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Agricultura familiar: Cambuci diversifica alimentação dentro de escolas na Ilha do Bororé, zona sul de São Paulo

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A fruta nativa de Mata Atlântica que já foi ameaçada de extinção é comercializada por produtores locais diretamente com escolas da região do Grajaú e Parelheiros 

Em tempos de insegurança alimentar e carestia de frutas e legumes nas feiras livres e supermercados das periferias, o cambuci é servido como suco e alimento para estudantes de escolas públicas na Ilha do Bororé, bairro localizado no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo.

O acesso à fruta nativa de Mata Atlântica que já foi ameaçada de extinção só é possível graças ao trabalho de produtores locais que conseguem comercializar o alimento diretamente com a unidade escolar. 

“A escola é considerada o maior restaurante do mundo. As crianças vão almoçar, então essa articulação é feita para compra direta do município que coloca isso na escola. Você impacta toda uma rede de produtores a vender o ano inteiro”

explica Jai Lara, gestor e coordenador de projetos da Casa Ecoativa e morador da Ilha do Bororé.

Gerida por moradores há mais de 20 anos, a Casa Ecoativa está localizada na Ilha do Bororé, no distrito do Grajaú, zona sul da cidade de São Paulo. O espaço comunitário atua como um centro ecológico e cultural que promove atividades educativas, culturais e socioambientais, para difundir hábitos sustentáveis através da permacultura.

O cambuci é uma árvore frutífera de origem da Mata Atlântica, mais precisamente da Serra do Mar, muito cultivada por grupos de agricultura familiar atuantes no extremo sul de São Paulo, como nos distritos de Parelheiros e Grajaú, que se tornou fonte de renda e alimento para os moradores da região. 

Segundo levantamento realizado em 2019 pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), há 171 agricultores no distrito de Parelheiros, 169 no Grajaú e 88 em Marsilac, distritos da zona sul de São Paulo, onde a agricultura familiar move produtores a cultivar o cambuci.

Um destes produtores é Júnior Magini, 40, morador do Campo Limpo e proprietário do Recanto Magini Frutas Nativas da Mata Atlântica, sítio de agricultura familiar e proteção à biodiversidade da mata, localizado dentro do polo ecoturismo de Parelheiros.

Para Júnior, viver do que a terra produz foi a realização do sonho do falecido pai, Joacir Magini Sobrinho, um homem apaixonado pelo cambuci, mas com uma única árvore plantada no sítio. 

A colheita do Cambuci é feita entre os meses de janeiro e fevereiro. Foto: Divulgação/Redes Socias

“É um sítio que pertence à minha família desde a década de 70. Era um sonho do meu pai fazer esse santuário, mas ele nunca conseguiu realizar esse sonho. Em 2006 ele faleceu e a minha mãe realizou esse sonho”

 comenta Junior.

Após fazer um curso oferecido na região, Maria Elizabeth de Sá, a mãe de Júnior, recebeu mil mudas de cambuci e plantou no sítio, em meados de 2010. Logo no ano seguinte conheceram o Festival Rota do Cambuci que mudaria o rumo de suas vidas.

“Em 2011 tivemos o segundo festival cultural Gastronômico de Cambuci em Parelheiros que é um um coletivo familiar em todo o cinturão verde de São Paulo denominado rota do Cambuci que é gerenciado pelo Instituto AUÁ”, diz.

Como trabalhava dirigindo ônibus no Campo Limpo, Junior pedia folgas aos finais de semana para conhecer de perto as possibilidades que a fruta oferecia. 

“Estávamos com poucas mudas, uma geleia em cada vidro e um licor em garrafa, porque a gente só fazia para os amigos e ainda não vivíamos disso. Eu era motorista de ônibus na época na região do Campo Limpo e de lá eu falei para minha mãe participar”, 

diz o produtor.

Junior Magini e a mãe Maria Elizabeth de Sá durante evento. Foto: Redes Sociais.

A partir daí, mãe e filho viram a oportunidade de viver dos produtos que o cambuci poderia oferecer e criar uma fonte de renda pra família e de quebra realizar o sonho do pai.

“Nas feiras tinham pessoas com produtos maravilhosos que podíamos ver que dava para ser vendido nos mercados. Teve um que até me marcou, que era uma bebida feita de Cambuci tipo uma “Ice” e aquilo me surpreendeu”, relembra o produtor. 

Ancestralidade 

O cambuci já esteve ameaçado de extinção por conta de queimadas e do desmatamento de diversos territórios ricos em Mata Atlântica. Segundo o gestor da Casa Ecoativa, para assegurar que as próximas gerações continuem protegendo e produzindo essa fruta, é preciso valorizar e preservar a oralidade.

“O Bioma da Mata Atlântica está em ataque, em sinal de alerta. Precisamos fazer muito mais do que estamos fazendo hoje, principalmente no âmbito da política pública. Para assegurar o bioma da Mata Atlântica, precisamos da oralidade que vai passando de um para outro, que também está sob risco”

aponta Lara.

Para ele, a cultura da oralidade nas escolas e na comunidade ajuda a manter vivos os antigos costumes que visam garantir a existência das culinárias, da agricultura e a produção básica, evitando o apagamento histórico local.

É com base nessa linha de pensamento e atuação, que os projetos desenvolvidos dentro da Casa Ecoativa promovem atividades dentro de espaços públicos de proteção social e educação, como creches, fundamental I e II, ensino médio, escolas da região, Centro de Juventude e Centro de Crianças e Adolescentes.

“Quando a gente deixa de oferecer isso nas escolas e ambientes comuns essa cultura pode sofrer um apagamento histórico onde a agricultura é silenciada e o agricultor não tem voz e não tem valor na cadeia produtiva da cidade”, acredita Lara.

Colheita e comercialização

A fruta do cambuci tem sua colheita entre janeiro e fevereiro. Cada árvore pode alcançar até 5 metros de altura e seu tronco tem diâmetro de 20 a 30 centímetros. Segundo Júnior, em época de colheita da fruta em seu sítio é possível produzir cerca de 500 kg da fruta.

O quilo pode ser vendido por aproximadamente R$ 15 em alguns lugares da cidade.

Em 2019, ano considerado bom por ele, o produtor chegou a colher 800 kg. A comercialização das frutas é feita em parceria com coletivos de produtores de diferentes regiões da cidade

“A comercialização das frutas do cambuci são feitas em feiras culturais de bairro, no Sesc Interlagos, na Cidade Dutra, em feiras da Rota do Cambuci, e nas feiras de economia solidária do Butantã, promovida pelas mulheres do Butantã, que é uma feira agroecológica”, finaliza. 

“Atuar na periferia me trouxe a consciência de desmistificar que terapia é coisa de bacana”, diz Monica Miranda

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Como a maioria da juventude periférica, Mônica Miranda enfrentou uma série de desafios para se formar como psicóloga na universidade. Hoje, além do próprio negócio, ela realiza projetos sociais que promovem o cuidado da saúde mental da mulher nas periferias. 

A trajetória da terapeuta Mônica Miranda,36, moradora do Jardim São Luís, na Zona Sul de São Paulo, é marcada por uma luta incansável em busca de qualificação profissional e construção da própria clínica de terapia. Ao se especializar em terapia psicossomática e desenvolvimento feminino, ela também criou o “Círculo de Amor “, projeto no qual atua como mediadora do grupo de terapia comunitária para mulheres.

“O Bem Me Quero é um projeto onde me reúno com alguns parceiros, algumas colegas e nós levamos pra dentro da comunidade as práticas integrativas, com o objetivo de fomentar ainda mais a importância da saúde mental, a fim de fomentar a importância de rodas de conversa, palestras de saúde de forma geral e transtornos mentais”, afirma Mônica.

A luta pelo direito de levar a saúde mental para dentro das periferias ainda está acontecendo. Mas atender as mulheres periféricas e priorizar esse público faz parte do propósito de Monica. “As mulheres ainda continuam sendo a maioria na busca por autoconhecimento. O esgotamento físico, emocional e mental ainda alimentado pelo nosso sistema patriarcal e machista levou muitas delas a procurarem ajuda. Desde questões ligadas a relacionamentos abusivos à novas perspectivas de vida e posição social”, concluiu Mônica.

