Home Blog Page 45

Violência e combo eleitoral: as promessas que jamais poderão ser cumpridas

0

A ideia de que a violência ensinaria essas pessoas percorre os anos mais do que a ideia de que palmada resolve “birra” de criança, assim perpetuamos uma linguagem: violência. 

Ato de 2019, em homenagem à Evaldo Rosa, executado com oitenta tiros de fuzil disparados por militares do Exército em Guadalupe na zona Oeste do Rio de Janeiro – Foto: João Victor,

Ao longo dos anos é evidente que a sociedade brasileira vem vivenciando uma série de violências, até por questões estruturais, como já disse em outro texto: ainda carregamos o peso de termos sido uma colônia no passado. Mas para além disso possuímos um sistema político fadado a se alimentar da violência que produz, algo que vem aumentando e se intensificando nos últimos 4 anos principalmente e é sobre isso que iremos refletir neste texto.

É comum assistir propaganda onde os candidatos a futuros parlamentares prometem acabar com a violência, sempre carregados por ideias extremas e que vem junto a uma justiça única: a morte. Não permitindo nenhuma brecha para debate e acusando qualquer um que queira se aprofundar no tema de “defensor de bandido”, será que é tão simples? Será que o produto da violência é o indivíduo? E será que seu pagamento é a morte? Ou a contra violência? 

Aqui não estou relativizando o que é crime, mas procurando entender como uma sociedade punitivista ainda produz tanta criminalidade. 

Além das ruas estarem vivenciando um aumento de roubos e furtos, bem como uma problemática específica ligada a população em situação de rua (que aumentou 31% até 2021 de acordo com dados da SMADS) que vem vivenciando ataques policiais entre outras políticas violentas do Estado (que não promove nenhuma política pública voltada ao acolhimento), São Paulo também vivenciou o aumento da violência policial como um todo, em 2020 vivemos um recorde de violência que decaiu segundo aos dados desde 2021, contudo os relatos sobre tratamentos abusivos, racistas e violentos não são novidades para a população principalmente preta, pobre e moradora da periferia.

Tudo isso por si só constrói a narrativa eleitoral necessária para a apelação emotiva, a violência é o maior problema do Brasil e as soluções vão ser muitas, mas em sua maioria estarão alinhadas com mais violência ou com perspectivas de países que nunca foram colonizados, será que se houver pena de morte em um mês a violência diminui? Quem “está” no “crime” teme a morte?

Assim o Estado mostra seu poder de decidir quem vive ou morre, escancarando isso por meio do discurso dos representantes do povo que constroem mais cadeias que escolas e que se preocupam em dizer sobre os benefícios de algumas cadeias onde a situação fere os direitos humanos, uma lição: tomar banho frio, viver com ratos, baratas, comer comida podre, ver sua família ser humilhada ao te visitar. 

Primeiro ato organizado pelo Passe Livre contra o aumento na tarifa dos transportes de São Paulo, Republica, SP, 10/01/2019. Foto: João Victor Santos

A ideia de que a violência ensinaria essas pessoas percorre os anos mais do que a ideia de que palmada resolve “birra” de criança, assim perpetuamos uma linguagem: violência. Que se resolve com violência, mas nunca violência a quem nos “ordena”, uma violência com hierarquia e direcionamento. 

Assim seguimos por eleições em que parte dos candidatos (incluindo alguns que já foram militares) se ocupam de discorrer sobre a violência no país e na cidade, mas jamais resolvem o problema. Se é dada uma solução que não seja violenta, logo é defesa de bandido, mas parte deles não seriam eleitos sem a participação da violência no marketing político.

Todo esse contexto gera: desespero, insatisfação, antipolítica e reatividade. O que auxilia no processo de emoção na hora de “vender o peixe”, atualmente a antipolítica tem beneficiado toda a sorte de candidatos que ao verem Bolsonaro ganhar por excesso de pessoas escolhendo não votar, perceberam que nem tudo é sobre conseguir votos e gastar tanto dinheiro na tv.

O uso de ferramentas digitais nas redes é cada vez mais comum e isso facilita o processo de interação com a população que já está insatisfeita ao ver Siqueira Júnior falar sobre como bandido se dá bem no Brasil e ainda assiste uma live dos nossos vereadores contando sobre como impostos prejudicam nosso cotidiano, eles só esqueceram de dizer quanto ganham, como ganham, como funciona o sistema econômico do país e o tempo de trabalho deles diariamente.

Assim estamos alimentados com um combo de estímulos sobre violência, mas ninguém ousa falar que parte da população carcerária nem passou por julgamento, em sua maioria é composta por pessoas pretas e que cometeram crimes relacionados a tráfico de drogas, furto e roubo (deixando ainda margem para o debate de pessoas que estão encarceradas sem julgamento), e sim, por incrível que pareça a dimensão dos dados não é tão parecida com a de Siqueira Júnior dançando forró enquanto reforça na mente do telespectador uma mensagem: você não está seguro. 

Foto tirada por mim mesma na Rua Augusta, uma criança que estava vendendo balas recebe um lanche de um homem que estava bebendo neste bar

Assim ninguém pode falar de um Estado que quis dar ração as crianças, que mata e que deixa pessoas morrerem nas ruas, que não pensa em novas políticas de educação mas constrói um sistema educacional que incentiva a exclusão escolar do jovem que trabalha, assim muito antes de se tornarem adultos entendem que o dinheiro vale mais que o saber e que a escola não é lugar para quem não tem o que comer.

Mas o Estado pode dizer que na periferia mora a violência e que a solução para isso é mais violência e que mesmo que de 4 em 4 anos o debate seja o mesmo, dessa vez eles irão erradicar a violência, uma violência que faz parte desse solo antes das políticas republicanas, antes dos acordos entre famílias, antes do latifúndio ser beneficiado, antes da ditadura arrastar indígenas como um caçador arrasta uma caça, antes do Agro TEC, Agro POP e Agro TUDO destruir nossa alimentação.

E se você disser tudo isso a eles, dirão que você não está contando a verdadeira história do Brasil… um país que recebeu o nome daquilo que foi saqueado e que até hoje se aluga para quem insiste em nos colonizar.

As eleições são só uma forma de escancarar que a história que contam sobre nós está recortada nos moldes para negar que esse sistema sustenta famílias que nunca foram e nem serão pobres, famílias de “renome” e que recebem até nome das ruas, hospitais, famílias que sempre foram políticas, mas até hoje não resolveram a violência que contam que é o mal do país. Será que não temos solução?

Um país de muito trabalho que não tem como trabalhar, um país de muita beleza que teme o futuro. Um país e um choro: Brasil.

