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“Me trate como homem”: machismo afeta entregadoras de delivery

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Respeito é o que elas querem, enquanto trabalham tanto quanto os homens pelas ruas da cidade de São Paulo, movimentando a economia dos aplicativos de delivery.
Paloma Barbosa é moradora do Parque Santo Antônio, bairro da zona sul da cidade. (Foto: Patricia Santos)

Aos 28 anos, Paloma Barbosa Félix, foi diretamente atingida com as mudanças sociais e econômicas causadas pela pandemia de covid-19. Ela se tornou entregadora de aplicativos, após o buffet onde trabalhava pelo menos quatro vezes na semana fechar. 

“Antes da pandemia eu trabalhava com eventos numa empresa de festas em geral e aí em março de 2020 eles cancelaram todos os eventos por causa da pandemia”, conta Paloma, complementando que todos os dias começa a rotina no aplicativo de entrega por volta das 11 horas e 30 minutos.

Já Bianca Camila dos Santos, 23, liga o aplicativo por volta das 10 da manhã, para garantir que estará nas ruas entregando pedidos no horário de almoço, que segundo ela, é o melhor horário do dia para alcançar a meta diária de entregas e chegar em casa com segurança.

Assim foi a rotina do ano de 2021 para essas mulheres moradoras de periferias, que percorrem as ruas da cidade entregando comida aos usuários de aplicativos de delivery.

Para Bianca, fazer entregas pela cidade já faz parte da sua rotina, mas a pandemia transformou esse cotidiano, após ela sofrer um acidente de bicicleta e quebrar o braço. 

“Eu andava de bicicleta elétrica fazendo as entregas quando caí, fiquei uns dois meses mais ou menos parada com gesso no braço e quando eu voltei estava tudo fechado, não tinha gente na rua”, 

Bianca é entregadora e mora no Jardim Iporanga, zona sul de São Paulo.

Trabalhando com delivery há quase três anos, Bianca viu a pandemia dificultar o retorno a rotina como entregadora de delivery. Além desse fator, o sistema dos aplicativos de entrega que ela trabalha também colaboraram para esse retorno ser ainda mais problemático.

Ela conta que os chamados em seu cadastro no aplicativo, reduziram bastante pois quando a conta fica inativa por algum tempo, o sistema de entregas prioriza quem está ativo, uma situação agravada também pelo número de novos cadastros realizados por pessoas que perderam o emprego durante a pandemia, e que foram em busca de gerar alguma renda durante esse período.

O horário de trabalho é um grande desafio para mulheres que estão nas ruas, além do risco de assalto, assédio e violência, existem também questões fisiológicas que implicam ainda mais na rotina delas.

Bianca Camila dos Santos é moradora do Jardim Iporanga, no distrito do Grajau, zona sul de SP. (Foto: Arquivo Pessoal)

Paloma conta que sair à noite para realizar entregas não é uma opção para ela. “O horário que eu prefiro trabalhar seria à noite, mas eu também não tenho coragem, às vezes eu fico até às 20h, 21h, depois começa a ficar mais sinistro”, diz.

Não há números exatos sobre a quantidade de pessoas que fazem a função de entregadores no Brasil. Em São Paulo, são aproximadamente 200 mil motoboys que geram cerca de R$ 423 milhões, segundo o Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas e Ciclistas de São Paulo (SindimotoSP). Porém não existe uma margem que mostre a presença de mulheres nesse cenário. 

Preconceito 

Além de ser moradora da quebrada, Bianca é lésbica e na tentativa de conseguir algum respeito dos colegas de profissão, pede que seja tratada como um deles. “Eu sou lésbica né, então eu sempre falei para eles me tratarem como um homem e é nesse ‘tratar-me como um homem’ que eu peço respeito. Homem só respeita homem.”

“Eu acho que tem que ter mais inclusão com os gordinhos e gordinhas, é ruim para os dois”

Paloma Barbosa é entregadora e moradora do Parque Santo Antônio, bairro da zona sul de São Paulo.

No caso da Paloma, o maior preconceito é por parte dos aplicativos em relação à bolsa que usam nas entregas, as conhecidas bags. Para ela, o uso da bag é dificultado por ser uma mulher gorda, já que as alças não fecham em seu corpo por conta do tamanho dos seios.

“A bag não fecha em mim porque a alça é muito curta, e fica bem na parte do peito, prefiro não fechar, deixo bem folgadinha principalmente quando eu estou com coisa pesada e ela fica apoiada na moto. Eu acho que tem que ter mais inclusão com os gordinhos e gordinhas, é ruim para os dois”, conta Paloma.

Conquistas e futuro 

Antes de vivenciar o sonhado momento de adquirir uma moto, as entregadoras passaram pelas experiências do longo trajeto de ônibus, utilização de bicicleta elétrica e até mesmo um patinete, além de encarar o medo de ser assaltada na rotina do trabalho.

Mesmo com esse caminho árduo para ambas as entregadoras de delivery, Bianca celebra o fato de estar prestes a quitar a sonhada moto. Depois de passar meses fazendo entregas com uma bike elétrica e até mesmo um patinete, enfim ela se aproxima o pagamento dos últimos boletos da queridinha. Ela pretende em 2022 terminar o ensino médio e correr atrás de novas oportunidades de trabalho.

Enquanto isso, Paloma, que começou recentemente a trabalhar com delivery, sabe o quão importante é a conquista de ter a própria moto. Depois de um ano de muitas crises de ansiedade, dias e noites em claro e em prantos, ela se vê melhor agora que tem como meta pagar as 20 prestações que ainda faltam de sua “menina”, como chama a moto adquirida recentemente.

Lendo, escrevendo…

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 Minha chegada nesse terreiro sagrado de escritas periféricas. Licença povaria!

Foto: Arquivo pessoal

Oprê! Olá, você que está aqui pra desenrolar o papo no Desenrola e Não Me Enrola… Já peço desculpas se o texto tá muito longo, tá? A intenção não é enrolar… Conto com tua paciência e peço licença pra chegar.

Meu nome é Aloysio Letra e eu recentemente (na verdade, já há algum tempo) fui convidado pra escrever por aqui. Talvez eu escreva crônicas, textos de opinião, textos sobre cultura, política ou use este espaço apenas pra me expressar como um articulador cultural de periferia que se permite ter uma “visão sobre o mundo”. Afinal, é bom ter um espaço coletivo pra poder escrevinhar…

Eu sou filho de Roberta, mineirinha de Muriaé, filho de Aloisio, baiano de Nova Lage. Sou preto de gradação clara, hetero cis, me reivindico afro-indígena, tenho uns quarenta e poucos anos, tenho o pé chato, sou de capricórnio (não me culpe), sou anti-racista, anti-sexista, anti-homotransfobia, anti-capacitista e sou morador de Éssepê no extremo Leste, lá nas distintas e distantes terras dos Guaianás (Pra quem usa trens da CPTM: Guaianases).

Esse é tipo um texto de apresentação, um flerte, para a gente se conhecer melhor e por isso resolvi escrever, porque ler e escrever foram se tornando importantes pra mim ao longo da minha vida.

Eu comecei a ler muito cedo. Minha mãe me alfabetizou lá pelos 4 anos de idade porque na época tinha muito medo do analfabetismo (que nessa época era bem comum). Como meus pais sempre foram pobres e trabalhavam muito fora de casa, isso foi muito bom, porque eu tinha poucos brinquedos e o maior lance então era usar a criatividade e a imaginação pra passar o tempo em casa. Lembro que li vários dos livros dos meus pais, mesmo sem entender muito, até depois ter acesso a livros de fato infantis. Parecia que aquelas vozes, as palavras novas e as figuras imaginárias ficavam perambulando minha mente durante os dias. Eu lia rótulo de embalagens, capas de discos de vinil, me imaginava outra pessoa, noutro lugar distante que não numa casa trancada ou num quarto pequeno e apertado.

Na escola, dos primeiros anos eu era bem tímido, por vários motivos, dentre eles por mudar de escola muitas vezes por conta das diversas mudanças de casa. A cada escola nova eu queria saber se tinha biblioteca ou um lugar pra pegar livros emprestados. Gostava muito de ler os livrinhos da série Vaga-lume, muito comuns nessa época e que podiam ser achados da biblioteca até a banca de livros usados da feirinha de domingo. Eram livros muito legais, bem ilustrados e nesse tempo eu fiquei fã de todos livros do Marcos Rey, com sua escrita cinematográfica e também era apaixonado pelo mundo imagético de “O Escaravelho do Diabo” (1974) e do maravilhoso “O caso da Borboleta Atíria” (1975), da mineira e premiadíssima Lúcia Machado de Almeida. 

Eu sou filho de Roberta, mineirinha de Muriaé, filho de Aloisio, baiano de Nova Lage. Foto: Arquivo pessoal.