A psicóloga atua em iniciativas sociais desde que se formou, mas conta que sempre foi interessada nessas práticas e tenta sempre estar inserida e levar essas possibilidades para quem é periférico.

Segundo Mônica, 80% dos pacientes da sua clínica são de origem periférica, e que ela juntamente com algumas colegas, fazem doações de horas gratuitas e uma cota de atendimento com valor social.

“Atuar e manter uma clínica na região da periferia me trouxe uma consciência maior sobre a importância de desmistificar a ideia de que terapia precisa ser cara e que é coisa de ‘bacana'”, explica a psicóloga. 

Foto: Acervo pessoal

A luta pela qualificação

Mônica revela que enfrentou alguns obstáculos durante sua formação profissional. Um dos principais problemas foi a falta de renda, situação na qual, a levou a tomar a difícil decisão de escolher entre comer ou garantir o dinheiro da mensalidade da universidade.

“Os desafios que eu encontrei durante a formação, penso que não foram diferentes para a maioria de nós que nascemos em família pobre na comunidade. Falta de grana para pagar mensalidade, escolher entre comer o lanche no intervalo ou imprimir os artigos da aula seguinte, se adaptar à rotina maçante de trabalhar oito horas por dia e ir para faculdade depois de um trajeto de duas horas de trânsito”, relembra a terapeuta.

Mesmo com todo o apreço pela área, Mônica não soube dizer o porquê de ter escolhido a psicologia para estudar, tanto que com seus 12 anos já falava com clareza que iria ser psicóloga, mesmo sem entender ao certo o porquê dessa certeza.

Ela acredita que essa vontade pode estar ligada à sua família, que sempre esteve presente em ações sociais. A psicóloga sempre teve a certeza de que se formando nessa área, poderia contribuir ativamente e andar junto com seus irmãos, que são ativistas.

Foto: Acervo pessoal

“Sempre foi uma vontade, não sei de onde. Eu sempre digo que foi a psicologia que me escolheu, não foi eu que escolhi. Mas eu cresci nesse ambiente, de acolher, de apoiar, de compartilhar, de se preocupar com o outro, talvez tenha vindo daí”

disse Mônica.

 A terapeuta diz que começou sua faculdade tarde, pois era difícil começar numa universidade assim que terminasse a escola, para isso precisaria de uma renda, então seu primeiro pensamento no final do ensino médio, além de estudar, era de arrumar um emprego.

Aos 14 anos, começou a trabalhar como vendedora numa loja de semijóias, onde se manteve por aproximadamente seis anos, chegando até o cargo de gerente de vendas. E aos 20 anos resolveu se desligar, pois não iria ter como estudar trabalhando entre 12 e 14 horas por dia.

“Entrei no mundo do empreendedorismo, fiz muitas coisas. Fui vender MaryKay, de porta em porta, sabe? Fiz uns cursos na área da beleza, eu ia fazer escova na mulherada da comunidade, comecei a trabalhar como cabeleireira, cheguei a vender bijuteria. Então eu fui fazendo várias coisinhas assim”, recorda a terapeuta.

Isso foi uma escolha de Mônica para que tivesse um pouco do seu tempo livre, para conseguir se dedicar de fato aos estudos, foi aí que ela decidiu ingressar na faculdade, ressaltando que a ajuda de sua irmã foi de grande importância na época, pois não tinha o dinheiro completo para pagar a matrícula e a mensalidade de uma vez.

“Às vezes eu estava com fome, mas eu precisava tirar a xerox dos artigos para a aula do outro dia, e eu pensava: ou compro o lanche, como uma coxinha, ou eu imprimo os artigos” conta a terapeuta.

Mônica se formou, e após a graduação se especializou em terapia psicossomática, depois disso conseguiu um trabalho numa clínica de atendimento para convênio de saúde, de modo terceirizado, contratada como pessoa jurídica. Ela ficou trabalhando neste local por um ano e atendia quase 100 pacientes no total, e mesmo sendo corrido e muito cansativo, foi um trabalho que trouxe muita experiência para ela, principalmente porque atendia muitas pessoas em situações totalmente diferentes, isso gerou experiência em diversos casos.

“Me trouxe muita experiência, mas era um trabalho escravo, era um negócio ‘desumaníssimo’, na época eu acho que eu ganhava oito reais por atendimento, é o que a maioria das clínicas acabam fazendo. Acho que isso melhorou durante a pandemia, onde entenderam a importância da atuação do psicólogo na saúde”, explica.

A volta por cima

Após passar por essa experiência profissional numa clínica terceirizada, Mônica refletiu sobre o seu futuro e entendeu que aquela rotina estava desgastando sua saúde física e principalmente a saúde mental, e analisando isso, ela decidiu sair desse emprego, e quando isso aconteceu, seus pacientes perceberam a mudança e entraram em contato com ela para saber se os atendimentos poderiam continuar, mesmo que por fora.

“A demanda de trabalho era muito grande, eram 12 horas seguidas sem parar. Por isso decidi sair, como é que eu iria falar de saúde mental ficando doente?”, questiona Mônica.

Logo após esse episódio na vida profissional, um amigo antigo de Mônica cedeu uma parte de um consultório, para ela utilizar num valor de aluguel em conta. A partir deste momento, seus clientes antigos continuaram fazendo o tratamento com ela, indicando os seus trabalhos para outras pessoas, com isso, a terapeuta alcançou uma estabilidade tanto na experiência como psicóloga, quanto na quantidade de clientes que tinham sido fidelizados.

Foto: Acervo pessoal

Mesmo passando a trabalhar no seu próprio negócio, ela optou por atender pacientes com dificuldades socioeconômicas, cobrando um valor social, abaixo do mercado, por cada sessão realizada.

Mônica considera que atuar em territórios de população periférica ensinou e fez com que ela transformasse seus pensamentos dentro da psicologia e de como ela deve chegar até essas pessoas.

Mal educados e sem educação

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A educação pública foi uma luta dos proletários em um processo de reivindicação que estabeleceu a educação de crianças, adolescentes, jovens, e adultos. Hoje esse sistema vive uma grande ameaça, principalmente no que diz respeito à educação para jovens.

Lutas estudantis, 24/08/2018, Av. Ipiranga – SP. Foto: João Victor Santos

Eu nasci na periferia Sul de São Paulo e passei minha vida em instituições do governo, como a creche, o centro de juventude, e a Escola Pública. Posso dizer sem temeridade que eles estiveram mais comigo do que meus pais que, como trabalhadores, tinham pouco tempo para compreender o impacto desse convívio na minha vida e personalidade.

A Educação Pública foi uma luta dos proletários em um processo de reivindicação que estabeleceu a educação de crianças, adolescentes, jovens, e adultos. Hoje esse sistema vive uma grande ameaça, principalmente no que diz respeito à educação para jovens.

Para abrir a discussão, entrevistei a professora Mariana de Brito, de 35 anos, que a 10 anos é professora efetiva da Rede Estadual de Ensino, em uma escola localizada na periferia do extremo sul de SP:

“Quando entrei na educação tinha o sonho de que pudesse de alguma maneira incidir na realidade da escola que estudei por toda a minha formação na educação básica.”

Mariana de Brito

A professora Mariana aponta que a educação nas Escolas Estaduais de São Paulo vem a cada ano se degradando à medida que impõem aos alunos, professores, e toda a comunidade, metodologias que não são pensadas com e a partir das necessidades dos alunos das periferias, visto que a oferta de Ensino Regular Noturno tem sido cada vez mais escassa fazendo com que os alunos que precisam entrar no mercado de trabalho abandonem a escola.

Professora Mariana de Brito, 35 anos, atua há 10 anos como professora efetiva da Rede Estadual de Ensino

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 2020, afirma que o Estado de São Paulo registrou queda na taxa de escolarização de jovens entre os anos de 2018 e 2019, que indica crescimento da evasão escolar em várias faixas etárias.

