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“É um movimento de força feminina”: Coletivo fomenta presença de mulheres no grafite

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Palpites, abusos, desrespeito e comparação são algumas das situações que mulheres enfrentam ao grafitar nas ruas. Situações que atrapalham não só as criações expostas nos muros, mas que também as desestimulam a saírem dos seus locais seguros.

Com o objetivo de promover espaços acolhedores de troca e encontros onde mulheres que fazem todo tipo de arte de rua possam se expressar, surge o Grapixurras das Minas. Em 2017, enquanto Iara Lopes, conhecida como Yaya e Paloma, conhecida como Sujeitas, pintavam um muro, também compartilhavam seus sentimentos sobre a falta de mulheres nos eventos de grafite, e desse papo surge a coletiva.

“Não é apenas para mulheres que já possuem técnicas. É as minas que estão começando e querendo conhecer outras minas. É para promover essa troca de conhecimento, amizade e união entre as mulheres no grafite.”

Iara Lopes (YAYA), 29, geógrafa, moradora de Osasco, região metropolitana de São Paulo e organizadora do Grapixurras das Minas.

O nome da coletiva foi sugerido por Paloma (Sujeitas) e faz referência aos eventos de grafite que já aconteciam e eram organizados majoritariamente por homens. A diferença é que buscaram deixar explícito que a iniciativa é voltada apenas para mulheres. “O ‘das Minas’ é para trazer o recorte e deixar claro que era só para mulheres colarem e pintarem”, diz Iara Lopes (YAYA).

Formado de forma espontânea através das mulheres que colavam para grafitar e procuravam no que poderiam contribuir para agregar na construção da coletiva, atualmente o Grapixurras conta com mais três organizadoras oficiais além da Iara e Paloma: Riane (Sister), Cintia (Bonnie) e Niala (Nica), e apoio de Paula (Bruxa) e Mica (Micaguei).

O primeiro evento oficial do Grapixurras das Minas aconteceu em 2018, onde reuniu cerca de 15 mulheres para grafitar um escadão no Jardim Celeste, região do ABC Paulista. “Foi uma sintonia gostosa, as minas já pegaram a maior amizade. Voltamos todas juntas. O primeiro logo deu a entender que ia dar tudo certo”, afirma Iara Lopes (YAYA), uma das organizadoras do evento.

Camila Coelho, conhecida como Nega, é professora, moradora da região oeste de São Paulo, já participou de várias edições dos encontros e afirma que para além de técnica, elas podem trocar entre si sobre suas vivências.

“Rola troca de tinta, de foto, de sticker, rola troca de arte, de ideias. Quando a gente tá num espaço que se sente livre, a gente se sente mais segura de dividir, colaborar e entregar para as pessoas que estão ao redor o que a gente tem de melhor. Tudo feito com amor.”

Nega, professora, já participou de várias edições do Grapixurras das Minas.

Apoio de políticas públicas

Após 5 anos de existência realizando rateios entre as participantes para subsidiar os eventos, em 2023, o coletivo foi aprovado no Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), lei de incentivo a projetos culturais de São Paulo. A 20ª edição do evento das minas, que aconteceu em janeiro de 2023, foi o primeiro encontro com apoio da política pública e reuniu cerca de 200 grafiteiras, em Ermelino Matarazzo, na zona leste de São Paulo.

Esse foi o primeiro encontro em que o Grapixurras das Minas conseguiu disponibilizar kits com spray para alguns participantes pintarem durante o evento.

“Agora a gente consegue fornecer kits de lata para as primeiras minas [que se inscrevem via formulário] e ver [que] as mina não precisar tirar do próprio bolso para comer um almoço da hora”, aponta Iara Lopes (YAYA), ressaltando que durante o dia também teve a possibilidade de rolar o “churrasco das minas”, que contava com opção vegana e ainda sorteios com artes levadas por algumas participantes.

O pouco apoio e políticas públicas com foco em espaços para essa troca entre as mulheres afeta não apenas a produção dos encontros, mas também inviabiliza a locomoção de muitas mulheres, já que a maioria mora em diferentes territórios periféricos da cidade.

É o caso da rapper e grafiteira Pamela Miranda, 26, conhecida como Miranda, que mora em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, e geralmente precisa pegar dois ônibus, metrô e trem para chegar aos locais do evento: “Eu estando dentro do metrô vou para qualquer lugar, é grana [a questão]”, afirma.

Miranda ficou sabendo do Grapixurras das Minas através de uma conhecida e já chegou a ir em mais de 10 edições dos encontros. Segundo ela, os eventos contribuíram para aumentar a frequência com que coloca sua arte na rua e ainda a possibilidade de pintar para além da sua quebrada.

