Aos 28 anos, Paloma Barbosa Félix, foi diretamente atingida com as mudanças sociais e econômicas causadas pela pandemia de covid-19. Ela se tornou entregadora de aplicativos, após o buffet onde trabalhava pelo menos quatro vezes na semana fechar.
“Antes da pandemia eu trabalhava com eventos numa empresa de festas em geral e aí em março de 2020 eles cancelaram todos os eventos por causa da pandemia”, conta Paloma, complementando que todos os dias começa a rotina no aplicativo de entrega por volta das 11 horas e 30 minutos.
Já Bianca Camila dos Santos, 23, liga o aplicativo por volta das 10 da manhã, para garantir que estará nas ruas entregando pedidos no horário de almoço, que segundo ela, é o melhor horário do dia para alcançar a meta diária de entregas e chegar em casa com segurança.
Assim foi a rotina do ano de 2021 para essas mulheres moradoras de periferias, que percorrem as ruas da cidade entregando comida aos usuários de aplicativos de delivery.
Para Bianca, fazer entregas pela cidade já faz parte da sua rotina, mas a pandemia transformou esse cotidiano, após ela sofrer um acidente de bicicleta e quebrar o braço.
“Eu andava de bicicleta elétrica fazendo as entregas quando caí, fiquei uns dois meses mais ou menos parada com gesso no braço e quando eu voltei estava tudo fechado, não tinha gente na rua”,
Bianca é entregadora e mora no Jardim Iporanga, zona sul de São Paulo.
Trabalhando com delivery há quase três anos, Bianca viu a pandemia dificultar o retorno a rotina como entregadora de delivery. Além desse fator, o sistema dos aplicativos de entrega que ela trabalha também colaboraram para esse retorno ser ainda mais problemático.
Ela conta que os chamados em seu cadastro no aplicativo, reduziram bastante pois quando a conta fica inativa por algum tempo, o sistema de entregas prioriza quem está ativo, uma situação agravada também pelo número de novos cadastros realizados por pessoas que perderam o emprego durante a pandemia, e que foram em busca de gerar alguma renda durante esse período.
O horário de trabalho é um grande desafio para mulheres que estão nas ruas, além do risco de assalto, assédio e violência, existem também questões fisiológicas que implicam ainda mais na rotina delas.
Paloma conta que sair à noite para realizar entregas não é uma opção para ela. “O horário que eu prefiro trabalhar seria à noite, mas eu também não tenho coragem, às vezes eu fico até às 20h, 21h, depois começa a ficar mais sinistro”, diz.
Não há números exatos sobre a quantidade de pessoas que fazem a função de entregadores no Brasil. Em São Paulo, são aproximadamente 200 mil motoboys que geram cerca de R$ 423 milhões, segundo o Sindicato dos Mensageiros, Motociclistas e Ciclistas de São Paulo (SindimotoSP). Porém não existe uma margem que mostre a presença de mulheres nesse cenário.
Preconceito
Além de ser moradora da quebrada, Bianca é lésbica e na tentativa de conseguir algum respeito dos colegas de profissão, pede que seja tratada como um deles. “Eu sou lésbica né, então eu sempre falei para eles me tratarem como um homem e é nesse ‘tratar-me como um homem’ que eu peço respeito. Homem só respeita homem.”
“Eu acho que tem que ter mais inclusão com os gordinhos e gordinhas, é ruim para os dois”
Paloma Barbosa é entregadora e moradora do Parque Santo Antônio, bairro da zona sul de São Paulo.
No caso da Paloma, o maior preconceito é por parte dos aplicativos em relação à bolsa que usam nas entregas, as conhecidas bags. Para ela, o uso da bag é dificultado por ser uma mulher gorda, já que as alças não fecham em seu corpo por conta do tamanho dos seios.
“A bag não fecha em mim porque a alça é muito curta, e fica bem na parte do peito, prefiro não fechar, deixo bem folgadinha principalmente quando eu estou com coisa pesada e ela fica apoiada na moto. Eu acho que tem que ter mais inclusão com os gordinhos e gordinhas, é ruim para os dois”, conta Paloma.
Conquistas e futuro
Antes de vivenciar o sonhado momento de adquirir uma moto, as entregadoras passaram pelas experiências do longo trajeto de ônibus, utilização de bicicleta elétrica e até mesmo um patinete, além de encarar o medo de ser assaltada na rotina do trabalho.
Mesmo com esse caminho árduo para ambas as entregadoras de delivery, Bianca celebra o fato de estar prestes a quitar a sonhada moto. Depois de passar meses fazendo entregas com uma bike elétrica e até mesmo um patinete, enfim ela se aproxima o pagamento dos últimos boletos da queridinha. Ela pretende em 2022 terminar o ensino médio e correr atrás de novas oportunidades de trabalho.
Enquanto isso, Paloma, que começou recentemente a trabalhar com delivery, sabe o quão importante é a conquista de ter a própria moto. Depois de um ano de muitas crises de ansiedade, dias e noites em claro e em prantos, ela se vê melhor agora que tem como meta pagar as 20 prestações que ainda faltam de sua “menina”, como chama a moto adquirida recentemente.
Oprê ! Enquanto isso as empresas ficam querendo combater entregadores que querem lutar por seus direitos. É bem desumano como essa uberização invibiliza entregadoras e entregadores. As pessoas precisam de melhores condições pra trabalhar e precisam ser vistas nas suas pluralidades como pessoas. O lance da bag não ser adaptável para diferentes corpos é inadmissível ! Saravá as mudanças !