De acordo com os números, a faixa etária que teve a maior queda de comparecimento no Estado foi entre os jovens de 15 a 17 anos, onde o índice passou de 87,4% de jovens que estavam na escola em 2018, mas que no ano de 2019, passaram para 86,2%. Queda de 1,2%, faixa etária que começa a adentrar o mercado de trabalho, seja como Jovem Aprendiz ou em outras modalidades de trabalho.

Outro fator, apontado pela professora, de grande degradação nas escolas é a implantação arbitrária das escolas de Tempo Integral, que são implantadas sem ouvir as necessidades das comunidades, e que em suma não oferecem nem ao menos estrutura física adequada.

Os alunos ficam a maior parte do tempo sentados em cadeiras desconfortáveis, muitas vezes em más condições, as refeições não são de qualidade, há pouquíssima oferta de atividades diferenciadas que envolvem arte, cultura, esporte, e lazer que são direitos constitucionais, além da constante falta de professores, obrigando os alunos a ficarem de aula vaga com inspetores no pátio.

A Educação Integral é uma concepção contemporânea, que compreende que a educação deve garantir o desenvolvimento dos sujeitos em todas as suas dimensões, intelectual, física, emocional, social e cultural, e se constituir como projeto coletivo, compartilhado por crianças, jovens, famílias, educadores, gestores e comunidades locais.

Podemos perceber pelo depoimento da professora Mariana, que sua implantação e desenvolvimento nas periferias está muito longe de seus objetivos e conceitos citados acima. O ensino integral tem agravado o fechamento das salas noturnas que beneficiam os jovens trabalhadores, contribuindo para as taxas de queda da escolarização de adolescentes e jovens.

A escola em período integral também coloca em xeque o futuro dos serviços da Assistência Social como Centro para Criança e o Adolescente (CCA), e o Centro para Juventude (CJ), onde promovem via atendimento direto, ou convênio com organizações sociais, atividades de formação, preparação para o mercado de trabalho, atividades culturais para esse público no contraturno escolar, e colaboram com o monitoramento do direitos das crianças, adolescentes e jovens de forma integrada com o Centro de Referência da Assistência Social – CRAS.

Outra situação que está em pauta é o novo plano de carreira dos professores do Estado, encaminhado pelo Governador de São Paulo, João Dória (PSDB), que elevará o piso salarial da categoria em 73%, e a adesão é facultativa.

Segundo a professora Mariana de Brito, o Governo do Estado lançou o novo Plano de Carreira sob a alegação que está valorizando a categoria docente, no entanto a realidade é outra.

O aumento de salário não gera incorporação no salário base, sendo pago por subsídio, ou seja, a qualquer momento pode ser retirado. A carga horária dos professores, que já é exaustiva, passará para 40 horas semanais, sendo que a nova proposta de salário não é proporcional à carga horária que já se tem hoje.

Em adição, foram retiradas as faltas abonadas dos professores, que muitas vezes era o único momento que eles tinham para se restabelecer da rotina exaustiva, ir ao médico sem ter que passar por perícia médicas em locais distantes.

Na nova proposta do governo, professores só podem ter dois atestados médicos por ano, ou seja, tem que escolher se trabalha doente, ou se tem desconto no salário por não ter condições de saúde para trabalhar.

Professores também não terão mais direito a atrasos, caso cheguem 2 minutos atrasados no trabalho receberão uma falta no dia com desconto integral pela ausência, sem levar em consideração as distâncias que os professores percorrem dentro da São Paulo para chegar à escola.

A professora expressa que não devemos nos deixar levar pelo o que lemos em redes sociais ou mídias televisivas. Há uma realidade enfrentada pela Educação Estadual em São Paulo que não é noticiada. 

Nesse sentido, o genocídio de uma população preta e periférica também passa pela falta de garantia de direitos.

Sabemos que toda e qualquer mudança no sistema educacional impacta diretamente nossas vidas, porém, sabemos também que uma mera adoção de um novo programa de trabalho escolar não vai impactar na melhoria do sistema educacional, mas que na verdade essa estadia integral de estudantes irá ampliar a escola, como espaço de lazer, cultura e alimentação dos adolescentes e jovens.

Questões de gênero, raça e classe que já estão presentes no espaço escolar se tornará uma demanda indispensável, assim como sexualidade e empregabilidade. Com o sucateamento dos equipamentos escolares, a falta de material apropriado e formação dos professores, será possível dar conta de toda essa demanda.

Penso na juventude e como essas mudanças estão impactando em suas escolhas de vida, não é fácil ser um jovem estudante e trabalhador quando se é universitário, imaginem durante seu processo de amadurecimento físico e psíquico.

Como aponta a Professora Mariana de Brito, a Educação está na UTI e pede socorro! Pois a educação se faz com as pessoas e pelas pessoas que habitam esse ambiente e dependem da educação pública para mudar sua história. 

Para subverter esse cenário é necessário que toda sociedade se comprometa com as necessidades dos estudantes, aprender para além do currículo escolar. Para as famílias, a necessidade de um ambiente seguro para o seu filho, enquanto trabalha. Esse é o grande desafio, pois desta forma se coloca a vontade do povo na frente das regras do Estado.

Infelizmente, essa questão tem tomado o caminho que já conhecemos, no qual a grande maioria dos profissionais da educação consideram que os jovens têm a tendência a não ter comprometimento com a educação, ou até mesmo de que não querem aprender, o que leva à educação a mediocridade.

Contudo, isso esconde a crise estrutural existente na educação, que atinge em cheio os alunos que se recusam a ter seu futuro determinado pela educação do Estado, estudantes que discordam que a única educação necessária para a vida é a voltada para o mercado e para a imagem.

O conhecimento é uma ferramenta de poder histórica que organiza a vida em geral, e que tem um grande potencial na luta anticapitalista como um todo.

Com isso, não podemos nos acomodar na luta pela melhoria da educação formal, que funciona em prol do Estado capitalista, e só acomoda a situação política atual e oculta problemáticas como o racismo, o facismo, o machismo, etc.

Também não podemos acreditar na educação liberal estabelecida por fundações e outras instituições conveniadas diretamente ao governo atual, que são financiadas em grande parte pelos próprios capitalistas.

Precisamos fortalecer a educação não formal estabelecida nas ruas, nos coletivos, nas manifestações e nas lutas, uma educação que pode ser como a cultura, que é viva e se transforma cotidianamente, esse é o diálogo que a escola deve traçar com sua comunidade.

Do que estamos falando? Que é necessária a ampliação do debate sobre as necessidades da classe trabalhadora, a autonomia e emancipação do povo, desnaturalizando o capitalismo como organização política, que é quem organiza a educação da atualidade.

A escola é de todes, precisamos retomar esse espaço público e afastar o fantasma da privatização, da terceirização das metodologias e retomar o diálogo com a sociedade sobre a escola que queremos e que lutaremos para conquistar.

Assim não seremos mal educados pelo sistema que só vincula o conhecimento ao mercado de trabalho e não seremos um povo sem educação pública de qualidade.

Os valores do voto

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O questionamento que nos provoca a refletir o futuro do país é: como pensa o povo brasileiro diante dos representantes da disputa eleitoral e os valores defendidos por classe política?

Manifestação da Campanha Fora Bolsonaro, 2 de outubro de 2021, Av. Paulista – São Paulo. Foto: Wellington Lopes.

O ano de 2022 tem imposto uma série de discussões sobre o papel de cada um diante do cenário de crise absoluta instalado nos últimos anos em relação às eleições.

De grosso modo, isso significa um debate intenso dos valores da população brasileira e “o que nos trouxe a essa crise?”.

De modo objetivo, a crise política tem um efeito degradante às instituições democráticas e ao Estado brasileiro como um todo. Ela é o canal por onde passam setores fundamentais da organização social e cotidiana na vida dos cidadãos.

O questionamento que nos provoca a refletir o futuro do país é: como pensa o povo brasileiro diante dos representantes da disputa eleitoral e os valores defendidos pela classe política? Aqui, posso dizer, que o modo como um povo pensa é reflexo do modo como esse povo vive.

Novamente, a grosso modo, trouxe o paralelo entre esses dois dados, porque, na dinâmica que definiu, em 2018, parte do resultado eleitoral entre o Ex-ministro da Educação Fernando Haddad e o atual presidente Jair Bolsonaro, estavam os valores desse grupo e a sua relação íntima e complexa com a realidade como um todo e a sua própria realidade em particular.