Minha família não tinha grana, então eu não tinha acesso a muitos gibis (histórias em quadrinhos). A maioria dos gibis que li na infância era quando ia ao dentista, e daí por causa dos gibis eu adorava ir no consultório da dentista no Jabaquara. Lá eu lia histórias da Disney, da Marvel e da DC Comics e só ficava meio cabreiro porque nas revistas de heróis tinha muita estória incompleta, histórias que precisavam de mais gibis pra saber o fim. Era a época do auge da editora Abril, que editava muito do que se lia de história em quadrinhos no Brasil.

Da saudade que nascia entre cada visita ao dentista, nasceu a vontade de escrever e desenhar, e daí passei a criar minhas próprias estórinhas, tirinhas, heróis próprios, personagens diversos. Era bem legal ter vários papéis dobrados e colados, com estórias próprias que ficavam cheirando a naftalina quando guardadas na gaveta das meias.

Eu passava muito tempo sozinho em casa e a minha mãe lia e tinha algumas revistas, edições da revista Cláudia, revistas com guia de nomes pra se dar a bebês, revistas de receita, revista Veja, Veja São Paulo. Ficava muito curioso pra ler sobre as pessoas que via na TV: cantoras famosas, atrizes de novela e gostava de ler os textos de abertura das revistas, aquele texto que falava sobre o que cada matéria trazia pra aquela edição que tinha o tema tal e que tinha como destaque a Fulana ou a Beltrana.

Através dessas revistas eu conhecia melhor a minha mãe, que muito trabalhava, em casa e fora dela, e que por isso tinha pouco tempo pra prosear, amar, se amar. Nossas conversas indiretas muitas vezes foram através da leitura das suas revistas. O que ela lia me falava muito sobre ela e as pressões que ela sofreu no século 20.

Vez em quando eu também emprestava as revistas da minha mãe ou os poucos gibis que tinha, para amigas da escola, em troca das revistas que elas liam, assim também lia de quando em quando as revistas Capricho, revistas sobre comportamento e algumas revistinhas de horóscopo mesmo sem entender muita coisa.

Meu pai e minha mãe liam jornais quando tinham grana. Quando cheguei a pré-adolescência me interessei em ler de uma forma mais completa aqueles jornais. Antes eu só lia o caderno infantil que saía periodicamente. Meu pai lia mais a Folha de São Paulo e aos finais de semana o Estadão, vez em quando lia o Jornal da Tarde. Papai sempre comentava sobre o que lia e falava que a gente precisava se informar pra não ser alienado, com ele me habituei a acompanhar o jornalismo. Levava muita bronca por bagunçar a ordem dos cadernos do jornal do meu pai. Pra mim era difícil a organização daquele calhamaço de papel.

Nessa época, de tanto ler o que os “adultos sérios” liam, eu peguei gosto por crônicas. Aquela escrita meio que conversava comigo, criava amigos imaginários, mas eu ainda não sentia como poderia algum dia escrever algo do tipo e em espaços de destaque. Curtia muito o Bussunda, Mário Prata e mais um bocado de coisa que eu não recordo muito bem. Sei que o gosto por crônica depois me levou a buscar livros de crônicas, coletâneas como a “Comédias da Vida Privada” do Luís Fernando Veríssimo, que mais tarde na escola chegamos a montar numa peça teatral.

Do período da infância à adolescência lembro de escrever muitas cartas. Cartas para amigos, garotas da escola, para irmãos que moravam distante (tenho 8 irmãos, 4 homens e 3 mulheres) e cartas pra minha mãe ou meu pai após terem se separado, tempo em que eu vivia alternando minha morada, vezes morando com uma(um) ou com outra(o), de lá pra cá.

Eu lembro ainda da sensação de passar horas escrevendo e reescrevendo as emoções e os sentimentos, as saudades e as vontades que me atravessavam nos dias, semanas e meses de distância entre uma carta e outra. Ainda tenho numa velha lata de panetone algumas dessas cartas, algumas que guardam ainda os cheiros das tintas de caneta colorida ou mesmo cheiro de perfumes que vez em quando colocávamos para transportar a pessoa para as nossas sensações durante a escrita. Li e escrevi cartas com desenhos, com ingressos de shows colados com durex, cartas com ou como presentes, com fitas coloridas, com verdades e mentiras inofensivas, com indignações de vez em quando. 

Foto: Felipe Ribeiro

Com vinte e poucos anos, na época casado com minha melhor amiga da escola, eu trabalhava numa fábrica de vidro em Itaquera e revezava meu tempo de folga e os horários de almoço lendo livros e gibis usados que eu comprava quando sobrava um troco. Ensaiava ter uma coleção de gibis do Wolverine. Não sobrou uma só revista desse tempo.

Anos depois, durante a faculdade de Rádio e TV, me apaixonei por roteiros e por artistas que tinham o dom de criar imagens, paisagens e rimas visuais com as letras no papel. Adorava também os livros da Linda Seger, do Robert Mckee e os cursos de diálogo da ótima dialoguista Adriana Falcão. Amei a escrita pra cinema!

Durante muitos anos, apesar de imaginar, escrever, ler e sonhar, a verdade é que fora das trocas de cartas do círculo mais íntimo, eu não tinha muito acesso a escritas de outras pessoas que como eu, pretas e de periferia, escreviam, liam, sonhavam. Isso mudou em 2007, quando fui no primeiro sarau, a convite de uma amiga, Mayara Penina (hoje jornalista no Nós, mulheres da periferia).

Nessa época eu trabalhava num banco e a Mayara me convidou pro Politeama, um sarau numa região central da cidade de São Paulo. Eu fiquei fascinado com aquela troca de material autoral, com as provocações e incentivos para criações coletivas, frescas ali na hora, mas também meio intrigado pra saber como isso se dava nas periferias. A partir daí comecei a procurar saraus de periferia na minha região.

Em 2008, conheci o Sarau do Marginaliaria em São Miguel e através deles o pessoal do Sarau “O que dizem os umbigos?” no Itaim Paulista. Amor à primeira vista! Samara Oliveira, Daniel Marques, Queila Rodrigues e muitas poetas me fizeram apaixonar pelas possibilidades coletivas dos saraus de periferia, e os saraus passaram então a constituir também a minha formação cultural e política.

Nas escutas e leituras dos saraus comecei a ter acesso a outras “linhas editoriais”, outros sensos e olhares, agora mais livres do binarismo das editoras e redes de comunicação hegemônica. Foi um respiro e nesse ponto em diante me permitiria me reconhecer ainda mais nas escritas das mulheres, homens e bixas de periferia, pessoas que queriam pra si, mais do que a sociedade as destinava.

Bem, esse texto é um pouco sobre como a leitura e escrita perpassou a minha vida e estar aqui escrevendo num espaço de periferia, num portal de jornalismo atuante nas quebradas de Éssepê, é um alento num tempo tão violento, tão indelicado, tão cheio de guerras velhas e novas.

Vez em quando escreverei por aqui sobre o que der na telha, às vezes sobre indignações, às vezes sobre utopias vindas de quem sonha um mundo plural, poético e melhor pra todes. 

Agradeço se você quiser comentar aqui, me escreve aí como a leitura e a escrita te tocou na sua vida, o que achou desse texto e por favor, se possível, visite os textos de mais colunistas daqui do Desenrola e Não Me Enrola. Até mês que vem! Saravá as mudanças!

Confira 4 espetáculos de teatro gratuitos nas periferias de São Paulo

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Promovidos pelas companhias Encena, Palombar, Coletivo Noroest e Exército Contra Nada, as intervenções de dança, teatro e circo acontecem no mês de abril nos distritos de Anhanguera, Perus, Vila Sônia, Vila Guilherme, Itaquera e Cidade Tiradentes.

Cena do espetáculo “Jussara City – O Paraíso das Enchentes” da Cia de Teatro Encena. (Foto: T3 Produções)

Ao longo do mês de abril, uma série de espetáculos de teatro, dança e circo, que acontecem nas periferias e favelas de São Paulo, ocupando equipamentos públicos e independentes de cultura e educação. Bibliotecas, Casas de Cultura, e CEU´s abrem as portas das suas dependências para receber a população em seu entorno.

O Desenrola selecionou cinco companhias, enraizadas no cotidiano dos moradores das periferias, na qual, os artistas que protagonizam as intervenções e apresentações, tem como principal objetivo promover reflexões no público sobre questões climáticas e desigualdades sociais presentes em seu cotidiano. Confira:

Cia. de Teatro Encena 

O espetáculo “Jussara City – O Paraíso das Enchentes” foi criado a partir de pesquisas sobres enchentes nas periferias de São Paulo, e retrata a trajetória de vida de uma renomada ambientalista brasileira, que após muitos anos vivendo no exterior, volta ao país percorrendo as ruas do bairro onde nasceu, na periferia de São Paulo. Em uma viagem lúdica através das memórias de sua infância, ela resgata a história do bairro e a luta dos moradores, sempre às voltas com a tragédia das enchentes que anualmente os atormenta.