“Mas branco morre todo dia também.”
Oh parça, nós somos a maioria da população
Se cada negro matasse um
Ceis entraria em extinção”

Fragmento de poesia de Celinda

Racismo ambiental: ação humana e ecocídio

0

O pilar de todo esse debate é: as alterações do clima, o ecocídio, a degradação ambiental e o racismo são operados por poucos grupos, pela elite econômica e frequentemente por pessoas brancas. Cabe a quem luta pela vida adiar o fim do mundo.

Encontro realizado pela UNEafro Brasil, no Quilombo de Ivapurunduva, no Vale do Paranaíba (SP), 29 de fevereiro de 2020. Foto: Tiago Fernandes.

Nas periferias urbanas e nas terras de povos indígenas e quilombolas, habitação, segregação e racismo ambiental ensaiam juntas formas que disciplinam o comportamento e as relações humanas, para, assim, absorver às violações de direitos humanos como expressões “naturais” da experiência de viver nas periferias urbanas e rurais, da vida favelada e em áreas de conflito – ou em estado de “saque” de recursos naturais.

A linha imaginária que cria uma separação entre natureza e progresso impõe uma perspectiva de dualidade como se de um lado estivesse a defesa de uma “vida selvagem” e do outro o desenvolvimento econômico e “civilizatório”. De um lado um “passado primitivo” e do outro a obsessão por uma “liberdade” que atua como rolo compressor de qualquer forma de solidariedade popular, coletiva e de bem viver.

Nos termos do significado das mudanças climáticas, elas apontam que o que está ocorrendo é que o aumento da temperatura global apresenta efeitos nocivos para todo tipo de ecossistema, para toda a vida humana e organismos vivos do planeta.

Na prática, as alterações do clima acontecem por uma bateria de problemas. O mais conhecido deles é a emissão de gases do efeito estufa, que concentram em um nível acelerado, gases na atmosfera (CO², CH², N²O, etc.), impedindo que o calor recebido pelo sol seja expelido e isso aumenta a temperatura do planeta.

Mas a essência do problema está nas dinâmicas de relações humanas baseadas no lucro, no poder e no extermínio. Há um debate sobre justiça climática que propõe uma reflexão que nos provoca a medir o papel dos responsáveis pelos impactos ambientais.

Isso nos implica pensar que os conflitos humanos são capazes de produzir alterações significativas de degradação ambiental. Neste caso, há uma série de prerrogativas de “regulação” internacional de operações militares em conflitos que vão do uso de armas químicas a testes de ogivas nucleares.

Entretanto, por mais que existam prerrogativas ratificadas em pactos internacionais, de naturezas distintas em certo grau, a questão fundamental que pesa sobre as medidas de mitigação dos crimes ambientais, é a responsabilidade dos Estados na participação, conivência e promoção das práticas de degradação ambiental.

Na discussão sobre justiça climática, o entrecruzamento de conflitos e a busca pelo controle territorial para o controle da exploração, extração e distribuição dos recursos naturais é um componente do que podemos chamar de ecocídio ou racismo ambiental.

Se há um consenso nos organismos internacionais é o de que cada Estado tem sua autonomia para criar jurisdições próprias na penalização de crimes ambientais. Todavia, isso acontece porque na prática não há nenhum mecanismo internacional capaz de penalizar Estados (o que acarretaria em sanções contra a sua sociedade civil como um todo), sendo assim, a questão se volta para a responsabilidade dos indivíduos.

“É a porta de entrada para várias formas de ações e organizações criminosas: da milícia ao narcotráfico; da grilagem ao desmatamento; do uso de agrotóxicos ao trabalho escravo.”

É aqui que nosso problema ganha cor, rosto e identidades próprias.

Mas antes de se voltar especificamente para o caso brasileiro, vale elencar algumas formas de degradação ambiental causadas pelo conflito, que podem mudar todo um ecossistema ou destruir biomas.

Na guerra do Iraque durante os anos 90, as tropas de Saddam Hussein acabaram com os pântanos da Mesopotâmia, como retaliação há uma revolta xiita. Com isso, destruíram todo um ecossistema, e neste caso, o maior de terras úmidas do Oriente Médio.

Na República Democrática do Congo, em que a guerra civil, na década de 90, trouxe dramaticamente conflitos sangrentos, fez com que a busca por alimento se voltasse a espécies de animais selvagens e silvestres e, como efeito, reduzisse drasticamente sua população.

O ataque norte-americano na Guerra do Vietnã (1961-1971), com o uso da arma química conhecida como Agente Laranja. Espalharam milhões de litros de herbicida que causaram a perda da biodiversidade do ecossistema da floresta, além de causar graves doenças na população local como câncer, danos neurológicos, úlcera e outras.

Então, agora que compreendemos que degradação ambiental é algo mais amplo do que apenas às emissões de gases causados pelo setor energético e de transporte, vamos considerar o caso brasileiro. 

Segundo dados do Climate Watch, considerando os principais países que produzem gases do efeito estufa entre 1990 e 2019, o Brasil marca seu lugar na 6° posição.

Diferente de China e EUA que figuram na liderança do ranking, a principal fonte de emissão de gases no nosso país não está na manufatura e transporte, mas, sim, no modelo econômico baseado no agronegócio.

Para além do modelo econômico, o agronegócio impõe um modelo de necro-sociabilidade, aceitando todo tipo de forma de violência e/ou política. É a porta de entrada para várias formas de ações e organizações criminosas: da milícia ao narcotráfico; da grilagem ao desmatamento; do uso de agrotóxicos ao trabalho escravo.

Só no período entre 2016 e 2017 cresceu 350% os assassinatos contra quilombolas, demonstram os dados do relatório “Racismo e violência contra quilombos no Brasil”. Impulsionados por ondas de grilagem de terras ou extrativistas ilegais em áreas de preservação.

O mesmo problema se reflete com os povos indígenas. O caso mais recente do desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips, no Vale do Javarí, região de terras indígenas, expuseram a brutalidade da violência com base na defesa dos territórios.

São os casos da morte do líder quilombola Edvaldo Pereira, na comunidade do Jacarezinho, Maranhão, que lutava contra as invasões do plantio de soja em seu território e da menina Yanomami morta e estuprada por garimpeiros, na comunidade de Araçá, região de Uraricoera, em Roraima.

Voltamos na questão básica, como responsabilizar quem comete crimes ambientais? 

Temos um desafio, principalmente, quando são os principais interessados na promoção do racismo ambiental, do ecocídio e na degradação que legislam ou são frente de definição dos temas relacionados ao meio ambiente.