Os últimos 20 anos tem representado a intensa e constante mudança na vida econômica dos mais pobres. O que significou mudanças no padrão de vida através do consumo e se revelaria um problema em meados de 2014, para o PT, com aumento do valor de produtos básicos ou essenciais.

É em um contexto de busca por uma figura capaz de reverter essa crise, que se converteu em uma crise de valores (político, institucional e econômico), que o golpe à ex-presidenta Dilma em 2016, traria a tona o esforço populista da extrema direita: da escória militar golpista aos liberais ressentidos com a derrota nas eleições de 2014.

Valores como trabalho, honestidade, família (a cristã em particular), sexualidade, autodefesa (ou o uso da violência, no caso) apareceram como personagens que entregaram a faixa presidencial a quem parecia ser o seu mais legítimo representante no campo de batalha pela mente do povo.

Essa trama revela um atraso ou mesmo uma inoperância política dos campos progressistas e de esquerda (com seus dirigentes brancos) num debate mais complexo. A identidade tem um relacionamento profundo com as interações de grupo; o comportamento; o consciente e o inconsciente coletivo em torno da realidade.

Ao lado esquerdo da força petista, está o medo de contrapor determinados valores e “exige” a busca de personagens como o violento ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

Já do lado do escárnio bolsonarista, está a busca para se manterem representantes dos valores cristãos, e mesmo com o fracasso planejado do governo Bolsonaro, segue com muitos apoiadores.

A vantagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas diz algo simbólico: o valor do trabalho aparece como um grande guarda-chuva de temas urgentes como a fome e o desemprego. Temas que afetam diretamente como pensa o povo a sua realidade coletiva (como está a sociedade e as instituições) e em particular (a família).

Do outro lado, o crescimento nas pesquisas do candidato à reeleição, também demonstra que há pensamentos ressuscitados diretamente da ditadura (1964-1985) e de que os “valores cristãos” para permanecerem no poder, devem enfraquecer a democracia.

Por último, com a possível vitória do ex-presidente, de que modo pautas impopulares levantadas por movimentos sociais vão protagonizar um novo desenho das relações institucionais do Estado brasileiro com a população negra, as mulheres, os povos indígenas e quilombolas, e sobretudo, com as periferias: a guerra às drogas (ou às favelas), racismos institucionais, aborto, impactos ambientais decorrentes do agronegócio e da mineração e especulação imobiliária, etc., não podem ser secundarizados ou inexistentes!

Democracia e LGBTfobia foram destaques da primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo

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No último domingo (24), pessoas de diferentes idades e gêneros se reuniram na primeira parada LGBTQIA+ do Capão Redondo, na zona sul da capital paulista, cujo tema foi “Salve a democracia: vote contra LGBTQIfobia”.

A Parada foi organizada por integrantes da Rede Periférica Família Stronger e da Família Rodrigues. Foto: Guilherme Dias

Por volta das 12h, do último domingo (24), bandeiras da comunidade LGBTQIA+ começaram a colorir a Avenida Carlos Caldeira Filho, nas proximidades da estação Campo Limpo, linha lilás do metrô de São Paulo.

Pouco tempo depois, várias pessoas – de todas as idades e gêneros – começaram a se reunir no local onde aconteceria a primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo e redondezas, na região sul da capital paulista. O evento foi organizado pela Rede Periférica Família Stronger e Família Rodrigues. 

“Muitas pessoas transexuais não conseguem sair de casa durante o dia, e quando você leva a Parada LGBTQIA+ para estes locais, você consegue fazer com que elas saíam sem que se tornem motivo de chacotas ou piadinhas, sem que atirem pedras nelas, sem que nada disso aconteça”

comenta Elvis Justino, organizador do evento, em entrevista ao Desenrola sobre a importância da primeira Parada LGBTQIA+ no Capão Redondo.

A passeata foi sonhada muito antes do trio elétrico sair às ruas. Pelo menos três anos separaram o momento no qual os organizadores começaram a planejar o evento do momento no qual conseguiram reunir os diversos corpos políticos para dançar, se divertir, cantar, amar e reivindicar os seus direitos numa das avenidas mais movimentadas do distrito.

 “As bi, as gay, as trans e as sapatão tão tudo organizada pra fazer revolução”

Durante o evento, cujo tema foi “Salve a democracia, vote contra a LGBTIfobia”, as palavras “Fora” e “Bolsonaro”, foram ditas repetidas vezes em uma única frase. Segundo a organização, a escolha do tema foi motivada pela importância de conscientizar a população sobre os riscos que correm caso ocorra uma reeleição este ano.

Por volta das 16h, poucos minutos antes do trio elétrico dar partida e sair em direção à casa de shows Avalon Lounge, na Estrada de Itapecerica, local marcado para encerramento do evento, diversos convidados se revezaram diante do microfone. 

Felipe Alencar subiu ao trio elétrico gritando, junto ao público, a frase “as bi, as gay, as trans e as sapatão tão tudo organizada pra fazer revolução”. Foto: Danillo Santana

O pedagogo e coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores da UFABC, Felipe Alencar, é o primeiro homem gay a ocupar o cargo e comentou, em pronunciamento, sobre a importância de fortalecer as periferias.

“A gente precisa fortalecer muito mais o trabalho da periferia (…) É aqui que a gente sabe o quanto tá impossível comprar um pedaço de carne, aqui que a gente sabe que a polícia é muito mais violenta e é aqui que a gente sabe qual é a precariedade do transporte”

falou ao público do evento.

Ele completou ressaltando sobre a circulação de todos os corpos pela cidade. “Chega final de semana, a gente é forçado a ficar trancado em casa, porque não tem busão para levar a gente pro rolê, para curtir o centro, para curtir os espaços de cultura”, disse o pedagogo.

Carolina Iara em entrevista para o Desenrola, durante a primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo. Foto: Guilherme Dias

A co-vereadora da Bancada Feminista do PSOL, Carolina Iara, única parlamentar intersexo eleita no país, comenta sobre a importância de entender as Paradas LGBTQIA+ como espaços politizados e não como carnavais fora de época. 

“Temos esse desafio de povoar esses espaços de poder com pessoas negras, indígenas, pessoas LGBTQIAP+, e que não só sejam essas pessoas, essas identidades, mas que também estejam comprometidas com as agendas históricas desses movimentos sociais”

declara Carolina.

A parlamentar ressalta que para salvar a democracia é preciso, primeiro, povoar os espaços de poder com pessoas comprometidas com o enfrentamento das desigualdades de raça, gênero, classe e orientação sexual.

Em sua fala, Carolina também relembrou o caso da transexual Verônica Bolina, que foi brutalmente agredida, teve o cabelo raspado e o rosto desfigurado após ser espancada, despida e fotografada numa carceragem masculina, pouco antes de ser diagnosticada com transtorno esquizoafetivo, se tornando símbolo da violência estatal e policial contra a população transexual.

“O movimento nasceu nas periferias e precisa voltar às periferias” 

Cerca de 20 quilômetros separam a Avenida Carlos Caldeira Filho – onde aconteceu a primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo – da Avenida Paulista, local no qual milhões de pessoas se reúnem anualmente para participar da Parada do Orgulho LGBTQIA+, reconhecida mundialmente como o maior evento destinado à comunidade.

Embora esta seja o mais famoso, militantes periféricos apontam que ele não foi o primeiro e o movimento precisa resgatar as suas origens.

“O movimento nasceu nas periferias e precisa voltar às periferias. Hoje em dia nós temos a Parada LGBT mais popular do mundo, mas é importante entender que muitas pessoas não conseguem ir à Paulista por falta de dinheiro, por falta de oportunidade, falta de acesso a esses locais”

aponta Rô Vicentte, integrante e fundadore do Coletivo Artístico Queer, que estava participando e também cobrindo do evento.

Rô Vicentte, ao lado da também integrante do Coletivo Artístico Queer, Thais Carvalho. Foto: Guilherme Dias

Ocupação do território 

Segundo a organização, cerca de 1.200 pessoas participaram da Parada, desde moradores do território, a pessoas que moram nas regiões centrais de São Paulo. 