Agenda

Em cartaz: de 16/04 a 25/06/2022 – Sábados às 20h30

Local: Espaço Cultural Encena – Rua Sargento Estanislau Custódio, 130, Jd. Jussara-Vila Sônia, Butantã, CEP 05534-030.

Contato: encena@encena.art.br e pelo telefone 96460-5903 (WhatsApp)

Entrada: Gratuita mediante a apresentação de comprovante de vacinação e uso de máscaras.

Cena do espetáculo “Vértebras Quebradas” do Coletivo Noroest. (Foto: Lusca)

Coletivo Noroest 

O coletivo estreia espetáculo “Vértebras Quebradas”, que surgiu com base nas vivências do projeto “Coletivo Noroest – quebrada viva” que, a partir de uma perspectiva cultural periférica sobre o Hip Hop, movimento que vem transformando diversas ‘quebradas’ Brasil afora.

Agenda

Em cartaz: de 19/04 a 28/04/2022

Local: CCA Anhanguera – Rua Amadeu Caego Monteiro 209, Bairro Santa Fé – São Paulo – SP

Data e Horário: 19 de abril de 2022, às10h e 14h

Local: Biblioteca Padre José de Anchieta – Rua Antônio Maia 651, Perus – São Paulo – SP

Data e Horário: 20 de abril de 2022 , das 10h e 15h

Local: Ocupação Artística Canhoba – Rua Canhoba, 299 – Vila Fanton, Perus – São Paulo – SP

Data e Horário: 23 de abril de 2022, às 17h

Local: CCA Fanton – Rua Gofredo, Nº 141 – Vila Fanton , Perus – São Paulo – SP

Data e Horário: 26 de abril de 2022 (terça-feira), às 10h e 14h

Local: Casa do Hip-Hop Perus Rua Júlio Maciel, s/n – Vila Perus – São Paulo – SP

Data e Horário: 28 de abril de 2022, às 18h

Contato: www.facebook.com/Projetoquebradavivabattle e www.instagram.com/coletivonoroest

Entrada: Gratuita mediante a apresentação de comprovante de vacinação e uso de máscaras.

Cena do espetáculo “Mundano”, criado pelo grupo circense Exército Contra Nada. (Foto: Ricardo Avellar)

Exército Contra Nada

O grupo circense Exército Contra Nada está realizando uma temporada de apresentações gratuitas de “Mundano”, espetáculo que apresenta dois soldados a caminho de sua cidade natal após uma experiência bélica. Perdidos, eles têm como única referência o lugar onde as ruas “Esperança” e “Alegria” se encontram. Nesta caça às esquinas, eles necessitam pedir ajuda de quem está pelas ruas, mas não sabem como agir. Ao se questionarem se conseguem fazer outra coisa além de lutar e resistir, eles encontram no riso o sentido para seguir.

Em cartaz: de 16/04 a 27/04/2022

Local: Centro Cultural Arte em Construção – Av. dos Metalúrgicos, 2100 – Cidade Tiradentes, São Paulo – SP –

Data e Horário: 16 de abril de 2022 (sábado), às 16h

Local: CEU Água Azul – Av. dos Metalúrgicos, 1300 – Cidade Tiradentes, São Paulo – SP, 08471-000

Data e Horário: 20 de abril de 2022 (quarta-feira), às 11h

Local: Teatro Flávio Império – R. Prof. Alves Pedroso, 600 – Cangaíba, São Paulo – SP, 03721-010

Data e Horário: 23 de abril de 2022 (sexta-feira), às 16h

Local: Casa de Cultura Raul Seixas – R. Murmúrios da Tarde, 211 – Jose Bonifácio, São Paulo – SP, 08253-580

Data e Horário: 24 de abril de 2022 (sábado), às 16h

Local: CCJ – Centro Cultural da Juventude – Av. Dep. Emílio Carlos, 3641 – Vila dos Andrades, São Paulo – SP

Data e Horário: 27 de abril de 2022 (domingo), às 11h

Contato: www.facebook.com/exercitocontranada e www.instagram.com/exercitocontranada

Entrada: Gratuita mediante a apresentação de comprovante de vacinação e uso de máscaras

Cena do espetáculo “Circomuns”, criado há 10 anos pelo grupo Palombar de circo e teatro. (Foto: Carlos Goff)

Circo Teatro Palombar 

Comemorando dez anos com a temporada de “Circomuns” na Cidade Tiradentes, o Circo Teatro Palombar promove apresentações deste espetáculo que resgata pequenas fagulhas de Cidade Tiradentes, bairro em que vivem seus integrantes, enxergando as poéticas deste território e a potência de vida de seus moradores, traduzindo-as para o universo circense.

Em cartaz: de 22/04 a 30/04/2022

Local: Centro Cultural Arte em Construção – Av. dos Metalúrgicos, 2100 – Cidade Tiradentes, São Paulo – SP –

Data e Horário: 22, 23, 29 e 30 de abril de 2022, às 10h30 6 de abril de 2022 (sábado), às 19h30

Contato: www.facebook.com/Circo.Palombar e www.instagram.com/circopalombar

Entrada: Gratuita mediante a apresentação de comprovante de vacinação e uso de máscaras.

Diarista usa cartão com QR Code para divulgar canal de receitas na rua

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Inicialmente, o canal foi criado para distrair a diarista que estava desempregada, mas com o passar do tempo, a iniciativa ganhou função terapêutica de tratar a depressão e se tornar uma fonte de renda

Com o objetivo de aumentar o número de inscritos, Neide divulga o canal para aas pessoas pessoalmente. Foto: Estela Sousa

Após dois meses da criação do Canal Cozinha Sem Pressão, a diarista Ivoneide Nascimento, 52, moradora do Jardim Analândia, em Itapecerica da Serra, conhecida pelos vizinhos como Neide, utilizou uma estratégia inusitada para divulgar o projeto: mandou imprimir cartões com QR Code em uma gráfica perto da casa dela, para distribuir aos moradores que passavam pelas ruas do bairro, por meio do popular boca a boca.

Na época, o canal estava com 40 visualizações e 15 inscritos. Após o processo semanal de entrega de cartões com QR Code, ele foi para 326 inscritos e alcançou mais de 23 mil visualizações.

“Com os cartõezinhos foi aumentando, né? Até porque eu saía entregando. Eu ia na lotérica pagar alguma coisa, eu já entrava na fila, também ia nos pontos de ônibus, terminais, metrôs e eu entregava assim para as pessoas. E aí foi multiplicando. Eu acredito que os cartõezinhos adiantaram bastante”

avalia a diarista Youtuber.

De acordo com Neide, utilizar o cartão como estratégia ajudou no crescimento do canal. Foto: Estela Sousa

A ideia surgiu para alcançar o público mais jovem que acessam os vídeos com maior facilidade, em uma linguagem conhecida. Para as pessoas que não sabem utilizar o QR Code ou não tem o aplicativo para fazer a leitura do código, Neide deixava o endereço online para ser acessado de forma manual.

A pretensão de Neide é atingir a marca de 1 mil inscritos no canal, e conseguir monetizá-lo. Ela também sonha em futuramente abrir um restaurante com atendimento online para trabalhar com entregas por delivery, já que os inscritos gostam das receitas e pedem para ela fazer e entregar.

Surgimento do canal 

Desempregada desde novembro de 2021, Neide tinha uma rotina profissional corrida. Ela trabalhava como diarista na região central de São Paulo, realizando serviços de limpeza em duas casas de segunda a sexta-feira e um escritório de advocacia que ela atendia sempre no domingo.

Com pouco tempo para descansar, tudo mudou na vida da Neide, após ela passar mal durante o trabalho e descobrir que estava tendo uma arritmia cardíaca.

“Eu estava finalizando a limpeza e de repente eu comecei a me sentir tonta, sem força na perna e nos braços. Eu cheguei a terminar o serviço segurando nas paredes”

conta.

A diarista precisou ficar internada, usar aparelhos e começar um tratamento com medicações fortes e realizar eletrocardiogramas periódicos durante três meses, por isso não conseguiu mais trabalhar, já que não era registrada e ganhava por dia de serviço prestado.

Pensativa sobre a oportunidade de trabalho e renda que poderia não voltar mais, Neide conta que até hoje mantém contato com os antigos empregadores, e relata que eles se preocupam com o seu estado de saúde.

“Elas ficaram com medo da responsabilidade. Mas aí elas me pagaram direitinho, fiz o acordo e aí deu tudo certo graças a Deus, né? Até hoje elas me ligam pra saber se estou bem, mas já colocaram pessoas ocupando o lugar que eu estava e eu fiquei muito triste porque quando me ligaram falando que já tinha uma outra pessoa, eu tinha a esperança de ficar boa e retornar, mas não foi bem assim”, relata.