É o caso do Deputado Federal Ricardo Barros, líder do governo na Câmara, que segundo o Brasil de Fato, é sócio de uma empresa de mineração no Pará, e aprovou com urgência o PL 191, que libera mineração em terras indígenas.

Por último, o Ministério Público do Rio de Janeiro apontou em investigações que o gabinete de Flávio Bolsonaro, na Assembléia Legislativa, teria financiado através de rachadinhas construções de edifícios irregulares junto com a milícia. Construções irregulares que oferecem risco aos moradores e criam uma diversidade de lixo ambiental.

Esse texto não oferece respostas objetivas para o problema da Crise Climática e os seus impactos ambientais, também há muitos aspectos dos seus efeitos não descritos.

Sobretudo, o pilar de todo esse debate é: as alterações do clima, o ecocídio, a degradação ambiental e o racismo são operados por poucos grupos, pela elite econômica e frequentemente por pessoas brancas, cabe a quem luta pela vida adiar o fim do mundo.

Cordão Tereza de Benguela realiza ensaios para cortejo na zona leste de SP

0

Os ensaios abertos à comunidade fazem parte dos encontros preparatórios para o 6° cortejo em homenagem às mulheres negras e periféricas, ao dia Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela, comemorado em 25 de julho.

Ensaio com xequerê na sede do Cordão Tereza de Benguela – Foto: Gustavo

Visibilizar e emancipar mulheres negras e periféricas é a principal motivação do Cordão Tereza de Benguela que, desde 2017, desfila pelas ruas do Jardim Robru, distrito da Vila Curuçá, zona leste de São Paulo. Neste ano, o cortejo acontecerá no dia 31 de julho, com ensaios aberto à comunidade durante os domingos que antecedem a atividade.

“O Cordão é uma iniciativa para quem quiser colar, chegar, tocar e participar. É um recurso pedagógico, por meio do princípio civilizatório que é a musicalidade para emancipação nossa e das mulheres da comunidade”, compartilha Leila Rocha, educadora popular e integrante do Cordão.

“Cordão Tereza de Benguela é para dizer uma coisa muito simples: toda quebrada é um quilombo e Tereza de Benguela somos todas nós”, afirma Inaiá Araujo, arte educadora, contadora de histórias, mestra em xequerê e a idealizadora do Coletivo de Oyá e do Cordão Tereza de Benguela.

Desde 2017, o Cordão sai às ruas com mulheres em coro cantando, tocando e dançando para reafirmar a importância das mulheres negras e periféricas na construção e desenvolvimento da sociedade. O cortejo também celebra o dia 25 de julho, que é comemorado o Dia da Mulher Negra, Latina e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela.

Encontros preparatórios – gratuitos e abertos

 Dias: 26/06 | 03/07 | 10/07 | 17/07 

Horário: 15h às 18h 

Local: Sede Cordão Tereza de Benguela – Rua Padre Vicente de Araujo, 1149 Jardim Quisisana, Vila Nova Curuçá – São Paulo

Rede Ubuntu de Cursinhos Populares oferece alimentação gratuita para estudantes na zona sul de São Paulo

0

O oferecimento de alimentação para os estudantes acontece desde 2019, e neste ano de 2022, para seguir oferecendo três refeições aos alunos, a Rede lançou uma campanha de arrecadação, beneficiando jovens estudantes dos seus seis polos, na periferia sul de São Paulo. 

Parceria entre a Rede Ubuntu e Cozinha Solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem-teto (MTST) alimenta cerca de 300 estudantes dos seis Polos da rede de cursinhos populares. Foto: Patricia Santos

Em tempos de carestia e insegurança alimentar, a Rede Ubuntu de Cursinhos Populares se uniu com o projeto de Cozinhas Solidárias do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), para oferecer alimentação gratuita a cerca de 300 estudantes que buscam ingressar na universidade, e estudam em um dos seis polos da Rede espalhados pelas periferias da zona sul de São Paulo.

Cada um com o seu prato e talheres nas mãos, os alunos do cursinho recebem café da manhã, almoço e café da tarde. Juntos, comem, socializam e tiram dúvidas com os professores no intervalo das aulas. Dos seis polos que compõem a Rede Ubuntu, três produzem a comida no espaço e os demais recebem marmitas das cozinhas solidárias.

Adriana Gomes, moradora do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, é uma das cozinheiras que compõem o projeto Cozinha Solidária em parceria com a Rede Ubuntu. Ela trabalha de segunda a sexta, servindo comida para moradores em situação de vulnerabilidade, e aos sábados cozinha para os alunos do cursinho.

“Trabalho na área de alimentação desde 2007, junto com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, e há um mês com a Rede Ubuntu. Na semana tem uma moça que me ajuda, e aos sábados é a minha filha que trabalha comigo me auxiliando”, conta Adriana, que prepara mensalmente o cardápio dos alunos e sonha estudar gastronomia. 

A campanha Alimentando Sonhos visa garantir alimentação durante todo o ano letivo para os alunos da rede. Foto: Patricia Santos

 A alimentação fornecida pelo cursinho vem de doações de parceiros, das igrejas, da população, dos próprios alunos e familiares, e até mesmo dos professores que tiram da própria remuneração para garantir a refeição dos jovens.

“A gente pede a participação voluntária dos alunos, ou seja, quem puder ajudar com até 5 reais, que é o máximo que pedimos, ajuda, quem não puder vai comer do mesmo jeito”, conta Saulo Vilanova, coordenador e professor da Rede, sobre a ação que faz parte de uma construção coletiva.

“Ter aqui o acesso às refeições é uma questão de segurança alimentar e um ponto fundamental para o nosso desenvolvimento, a fome não espera. Sem isso seria muito difícil, um gasto que talvez não tivesse condições”, conta a estudante do Polo Santo Dias, Bianca Nobre, 19, moradora do Rivieira, bairro do distrito do Jardim Ângela, região sul de São Paulo, que trabalha das 18h às 00h20, como atendente de telemarketing e busca ingressar no curso de Relações Internacionais ou História.

 Efeitos da pandemia

Durante o período de isolamento social, por conta da pandemia de covid-19, o cursinho funcionou de maneira remota para os alunos, uma tarefa que evidenciou ainda mais questões de alimentação e conectividade dos estudantes enquanto estavam em casa.

O professor Saulo, conta que durante a fase mais aguda da pandemia os professores e coordenadores se organizavam com instituições para arrecadar cestas básicas, pagar a internet de alguns alunos e até para doação de equipamentos para os estudantes conseguirem assistir às aulas.