O evento contou com diversas apresentações, artistas locais, e teve como padrinho o DJ Crys Rodrigues e como madrinhas as drag queens Fayla Maison e Kênia Halk’s. 

Embora no fim do trajeto tenha ficado a sensação de missão cumprida ao ver centenas de pessoas vivenciando plenamente sua identidade e sexualidade, nem tudo ocorreu como os organizadores sonhavam desde o princípio.

Um dos organizadores do evento, Elvis Justino, comenta que a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), não autorizou o trajeto que havia sido escolhido pela Subprefeitura do Campo Limpo, alegando que a Parada LGBTQIA+ era um bloco de carnaval. Segundo ele, a Subprefeitura retirou o apoio à passeata após os organizadores não cumprirem a exigência de adiar a data. 

Elvis Justino durante pronunciamento na Parada LGBTQIA+ no Capão Redondo. Foto: Danillo Santana

Apreensivos com o trajeto, que atravessaria dois grandes cruzamentos, os organizadores pediram a presença da CET que, embora não tenha autorizado o percurso, chegou com quatro viaturas no local marcado para a concentração do público.

No dia seguinte, Elvis comentou que os objetivos da Parada LGBTQIA+ foram atingidos: ao todo, 1200 pessoas, de diferentes lugares da cidade, se reuniram para participar do evento.

“Foi muito bom, os comércios do outro lado da estrada, onde tinham bastante adegas, venderam muito, as pessoas encheram estes locais. A imprensa também comprou nossa ideia, mandou pessoas, saiu em vários sites”, finaliza o gestor público.


Poesia nas escolas: 8° edição do Slam Interescolar de SP está com inscrições abertas

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Organizado pelo Slam da Guilhermina, o Slam Interescolar é uma competição de poesia falada entre alunos de escolas públicas e privadas que acontece desde 2014. As inscrições para a edição de 2022 estão abertas até o dia 13 de maio.

Apresentação do Slam da Guilhermina. Foto: Renata Armelin

Desde 2012, o Slam da Guilhermina promove a arte e cultura através da poesia nas periferias de São Paulo. É o segundo slam criado no Brasil, e o primeiro slam de rua. As batalhas de poesia falada acontecem toda última sexta-feira do mês, em uma praça localizada na saída do metrô Guilhermina Esperança, na zona leste de São Paulo.

“A gente fez uma história a partir do momento que fomos para rua, e eu acredito que isso também mudou as poesias que eram feitas na Pompéia. Elas eram diferentes das que eram feitas na zona leste e nas periferias. Foram essas poesias que viralizaram na internet que fizeram com que o Slam se tornasse o que é hoje”, analisa Cristina Assunção, Slam Master do Slam da Guilhermina, professora de história e uma das fundadoras do projeto Interescolar.

Durante a Copa do Mundo de Slam de 2014, que rolou na França, Emerson Alcalde, poeta, um dos criadores do Slam da Guilhermina e vice campeão da disputa na França, decidiu que traria a modalidade interescolar do slam para o Brasil.

“Eu fui para França com o Emerson e com os amigos organizadores para participarmos da Copa do Mundo de Slam. No dia que eu cheguei, o Emerson me parou e disse que eu precisava ver aquilo. Eram crianças do fundamental I, de até 10 anos, recitando poemas, tinham cartazes, torcida, e aí a gente resolveu trazer isso para São Paulo”

explica Cristina Assunção.

Cristina Assunção e Emerson Alcalde exibem a bandeira do Slam da Guilhermina durante o campeonato de Slam na França em 2014. Foto: Iara Adelina Assunção da Matta

Após retornarem da competição na França, Emerson e Cristina começaram a organizar o Slam Interescolar, que acontece desde 2014, nas escolas públicas, privadas e de ensino técnico do estado de São Paulo, sendo que a primeira edição foi na escola em que Cristina lecionava.

Em sua primeira edição, a modalidade Interescolar contou com quatro escolas e oito alunos selecionados a partir do campeonato escolar, onde os dois melhores colocados representaram suas respectivas unidades. A final aconteceu no Teatro Flávio Império, no distrito de Cangaíba, zona leste da capital paulista.

“Fizemos uma batalha na escola onde eu dava aula, lá os alunos batalharam com poesias de outras pessoas só para testar, e depois teve uma feira do livro, que teve uma batalha já com poesias autorais. Em 2015, a gente resolveu fazer entre escolas”, conta Cristina sobre o desenvolvimento da modalidade.

Participação em massa 

Já no terceiro ano do Slam Interescolar, em 2016, a partir da divulgação do início das inscrições, o número de escolas inscritas subiu para 20 unidades. Em 2017, foram 33 escolas inscritas, e em 2018, o número de escolas chegou a 52. De lá para cá, os números só crescem. Durante a pandemia de covid-19, foram 131 inscrições, mas apenas 62 participaram em um formato online.

Desde o início do Slam Interescolar, houveram diversos desdobramentos. Cristina conta que muitos dos ex-alunos começaram novos projetos de slam de rua, levando a cultura da poesia falada para além das escolas.

Segundo ela, diversos professores da rede pública também se mobilizaram para incluir a competição de poesia na grade curricular, e em 2021, alunos do 9° ano de escolas municipais, receberam livros de língua portuguesa, como material paradidático, que abordam a temática da poesia, do slam, e como criar a sua própria poesia.

Para Nicole do Amaral Serra, 18, moradora da Vila Dalila, zona leste de São Paulo, o slam salvou sua vida e contribuiu para a realização de um sonho inconsciente. “O slam estava incluso na minha escola por causa de uma professora de geografia, uma das pioneiras nisso. Consegui chegar em muitos lugares por causa do Slam”, afirma Nicole.

“Sem o Slam eu não seria a mesma pessoa, ele me tirou a timidez e eu consegui me apresentar para pessoas que eu nunca vi. E por conta disso consegui publicar meu primeiro livro no ano passado [2021], e é uma realização incrível”

conta Nicole, uma das jovens que já participou do slam interescolar.

Nicole Amaral, aluna da rede pública de ensino e que teve o slam como ponto de partida para a criação de seu livro. Foto: Fernando Martins

Representando sua escola, Nicole participou do Slam Interescolar estadual em 2019, e em 2020 da competição interescolar nacional, também organizada pelo Slam da Guilhermina.

Construção conjunta e reconhecimento nacional 

O projeto também foi indicado e vencedor do prêmio Jabuti 2021 na categoria Fomento à Leitura. “O prêmio foi uma quebra de paradigmas muito grande, pois foi a primeira vez que a gente disputou e com tantos outros projetos do Brasil”, conta Uilian da Silva Santos, mais conhecido como Chapéu, metalúrgico, matemático das competições do Slam da Guilhermina e morador de Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo.

“Sabemos que o projeto é grande, mas nem sempre ele tem essa visibilidade, né? A gente chorou muito de emoção”, comenta Chapéu sobre ganhar o prêmio Jabuti com o projeto de poesia falada.

Além de levar a cultura da poesia falada para as escolas, o Slam da Guilhermina criou um projeto chamado Poetas-Formadores, onde artistas, poetas e agentes que já estão na cena literária, se apresentam nas escolas e podem ensinar jovens que estão começando e incentivar aqueles que ainda não conhece.

“Convidamos poetas para acompanhar o trabalho e depois eles iam à escola em duas visitas: uma para dar uma oficina, explicando o que é o slam, o histórico, as regras, como funciona e tudo mais, e depois o artista volta para acompanhar esses slams, fazer as orientações necessárias e pode ser um dos jurados”

explica Chapéu.

Nesse formato, cada aluno é direcionado para um monitor, que pode ensinar as técnicas de criação da poesia em si, performance para apresentação, e até como expressar seus sentimentos de forma escrita.

Como participar

As escolas que quiserem participar do Slam Interescolar de 2022, devem fazer as inscrições online pelo formulário do google. O cadastro deve ser feito por um professor ou funcionário da escola, seguindo as orientações disponíveis no próprio formulário.