Após perder a fonte de renda em plena pandemia de covid-19, a diarista relata que iniciou um processo de desenvolvimento de depressão. Triste por ver a mãe desanimada, o filho mais velho, Bruno Rolim, 29, junto com a ajuda da filha Estela Sousa, incentivaram Neide a criar o canal “Cozinha Sem pressão”.

A filha Estela é quem ajuda Neide na gravação, edição e postagem dos vídeos. Foto: Estela Sousa

“Mãe, vamos criar esse canal, como eu já havia dito. Você gosta de cozinhar, o seu tempero é muito bom, vamos criar esse canal, você vai se distraindo”, relembra Bruno, sobre um dos diálogos de incentivo para sua mãe criar alguma alternativa para ocupar a mente, que estava sendo tomada por um processo de depressão.

Aos 52 anos, após relutar bastante, Neide topou a ideia e com a ajuda de Estela, que fazia a gravação, edição e postagem no Youtube, elas lançaram o canal. No começo, a diarista não tinha um celular para gravar os vídeos e pegava emprestado do filho Bruno, de Estela ou o da nora Gabrielly, 23, que ia trabalhar e deixava o aparelho para a sogra poder usar.

“Era bem difícil, né? Quando a minha nora ia sair, a gente ficava sem saber o que fazer pra gravar. Pra você ter uma ideia foi tão difícil [o começo] que eu não tinha um rolo pra abrir o pão, aí eu abria com o copo. E às vezes não tinha panela o suficiente pra gravar, não tinha as coisas e eu improvisava. Eu ficava achando que não ia dar. Depois eu acordei. Eu falei: quer saber de uma coisa? Vou fazer e vai dar certo, isso vai bombar”

relata emocionada.

A parte favorita de Neide é escolher qual comida irá preparar, nos livros e revistas de receita que ela coleciona desde 1988, e guarda embalados com muito carinho. Depois, ela faz a lista de ingredientes, compra no mercado e separa na bancada para começar a gravação.

Tradição para Neide, as ideias dos vídeos saem dos livros de receita que ela guarda em casa. Foto: Estela Sousa

“Eu adoro gravar, eu separo as coisinhas de gravar, né? Os alimentos bonitinhos. Eu sempre gostei de cozinhar. Então é coisa que eu faço porque eu gosto muito”, finaliza.

Thainara Silva: psicóloga se dedica a levar saúde mental para mulheres nas periferias

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A série Terapeutas da Quebrada mostra a trajetória de vida de psicólogas que fizeram de tudo para abrir um consultório nas periferias, em busca de garantir que os moradores tenham acesso aos cuidados com a saúde mental.

Desde o momento em que jovens de quebrada ingressam na universidade, eles lidam com uma série de obstáculos para me manter estudante e ingressar no mercado de trabalho. Essa realidade faz parte da trajetória de Thainara Silva, 28, psicóloga e moradora do Jardim Aracati, zona sul de São Paulo.

Atualmente, Thainara possui um consultório onde atende seus pacientes no bairro Chácara Santo Antônio, região de Santo Amaro, zona sul de São Paulo. Mas para chegar até aqui e desfrutar da conquista de construir o próprio negócio, segundo ela, foi necessário enfrentar conflitos na família, fato que contribuiu para que trancasse pela primeira vez a faculdade de psicologia.

“Foi na época que meu pai descobriu (como lésbica), eu estava ficando com outras mulheres, eu me reprimi por muitos anos. E quando ele descobre e me rejeita, foi um dos meus primeiros contatos com a rejeição familiar. Ele ficou um ano sem falar comigo, então eu saí de casa”, relembra a psicóloga.

Além da rejeição familiar, outros problemas surgiram, pois ela precisou fazer transferência de campus universitário, por ter se mudado de casa, e isso prejudicou a rotina de estudos de Thainara.

Após esse conflito familiar que durou mais de um ano, ela retornou para a casa dos pais, e sofreu um acidente, tendo que trancar novamente o curso, momento que deu origem a mais uma fase complicada em sua trajetória de vida. 

“A graduação é muito dolorosa pra quem é periférico, porque você tem que trabalhar normalmente. Ou você tenta uma bolsa, senão você tem que trabalhar para pagar a faculdade”

desabafa.

Nesse meio tempo, ela conseguiu um trabalho numa clínica, onde trabalhava como recepcionista. Neste local de trabalho, surgiram muitas situações difíceis, tendo que lidar com o preconceito dos pacientes que frequentavam, mas que precisavam superar por não ter outra opção de emprego e renda, para pagar a faculdade.

“Eu ganhava seiscentos reais na faculdade, e na época eu tinha que pagar a terapia que era trezentos e pouco… Aí eu ficava só com trezentos reais pra passar o mês, tinha que trabalhar, estudar, comer e pagar as coisas, sempre tudo muito difícil”, conta Thainara.

Essas experiências de vida que aconteceram durante a presença na universidade contribuiu principalmente para que a psicóloga começasse a ter problemas de ansiedade e alguns episódios depressivos, que segundo ela, era o principal motivo de se sentir mal com as relações pessoas, profissionais e com a vida, o que a levou a ter pensamentos de suicídio.

Todo esse processo também foi importante para ela entender em qual área específica da psicologia ela gostaria de se especializar e trabalhar com seus futuros pacientes. “Eu tinha muita idealização suicida, eu falava muito sobre morte. Tanto que eu falo que meu carro-chefe pra trabalhar com pessoas é o suicídio, porque eu senti na pele o que era pensar nisso”, relata.

Durante a pandemia, Thainara transformou um cantinho da sua casa em consultório, para realizar atendimentos online.

Com tudo isso acontecendo, Thainara conseguiu se formar mas ainda assim, não tinha conseguido se realizar na área, foi aí que ela decidiu usar o salão de cabeleireiro da sua mãe, que fica na garagem da casa onde ela morava.

Ao frequentar o estabelecimento durante os períodos de atendimento, ela passou a conhecer e prestar atendimento para algumas clientes, que segundo sua mãe relatavam ter problemas relacionados a questões emocionais.

“Comecei a ter contato com a psicologia dentro da comunidade, porque eram pessoas em situação de vulnerabilidade. Só que aí eu só pegava caso bomba, se tem pessoas que tem problemas e questões emocionais para serem resolvidos é a população periférica”, pontua.

Diante deste cenário, a psicóloga passou a buscar um espaço para alugar e para ser só seu em sua região para atender essas pessoas, saindo ali do ambiente do salão de beleza, mas se deparou com preços de aluguel muito altos e fora do seu alcance de investimento.

Nesta época, os valores de locações de salas para instalar o consultório variava de R$1mil a R$1.200,00 por sala, e segundo ela, mesmo tendo se esforçado para continuar ali e tentado uma sala no seu território, não foi possível conseguiu suprir o valor do aluguel, e também não estava disposta a aumentar o valor das sessões com as pacientes que atendia, que em sua maioria eram mulheres.

Depois de pesquisar e conversar com alguns colegas de profissão, ela decidiu alugar uma sala com o pagamento do aluguel divido com outra profissional da área de terapia, localizado colega na região da Chácara Santo Antônio, bairro que oferece fácil acesso ao público da terapeuta.

“Eu assinei o contrato do consultório no dia 8 de março, dia internacional da mulher. E foi tão simbólico que estava atrás de mulheres, pra me ajudar a pôr o papel de parede, pra montar o consultório, porque eu queria só mãos femininas na construção do espaço”

destaca Thainara

Atualmente, Thainara segue com seus preços simbólicos para pessoas moradoras das periferias em situação de vulnerabilidade social, garantindo que as pessoas se sintam acolhidas e respeitadas em seu local de trabalho.

“Eu queria que a pessoa que pisasse no meu consultório, sentisse o máximo de conforto e acolhimento possível, e eu não tinha tido essa vivência nos consultórios que eu passei, era tudo muito frio. Eu não vou ser essa psicóloga”, concluiu.

Cuidar de si faz parte do plano de mudar o mundo!

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Olhar para si, com amor, atenção, dedicação, respeitar nossos ciclos, tudo isso é constantemente negado, principalmente para quem está nas margens da sociedade.

Grafite realizado por AnaPraRua e Nino, no Jardim Progresso, em Parelheiros, zona sul de São Paulo. Foto: Julia Biaggioli

Ultimamente venho pensando muito sobre autocuidado. Acho que a pandemia trouxe à tona diversos entraves e com a recomendação de isolamento social, essa foi uma das formas de sobrevivência nesse período. Mas porque o fato de se auto amar, cuidar e conhecer, geralmente não é algo espontâneo? Se preservar deveria ser algo imediato, afinal, meu corpo, minha mente, tudo que me compõe está comigo – sempre!

Quando recebi o convite do Desenrola para escrever para essa coluna, não pensei duas vezes: o nome seria Cura pelas bordas! Íntegro coletivos e movimentos desde pequena e retratar a potência das margens, trazer questionamentos que envolvem essa pauta, pensar e discutir sobre os territórios populares e suas formas de enfrentamento é a minha proposta aqui.