“Eu não tinha uma frequência tão alta. Pintava mais os mesmos lugares, mas o Grapixurras das Minas tirou esse limite de espaço. Me fez conhecer outras manas e pintar em outros lugares, isso é dahora”, conta Miranda.

Espaço que acolhe e fortalece

Miranda afirma que uma das diferenças entre eventos organizados por homens e o Grapixurras das Minas, é o acolhimento e a importância da sua presença para outras mulheres, as quais ela considera suas irmãs de rua. Ela conta que já chegou a ir para o encontro sem tinta e foi fortalecida por diversas minas no local.

“Aqui você sabe que sua presença é importante para outras pessoas, elas fazem questão da sua presença. Você tá sem tinta? Cola. Tá sem dinheiro? Vou te mandar a condução. É um movimento de força feminina”

Miranda, rapper, moradora de Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo.

Para garantir a presença de grafiteiras que são mães, além da alimentação são realizadas atividades e oficinas com foco nas crianças, para que possam se entreter e dar a possibilidade das mães conseguirem pintar com mais tranquilidade.

Camila Coelho (Nega), 35, é professora, moradora do Butantã, região oeste de São Paulo, e mãe. Ela cola no Grapixurras das Minas desde a 7ª edição e conta que já deixou de participar de eventos por não ter rede de apoio pessoal ou no local.

“Geralmente em rolês organizados por pessoas do sexo masculino eles não pensam na acolhida da criança. Nem sempre os muros são fáceis de administrar, porque é na rua, tem carro passando, a criança quer correr e acaba que você não pinta”, aponta Nega.

“Você fica triste. Ver todo mundo pintando e você limitada de se expressar”, completa, ao citar que levar seu filho junto com ela para grafitar demanda tempo e atenção, assim, não consegue se concentrar para pintar.

Milena, 24, é moradora de Embu das Artes e assina como Ser em seus grafites, conta que conheceu o Grapixurra das Minas através de uma amiga. Ela está participando pela terceira vez do evento e sempre leva sua filha junto, a Gaia. “Trago ela para conhecer a arte de rua e conviver com mulheres. Ela se sente 100% à vontade, pinta e borda”, afirma Ser.

Cintia (Bonnie), 38, é moradora de Mauá, no ABC Paulista, passou a fazer parte do coletivo após participar de algumas edições e afirma que a arte de rua deu a ela e a outras mulheres a chance de expressarem a sua existência.

“Fazemos e vivemos para mostrar que existimos, que estamos aptas desde o ventre para sermos livres, fazer e chegar no lugar que desejamos. Somos resistência e continuaremos resistindo. Os espaços estão sendo retomados por aquelas que um dia foram diminuídas ou mal faladas só porque somos mulheres tomando a frente das nossas próprias vidas”

Cintia (Bonnie), moradora de Mauá, no ABC Paulista e uma das organizadoras do Grapixurras das Minas.

Kinoforum abre inscrições para cinema periférico no 34º Festival de Curtas

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As inscrições para a 34ª edição do Festival Internacional de Curtas de São Paulo – Curta Kinoforum, reconhecido como um dos mais importantes eventos mundiais dedicados ao filme de curta duração, estão abertas até 31 de março. A iniciativa é da Associação Cultural Kinoforum.

Podem participar filmes com até 25 minutos de duração, sem distinção de gênero e que tenham sido finalizados a partir de 1º/01/2022. Visando estimular a maior participação de filmes de realizadores periféricos, negros, indígenas e LGBTQIA+, o evento abriu um canal especifico para as inscrições desta produção pelo e-mail info@kinoforum.org. O festival preza pela diversidade e por isso conta com um comitê de seleção que representa a heterogeneidade da sociedade brasileira.

O festival  também prevê a participação do público na avaliação da produção e abre parcerias que resultam em premiações. Os curtas brasileiros realizados em cursos de graduação do ensino audiovisual são elegíveis ao Prêmio Revelação, que consiste em serviços e equipamentos para a produção de uma nova obra.

Somente serão elegíveis aos prêmios promovidos pelo festival e seus parceiros os títulos brasileiros que possuam Certificado de Produto Brasileiro (CPB) emitido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). O evento aceitará a inscrição de obras que ainda não possuam o CPB; contudo somente poderão concorrer às premiações e destaques as produções que façam prova do processo de registro na Ancine até o dia 20/06.

As produções finalizadas em 2023 têm prazo maior para inscrição: até 28/04. O 34° Festival Internacional de Curtas de São Paulo – Curta Kinoforum tem direção da produtora Zita Carvalhosa e acontece de 29/08 a 3/09.