“Sabemos que a alimentação é determinante no aprendizado do aluno e passar o sábado inteiro firme e forte sem alimentação não dá. Desde 2019 fornecíamos alimentação no Alan Soares, e em 2020 planejamos expandir pra mais um polo, o Santo Dias, mas a pandemia começou, isso gritou mais ainda para nós”

explica Saulo, ressaltando que quando as aulas voltaram a ser presenciais, em fevereiro de 2022, era impossível para eles não continuar com a alimentação em todos os polos do cursinho.

Saulo Vilanova é um dos professores e ex aluno do projeto. Foto: Martinho

“Eu sou porque nós somos” 

Através de princípios ligados à coletividade, solidariedade e comunhão entre todos, as atividades da Rede Ubuntu acontecem desde 2013, oficialmente como uma rede de cursinhos populares desde 2016. A filosofia do educador popular Paulo Freire, é uma das referências de atuação para a Rede, que se baseia em reflexões, diálogos e na ideologia que dá o nome ao cursinho, do provérbio africano “eu sou porque nós somos”.

“A Rede Ubuntu se propõe a ser um cursinho popular de construir os saberes junto com os nossos alunos e não focar só nos conteúdos de provas, porque quando se desvincula os conhecimentos da realidade do aluno, ele vai deixar de aprender, de ter um vínculo afetivo com o projeto”

aponta Saulo Vilanova, 23, reafirmando ser essencial que os alunos entendam a importância de sair desse espaço e poder questionar o que é aprendido na universidade.

Saulo é aluno de Letras na USP, ex-aluno do cursinho e hoje coordenador e professor de redação do Polo Dona Edite. Ele ressalta a importância do aprendizado “ter raízes com o território”, mostrando para os alunos o que significa estar em um cursinho popular na periferia, sabendo quem são, de onde são, e onde querem chegar.

“Abro a biblioteca todos os dias para quem quiser ler, estudar e conversar comigo. Acho importante reforçar o que aprendemos aos sábados durante a semana, não dá para passar no vestibular estudando só uma vez na semana”, reflete a estudante Bianca, que como muitos alunos, têm a Rede Ubuntu não como um espaço de passagem, mas o início de novas oportunidades, onde pode voltar e somar com quem está por vir. Como é o caso da Bianca, que é aluna e também co-coordenadora da biblioteca do cursinho.

Bianca Nobre, aluna e co-coordenadora responsável pela biblioteca do Polo Santo Dias. Foto: Patricia Santos

E para manter a alimentação dos jovens, a Rede Ubuntu abriu uma campanha de arrecadação para continuar garantindo refeições aos estudantes. Durante a campanha de lançamento, que aconteceu no dia 21 de maio, no Polo Santo Dias, jardim Ângela, os jovens deram depoimentos e realizaram intervenções artísticas.

“Eu tinha um candidato cadeirante”: moradoras votam pelo direito à acessibilidade

0

Nas periferias de São Paulo, moradoras compartilham a importância de buscar por candidatos sensíveis aos direitos da população portadora de deficiência.

Ana Paula da Silva, de camisa xadrez, participando de um evento voltado para pessoas com deficiência física realizado por um Centro de Reabilitação (Foto: Arquivo Pessoal)

 Nas eleições de 2018, Daniela Seixas, 41, cadeirante, aposentada e empreendedora, residente no bairro Vila Gilda, zona sul de São Paulo, se esforçou para exercer o direito de votar, mas a escola pública onde está localizada a sua cessão eleitoral não possuía estrutura de acessibilidade, impedindo a eleitora de chegar até o andar da sala de votação.

“Eu queria votar, eu tinha um candidato, ele era cadeirante também, queria votar nele, e aí chegou na hora da votação e minha sessão era lá em cima”, compartilha Daniela, demonstrando frustração sobre a última experiência de tentar votar.

A aposentada afirma que mesmo com essas dificuldades de locomoção, quando está indo ou quando chega no local de votação, ela tenta fazer o máximo para que não volte para casa sem conseguir votar, e se tiver uma forma de alguém ajudar, para subir para sua sessão, ela aceita, mesmo nem sempre tendo pessoas dispostas ou treinadas para ajudar.

Outra cadeirante que vive essa realidade é Ana Paula da Silva, 50, moradora do Vila Gilda, mesmo bairro onde mora Daniela. A rotina dela é repleta de dificuldades de locomoção. Quando o assunto é ir até o local de votação, ela se prepara para passar por situações difíceis, para exercer seu papel de eleitora.

Em seu bairro os problemas de mobilidade são tantos que em uma destas situações, a moradora já chegou a desistir de votar. “Chegando na minha zona eleitoral, os agentes da sessão tiveram dificuldades em encontrar meus documentos, falaram que minha zona eleitoral não era lá, me mandaram para outro lugar e aí eu fiquei nervosa e resolvi não votar”, desabafa Ana Paula.

Ela diz que se sente muito bem quando consegue votar, pois sabe que está contribuindo para que mudanças sejam feitas, mesmo que por muitas vezes o candidato de sua escolha não seja eleito, segundo Ana Paula é bom saber que está fazendo a sua parte. 

Desinformação e direitos sociais 

 Uma das frustrações de Daniela com a política é o fato de os candidatos só aparecem em período eleitoral e mesmo assim, nenhuma mudança positiva é identificada em seu bairro, avalia ela.

“A gente ouve falar de política só em época de eleição, e aí você consegue conhecer os políticos de verdade. Mas o que eu posso falar é que aqui no bairro eu vejo que eles não fizeram nada para os cadeirantes que moram aqui, é um bairro inacessível”

Daniela Seixas, moradora do Vila Gilda e cadeirante. 

Ela acompanha as notícias sobre os partidos políticos e candidatos pela internet e televisão, mas hoje em dia, a moradora só compartilha uma informação sobre política se tiver certeza que ela fará alguma diferença significativa no cotidiano da população.

Essa atitude de pensar duas vezes antes de postar alguma publicação nas redes sociais surgiu após Daniela compartilhar uma notícia falsa em suas redes sociais, uma situação que gera preocupação para ela até hoje, pois nem sempre ela consegue distinguir quando a informação é confiável ou não.

“Antes de compartilhar procuro ver a veracidade dos fatos, tento buscar mais informações em um site que seja conhecido e confiável”, conta ela.

Para não reproduzir fake news, Ana Paula pede auxílio aos seus filhos, para não entrar em sites duvidosos e buscar informações confiáveis. Segundo ela, o acesso à informação ajuda principalmente o portador de deficiência a compreender melhor os seus direitos e corres atrás de benefícios quando for possível.