Além disso, as escolas selecionadas devem realizar um slam escolar entre os alunos, e selecionar o mais bem colocado para participar do Interescolar. Os poetas formadores do Slam da Guilhermina, auxiliam a escola nesse processo.

É necessário apresentar fotos do slam escolar realizado, posts, cartazes de divulgação e convidar o Slam da Guilhermina para participar das apresentações. 


Escritor cria clube de leitura afrofuturista em escolas públicas da Brasilândia

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O projeto já atende duas salas de aula, alcançando uma média de 60 adolescentes, que estão tendo a oportunidade de conhecer a representatividade da literatura negra e afro-futurista, protagonizada por autores negros das periferias.

Foto por: Akanni Rás

 Organizado pela editora Kitembo, selo editorial que fomenta a publicação, comercialização e distribuição de obras de ficção e afrofuturistas, o projeto Clube do Livro tem a proposta de atua em escolas públicas das periferias. Essa trajetória começou estimulando o contato de estudantes com livros e autores da Brasilândia, distrito da zona norte de São Paulo.

O escritor Israel Neto, 34, morador nascido e criado na Brasilândia, é um dos autores que têm livros afrofuturistas publicados pela editora Kitembo e que faz parte da criação do selo editorial. Ele é o primeiro autor negro e periférico a participar das atividades do clube de leitura.

“A ideia é que eles concretizem a leitura em casa, que eles tenham esse momento de ler o livro. E talvez nesse contato com o autor, ganhar um livro novo, estimule dentro deles esse novo leitor, nova leitora”, explica o escritor.

O projeto já realizou encontros do clube de leitura com estudantes das escolas: Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor José Alfredo Apolinário, localizada no Jardim Guarani; e na Escola Estadual Professor Renato de Arruda Penteado, localizada no Jardim Carombe, ambas situadas no distrito da Brasilândia.

“A gente tá captando apoiadores para que possam adotar mais salas de aula”

Israel Neto é escritor e produtor musical enraizado nos movimentos culturais da Brasilândia, zona norte de São Paulo.

Foto por: Akanni Rás

Desde os 17 anos, Israel trabalha com a arte, sempre atuando com discussões sobre educação, literatura e música, a partir da sua íntima ligação com os gêneros literários de afrofuturismo e contos antirracistas.

Para viabilizar as atividades do clube de leitura afrofuturista, o projeto conta com o apoio de pessoas que possam adotar as salas de aula, auxiliando nos valores de produção do livro, sem ser cobrado o preço cheio, tornando o acesso a publicação ainda mais possível ao público, de maneira gratuita, que no caso, sãos os estudantes de escolas públicas das periferias.

“A gente tá captando apoiadores para que possam adotar salas de aula, para que a gente consiga rodar mais salas com o Clube do Livro”, afirma Israel. Ele complementa, ressaltando que as duas primeiras salas que são a base para o início do projeto foram adotadas pela Câmera Periférica do Livro, iniciativa da Ação Educativa, que promoveu o “Verão do Livro Periférico’, edital de incentivo à leitura que possibilitou angariar fundos para financiar a realização do projeto nas duas salas, impactando mais de 60 estudantes.

“A ideia é que o projeto também consiga trazer esses livros do catálogo”

O escritor Israel Neto é um dos criadores da editora Kitembo, selo editorial parceiro na realização do clube de leitura.

Foto por: Akanni Rás

Durante esse processo, o autor conta que o pontapé inicial para realizar o projeto partiu do uso dos livros publicados pela Editora Kitembo, para compor o Clube do Livro. “A ideia é que o projeto também consiga trazer esses livros do catálogo. Às vezes um apoiador fala que quer apoiar com duas salas, mas quer que essas escolas sejam da zona leste, então fechou!”, pontua.

É desta forma que o escritor e os demais sócios da editora Kitembo pretendem continuar com o clube de leitura, levando essa iniciativa de incentivo a literatura negra e afrofuturista, para escolas, bibliotecas públicas e comércios menores das periferias, para chegar ao máximo de leitores possível de outras regiões de São Paulo, sempre garantindo um impacto positivo sobre o entendimento e as impressões das pessoas, enquanto a ação estiver em vigor.

Hoje, o contato com as escolas é bem dinâmico, pois o objetivo maior é entender se o projeto está gerando um impacto positivo nas redes de ensino e também nos próprios jovens que participam dos clubes.

Ao fazer uma balanço geral da primeira edição do clube de leitura, Israel enfatiza que deu tudo certo. “Supriu nossas expectativas, deu tudo certo. Então agora a gente quer montar uma campanha mensal, acessar os equipamentos públicos da cidade, como Fábricas de Cultura, que conseguem fazer a ponte entre as escolas do seu entorno”, finaliza. 

“A juventude tem que estar afim, tem que se unir”

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A juventude brasileira está insatisfeita com a política institucional, não está empolgada em participar desse jogo real e não se sente atraída pela velha política e pelos seus líderes. São várias as motivações pra esse mal estar.

Jovens do cursinho da Rede Ubuntu – Foto: Divulgação

Os jovens não se veem representados nos políticos atuais nas diferentes esferas e as pautas discutidas nas câmaras quase sempre não contemplam as juventudes e seus anseios. Além disso, pouco são os políticos jovens, ao contrário, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a média de idade dos candidatos que solicitaram registro para o as eleições municipais de 2020 é de 45,6 anos.

Alguns desses sintomas podem ser vistos pelo baixíssimo número de jovens filiados a partidos políticos, bem como por uma das menores adesões de jovens de 16 e 17 anos em tirarem o título de eleitor no ano de 2022.

Segundo dados do TSE, o Brasil tem atualmente mais de 16 milhões de pessoas filiadas a partidos políticos, sendo que desse total, menos de 2% estão na faixa etária de 16 a 24 anos, mesmo constituindo mais 13% do total de eleitores do país. Os dados da TSE também apontam que o número de jovens de 16 e 17 anos, inscritos para votar este ano, é o mais baixo desde 1992.

“A juventude tem que estar afim, tem que se unir”

Charlie Brown Jr.

Contudo, é verdade também que a Juventude está insatisfeita com o governo atual do presidente Bolsonaro. Segundo pesquisa Poder Data, realizada de 27 a 29 de março de 2022, apenas 29% dos jovens de 16 a 24 anos tem intenção de votar em Bolsonaro, ante 51% que preferem Lula. Pode-se dizer que a juventude será uma pedra no sapato para a reeleição do presente atual.

Essa insatisfação da juventude pode se tornar uma chama de esperança pra mudar esse país. O voto da juventude nunca teve tanto valor, se tornou uma questão estratégica para barrar o avanço desse governo impopular que flerta com o fascismo no nosso país.

Assim, uma das tarefas que urge é convencer o maior número de jovens de 15, 16, 17 e 18 anos habilitados para votarem, mas que ainda não solicitaram seus títulos de eleitor.

Muitos não estão dispostos a requerer o título, de modo que o trabalho de convencimento que é fundamental, se torna ainda mais importante. Muito além de campanhas nas redes, é preciso arregaçar as mangas e ir às ruas, às escolas, igrejas, aos shoppings, nos lugares frequentados pelos jovens. 

Aqui, nas nossas quebradas, alguns coletivos e movimentos estão trabalhando nessa empreitada. Um dos exemplos é o trabalho da ativista social Martha Gaudêncio, junto aos Cursinhos Populares da Rede Ubuntu e em algumas paróquias.

Com 22 anos, estudante de Políticas Públicas na Universidade Federal do ABC, essa jovem vem promovendo encontros de formação e ajudando dezenas de jovens a tirarem seu título de eleitor.

Ela, de maneira voluntária, faz plantões em sua paróquia conduzindo o Movimento Fé e Cidadania e vai aos cursinhos discutir com jovens a importância de sua participação na política, como funcionam os poderes no Brasil e incentivando-os a participarem do pleito político-eleitoral e mudar os rumos desse país.

Este trabalho tem um grande potencial e mostra a importância desses trabalhos de base. Ademais, essa ousadia da Martha mostra força da juventude. Se de um lado temos muitos jovens descrentes da política, por outro é importante colocar em relevo que temos outros tantos jovens fazendo política em nossas quebradas.