Mas percebo também, nas discussões sobre as problemáticas sociais, que a gente se coletiviza tanto, que esquecemos que esses debates são sobre PESSOAS e como todas essas dinâmicas nos afetam diretamente.

No início da pandemia, nós (que moramos da ponte pra cá) sabíamos que o maior prejuízo seria para os nossos. A solidariedade nas comunidades foi muito romantizada, para esconder a falta de políticas pensadas para as demandas das quebradas. Tudo que já era tenso, agravou: A lotação no transporte público, o colapso no sistema de saúde, a falta de acesso à informação, a evasão nas escolas, o desemprego, a fome e tantas outras questões.

E o movimento para combater tudo isso nas margens foi frenético, arrecadação para campanhas, distribuição de cestas, muito conteúdo sendo produzido de nós pros nossos, tantos outros projetos…

Tá. Mas o que eu quero dizer com tudo isso? O rombo que a desigualdade social causa, faz com que esse olhar para si mesmo seja praticamente impossível e a pandemia, também agravou isso. A gente luta diariamente pelo básico e cuidar de si parece luxo.

E as necessidades são tantas, que essa missão de mudar o mundo e tudo que a gente faz pra isso, parece ser insuficiente. Logo, cuidar de si vai sempre ficando pra depois. E as cobranças aumentam, consequentemente a ansiedade intensifica e possivelmente, a depressão também. Lidar com tantas mazelas e não se afetar, é como ser de ferro… E a gente não é! As coisas nos atravessam e nós temos direito de pausar e acolher isso.

Todo esse contexto, mais uma vez, não é por acaso. Crescer na periferia é entender desde cedo que tudo que a gente produz é pra fora. A gente acorda de madruga pra fazer o centro girar, inclusive todos os caminhos, seja de busão, trem, metrô, são nesse sentido, e tudo que é nosso é marginalizado, inferiorizado. Então a gente vai aprendendo a se odiar, desgostar de onde a gente veio, das nossas raízes. Isso sem contar outras interseccionalidades (raça, gênero, sexualidade, etc) que, à medida que se acumulam, têm esses pensamentos cada vez mais enraizados: o outro primeiro, depois eu.

E, por mais que a gente se articula, se empodera, se mobiliza pra afrontar todos esses processos que ainda persistem no cotidiano da quebrada, estamos sujeitos a reproduzir isso. Ainda mais num sistema que nos impõe essa dinâmica.

Então, a escolha consciente de se autocuidar é extremamente revolucionária! 

Compreender nossos limites, dizer não, não abrir mão de momentos de lazer, de descanso, dos nossos sonhos pessoais para além dos coletivos, entender que tudo bem não dar conta de tudo, dentre tantas outras coisas que a gente atropela.

As estruturas nos adoecem e lutar a qualquer custo contra elas, também! Acredito que o cuidado consigo também é resistência. Olhar para si, com amor, atenção, dedicação, respeitar nossos ciclos, tudo isso é constantemente negado, principalmente para quem está nas margens da sociedade.

E quando falamos das complexidades das relações sociais, estas também são relações! E como em qualquer uma, a gente precisa se fortalecer individualmente, se firmar nas nossas próprias convicções, curar nossas próprias feridas e ter nossos momentos a sós. Qualquer relação em que passamos a nos anular, não é saudável. É um exercício constante reiterar: nós somos pessoas, antes de ativistas.

Enfim, esse texto não é um apelo para você parar de lutar por um mundo melhor, mas sim um convite pra que você entenda que cuidar de si faz parte desse plano. E que essa prática é contínua, num aprendizado constante, e o amor é isso: “Uma combinação de cuidado, compromisso, conhecimento, responsabilidade, respeito e confiança”, mas é também “o antídoto mais poderoso contra as políticas de dominação”, como nos ensinou Bell Hooks.

Que a gente proporcione isso para nós mesmos, porque somos mais que merecedores. E que a gente crie redes de cuidado, antes de ir pro fronte, se não podemos acabar dando um tiro no pé.

Esse é um lembrete diário. Pra mim e pra você!

Sertãoperifa transforma praça de Parelheiros em centro de cultura nordestina

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 Além de fortalecer a produção musical e audiovisual de artistas independentes, o coletivo Sertãoperiferia inicia neste sábado (9) uma série de eventos mensais abertos ao público no distrito de Parelheiros, zona sul de São Paulo.

O Coletivo Sertãoperifa atua desde 2010, propondo o resgate e valorização da cultura nordestina nas periferias. (Foto: André Bueno)

Com mais de 15 intervenções artísticas, o festival “Sertãoperifa 2.0: Nas Margens e Nas Redes”, acontece neste sábado (09), na Praça Júlio César Campos, centro de Parelheiros, zona sul de São Paulo. Com uma programação que vai das 13h às 20h, um dos destaques na primeira edição do evento é a transformação do território num centro de cultura nordestina.

Durante a programação, o público poderá prestigiar apresentações musicais, oficina de xilogravura, feira gastronômica nordestina, apresentação de saraus, cordéis e danças regionais, e até um bloco de carnaval, que fará a abertura das intervenções artísticas. Além disso, haverá um espaço dedicado às crianças com pula-pula, brinquedos e pintura facial.

“A proposta de criar esse evento é fazer ele girar até o final do ano que vem. A gente tem dois anos aí com eventos”

Claudiney Nonato é integrante do Coletivo Sertãoperifa e coordenador do projeto.

A Praça Júlio César Campos, localizada no centro do distrito de Parelheiros, zona sul de São Paulo, é um dos principais palcos do Coletivo Sertãoperifa. (Foto: André Bueno)

A iniciativa de movimentar e valorizar a cultura nordestina nas periferias é do Coletivo Sertãoperifa. “A proposta de criar esse evento é fazer ele girar até o final do ano que vem. A gente tem dois anos aí com eventos, oficinas e atividades dentro do projeto, vai ter intervenção na rua, nas Casas de Cultura, nos CÉUs, e todo mês a gente vai fazer uma atividade com um tema diferente”, explica Claudiney Nonato, mineiro apaixonado pelo nordeste, morador de Parelheiros e coordenador do projeto.

O Sertãoperifa nasce da união de moradores da periferia que vieram do nordeste, mais precisamente do sertão e que gostam de forró. O coletivo surgiu em 2010 quando um grupo de forró pé de serra, que já era engajado com questões políticas e sociais, resolveu fazer disso uma prioridade e trazer ainda mais a cultura do nordeste para as bordas da cidade.

“Isso traz um resgate, traz uma lembrança de onde moravam, é essa a ideia”

Claudiney Nonato é mineiro, mas tem uma forte paixão pela cultura nordestina que o faz se dedicar ainda mais nas ações do Sertãoperifera.

Uma das principais características do Coletivo Sertãoperiferia é ocupar espaços públicos nas periferias. (Foto: André Bueno)

A cada realização do Festival Sertãoperifa, um tema será escolhido para nortear as atividades artísticas da programação. Negritude, gênero e acessibilidade serão alguns dos assuntos abordados pelo coletivo nos próximos eventos.

Com o retorno das atividades presenciais, a expectativa do Sertãoperifa é promover um resgate de memória afetivas entre os moradores de Parelheiros e bairros vizinhos que irão participar das atividades.

“Como faz tempo que não tem nenhuma atividade na região, eu acho que vai ter um impacto positivo para a comunidade. As pessoas poderão assistir um show de um grupo nordestino, podem participar de oficinas e fazer com que se lembrem da sua cultura, isso traz um resgate, traz uma lembrança de onde moravam, é essa a ideia”, afirma Nonato.

Possibilidade de terceirização das Casas de Cultura preocupa agentes culturais das periferias

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Nesta quinta (07), acontece a audiência pública que irá debater sobre a terceirização das Casas de Cultura. Desde fevereiro, artistas, coletivos, movimentos e agentes culturais das periferias de São Paulo se articulam para barrar a possibilidade de concessão desses espaços culturais.

Artistas e agentes culturais no encontro realizado no mês de março no Bloco do Beco, zona sul de São Paulo, para discutir sobre a terceirização das Casas de Cultura. Foto: Patricia Santos

Desde fevereiro deste ano, o debate sobre a concessão das Casas de Cultura da cidade de São Paulo têm sido tema de encontros entre coletivos, artistas, movimentos e moradores das regiões periféricas que estão se mobilizando para garantir que a gestão permaneça com a prefeitura.

Com 20 unidades espalhadas em territórios periféricos, as Casas de Cultura são espaços que possibilitam o acesso dos moradores às atividades de arte, cultura e educação de forma gratuita, desde peças de teatro, dança e música, até oficinas e cursos, além de ser um espaço que fomenta o trabalho de coletivos e artistas locais.