Para se inscrever: 

As inscrições podem ser acessadas aqui

“Fazemos com que as pessoas entendam a cultura surda”, diz criadora do projeto Libras Na Quebrada

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Com 3 anos de atuação, o Libras Na Quebrada conta com mais de 10 pessoas na equipe, composta por educadores surdos e ouvintes.

Oficina de Libras sendo mediada pela educadora Ananda Castilho, que inclusive foi aluna do projeto. (Foto: Acervo pessoal)

 O projeto Libras na Quebrada iniciou a primeira turma de oficinas gratuitas de língua de sinais de 2023, no primeiro sábado (05) do mês de março. O curso, que tem duração de quatro meses, acontece dentro da Casa de Cultura da Vila Guilherme pelo terceiro ano consecutivo. O espaço cultural, localizado na zona norte de São Paulo, já se tornou a sede fixa do projeto.

“Eu pensei: preciso fazer essa revolução. Porque às vezes na periferia tem o surdo, mas as pessoas chamam de ‘mudinho’, que é errado, ou de ‘doido’. Então a ideia do projeto é essa, a gente ensina libras mas a gente também conscientizar as pessoas, fazemos reflexões e fazemos com que as pessoas entendam a cultura surda”, explica Gyanny Vilanova, criadora do projeto Libras na Quebrada que moradora da Vila Maria, zona norte de São Paulo.

“O surdo é capaz de fazer qualquer coisa, estar em qualquer lugar e entender qualquer coisa”

Gyanny Vilanova, criadora do projeto Libras na Quebrada

O Libras na Quebrada é um projeto que nasceu a partir de um primeiro contato com uma pessoa surda que tinha dificuldades de comunicação, segundo Gyanny , a fundadora. (Foto: Acervo pessoal)

O propósito do Libras na Quebrada ajudou a transformar a vida profissional da enfermeira Fabiana Souza, 46, moradora do Brás, região central de São Paulo. Ela é aluna do projeto desde 2021 e relata como os aprendizados conquistados durante a formação agregaram valor a maneira de atender a população surda nos equipamentos públicos de saúde onde ela trabalha.

“Imagina uma pessoa que está precisando ser socorrida numa unidade de saúde, e a pessoa tenta expressar aquilo que ela está sentindo, uma dor, uma agitação ou qualquer outra coisa que não seja visível e ninguém conseguir entender, se hoje aparecer alguém para fazer os exames, eu consigo aos pouquinhos, conversar e fazer perguntas para uma pessoa surda”, exemplifica Fabiana, citando situações que podem acontecer no dia dia de trabalho.

“Eu consigo aos pouquinhos conversar e fazer perguntas para uma pessoa surda”

Fabiana Souza, enfermeira e aluno do projeto

Para realizar as oficinas e atender os mais de 20 alunos, o projeto conta com o apoio da Ananda Castilho, 2, que também mora na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo. Antes de ser integrante da equipe pedagógica do projeto, ela foi aluna do curso, pois nasceu com uma pequena taxa de surdez, e considera o aprendizado de libras como uma necessidade social e fundamental para todas as pessoas.

“Sinto que minha responsabilidade como professora é desconstruir a cabeça dos meus alunos, mostrar que devemos sempre estar atentos ao nosso redor, ter empatia pelo próximo. Eu sempre falo pra eles que quando você entende o propósito da libras, do porquê você está aprendendo, quando você entende a importância da libras e de repassar esse conhecimento a frente, você se interessa e começa a mudar seus pensamentos”, reflete a educadora.

As oficinas do projeto têm a duração de aproximadamente quatro meses, e contam com o apoio de educadores surdos e ouvintes. (Foto: Acervo pessoal)

Gyanny, que é a criadora da iniciativa, conta que tudo começou em 2009, quando tinha 16 anos. Nesta época, ela trabalhava na Galeria do Rock, no centro de São Paulo, como vendedora. Ao sentir dificuldades para usar libras pela primeira vez para atender um jovem surdo, ela se sentiu curiosa para aprender a usar a língua de sinais e estimular outras pessoas a seguir esse caminho.

“Fiquei um tempo pensando em como elaborar o projeto, qual o foco, a missão e valores. Quando a gente começou era um pouco mais difícil achar curso de libras, era só pago, aí eu pensei em fazer um gratuito sem cobrar nada da galera, e na periferia tem muito espaço legal”, relata a criadora do projeto.

Após o período de idealização e estruturação do curso, as oficinas da primeira turma do Libras Na Quebrada começaram em 2020, no mês de fevereiro, mas, com a chegada da pandemia, todo o cronograma de atividades precisou ser pausado por um tempo indeterminado. 