“Eu já passei por uma situação que estava no ponto e o motorista não parou, eu tive que esperar outro ônibus aparecer, mas estava chovendo, eu achei um desrespeito, não só comigo, porque vejo os cadeirantes nos pontos de ônibus e nunca sei se é o motorista que não quer parar”

Ana Paula, mulher cadeirante de 50 anos, e moradora do Vila Gilda, bairro localizado na zona sul de São Paulo. 

Ela ressalta que existem direitos sociais para as pessoas portadoras de deficiências, mas muitas vezes o povo periférico é colocado de escanteio, não é auxiliado da forma correta, não possui local de fala e não é atendido como deveria, só por ser cadeirante ou deficiente.  

Viver ou sobreviver?

0

Em um país onde os jornais e a internet noticiam a informação que 33 milhões de pessoas passam fome, como podemos dizer que vivemos?

Cohab Brasilândia Taipas – Foto: Juh na Varzea

Estamos a todo momento tentando, veja bem, TENTANDO, sobreviver. 

Nas favelas é onde os recursos são mais escassos, enfrentamos lutas diárias e mesmo assim não é suficiente, então a todo momento travamos uma guerra que parece não ter fim, a guerra do desemprego, a guerra da fome, a guerra de sobreviver. A todo momento me incluo na fala, pois isso é a vivência de todos nós que moramos na quebrada.

Ser artista independente aqui neste país não é nada fácil, principalmente nesses últimos anos, você a todo momento está numa dura batalha, batalha em fazer as pessoas entenderem e compreenderem o seu valor, batalha em ter serviço e receber por isso, e a batalha mais difícil talvez, a de não desistir de tudo.

Em um fim de semana você tem trabalho, no outro já não sabe, e vive nessa eterna dúvida do amanhã.As contas, essas sim tem data, e não atrasam, todo mês chegam. Duro em um país com tanto desemprego, uma cesta básica custar quase um salário mínimo.

Respeitem o trabalho dos autônomos, dêem valor, PAGUEM, curtidas não servem de moeda de troca, no mercado não dá pra comprar comida com likes, água, luz, aluguel também não!

Em um mundo tão desigual, dizer que dinheiro não traz felicidade produz uma grande reflexão, de fato vemos muitos ricos que tem tudo e não são felizes, mas te garanto que se na quebrada nosso povo tivesse o acesso a dinheiro suficiente para arcar com todos os custos de uma vida digna, muita coisa por aqui melhoraria até psicologicamente.

Bizarro saber que o rico fica cada vez mais rico e o pobre… cada vez mais pobre. O sonho de todo morador (a) da quebrada é ter seu emprego honesto, suas contas pagas e comida na mesa sem faltar, assim viver de forma bacana.

A vida é desafio, e já dizia Racionais.

“Viver entre o sonho e a merda da sobrevivência”

A Vida é Desafio – Racionais Mc’s

“As pessoas acabam voltando para casa”: a luta de cadeirantes para votar nas periferias

0

Zonas eleitorais nas periferias dificultam o acesso e o voto de moradores portadores de deficiência. Buracos nas ruas e calçadas elevadas comprometem ainda mais a acessibilidade no período eleitoral.

Ataunte nas periferias da zona sul de São Paulo, Juarez Pereira é um líder comunitário que busca defender os direitos de pessoas portadoras de deficiência fisica. (Foto: Arquivo Pessoal)

 Para exercer o direito de votar nas eleições de outubro, o jovem Felipe Barbosa, 22, morador da Cidade Ipava, zona sul de São Paulo, está se preparando para encarar calçadas elevadas, ruas esburacadas e sem rampas de acesso, um retrato dos desafios de mobilidade nas periferias e favelas, que afeta diretamente a rotina de locomoção de pessoas portadoras de deficiência física que tem mobilidade reduzida.

Barbosa é cadeirante desde 2014, ano no qual ele votou pela primeira vez, uma experiência que ele guarda consigo até hoje. “A experiência foi boa, fiquei feliz por estar exercendo meu direito, mas não era tão próximo da minha casa e tive um pouco de dificuldade nas ruas e calçadas”, relembra o jovem.

Após relembrar a experiência do primeiro voto, ele acrescenta que foi acompanhado de sua mãe, fato que tornou o processo de locomoção mais tranquilo. Mas hoje em dia, ele relata que se locomove para outros lugares sozinho, incluindo o trajeto até a sua zona eleitoral, que não fica próxima da sua casa.

Nas periferias e favelas é comum em ano eleitoral que determinados candidatos utilizem a força política do seu mandato, como por exemplo, verbas de emendas parlamentares para iniciar um processo de asfaltar trechos de ruas e avenidas, pintar calçadas e sinalizações como faixas de pedestre e meio fio.

Mas essa jogada política não é o bastante, segundo Barbosa. Para ele, as ruas e estradas precisam passar por algum tipo de manutenção contínua, para ajudar outros cadeirantes que possuem dificuldades de locomoção.

“A principal demanda é facilitar locomoção, inclusive, certos processos para que a gente não tenha tanta dificuldade. No meu bairro tem bastante lugares de difícil locomoção”

Felipe Barbosa, jovem cadeirante, de 22 anos e morador do bairro Cidade Ipava.

O que diz o TSE sobre acessibilidade nas eleições

O site institucional do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriga uma série de informações de utilidade pública que tem como objetivo amparar o eleitor com a oferta de serviços públicos que viabilizem o exercício do direito de votar.

No contexto da acessibilidade às zonas e seções eleitorais, que representa as salas e prédios onde a população com deficiência física ou com mobilidade reduzida realizam a votação, o TSE disponibiliza os seguintes serviços e orientações:

– Para deficientes visuais, as urnas eletrônicas possuem o teclado com letras e números em braile, possibilitando que o número dos candidatos sejam identificados pelos eleitores.

– Outra solução de acessibilidade importante é o recurso de áudio também voltado aos eleitores com deficiência visual. Pela primeira vez, eles poderão ouvir nestas eleições os nomes dos candidatos titulares, bem como os nomes de vices e suplentes na hora de votar.

– Para a comunidade surda, que tem a audição comprometida, as urnas eletrônicas contarão pela primeira vez com um intérprete de Libras na tela da urna, para indicar em qual cargo e candidato o eleitor está votando.

– Para cadeirantes e portadores de deficiência com mobilidade reduzida, será possível solicitar uma transferência temporária do local de votação, caso seja distante da sua casa, para um local mais próximo e com melhor infraestrutura de atendimento ao eleitor. Para isso, é necessário fazer essa solicitação em qualquer cartório eleitoral. 