A notícia sobre a intenção da Secretaria Municipal de Cultura em terceirizar esses espaços, chegou até o movimento cultural a partir de uma matéria da Folha de São Paulo, publicada em fevereiro, que conta sobre a possibilidade da abertura de um edital para seleção, até julho, de Organizações da Sociedade Civil (OSC), para gerir as Casas de Cultura.

Segundo Jennyffer Nascimento, poeta, educadora, atuante do movimento cultural periférico, moradora do Jardim Ibirapuera, zona sul de São Paulo, e também membro da Mandata Quilombo Periférico, a informação sobre a possibilidade de terceirização das Casa de Cultura da cidade de São Paulo, pega de surpresa quem as utiliza e colabora de alguma maneira para a sua existência.

“A  Secretária de Cultura da Prefeitura de São Paulo, informa que 30% do quadro de funcionários das Casas de Cultura estão para se aposentar e isso vai gerar o déficit [no quadro de trabalhadores das casas de cultura]. A ideia dela é de que com esse déficit em jogo haveria um sucateamento das Casas de Cultura e existem alguns estudos para passar a gestão para organizações da sociedade civil, as chamadas OS’s”.

explica Jennyffer.

Para ela, sem a chamada de novos funcionários públicos para a administração desses espaços, a chance da abertura de um edital para selecionar organizações sociais, apesar de repentina, a efetivação desse processo pode não ser demorada.

“A gente sabe que entre ter um estudo e a efetivação da terceirização às vezes é coisa de dois ou três meses, ou chega até um projeto de lei aqui na câmara e aí tudo pode ser terceirizado. A gestão passa a não ser mais da Secretaria Municipal e sim de uma organização, como acontece em alguns equipamentos de cultura do estado de São Paulo, como é o caso das Fábricas de Cultura”, explica Jennyfer.

As Fábricas de Cultura, exemplo de espaço cultural citado pela educadora, são equipamentos que oferecem atividades artísticas e são geridas através de organizações sociais. Diversos agentes culturais apontam que a mudança da gestão de equipamentos públicos para OS, contribui para uma perda da ligação com os artistas e o movimento cultural do território em que o equipamento está inserido.

No dia 29 de março, coletivos e movimentos culturais de São Paulo entregaram uma carta manifesto à Secretaria Municipal de Cultura buscando maiores esclarecimentos e diálogo a respeito da terceirização das Casas de Cultura da cidade.

Demandas e identidade do território 

Com o debate sobre a terceirização das Casa de Cultura, a preocupação passa a ser também referente a qualidade dos serviços fornecidos, de que maneira se daria e o cuidado com as necessidades da população de cada região onde estão localizados esses espaços.

“A gente conseguiu retirar as Casas de Cultura da supervisão das subprefeituras e colocar na Secretaria Municipal de Cultura porque a gente sabe que teria mais verba e essa foi uma das demandas dos movimentos organizados pelos movimentos culturais. Essas OS’s acabam administrando espaços no território onde elas não conhecem, não estão, não têm afeto”, diz Alex Barcellos, co-vereador no Mandata Quilombo Periférico.

Para Cristina Assunção, professora de história, slam master, integrante do Slam da Guilhermina e produtora do coletivo Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes, o receio é de que maneira e qual arte as organizações sociais podem entender contemplar os territórios periféricos.

“Essas OS que atuam com cultura elas vão priorizar aquelas artes burguesas, que existem no centro, na Vila Madalena. Vai diminuir muito o número das pessoas que atuam nas periferias como os agentes culturais que já estão nas Casas de Cultura, já há muito tempo conhecem os grupos que estão naquele território, e essas pessoas desconhecem essa rotina”.

analisa Cristina.

A decisão impacta diretamente nos direitos e atividades dos usuários e artistas que estão há anos compondo o polo cultural das quebradas. Jennyfer Nascimento questiona esta situação, pois, segundo ela, não existem garantias de que os artistas terão seus espaços que foram conquistados há anos, mantidos.

“Quem garante que nós seremos contratados enquanto artistas? Quem garante que o uso do espaço vai ser mantido? O Flordelis e o Panelafro fazem parte de uma manifestação cultural que acontece há mais de 20 anos na Casa de Cultura da M’Boi Mirim e que já tem o seu espaço na programação”, aponta Jennyfer.

Ela ainda ressalta que para ser uma organização social que consegue pegar essa gestão, é preciso ter uma série de documentações. “E a gente sabe que infelizmente quem está à frente preparado para assumir isso são pessoas que não pensam como nós, ou que não estão inseridos no mesmo ambiente que a gente está”, finaliza.

Para Assunção, a solução é contratar funcionários públicos para assumir os respectivos cargos. “A conclusão que se chega é que a privatização só se amplia, e vai desde a educação, cultura e ainda pode acontecer com a saúde. Isso só trará mais exclusão e diminuirá nossos recursos e possibilidades de formação de outros grupos culturais. Precisamos de agentes públicos atuando dentro desses espaços”, afirma.

Intervenções e melhorias 

Administradas por meio da Secretaria Municipal de Cultura, as Casa de Cultura são equipamentos públicos existentes há mais de 30 anos, sendo a primeira delas a do M’Boi Mirim, fundada em março de 1984. Espaços que visam disseminar cultura, aprendizado, debates, reflexões e troca de saberes entre artistas e moradores das periferias.

Quando se fala em sucateamento das Casas de Cultura, trata-se também das condições de trabalho, das competências a serem desenvolvidas, quem estará na linha de frente para gerir pensando na quebrada. Segundo Alex, hoje, justamente por conta da falta de funcionários, existe um acúmulo de funções dentro dos espaços culturais.

“Um gestor que tem que cuidar de todos os espaços e no máximo o que ele tem é o apoio do segurança, das companheiras e companheiros de limpeza do espaço e com os programas de jovens monitores. Não existe um braço para ajudar na articulação de território, não existe uma pessoa para ajudar na mobilização, para cuidar só da programação, não existem técnicos para ajudar no som, na luz, são essas coisas que a gente encontra nesse tempo de pandemia”.

aponta Alex.

Para Barcellos, existe solução para isso: o chamamento de funcionários para ocupar as vagas que estão em aberto, assim como aponta Cristina. Não acontecendo isso, a mudança se justifica, deixando de lado questões humanas e visando o lucro e o faturamento.

“A gente sabe que durante o período de quando essa empresa parceira faz operação da Casa, começa a aparecer pintura, grana para pintar, para reformar, coisas simples, maçaneta, corrimão. Começa aparecer um monte de coisa e as pessoas pensam: ‘Mas na outra época não tinha, antes era judiado agora parece que tem grana’, mas não, sempre teve. E é louco isso, porque a gestão se torna privada, mas o dinheiro continua sendo pago por nós, ninguém quer assumir a bronca sozinho”, afirma Alex.

Artistas, agentes culturais e integrantes de movimentos e coletivos se reuniram no mês de março no Bloco do Beco, na zona sul de São Paulo, para discutir sobre a terceirização das Casas de Cultura. Foto: Patricia Santos

Para evitar barrar esse processo, agentes culturais têm se mobilizado em reuniões e intervenções rolando por todos os lados da cidade. Em março, uma das reuniões que aconteceram foi no Bloco do Beco, polo cultural na zona sul de São Paulo, onde foi discutida uma possível audiência pública sobre o tema.

“Ainda que o poder executivo possa tomar algumas medidas, a gente entende que o estado democrático precisa de participação social. E são nessas linhas que a gente vai também incidir, enquanto movimento, nesse lugar de representação política como uma assessora, mas também como alguém que dá voz ao movimento”

diz Jennyfer.

 Segundo Barcellos, conforme as mobilizações vão acontecendo, os coletivos, movimentos e mandatas também se organizam, além dos movimentos estarem fazendo tudo que cabe: desde entrega de cartas, análise nas agendas da Secretaria do Prefeito e protocolo no Ministério Público.

“Existem ferramentas possíveis para provocar audiências públicas, conseguir provocar chamamentos dos secretários, dos envolvidos dentro da câmara legislativa para debates”, afirma.

O que diz a Secretaria 

Durante a apuração desta matéria, questionamos à Secretaria Municipal de Cultura acerca dos processos em andamento e do relacionamento com todas as partes interessadas. Segundo eles, o modelo de gestão via organização social não configura privatização, mas que estão estudando a possibilidade de uma concessão.

Em um formato de concessão, a transferência da gestão e execução se dá de forma temporária, com prazo para início e fim, podendo ou não ter o prazo renovado.

“A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informa que a pasta está estudando a possibilidade de concessão das Casas de Cultura e que, por enquanto, não há nada conclusivo a ser divulgado. A SMC ressalta ainda que não tomará nenhuma decisão sem consultar a sociedade civil e que o modelo de gestão via Organização Social (OS) não configura privatização”, informou a Secretaria.