Trabalhos como esse precisam ser ampliados, temos até o dia 4 de maio para convencer o maior número de jovens a pegar o título de eleitor em mãos, e junto à classe trabalhadora periférica, mudar os destinos deste país e de nossas quebradas! 

“Salve a democracia, vote contra a LGBTIfobia” é tema da primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo

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O evento, que acontece neste domingo (24), contará com a apresentação de 30 artistas e fará um trajeto entre a estação Campo Limpo e Capão Redondo, na zona sul de São Paulo.

Integrantes da Família Stronger no último encontro anual organizado pela rede. Foto: Nicoly Almeida

Neste domingo (24), a partir das 12h, acontece a primeira Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo. Organizada pela Rede Periférica Família Stronger, a passeata começará nos arredores da Estação Campo Limpo, linha lilás do metrô, e contará com a participação de 30 artistas, entre drag queens, DJs, músicos e dançarinos, que se apresentarão de forma voluntária. Ao final do percurso, o show de encerramento acontecerá em frente a casa de show Avalon Lounge.  

O tema escolhido para inaugurar o evento nas ruas e avenidas da região sul da capital paulista é “Salve a democracia, vote contra a LGBTIfobia”. Em entrevista para o Desenrola, um dos organizadores, o gestor público Elvis Justino de Souza, comenta que a Parada é, sobretudo, uma manifestação política para alertar a população sobre os riscos que correm em virtude da tentativa, por parte do presidente e seus aliados, de enfraquecer a democracia.

Integrante da Família Stronger há cerca de dez anos, o gestor público comenta também sobre a importância de conscientizar – especialmente os mais jovens – em relação à história do distrito e das pessoas que derramaram o próprio sangue para que existisse hoje um estado democrático de direitos.

“O Capão Redondo é um território de luta. Aqui, tivemos Santos Dias, um operário que foi assassinado durante uma manifestação por democracia e por direitos. Então, fazer a Parada LGBTQIA+ com esse tema é honrar e respeitar aquelas pessoas que tiveram seu sangue derramado por policiais militares, pelo exército, pelo DOI-CODI (…). É importante falarmos isso para as pessoas LGBTQIA+, porque elas precisam conhecer a própria história”

 pontua o gestor.

A Família Stronger conta com 250 membros e também organiza eventos do tipo em outras regiões do município. Na Cidade Tiradentes, por exemplo, a primeira edição da Parada aconteceu em 2017. De acordo com a organização, é importante levar esses eventos para as margens da cidade, porque a população periférica precisa se deslocar por muitos quilômetros para chegar à Paulista, além de, muitas vezes, não ter dinheiro suficiente para pagar os custos do trajeto.

“Muitas pessoas transexuais não conseguem sair de casa durante o dia e quando você leva a Parada LGBTQIA+ para estes locais, você consegue fazer com que elas saíam sem que se tornem motivo de chacotas ou piadinhas, sem que atirem pedras nelas, sem que nada disso aconteça”, comenta Elvis, quando perguntado sobre a importância do evento.

O gestor público relata que quando levaram a Parada para a Cidade Tiradentes, por exemplo, não haviam pessoas transexuais circulando na rua durante o dia.

“Você não via pessoas LGBTQIA+, era tudo às escondidas, tudo no sigilo, somente de madrugada. Hoje em dia não, se você for na Cidade Tiradentes, você vai ver gays montados, meninas se beijando, andando de mão dadas. Muitas ONGs querem, inclusive, trabalhar com LGBTs, direcionando projetos para essa população”, completa.

Marco político no território  

A drag queen e apresentadora, Kênia Halk’s, será a madrinha do evento que acontece pela primeira vez nas redondezas do Campo Limpo e Capão Redondo. Em entrevista ao Desenrola, ela comenta estar ansiosa por ser uma grande responsabilidade, que segundo ela, “é uma oportunidade de mostrar que as travestis não são apenas aquelas mulheres que fazem programa na avenida, e que ‘as gays’ não são aquelas pessoas que não querem nada com a vida”.

“A parada está aí pra mostrar que não somos apenas homens que ficam com homens ou mulheres que ficam com mulheres. A gente também é luta, é perseverança, é militância, é resistência e é respeito, e não é porque somos pessoas gays, lésbicas, não bináries, travestis e transexuais que não merecemos ser respeitadas. E não é porque você é uma pessoa heterossexual que você não pode estar frequentando, lá no meio, apoiando e militando com a gente”

declara a apresentadora.

Kênia comenta também sobre o tema escolhido pela organização, tendo em vista que as eleições para o legislativo e o executivo se aproximam, e considera importante que a população tenha consciência no momento de ir às urnas votar, pois, de acordo com ela, muitas mãos acabaram sendo soltas nas últimas eleições, especialmente a de pessoas negras, periféricas e LGBTQIA+ que, por sua vez, foram as principais vítimas da intolerância política.

“A Parada é importante para mostrar que a imagem do Capão Redondo não é a de um lugar perigoso, o lugar que se você for gay ou travesti, você apanha. Não, pelo contrário, é para mostrar que mesmo na periferia você pode encontrar um lugar seguro para viver, morando, convivendo, existindo e resistindo”, comenta sobre a importância de fazer a Parada LGBTQIA+ no território que muitas vezes permanece no imaginário popular apenas como um espaço de privação e violência. 

“As Paradas nas periferias vêm para mostrar que o preconceito, a homofobia, que a intolerância não vem só da periferia, porque a população geral julga e fala que a homofobia existe somente nas periferias. Não, não e não! Às vezes, rola até na família tradicional classe média alta brasileira”

finaliza Kênia, madrinha da Parada LGBTQIA+ do Capão Redondo.

O evento é uma iniciativa independente que também não conta com o apoio de nenhum órgão do poder público. Embora tenha enfrentado problemas com a CET e com a Subprefeitura do Campo Limpo para a sua realização, por conta do trajeto, cujo trecho havia sido escolhido pela própria Subprefeitura – e acabou não sendo autorizado nem por ela, nem pela Companhia de Engenharia de Tráfego – a organização afirma que não serão impedidos de ir às ruas.

“Nós somos pessoas de luta, pessoas de resistência. Somos corpos com cicatrizes, mas não são elas que estarão falando no dia 24, serão as nossas vozes. São os corpos trans que foram humilhados, pisados, apedrejados que vão estar na linha de frente. (…) E no único dia que temos para ser LGBTs, não serão grupos políticos, a CET ou a polícia que vão nos impedir, porque vamos mostrar que a resistência se faz na rua, que a democracia se vence na rua, e é sobre isso que vamos estar falando: resistência na periferia”, finaliza Elvis Justino.

Mais informações 

Quando: 24 de abril, domingo, às 12h
Onde: O trajeto inicia na Av. Carlos Caldeira Filho, próximo à estação Campo Limpo, linha lilás do metrô, e termina na mesma avenida, próximo à estação Capão Redondo. Ao final do percurso, o show de encerramento acontecerá em frente a casa de show Avalon Lounge.

Para saber mais, acesse @paradalgbt.capaoredondo ou @redefamiliastronger no Instagram. Também é possível entrar em contato pelo número (11) 95813-8088 ou no e-mail familiastronger@gmail.com.

Encarecimento do custo de vida impulsiona novos movimentos contra a carestia nas periferias

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O desmonte de políticas públicas aliado a pandemia da covid-19, aumentaram o cenário de carestia – encarecimento do custo de vida – nas periferias, impulsionando a luta contra a inflação, historicamente liderada por movimentos populares e de mulheres.

Ato público organizado pelo Comitê Contra a Fome e o Desemprego da Zona Sul, realizado em dezembro de 2021 no Capão Redondo. Foto: divulgação

Na década de 70, o Brasil ainda passava por uma intensa ditadura que afetou os preços dos alimentos básicos nas periferias e favelas, de forma inigualável. Simultaneamente, os Clubes de Mães, criados em 1972, fizeram surgir militantes e ativistas que, anos depois, se engajaram no Movimento Custo de Vida, buscando diminuir a alta dos preços.

