisso que percebi o busão da frente já foi saindo”, descreve JotaPe sobre o ocorrido.

Na esperança de resgatar sua mercadoria, tentou alcançar o ônibus e descobriu que alguém já tinha levado sua mercadoria. “Aquilo tinha me deixado bem bravo, eu fiquei um tempo sentado, sem fazer nada, ali pensando, aí eu olhei no relógio, falei ‘acho que tenho um pouquinho de dinheiro ainda, dá pra gente repor as mercadorias, comprar uma coisinha e tentar’, pra não parar, né”, relembra.

Nessa situação, ele recorreu a sua rede na internet. “Fiz um relato na internet sobre o que tinha acontecido e pedindo pras pessoas compartilharem, pra ver se chegava pra quem achou, pensando se ela ta na região, pode chegar a devolver se chegar via postagem”, conta JotaPe, que através dessa postagem as pessoas de sua comunidade virtual começaram a se mobilizar pelos comentários pedindo o número do seu pix.

“O pessoal foi mandado, foi chamando no chat, foi contribuindo, 5, 10 reais, e de um dia pro outro a gente levantou, eu lembrava que entre 150 a 200, ai eu lembro que eu levantei 185 reais, ai peguei, tirei o pix dos comentários, depois eu fui agradecer o pessoal na internet.”

“E literalmente salvaram a minha semana, que eu estava contando com uma prioridade bem grande pra dentro de casa e o pessoal ajudou legal, e ajudou a dar continuidade para o dia seguinte. No caso foi uma coisa bem espontânea, eu estava lá no intuito de tentar reaver as coisas que tinha perdido e no fim das contas as pessoas reaveram o valor que eu tinha perdido”, conta JotaPe sobre a mobilização que gerou nas redes.

“De fato eu não tava esperando, eu fiquei muito grato tá ligado, surpreso, porque às vezes quando é uma campanha que você já ta correndo atras, já é complicado né, aí você vê essa mobilização partindo para te ajudar, do nada, pra mim foi fantástico, eu realmente não tava esperando, fiquei muito surpreso e feliz”, afirma. 

 O corre não pode parar

Jotape acamado depois de fraturar a perna durante o trabalho (creditos: Kimberli Basto)

Pouco menos de dois meses do ocorrido com a perda da mercadoria no ônibus, em junho deste ano, JotaPê sofreu um acidente enquanto trabalhava e quebrou a perna. “Eu tava descendo do ônibus, aí o ônibus começou a andar, eu fui descendo, quando eu desci, apoiei o pé no chão, meu corpo girou e eu quebrei a perna, ai eu to com uma fratura na tíbia, de repouso desde então”, conta o produtor sobre o acidente que sofreu no final do dia de trabalho, um mês e meio depois de perder sua mercadoria.

As recomendações médicas foram de imobilização da perna por no mínimo dois meses, o impedindo de fazer qualquer atividade com esforço físico. “Cada hora vem alguém aqui em casa visitar, vê se precisa de alguma coisa, pra eu tentar ajudar em alguma coisa, e coisa que é difícil até pra mim lidar, porque eu sou a pessoa que tem que fazer algo, vai lá e faz, agita rápido, sem ficar esperando outras”, compartilha. 

Com os boletos chegando, ainda em repouso e fazendo fisioterapia, o produtor pensou em também usar as redes sociais e contar com a mobilização da sua comunidade para conseguir se manter durante esse período, criando uma vaquinha online.

“Vou ver se o pessoal me dá uma força aí, na internet, pra me manter até esse período que eu precisar ficar de recuperação, pagar o aluguel, água, luz, eu já ia ficar mais tranquilo”, afirma Portugal.

“Pedi essa força pra galera, porque de fato atualmente eu nao tenho o que fazer, coisas que vendia online, eu dependia de mim pra ir buscar mercadoria, para enviar mercadoria, então eu to sem muito o que fazer, eu vou contando com a ajuda das pessoas que estão mais proxima e da internet ai

Mesmo com todas as situações que afetam sua saúde mental e física, ele reflete sobre o mercado formal e sobre outras pessoas que também estão tentando conseguir um dinheiro e analisa que, para ele, as possibilidade do mercado formal são tão escassas como informal.

“Dificilmente me enquadro no mercado atual, ainda mais com o salário atual, a falta de benefício, às vezes eu converso muito com o pessoal. Poxa, vou sair da rua e ganhar um salário mínimo? não vou, tá ligado!? Porque eu sei que na rua eu faço mais que isso, na falta de apoio atualmente, você tem o que de apoio para o trabalhador atualmente? dos mais novos aos mais velhos”, reflete JotaPê.

Ele também analisa as vantagens e desvantagens de todo cenário que envolve o mercado de trabalho.”As pessoas elas sabem das dificuldades, mas muitas estão satisfeitas de estar ali, é trampando pra si, porque querendo ou não tem uma certa liberdade de horário, querendo ou não, tem uma certa liberdade de dia, tem a sua responsabilidade sobre o que você faz, você não fica tanto a mercê dos outros, a não ser dos clientes”, relata. 

“Tem pessoas que trabalham na rua comprando e revendendo mercadoria, que é o meu caso, tem pessoas que trabalham na rua com matéria prima própria, tem umas minas que conheço que elas vendem caldo no ponto de ônibus, vende cocada e são coisas que eles mesmo preparam em casa”

Um dos doadores da vaquinha online online do JotaPê é seu ex-colega de classe, que preferiu não se identificar, e conta que mesmo com a distância observa o produtor pelas redes sociais.

“Eu vejo quando ele lança as músicas, escrevo lá no canal, mas assim, eu não uso muito mais o facebook, aí vira e mexe quando aparece uma coisinha lá eu tento interagir, seguir o spotify, essas coisas”, conta o colega de JotaPê.

O ex-colega de turma conta que se solidarizou diante da história do JotaPe por lembrar de parte da sua família, que também trabalha como autônoma. “Vendo o acidente acabei me identificando por causa do histórico da minha família, de pessoas da minha família, o pessoal é tudo autônomo, eu sei como é complicado. Meu avô, meu pai, minha mãe, a gente tudo tem comércio próprio, trabalho saindo na rua, meu avô ele era vendedor também, e é complicado, né”, afirma. 

“Foi mais uma identificação de saber como é difícil a vida de autônomo, sem ter muitas opções, tem a pandemia também que dificulta tudo, já dificulta só pelo fato de trabalhar em ônibus e tudo com risco de infecção. Machucar a perna para se locomover durante um tempo é complicado, então foi mais isso de se colocar no lugar”

Ele diz que sempre fica na torcida para que JotaPê consiga realizar seus sonhos. “São pessoas que a gente cresceu junto em um período da nossa vida, a gente acaba torcendo pra pessoa conseguir alcançar o sonho dela”, coloca.

O colega de JotaPê conta que não é com muita frequência, mas que pelo menos algumas vezes durante o ano acaba ajudando alguma campanha. “Alguma causa que eu encontro assim na internet, alguma coisa que acaba surgindo pra ajudar e é muita daquela questão né, as vezes é só 10, 20 reais, você só tem que deixar de pedir um ifood, deixar de comprar uma coca, e você ajuda pra caramba ali numa causa”, finaliza.

JotaPê segue fazendo fisioterapia e buscando novas possibilidades, investindo na sua atuação como rapper e produtor e segue com a vaquinha online aberta.