Nesta quinta (07), a partir das 11h, será realizada a Audiência Pública com o tema “Casas de Cultura e modelo de gestão compartilhada”, na Câmara Municipal de São Paulo, para debater sobre as questões que envolvem a mudança na gestão dos espaços culturais. 

Geração X enfrenta barreiras para usar aplicativos nas periferias de SP

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 Seja para empreender, ir ao médico, pagar uma conta ou simplesmente acessar a internet, a geração x enfrenta uma série de barreiras de acessibilidade digital que comprometem a sua autonomia no universo digital.

Rita de Cássia tem duas filhas, trabalha como diarista na semana e nos finais de semana vende doces, lanches e petiscos em uma barraca em frente à sua casa. Crédito: Flávia Santos

Os moradores das periferias que nasceram entre 1960 e 1980 (tem entre 40 e 60 anos) fazem parte da geração x, grupo social que segundo o IBGE representa 26% da população brasileira. A empregada doméstica Rita de Cássia, 50, moradora do bairro Jardim São Francisco, localizada na zona sul de São Paulo, faz parte desta parcela da população que sente na pele o choque cultural de nascer em mundo analógico e hoje vivenciar as relações humanas conectadas pelo celular e o acesso à internet.

Ela tem duas filhas, trabalha como diarista na semana e nos finais de semana vende doces, lanches e petiscos em uma barraca em frente à sua casa, para complementar a renda familiar. Além da correria nos dias úteis, ela ainda tem que lidar com o fato de não saber se conectar à internet, tendo que depender sempre de alguém para ajudar ela a realizar suas tarefas.

“Eu não sei mexer em nada no celular, se eu for comprar alguma coisa eu peço pra ela (minha filha), tudo que eu for fazer eu tenho que pedir pra ela. Só que tem dia que ela não tá naqueles dias bons, aí ela fica estressada e eu fico nervosa”, relata Rita.

A empregada doméstica conta que todas as atividades feitas pelo aplicativo do banco são feitas por sua filha Monique, e que não há sequer uma função que ela saiba mexer, e mesmo se soubesse, por terem muitas senhas no aplicativo, ela raramente consegue lembrar e memorizar.

“Ela coloca umas senhas e eu nunca consigo gravar, então é só ela que mexe. Aí eu tenho medo de mexer e transferir errado”, enfatiza Rita.

O ponto chave na história de vida da Rita é que ela depende que sua filha esteja em casa para fazer qualquer movimentação no celular, por isso, quando Monique não está, não se arrisca sequer em mexer no smartphone. E quando precisa que seja rápido, ela vai até o banco buscar ajuda.

“Eu não consigo mexer no aplicativo, tenho medo de fazer qualquer coisa, e quando é assim eu vou direto no banco. Aí eu chego lá, falo pra eles que não sei mexer, e só assim o gerente vai e me ensina”

pontua.

Rita de Cássia, 50, moradora do bairro Jardim São Francisco, localizada zona sul de São Paulo. Crédito: Flávia Santos

Rita explica que não é por falta de vontade, e que as filhas já tentaram ensiná-la várias vezes como acessar e manusear os aplicativos no celular, mas que ela possui muita dificuldade em lembrar de tudo, e por isso sempre necessita de auxílio.

“Como foi minha filha que fez tudo do pix pra mim, só ela que sabe mexer, ela vem me ensinar mas não entra. Às vezes me ligam pedindo pra eu transferir um dinheiro, e nem sempre a Monique está perto de mim pra fazer. Eu também não sei tirar dinheiro no caixa eletrônico, não consigo”, diz Rita.

O fator geracional e a cultura de viver na época da comunicação analógica também afeta o cotidiano de Maria Jacira, carinhosamente conhecida como “dona Fia”,62, moradora da Cidade Ipava, zona sul de São Paulo. Há mais de 25 anos ela tem um bar no bairro e atualmente vende feijoada aos sábados.

Por trabalhar com vendas, dona Maria sempre ouve os clientes perguntarem se ela aceita o pix como forma de pagamento, mas ela explica que não tem e não confia nisso, e que na maioria das vezes perde a venda por isso.

“Eu não tenho pix, porque não sei mexer e tenho medo, por causa dos roubos que acontecem hoje em dia, então não uso de jeito nenhum”, afirma Maria.

O maior medo da comerciante é fazer qualquer tipo de movimentação financeira com o cartão fora do banco, com isso, ela explica que só usa o cartão direto na boca do caixa. “Eu mexo no meu cartão sem usar pix, não uso o cartão do lado de fora do banco, quando quero fazer qualquer coisa eu vou direto na boca do caixa.”

Além do medo de usar o cartão e ativar o pix para receber pela venda dos seus produtos, dona Maria também tem receio de pedir ajuda para qualquer pessoa, por medo de cair em golpes, e que nunca sabe quando isso pode ou não acontecer com ela.

Maria Jacira, carinhosamente conhecida como “dona Fia”,62, moradora da Cidade Ipava, zona sul de São Paulo. Credito: Flávia Santos

 Ela diz que prefere ir direto na sua agência do banco, mesmo sabendo que terá dificuldades, do que habilitar qualquer serviço diferente do que ela já está acostumada.

“Eu prefiro enfrentar uma bruta de uma fila e ser atendida lá dentro no banco, não tenho coragem de usar o cartão nas máquinas eletrônicas do lado de fora de jeito nenhum, até porque não sei, nem dinheiro eu sei tirar”, conta a moradora.

Esses obstáculos enfrentados dentro das agências são muito significativos, levando em conta que muitos dos que ainda frequentam são pessoas na terceira idade. E nesse processo, eles ficam expostos a uma série de frustrações que ocorrem durante ou antes do atendimento.

“Toda vez que eu vou, é mais de 2 horas na fila, naquele tumulto danado, e a gente fica lá em pé toda vida esperando. E às vezes chega a hora da gente e não está atendendo mais, ou o sistema que cai”, desabafa.

Maria acredita que por não saber mexer no celular e nos aplicativos, por ter mais dificuldade do que outras pessoas, o risco de ser roubada e de alguma coisa acontecer com o dinheiro que ela movimenta é grande.

Por assistir muito jornal na televisão, a dona de casa leva em conta todas as notícias que saem referente ao pix, e que, segundo ela, nunca são coisas boas. Fora conversas com irmãos e vizinhos, onde na maioria são relatos negativos.

Há mais de 25 anos ela tem um bar no bairro e atualmente vende feijoada aos sábados. Credito: Flávia Santos

“Já aconteceu com meu irmão da pessoa falar que fez o pix e quando foi ver não fez. Minhas colegas também reclamam, e eu já vi na televisão, por isso não quero”, afirma Maria.

A dona de casa mora sozinha e depende também da internet móvel para mexer no celular, isso quando põem crédito e  possui dados móveis disponíveis. Por muitas vezes seu celular fica de canto, pois por não saber mexer, usa só para fazer ligações.

“Tenho meu celular vai fazer 10 anos, não sei mexer em nada não, queria saber entrar na internet e fazer um Facebook, já pelejei, já tentaram me ensinar, mas não consigo, e tudo eu tenho que pedir, é chato. Eu só uso o celular pra ligar, mandar áudio eu ainda sei, mas só isso também”, exemplifica.

Já aconteceu de Maria receber um SMS que informava a data, horário e nome do hospital onde ela faria uma consulta médica, mas por não saber identificar o aplicativo de mensagens, a concorrida consulta no sistema público de saúde quase deu errado, se não fosse o apoio da filha.

“Minha consulta que estava marcada, veio pelo celular, e eu só fiquei sabendo porque minha filha mexeu pra mim, se não fosse ela eu não teria nem ido. Não tinha mais nenhuma informação, quando cheguei descobri que era uma endoscopia e não fiz porque não estava de jejum e nem com acompanhante”

conta Maria. 

Mesmo tendo uma rotina que concentra boa parte das atividades diárias no celular, ela enfatiza que vai atrás em busca de informações quando é preciso. “Ficou muito ruim com esse negócio de ser tudo pelo celular. Eu vou longe, vou atrás, enfrento fila, ônibus, sol quente, porque não sei mexer no celular.”

Para entender o outro lado dessa história, e obter uma avaliação técnica e analítica sobre o uso de dispositivos e aplicativos móveis para pessoas mais velhas, conversamos com Magno Ozzyr, 36, gerente de projetos de tecnologia que atua com soluções digitais para empresas e organizações do terceiro setor.

Magno disse em entrevista que pensa em desenvolver um software voltado para a terceira idade, para facilitar o dia a dia desses moradores. Ele começou explicando que precisamos entender os fatores de cultura e de segurança de cada um, como indivíduo. Porque as pessoas de terceira idade possuem uma visão diferente do que entendemos hoje como aplicativo, banco digital e funções modernas que facilitam o nosso controle.

“É sempre bom ter alguém administrando ali sua conta, alguém que você consiga reclamar. E essa pessoa acaba não entendendo que ela pode ter essa relação com o aplicativo. Eu posso fazer uma reclamação por ali, posso abrir um chamado por ali e ser atendido de forma imediata inclusive”

explica.