Uma das principais atuações de Juarez Pereira é realizar ações que promovem o acesso à informação sobre direitos sociais para pessoas com deficiência. (Foto: Arquivo Pessoal)

 Acesso à direitos

Em 2018, o Brasil tinha 1.023,480 eleitores portadores de deficiência. Em 2020, esse número aumentou para 1.281,427 eleitores, segundo dados do TSE. Esse indicador reforça a importância da adoção de ações que promovam a acessibilidade e a inclusão destes eleitores durante o período eleitoral.

Entre as demandas dos eleitores portadores de deficiência está o acesso à informação, como conta o jovem Felipe. “Ainda falta um certo acesso à informação. Pessoas com condições como a minha tem muitos direitos que não conhecem, muita coisa que não chega até eles. Falo por mim quando eu digo que pessoas nessa condição só querem ser aceitas e inseridas”, argumenta.

Com o período eleitoral chegando, ele deposita no seu voto a esperança de viver dias melhores. “Quando chega o período de eleições, meu sentimento é de querer mudança, de ter esperança que algo mude, que seja diferente, que eu seja aceito e incluso”, enfatiza.

O debate da inclusão de pessoas portadores de deficiência na sociedade como um todo é a principal motivação do líder comunitário Juarez Pereira, morador do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, desenvolver uma série de projetos e ações solidárias voltadas a população com deficiência física e mobilidade reduzida.

“As pessoas que estão ficando agora com deficiência, a gente já está procurando dar um informativo, e também fazer um trabalho em conjunto com a Secretaria das Pessoas com Deficiência e a prefeitura para que se crie uma plataforma para informar melhor as pessoas”

Juarez Pereira é cadeirante e líder comunitário, desde 2014 ele luta pelos direitos de outras pessoas que vivem essa realidade.

Por ser cadeirante, Juarez conhece de perto o drama de quem depende de políticas públicas para ter uma qualidade de vida nas periferias e favelas, por isso, ele já se candidatou a vereador na cidade de São Paulo, e chegou a receber 12 mil votos.

Segundo o líder comunitário, as zonas eleitorais nas periferias precisam ser adaptadas para receber a população portadora de deficiência. “Tem muitas pessoas que acabam voltando para casa por essa falta de acessibilidade. E isso está garantido em lei também, que a pessoa vá lá no Tribunal Regional Eleitoral e faça o pedido da mudança e da acessibilidade, entendeu? E essa pessoa tem o direito de ter um local acessível na escola”, explica.

Na última eleição, ele relata que recebeu uma denúncia de uma eleitora que mora no Jardim Aracati, um dos bairros que compõe o distrito do Jardim Ângela, que solicitou antes de votar que a escola fosse adaptada para que não tivesse dificuldades em chegar em sua sessão, mas que além de não ter sido atendida, passou por uma situação constrangedora, onde outras pessoas pegaram ela no colo e subiram as escadas na frente de todos os eleitores presentes.

Juarez considera que é de extrema importância às pessoas portadoras de deficiência física buscaram entender as leis que regem suas realidades e os direitos que possuem, como por exemplo a Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência) que tem por objetivo a promoção, em condições de igualdade, do exercício dos direitos e liberdades fundamentais pela pessoa com deficiência, por meio, principalmente, da inclusão social.

Ainda sobre os direitos dessas pessoas com deficiência, Juarez conta que as mesmas pessoas têm o direito de ter uma cadeira de rodas, e que podem solicitar esse benefício, que inclusive exige um tempo de espera de 3 a 6 meses, mas que existe, e muitos delas não sabem.

“Na realidade é uma falta de informação, porque tem muitas pessoas, muitos deficientes, que não sabem dos seus direitos e quando acabam sabendo dos direitos e vão procurar, o poder público acaba dificultando”, critica o líder comunitário.

“Acima de tudo eu luto”, afirma Cassis Guariniçara, mãe, artista e indígena

0

Criador de uma rede de serviços que emprega pessoas marginalizadas pela sociedade, Cassis conta sobre os processos de reafirmação da sua identidade.

Nascido no Grajaú, zona sul de São Paulo, Cassis Guariniçara, 28, é multiartista, pessoa trans não binária e atuante na luta pelos direitos dos povos originários. O artista faz parte de uma associação multiétnica denominada “Wyka Kwara”, que reúne indígenas de todo o país.

Pertencente do povo Kariri Xocó, originário da Bahia, Cassis conta que sua ancestralidade veio por parte do pai, Claudemiro Correia e dos avôs paternos, Maria Damiana e Agustinho Correia.

A oralidade, cultura e ancestralidade sempre foram presentes dentro da minha criação. A consequência da colonização é estar em contexto urbano, mas o indígena, ele é indígena em qualquer espaço, onde quer que ele esteja

expressa Cassis, sobre a relação com a família e origem.

Em 2014, ano em que passou a morar em uma ocupação artística, Cassis se conectou com diversas vivências e aprendizados, período que se desenvolveu como arte educador, performista e artista de rua.”Fui passar uns dias e acabei fazendo uma residência artística de 5 anos”, diz o artista sobre a sua mudança para ocupação Ouvidor 63, localizada no centro de São Paulo.

Na ocupação, que abriga mais de 120 artistas, mulheres, mães, pais, travestis e indígenas, Cassis ajudava nas obras que o prédio antigo necessitava, pois executava esse trabalho desde criança com seu pai, Claudemiro, que é mestre de obras.

Foi a partir dessa vivência que em 2020, o artista teve a ideia de fazer uma postagem no Facebook, em um grupo de mulheres, oferecendo serviços de reparos e obras, como pinturas. Com a demanda de trabalhos que apareceram, Cassis começou a recrutar os moradores para as reformas e criou uma rede de “esposas de aluguel”. 

Após a divulgação de seu trabalho no grupo “Feministrampos” muitas pessoas o procuraram para serviços de manutenções e reparos. Foto: arquivo pessoal

“É uma rede de formação. Hoje, eu consigo formar profissionais que são pessoas racializadas, travestis, pais, indígenas, negras e essas pessoas acabam oferecendo seus próprios serviços e não ficam dependentes de mim. Faço parte de um coletivo que me ajuda muito nisso, que é o ‘Colabirito“, relata.

Hoje a rede é uma das frentes de trabalho do Cassis, sendo sua principal fonte de renda, mas as demandas de obras variam conforme o mês, fazendo com que ele precise combinar outras atuações, como arte educador e também com malabarismo no farol.

Identidade  

Para Cassis, ser indígena e viver em uma capital metropolitana é um desafio diante dos preconceitos que ele já passou e estão ligados à colonização e ao embranquecimento.

“Pelo que eu sinto ocupando esse espaço é que só tem dois lados: ou você é visto como indígena na cidade só se você estiver com adornos, ou você estuda e cria uma articulação política para poder discutir sem reproduzir preconceitos”, diz.

