Vendedora de cachorro-quente em Osasco se reinventa na pandemia

Edição:
Evelyn Vilhena

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Ivone Silva e sua família trabalham vendendo cachorro-quente na cidade de Osasco há mais de 20 anos, mas diante da pandemia da covid-19, a ambulante precisou encontrar novas formas de continuar com seu ofício e gerando renda.

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Ivone Silva é moradora do Jardim São Pedro em Osasco e trabalha vendendo cachorro-quente há mais de 20 anos. Foto: Mateus Fernandes

“A pandemia trouxe muito desemprego, muita gente passando necessidade. Pra sair disso a gente tá precisando se reinventar de alguma forma, porque você precisa de um dinheiro.” 

Conta Ivone Silva, 55, moradora do Jardim São Pedro, em Osasco.

Se sustentar como ambulante sempre foi um caminho cheio de dificuldades, mesmo antes da pandemia da covid-19. Em Osasco, região metropolitana de São Paulo, os ambulantes mais famosos são os do carrinho de cachorro-quente. A cidade, inclusive, é considerada a capital brasileira do alimento.

Segundo dados oficiais da Prefeitura de Osasco, em 2019, ano anterior à pandemia, o município vendia por dia cerca de 40 mil cachorros-quentes em 600 barracas espalhadas pela cidade. Só na rua Antônio Agu, conhecida como calçadão de Osasco, haviam mais de 50 carrinhos.

Dona Ivone Silva, que nasceu e cresceu em Osasco, se incluía nesse grupo, porém, com a pandemia, passou a trabalhar de casa e não mais no centro da cidade de Osasco. 

Ivone Silva é moradora do Jardim São Pedro em Osasco e trabalha vendendo cachorro-quente há mais de 20 anos. Foto: Mateus Fernandes

O trabalho com cachorro-quente vem de família, desde seu pai, hoje aposentado. Como a família toda é ligada ao negócio, a queda de vendas na pandemia consequentemente afetou a todos.

“Aqui em casa nós ficamos assim, todos dependendo do meu pai, que é aposentado. Porque ficou todo mundo parado. Renato, meu filho, não voltou a trabalhar até hoje. Ele trabalha no Ceasa, e lá o negócio tá mal, ein. A maioria da gente trabalha nisso. Só que meu pai parou devido a idade”, conta Ivone, que hoje é quem comanda o carrinho.

Foto: Mateus Fernandes

Com a queda no número de clientes, a solução foi vender de casa 

Segundo a Fecomercio-SP, o calçadão de Osasco recebia em média mais de 350 mil pessoas por dia, número que fica atrás apenas da rua 25 de março em São Paulo. Com a chegada da pandemia o número de pessoas visivelmente diminuiu.

“No começo da pandemia eu ainda estava lá (no centro de Osasco). Depois que foi avisado que ia fechar e que tava formando um circuito de pessoas infectadas, aí diminuiu uns 70% (o número de pessoas circulando). O calçadão ficou vazio. E conforme ia noticiando, foi diminuindo mais.”

analisa a vendedora ambulante.

Ivone conta que ainda assim encontrava muita gente circulando sem os cuidados necessários. “Mas mesmo assim tinha gente indo, até sem máscara no começo. Porque tem gente que não acredita na doença, cê entendeu!? Mesmo com os infectologistas falando eles não acreditam né”, diz.

“A gente geralmente colocava 100 pães no carrinho. A meta da gente é vender os 100 pães no dia. Se não vendesse, ficava pro próximo dia. Conforme a pandemia, sobrou muito pão”.

E a observação dessa diminuição do movimento no calçadão compartilhada por Ivone foi registrada também na pesquisa do Diário da Região, mostrando que a venda de cachorro-quente no calçadão de Osasco caiu 60% durante a pandemia.

Além disso, para comercializar na principal rua da cidade é necessário uma licença paga diariamente. Sem condições de ficar pagando o aluguel, a solução encontrada por Ivone foi trabalhar dentro de casa. “Quando eu vi que deu um mês e nada, eu comecei a trabalhar lá na minha cozinha, com entrega. Aí eu entregava pelo iFood e aqui na porta mesmo”, relata.