Outro ponto que Magno aborda é a abstração das imagens para essas pessoas da terceira idade, onde a forma de enxergar um aplicativo é diferente, pois enquanto eles enxergam somente figuras e objetos, nós sabemos o que tudo aquilo que aparece na tela do celular significa, seja um ícone que representa “salvar” ou uma frase que aponte o que queremos fazer.

“O que eu percebo é que existe muita dificuldade na abstração, porque aquilo não tinha relação nenhuma com o que aquelas pessoas viam na sua juventude ou infância. É muito difícil você trazer uma noção completamente nova de interação através de um dispositivo, sem explicar essas abstrações”, argumenta.

Magno aborda também que a facilidade em aprender e guardar informações é diferente para um jovem do que para uma pessoa da terceira idade, que existe essa diferença e que por muitas vezes não pesamos na balança ao decorrer do dia a dia.

Em sua opinião, os jovens, principalmente agora em momento de pandemia, tiveram que se adaptar para trabalhar e estudar dentro de casa, tendo que mexer em mais de 10 abas ao mesmo tempo, mas que apesar disso, conseguem realizar essas tarefas tranquilamente, diferente de uma pessoa mais velha, se precisasse sofrer essa mudança.

“Agora pensa essa realidade pra quem mal sabe ler ou não sabe ler, ou seja, os símbolos são imagens, eles não dizem nada para aquela pessoa além de imagens. Então imagina que você está vendo um monte de risquinho preto na tela e não diz nada pra você”

pontua.

Magno ressalta que alguns aspectos de desigualdades sociais também afetam os moradores das periferias que enfrentam essas barreiras de acessibilidade. Segundo ele, essas pessoas tiveram ausência de saúde, educação, saneamento e necessidades básicas nos primeiros momentos da vida, e assim, a tecnologia se torna realmente uma função totalmente moderna e distante para essas vidas.

“A gente precisa olhar para a tecnologia de uma maneira muito parcial. A tecnologia não chega onde está a pobreza, a gente tem situações de pessoas sem esgoto, sem acesso a água, e a falta de água cria débitos cognitivos. Pessoas que não tiveram acesso à água nas suas primeiras fases de vida, têm um desempenho cognitivo menor do que a maioria das pessoas”, analisa.

O gerente de projetos de TI, destaca que a tecnologia tem a sua dimensão baseada na exclusão social. “A tecnologia do país é muito boa, o problema é que ela não é para todos!”, conclui Magno. 

“Atrás de um ditador, existe um grande amor”: as emoções e seu uso na política

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Foto: Agnes Roldan

Quem lê essa coluna e a acompanha desde o início sabe minha visão como autora acerca das figuras políticas e do que podemos analisar sobre construção de imagem, imaginário e simbologias através de falas, frases e ações. Mas por que amam tanto figuras extremas ou que nos parecem controversas? Aquelas que não parecem ter coerência?

Vamos relembrar o conceito do ser humano como pessoa múltipla, mas para além disso, um ser subjetivo. A política se faz junto à sociedade, ela a acompanha e assim como suas tendências seriam ignoradas?

Por que a paixão importa? Existe racionalização completa de algo como votar? Na TV, Siqueira Júnior, nos mostra um mar de emoções, uma figura questionável, mas que joga e faz uso das crenças, da tragédia, da comédia, você rir enquanto assiste os dados de morte ao fim de uma tarde. Poderia então se construir imagens sem mexer com emoções?

“Atrás de um ditador existe um grande amor”, essa frase retirada da música do Belo me deu o desafio de desenvolver um texto sobre emoções e sua importância no jogo político. Ela que dará título a este breve texto que tem como foco principalmente trazer uma reflexão e jamais uma conclusão do que seria a influência do uso das emoções dentro de campanhas políticas.

Foto: Agnes Roldan

Irei iniciar trazendo uma análise da última campanha de Bruno Covas, com título “Força, Foco e Fé”, que traz uma identidade para seu momento de vida e casa com conceitos do dia a dia (algo que estamos exaustos de ver e rever nas campanhas), mas para além disso uma campanha extremamente emocional, com direito a relato de vida extenso, vídeos em viagens enquanto estava doente e a coisa mais forte: morar na Prefeitura enquanto enfrenta a morte.

Isso dá a ele não somente o título de sobrevivente, mas de salvador, ele é parte do povo em alguns recortes do vídeo e ao mesmo tempo é o cara que “foi criado para ser governante, veio de família, com história”. Ele é aquele que pode não só por saber, mas por jamais (nem em seu leito de morte) abandonar o povo.

Uma leitura dramática, mas real, o marketing político e as emoções movendo o voto. Não que isso nos torne irracionais, sabemos que emoções fazem parte das vivências e do nosso cotidiano, mas coloco aqui reflexões de onde nascem as paixões por aqueles que seriam nossos algozes?

Milton Leite, outro exemplo, irá usar forró em suas campanhas, mas para além disso formará uma família em torno de seu nome, um trabalho muito bem-feito que pode não mover montanhas, mas mantém poderes.

Uma família, pai e filhos, eleitos e que não só conquistam votos, conquistam emoção ao fazer um churrasco anual e abraçarem famílias que os seguem. É neste momento que você leitor mais crítico pode rir e dizer: “mas ele não faz nada, quem não vê isso?”, eu diria o oposto, ele faz muitas coisas, talvez nossos olhos estejam trancados em uma perspectiva tão crítica a ponto da nossa crítica não se aprofundar, por isso observo grupos políticos como a “Família Leite” e me coloco enquanto moradora e participante lendo suas placas, vendo emoção e fé nas pessoas a algum tempo.

Será que a emoção é descartável? Nesse jogo, eu precisaria te fazer sentir amado? Ou eu posso apenas conversar com você sem criar laço nenhum?

Trago novamente Bolsonaro (como fiz em meu último texto), uma figura sem dúvidas, inédita, e que ainda possui seguidores apaixonados, é paixão, as manifestações “pequenas” que ainda ocorrem são feitas pelos apaixonados, aqueles que já não se colocam como aprendizes, mas donos de uma verdade única: ele é o “mito”. É paixão. Getúlio Vargas vai mover laços através da rádio, é emoção, é nacionalismo, é o povo.

Talvez olhemos pouco para como vem sendo construído o cenário político no Brasil a anos, com Boni moldando a imagem de Collor nos anos 90, com prefeitos sendo “sexys”, com futuros candidatos provando masculinidade nas redes sociais.

Talvez olhemos pouco para como vem sendo construído o cenário político no Brasil a anos, com Boni moldando a imagem de Collor nos anos 90, com prefeitos sendo “sexys”, com futuros candidatos provando masculinidade nas redes sociais.

Existe mais para ver além do que nos enfurece? Talvez nem tudo seja sobre certo e errado? Talvez os abraços sejam dados aos aliados (sejam eles opostos anteriormente ou não). E os carinhos ao povo para manutenção de uma ideia do governante enquanto famoso. A voz, a imagem, o poder, são emocionais.

“Portanto, é preciso, em primeiro lugar, tentar esclarecer o que entendemos por emoção, antes de aplicar essa noção no exame da política contemporânea. Emoção encontra seu equivalente no velho sentido da palavra paixão, que designa o conjunto de movimentos afetivos, mais ou menos estáveis, engendrados pelo choque de um estado individual com a análise de uma situação. Isto implica em duas consequências importantes: as emoções não resultam de um encaminhamento puramente individual, mas se inscrevem em uma perspectiva social e cultural; elas não se opõem à cognição.”

Christophe Prochasson, Scielo Brasil, 2009

Eu poderia continuar escrevendo aqui as lógicas do coletivo nisso, o poder do discurso ou várias outras teorizações, mas esse texto buscou tratar que atrás de um ditador existia um grande amor, porque talvez o complemento que Belo faz na frase seguinte “sempre fui apaixonado por você”, possa ser utilizado de maneira muito ousada para fazer referência até aos nossos saberes inconscientes, as ideias que não aprendemos ou a costumes que carregam consigo valores únicos, pertencentes a uma única classe, que jamais perdeu. Eu sempre fui, nós sempre fomos apaixonados por algo, mas o quê?

As emoções não são ruins, o texto não pretendeu tratar campanhas políticas como algo horrível, muito menos desprezá-las, mas sim dar ao leitor um pouco mais de poder na hora de pensar política partidária. Não esqueçamos quem está do nosso lado, ao que podemos ser condicionados e até mesmo aquilo que pode ou não nos mover.

Ao quebrar e iniciar uma quebra de estruturas, compreendamos que eles irão fazer de tudo, usar todas as formas e reutilizar suas armas contra nós. Mas nós temos a nós. Nossa ancestralidade. Nossa construção.

“Eu sei que o sonho ainda pode acontecer.”

Belo, Reinventar