Junto com a Associação Wyka Kwara, Cassis esteve no Acampamento Terra Livre 2022, em Brasília, que reuniu mais de 7 mil indígenas de todo o país para debater temas como demarcação de territórios, proteção contra invasores, interrupção da agenda anti-indígena e políticas de preservação ambiental.

Foto: Ellen Lima Wassu

“Nós fomos pro movimento porque é um dever dos povos originários. Eu fui como representante da coordenação de comunicação e acolhimento. Eu fui pra aprender, pra articular e fazer laços. Foi muito importante”, relata sobre a experiência no acampamento.

Atualmente, convivendo com pessoas indígenas e não indígenas, a situação mais marcante que ele passou foi durante o processo da vacinação contra a covid-19. Por ser indígena e sofrer de falência renal, se dirigiu para tomar a primeira dose da vacina e foi questionado por uma funcionária para saber se era mesmo “índia” e se havia algum documento que comprovasse sua “tribo”.

“Primeiro eu falei que ‘índia’ não existia, que índia tava na Índia. Só que tendo uma formação política eu fui e conversei com ela: ‘olha, por lei, você não pode me pedir documento que prove etnia ou raça, mas tá aqui a minha carteira da associação com reconhecimento e você pode também ir lá consultar o meu cadastro no SUS e ver que eu estou cadastrado desde sempre como pessoa indígena'”, argumenta.

Foto: Ellen Lima Wassu

Após essa situação, Cassis conta que os advogados da Associação Wyka Kwara começaram a elaborar um documento para a apresentação no momento da vacinação, pois outros indígenas em Belém do Pará estavam passando pela mesma situação.

Por mais que tenha sido uma experiência dolorosa, foi muito importante fazer parte desse processo, pois nós conseguimos mandar para outros estados e fazer essa ponte, porque existem indígenas em zonas rurais, em quilombos, e muitas as organizações nacionais indígenas aqui do Brasil não os reconhecem

conta.

Cassis durante o Acampamento Terra Livre 2022, em Brasília, que reuniu indígenas de todo o país. Foto: Ellen Lima Wassu

A afirmação como pessoa trans não binário também foi dolorido, pois conta que foi um processo de não reconhecimento durante certo período: “Eu cresci acreditando que eu era bissexual e depois lésbica. Com 16 anos eu me entendia como pansexual e entendi que a minha relação sempre foi com pessoas”, afirma.

“Hoje eu me entendo como trans não binário pangênero. Ou seja, eu me relaciono com pessoas e eu sou contra binário, tendo vários gêneros. Um dia eu performo feminilidade, outro dia eu posso ser andrógeno, no outro dia eu posso performar uma figura masculina”, conta Cassis sobre os processos que vem identificado há 4 anos e que segundo ele, envolve terapia e conversas com pessoas trans que passaram pelas mesmas experiências.

A gente tem uma figura estereotipada do corpo trans e eu penso que eu não preciso performar uma masculinidade ou uma feminilidade pra ser entendido, né?

afirma.

Entre trabalhos como arte educador, com a rede que criou de “esposas de aluguel”, atuante pela defesa dos povos originários, Cassis ainda precisa reafirmar a sua existência. “É realmente muito difícil. Mas eu resisto como mãe, como pessoa periférica, como indigenia. Eu resisto para ter uma moradia e para ter um prato de comida. E luto, acima de tudo eu luto”, finaliza.

Coletivo Noroest celebra a cultura hip hop com atividades em escolas públicas de Perus

0

Com batalhas e aulas de breaking, criação de painéis de grafite, shows e uma biblioteca móvel, o coletivo convida estudantes e moradores da região para imersões na cultura do hip-hop. 

No mês de junho de 2022, o Coletivo Noroest circula pela quebrada com a temporada “Raízes do Hip Hop – Território Noroeste”, com eventos gratuitos, promovendo as novas produções artísticas da cultura hip hop. No total, serão três dias de eventos em unidades de ensino da região de Perus, na zona noroeste da capital paulista.

Os eventos acontecem nos dias 14, 24 e 28 de junho, e contarão com a criação de painéis de grafite com a artista Tika Loka, e show de rap com o artista MD Black. Haverá batalhas de breaking, tradicionais disputas de dança onde cada participante defende seu estilo, interagindo e improvisando em cima das músicas executada por um DJ, ainda terá a participação das b-girls Keka e Loira e dos b-boys Suicida Break e Gabriel como jurados e DJ Insano. 

“Por se tratar de uma arte genuína, fonte de produção de novos saberes e novas maneiras de olhar para o mundo vigente, acreditamos que através do Hip-Hop é possível conscientizar, humanizar e trocar aprendizados, potencializando valores sociais e intelectuais”

Coletivo Noroest

Atividade do Coletivo Noroest

Incentivando a leitura, principalmente sobre a história do hip-hop, o evento terá uma biblioteca temática com oferta de livros e outros materiais didáticos. Além de atividades lúdicas com contação de histórias e leituras de livros como: “A quebrada em quadrinhos”, “Nelson Triunfo, do sertão ao Hip-hop”, “Mulher de Palavra: Um retrato de mulheres no Rap de São Paulo”, “A pedagogia hip-hop: Consciência, resistência e saberes em luta”, “Batidas, rimas e vida escolas” e “Genealogia hip-hop”.

O Coletivo Noroest desenvolve ações artísticas através do Hip-Hop desde 2015, quando surgiu como Crew de Breaking Noroest Gang, sendo atualmente composto por integrantes residentes no bairro periférico de Perus. 

Informações 

Serviço 

“Raízes do Hip Hop – Território Noroeste” | Classificação Livre – Grátis

1º Evento – Quando: 14 de junho de 2022 (terça-feira), às 10h.
Local: Escola EMEF Philo Gonçalves – Rua Alagoa Nova, 05 – Perus – SP

2º Evento – Quando: 24 de junho de 2022 (sexta-feira), às 12h.
Local: CEU Perus – Rua Bernardo José de Lorena, s/n- Vila Fanton – Perus – SP

3º Evento – Quando: 28 de junho de 2022 (terça-feira), às 10h.
Local: Escola Jardim da Conquista – Rua Recanto dos Humildes, 278 – Conjunto Habitacional Recanto dos Humildes- Perus – SP


Programação:
Batalha de Breaking 3 vs 3 com os jurados: Keka, Loira, Suicida Break e Gabriel
DJ: Insano
Graffiti: Tika Loka
Show: MD Black (Rap)
Mais atrações: Biblioteca Hip-Hop, Workshop Breaking

“Não fomos avisados”: obra da Sabesp gera caos na rotina de moradores do Jardim Aracati

0

 Moradores questionam a Sabesp sobre falta de informação sobre obra que impactou o trânsito no bairro, causou falta de água e até interrompeu funcionamento de Unidade Básica de Saúde.