Ana Dias, foi uma dessas mulheres que ajudou na fundação do movimento, a fim de desenvolver ações para combater a carestia na época. Quase 50 anos depois, o encarecimento do custo de vida não deixou de existir e se intensificou com a pandemia e o desmonte de políticas públicas que o país vive. Assim como Ana Dias naquela época, Joelma Costa dos Passos, 25 anos, sente na pele o desafio de ir ao supermercado e perceber que os preços dos itens essenciais à vida mudaram drasticamente. 

“Antes eu ia no mercado e com R$600 eu fazia a compra do mês inteiro, de limpeza, comida, verdura, carne… tudo isso eu conseguia. Hoje eu já não consigo mais”

relata Joelma, que trabalha no setor de limpeza.

Joelma é mãe solo e mora com o filho José Mateus, de 10 anos, no Parque Arariba, zona sul de São Paulo. Ela trabalha realizando limpezas em casas de família, e conta que além dos preços subirem, o valor que ganha mensalmente não subiu junto, já que recebe por dia, e na pandemia, muitas famílias pararam de contratar os seus serviços.

Joelma sentiu a inflação dos produtos essenciais à vida afetar a rotina alimentar dela e do filho. Foto: arquivo pessoal

“Antes, além de eu trabalhar a semana inteira, o preço das coisas não estava tão absurdo assim, né? Agora muitas coisas eu tive que substituir. Antes eu comprava carne, agora eu estou substituindo mais por frango, linguiça, nuggets, quibe… qualquer outra coisa que dê pra dar uma auxiliada”, diz, sobre ter o poder de compra ceifado pela inflação, o que impactou a rotina alimentar dela e do filho.

Atuação do conselho de segurança alimentar 

Para Maria Angélica, que atua no Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMUSAN), o preço dos produtos essenciais à vida sempre foi um fator para a desigualdade social, já que a aquisição do alimento não é para todos, principalmente para as famílias que estão nas periferias.

Conselheira desde 2018, mas envolvida com demandas territoriais de segurança alimentar desde 2012, Maria Angélica entende que a luta dos conselhos é a mesma que a dos movimentos contra a carestia: fazer com que a segurança alimentar nas periferias faça parte de um plano de governo; fazer o estado olhar para as necessidades da população periférica.

“Segurança alimentar não está no plano do governo […] Então quando chega a pandemia, a gente viu explodir de tal maneira [a insegurança alimentar], e o preço naquele momento não era a principal preocupação, e sim a ausência de conseguir aqueles alimentos, e também do poder público mandando qualquer coisa em um tamanho pequeno, pra nossa cidade que é gigante”

aponta Maria Angélica.

 “Mandar qualquer coisa” é o mais preocupante para Maria Angélica, pois reforça o pensamento de que qualquer alimento serve para matar a fome, e segundo ela, a batalha do Conselho é oposta: é garantir que os alimentos que chegam na população periférica tenham todos os nutrientes necessários para a saúde.

“Quando veio a pandemia, o poder público que já não fazia nada, aí que não fez mesmo, durante meses, e a sociedade civil vai sozinha, sem nenhum aparato do governo, fazer conferências nos territórios. Aí nasce a esperança das pessoas pelos alimentos saudáveis que são: frutas, legumes e verduras, que tem que tá na mesa do pobre, porque é direito”, expõe a profissional sobre a ausência do poder público para dar o respaldo a população, fazendo com que a responsabilidade de se articular e criar soluções para o combate à carestia fiquem totalmente centradas nos coletivos, movimentos e conselhos.

” ‘Olha.. mas é muito caro comprar alimentos agroecológicos, é muito caro pra quem não tem nada e tá precisando’ [ouvia ela]. Ou seja, a alimentação saudável e equilibrada é só pra rico?”

questiona a conselheira.

A luta dos movimentos contra a carestia

A realidade que Maria Angélica lida dentro do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional e que Joelma vive diariamente, é próxima à que Ana Dias enfrentava. As coisas começaram a seguir caminhos diferentes quando ela e outras mulheres começaram a organizar atos para reivindicar qualidade de vida mais justa para as famílias periféricas.

Comissão do Movimento Custo de Vida durante a entrega do abaixo-assinado em Brasília, em 1978. Uma das ações que Ana Dias também esteve presente – Foto: Movimento

“45 anos atrás era um mundo totalmente diferente. A situação da consciência e do despertar nasceu dos grupos e dos movimentos das mulheres, da preocupação de fazer com que a mulher fizesse algo”, relembra Ana Dias, 79 anos, uma das atuantes do clube de mães, e que junto a outras mulheres, lutaram contra a carestia.

Foi em 1978, que aconteceu uma grande Assembleia no colégio Santa Maria, e depois um ato na Praça da Sé, em São Paulo, organizado pelo Movimento Custo de Vida. As autodenominadas “mães da periferia” levaram milhares de pessoas às ruas e colheram mais de um milhão e trezentas mil assinaturas que reivindicavam direitos humanos básicos, que foram levadas até as autoridades.

“Tudo isso não aconteceu assim no susto, teve embate, teve discussão, teve encontros, teve enfrentamento, e no meio disso a gente conseguiu creches, escolas, postos de saúde… tudo isso a gente não tinha na periferia, a gente conseguiu através dessa luta e dessa união”

enfatiza Ana Dias.

Ato público que reuniu mais de 20 mil pessoas na Praça da Sé, no dia 27 de agosto de 1978. Foto: reprodução

Mais de 4 décadas depois, a luta e busca por direitos não cessou, e outros movimentos começaram a surgir para combater a carestia e dar seguimento à luta dos Clubes das Mães e do Movimento Custo de Vida. Em dezembro de 2021, durante a pandemia da covid-19, nasceu o “Comitê Contra a Fome e o Desemprego da Zona Sul”, que refez o ato proposto em 1978, e levou as pessoas para um ato público contra a fome e o desemprego no metrô Capão Redondo, no dia 21 de dezembro de 2021.

A motivação para o surgimento do Comitê foi a percepção de que as doações de cestas básicas e marmitas que haviam iniciado no começo da pandemia, já haviam chegado ao fim em muitas comunidades. Um acontecimento impulsionado principalmente pela falta de políticas públicas. Com isso, militantes partidários, Movimento Pelo Direito à Moradia (MDM) e cursinhos pré- vestibulares do território chegaram a uma conclusão:

” ‘Acho que vamos ter que fazer o segundo movimento contra a carestia’. E não é que pegou? Infelizmente pegou. A gente pensou que nunca mais ia ter que fazer isso… mas a gente entendia que precisava dizer pra população que ‘ó, estamos atentos’ ”

conta Regina Paixão, membra do Comitê.

43 anos depois do ato na Praça da Sé, movimentos que lutam contra o encarecimento do custo de vida voltaram as ruas para protestar. Foto: divulgação

Desde então, o Comitê tem se organizado para pautar uma vida mais justa para os moradores periféricos da zona sul. 

“Os planos do Comitê têm sido se organizar para ocupar vários espaços da cidade que têm condições de construir ações que favoreçam a chegada de cestas para a comunidade como triagem de vagas. Conscientizar de volta a população sobre a agricultura urbana e também queremos responsabilizar os vereadores para se envolverem na pauta e nos apoiarem na pressão e na elaboração de leis que beneficiem a população”, exprime Regina.

Para Regina Paixão, assim como Ana Dias, continuar essa luta é dar voz ao sujeito periférico. 

“Na verdade, todos precisam voltar a debater a questão política e a da representação popular. Voltar a ocupar espaços de comissões, plenárias, fóruns e movimentos para poder influenciar na economia e produção, e voltar também às ações contra a miséria e pobreza que incluem o investimento em ações sociais de renda”

ressalta Regina.

“Eu acredito muito na mulher. A mulher tem uma força, uma fé e uma crença. Na periferia é onde o povo sofre mais, sofre violência, fome, desemprego… então esse povo quando ele consegue despertar para fazer alguma coisa, ele nunca mais sai da luta”, conclui Ana dias, que há mais de quatro décadas luta no movimento contra o encarecimento do custo de vida e hoje reforça a importância de novas movimentações frente a desassistência aos territórios periféricos.