Ivone conta que precisou do apoio dos filhos para inserir seu negócio nos aplicativos de delivery e se reinventar. “O pessoal tá usando tanto essa palavra, mas é verdade. Hoje o pessoal precisou se reinventar. Então meu filho fez uns combos no Ifood. Ele foi pesquisando e montou. Daí chamou a atenção das pessoas”, conta.

“A gente procura temperar bem o lanche pra pessoa gostar, aí a pessoa pede de novo. Porque assim, o cachorro-quente que faz o público. Esse público já existe mas é como qualquer comida: você vai num lugar, você gostou, você vai lá sempre. Assim vai formando a freguesia. Geralmente de sábado, de domingo, o pessoal prefere comprar lanche”, afirma Ivone.

Aumento nos preços dos alimentos 

Na contramão da baixa no número de clientes, houve o aumento no preço dos alimentos. Segundo os dados do IPCA sobre a inflação oficial do país, os preços das carnes subiram 2,24% em maio de 2021, acumulando 38% de variação nos últimos 12 meses. Por trabalhar com alimentos, Ivone sentiu esse peso não só na mesa dentro de casa, mas também diretamente em seu trabalho.

“O que aumentou pra gente mesmo foi a salsicha. Salsicha a gente não tá encontrando preço que precise comprar. A gente tinha dois fornecedores de salsicha antes. Hoje em dia não é mais. Um dos fornecedores foi vendido. A batata também aumentou bastante”, analisa.

Tal aumento, é claro, também refletiu no preço do cachorro quente.

“Tinha de 3, de 4, de 5 (reais). Dependendo do cachorro-quente, né. Agora não, já aumentou tudo. Eu tinha prato de 10, até prato de 8. Agora é prato de 12, de 15 (reais). O cachorro quente mesmo, o completo agora é 7 reais. Mas agora em Osasco (no centro) já é 8 o completo.”


Existe toda uma estrutura para manter a indústria do cachorro-quente. Os que se candidatam para trabalhar no centro de Osasco, precisam passar até por um curso em parceria com a prefeitura.

E é difícil trabalhar sozinha. Hoje, aos 55 anos, Ivone conta com a ajuda de Val, que a auxilia nas produções e vendas. “E vai aprendendo na prática, precisa de alguém que te ensine, porque não é fácil. Eu ensinei a Val, ela não sabia fazer lanche”.

Ao lado, Val brinca: “Mas eu tô aprendendo ein”.

“Já aprendeu bem. Já faz no prato, já faz tudo. E eu vejo como gerando emprego, né. Porque eu preciso dela, ela precisa de mim. Ela também tava parada, precisava ganhar dinheirinho. E assim uma ajuda a outra aqui. E vai indo”, afirma Ivone.

Preocupação com a saúde

A queda no número de clientes e vendas não foi a única razão de Ivone preferir trabalhar de casa. A preocupação com a saúde também foi determinante.

“O povo é desobediente, né. Porque tá sabendo e mesmo assim continua (sem usar máscara). Eu vou dizer uma coisa pra você, as pessoas, elas só vão se preocupar mesmo quando acontecer com alguém da família delas. Do contrário, se você olhar, olha na rua aqui mesmo, aí você já tem uma base”, analisa. 

“Eu cheguei a ver, amigo do meu filho que ficava aí nesse bar e agora tá na intubação, já faz 3 meses. O médico diz que o pulmão dele não reage”

 conta a ambulante.

Ela reforça a necessidade dos cuidados que toma ao trabalhar na rua. “Eu não peguei essa doença porque eu me cuido muito. Eu sou diabética então assim, em Osasco eu não tirava a máscara um minuto do rosto. E eu troco de máscara durante o dia. Mas houve uma necessidade de eu trabalhar lá no centro no começo, porque meu filho Renato não arrumou emprego”, compartilha.

“Nem tudo está perdido. Há coisas que a pessoa não quer dar um passo atrás. Tem que esperar surgir uma porta. Agora essa porta não tem. Mas se a gente for esperar, da onde vai vir dinheiro? Não vai vir do prefeito, do ministério. A doença continua aí. Na vida a gente tem que recomeçar.”

Apesar de tudo, Ivone conta que ainda olha para o futuro com esperança.

“É ter a mente aberta pro simples. Não adianta começar do grande, tem que começar do pequeno. Mesmo a gente querendo pra ontem, não é assim. A gente quem tem que pensar o que vai fazer, em como melhorar nossa vida, seja como for. E assim vai”, finaliza Ivone.

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