Canteiro de obras da Sabesp na Avenidada Taquandava, no Jardim Aracati, zona sul de São Paulo.

 Em janeiro, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP) iniciou uma série de obras no Jardim Aracati, bairro localizado na zona sul da cidade. Além de causar confusão no trânsito, a empresa pública instalou uma série de mangueiras próximas de postes e fios elétricos, expondo moradores e pedestres a possíveis acidentes.

De acordo com Weslley Couto, de 27, cobrador de ônibus que atua em uma linha que circula no Jardim Aracati, as obras da Sabesp mostram como a empresa muda a forma de atender a população quando atua em regiões periféricas.

“Normalmente em bairro nobre eles notificam os dias e o horário em que vai ter manutenção ou falta de água, qual a diferença da nossa região? Dinheiro?”, questiona Wesley, apontando o descontentamento com o tratamento dado pela Sabesp aos moradores do bairro onde ele mora e trabalha.

O morador do Jardim Aracati reconhece a importância das obras da Sabesp para trazer futuras melhorias para o bairro, mas segundo ele, a desorganização transformou a obra em um problema ainda maior para a população.

Entre os principais transtornos causados pelas obras da Sabesp estão a falta de água, dificuldade para transitar no bairro, impedindo moradores de chegar até o trabalho, e a instalação de mangueiras próximas dos postes de energia elétrica na Avenida Taquandava, considerada a principal via de acesso ao bairro.

“Fazem obra mas não sinalizam, desviam o trajeto mas não notificam as empresas, não colocam ninguém para controlar o trânsito, gerando desordem”

Weslley Couto é cobrador de ônibus e morador do Jardim Aracati, zona sul de São Paulo.

As obras que visam modernizar e aprimorar o abastecimento de água na região acontecem em horário comercial e durante a semana, momento de maior movimentação de pedestres e circulação de veículos de passeio e transporte coletivo nas ruas do Jardim Aracati.

Weslley tentou entrar em contato com a Sabesp para registrar sua reclamação, mas durante as tentativas, o cobrador sentiu a falta de interesse de comunicação por parte da prestadora de serviços, e a partir deste momento, os problemas começaram a aumentar, por que a população local não foi avisada que as obras iriam acontecer ou iriam gerar transtornos no trânsito da região.

Avenida Taquandava, sendo ocupada pela metade por maquinários utilizados durante as obras. (Foto por: Flávia Santos)

O que diz a CET 

O Desenrola e Não Me Enrola entrou em contato com a Sabesp e também com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), para buscar respostas que pudessem orientar a população local a entender o porquê esses problemas aconteceram e como poderiam ser solucionados, mas somente a CET respondeu os questionamentos da reportagem.

Uma das principais questões enviadas à CET buscou entender se houve alguma solicitação da Sabesp para companhia gestora de trânsito na cidade realizar algum tipo de intervenção no tráfego de veículos e linhas de ônibus, mas a resposta levantou ainda mais questões sobre a integridade da obra.

Além desse posicionamento, a CET acrescentou que foi aberto um chamado para que as interdições sejam removidas da via e os responsáveis orientados a fazer a regularização devida.

Nossa repórter procurou a Sabesp, mas até o momento desta publicação não recebemos um posicionamento oficial, fato que reforça ainda mais a preocupação dos moradores, que vêm buscando por respostas desde o início das obras no bairro, no mês de janeiro.

Foto por: Flávia Santos

Mangueiras penduradas 

 Um dos procedimentos gerados pela Sabesp durante a obra foi a instalação de mangueiras externas nas residências, juntamente ao relógio de água da região da Avenida Taquandava. A medida foi colocada em prática para não interromper o fornecimento de água, mas não houve êxito.

Moradores relataram ficar sem água por mais de dois dias seguidos. Esse é o caso de Rosimeire Freitas, 46, mãe e cabeleireira, e moradora do Jardim Aracati há mais de 10 anos. “Nós não fomos avisados, nós só ficamos sabendo quando eles já estavam aqui na rua”, conta a moradora, reafirmando a informação de Wesley, que também não foi notificado sobre a realização da obra.

Ao longo de dez dias, máquinas, ferramentas e homens mantiveram um canteiro de obras em frente de Rosimeire. Ela conta que o barulho era ensurdecedor, e que aumentava durante a noite, impedindo que os moradores da sua casa conseguissem ter uma noite tranquila.

Além das noites mal dormidas, a moradora afirma que as mangueiras também causaram grandes transtornos para sua família. “As mangueiras incomodavam, porque eles (responsáveis pela obra) a deixavam muito baixa. De manhã, quando o meu marido saia de casa com uma carreta era um sacrifício”, relata a moradora.

Foto por: Flávia Santos

Diante destas dificuldades, Rosimeire pediu o auxílio da Sabesp para que pudessem mudar a altura das mangueiras, mas a resposta dada pela empresa foi que aquela solicitação não dava para ser atendida naquele momento.

A obra da Sabesp impactou até o funcionamento da Unidade Básica de Saúde do bairro, que ficou sem água e teve que interromper o atendimento aos moradores. 

“Ficamos dois dias sem água, o posto de saúde ficou sem água, não pôde funcionar, eu ia levar meu filho pra tomar a vacina, não deu e aí eu tive que esperar”

Rosimeire Freitas é cabeleireira, mãe e moradora do Jardim Aracati, zona sul de São Paulo.

Após a finalização das obras, Rosimeire conta que os prestadores de serviço da Sabesp continuaram gerando problemas no bairro, pois eles deixaram grandes buracos no asfalto da avenida principal, provocando novamente problemas no trânsito.

Sem desistir de obter um retorno oficial da Sabesp sobre os rumos que aquela obra estava tomando, Wesley continuou tentando contato com a empresa até receber a seguinte resposta: quem faz manutenções nesses níveis são empresas terceirizadas e que naquele momento não poderia dar à ele mais informações.

Como ela já trabalhou como cobrador em outras linhas de ônibus, como na região de Interlagos, que possui áreas com residência de alto padrão, Wesley relata que já viu obras da Sabesp bem mais organizadas nesta região, na qual, as máquinas e ferramentas ficavam em cima da calçada para não impactar o trânsito.

“Porque na periferia tem que ser de qualquer jeito. Isso é revoltante!”, exclama o morador, deixando claro a sua insatisfação com o serviço oferecido à população no bairro onde ele trabalha e reside com a família, que chegou a ficar sem água por três dias seguidos.