“No centro já tem curso de libras, então eu quis pensar em ir para lugares que não têm”

Gyanny Vilanova, criadora do projeto Libras na Quebrada

O projeto Libras Na Quebrada não parou mesmo com a chegada da pandemia em 2020, as aulas aconteceram no formato online. (Foto/Reprodução: Acervo pessoal)

“A gente fez um mês de aula, veio a pandemia e tudo que eu estruturei pro presencial, como brincadeiras e dinâmicas foi por água abaixo e a gente teve que se reorganizar no online. Ficamos uns meses sem realizarmos as aulas, depois voltamos para o online”, explica Gyanny.

Entretanto, até hoje, a ideia do projeto é chegar em todas as quebradas, ensinar as linguagens de sinais mais usadas no cotidiano das pessoas. As oficinas duram quatro meses, em sua grande maioria são realizadas em encontros aos sábados, com turmas que tem em média 20 alunos.

“Quando eu iniciei o curso foi por curiosidade, quando eu fui começar a fazer e participar das aulas com professor surdo foi por amor, e depois conhecendo os surdos, eu peguei empatia. Então foi um passinho de cada vez. O surdo é capaz de fazer qualquer coisa, estar em qualquer lugar e entender qualquer coisa”, concluiu Gyanny.

“Eu queria me enxergar nos meus alunos”: professora cria curso de inglês para romper barreiras sociais e raciais

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Em janeiro de 2021, a professora de inglês Karina Santana, 28, moradora da zona leste de São Paulo, criou o curso “Karina, Me Ensina”, para romper com a lógica de mercado da educação que torna o inglês um idioma acessível para pessoas brancas e de classe média, e distante de pessoas negras e periféricas.

Um dos diferenciais do curso tem esse propósito de impacto social: facilitar o acesso de inúmeras pessoas periféricas ao ensino de inglês, principalmente de mulheres negras como ela, que correspondem a 80% dos seus alunos.

“O inglês é elitizado no Brasil. E existe a visão de que quem o domina é superior. Nos sentimos inferiorizados porque achamos que deveríamos ter esse conhecimento, quando não é questão de querer, mas de ter condições financeiras para tal.

Karina Santana, professora de inglês e fundadora do “Karina, Me Ensina”.

Batendo de frente com o racismo

Durante a trajetória profissional, Karina conta que, ao longo dos mais de 8 anos em que trabalhou em escolas bilíngues, pôde perceber de perto a diferença brusca entre a sua vida e a daqueles que frequentavam suas aulas, majoritariamente brancos e de classe média, sendo alvo inúmeras vezes de discriminação de raça e classe.

Ela lembra que a postura dos alunos brancos para promoção do racismo deixou marcas na sua trajetória profissional. “Uma vez eu recebi um sabonete de um aluno que, ao entregá-lo, disse que eu devia me lavar, porque eu era suja. Ao levar a questão para a diretoria, eu fui demitida.”

“O choque de realidade que eu vivenciava nas escolas atuando como professora era gritante”

Karina Santana, moradora da Zona Leste de São Paulo.

“Ninguém dizia abertamente que “inglês era coisa de rico e branco”, mas o choque de realidade que eu vivenciava nas escolas atuando como professora era gritante. Eu era sempre a única professora negra e já passei por várias situações de racismo, do velado ao escrachado”, revela Karina.

Além de enfrentar essas situações de racismo no ambiente de trabalho, a professora de inglês vivenciou outra forma de preconceito, desta vez, o alvo foi o seu filho caçula, que ela tinha acabado de dar luz, e nasceu com a Síndrome de Klippel-Trenaunay, uma doença que causa má formação dos ossos, varizes nas veias, manchas no rosto, entre outras complicações que impedem o bom desenvolvimento da criança.

Ao voltar da licença maternidade e informar à empresa sobre a condição de saúde do filho mais novo, que exige tratamento e acompanhamento contínuo, Karina foi demitida duas semanas após voltar ao trabalho, uma atitude antiética da empresa que vai contra a legislação trabalhista. Tais acontecimentos contribuíram para a professora dar novos rumos para sua vida profissional, adotando o empreendedorismo como uma tentativa de gerar renda.

“Eu não sonhava ser empreendedora, eu me tornei empreendedora por necessidade”.

Karina Santana, criadora do curso Karina, Me Ensina.

Ela sempre amou ser professora, mas o fato de encontrar vários desafios para se manter no mercado de trabalho, a levou a oferecer aulas de inglês por conta própria para um novo perfil de estudantes.

“Diferentemente do público que atendia nas escolas bilíngues, eu queria poder me enxergar nos meus alunos e que eles se enxergassem em mim também. Por isso, sempre tive comigo a ideia de ter um curso acessível, de baixo custo e que aproximasse as pessoas periféricas do inglês”, conta a empreendedora.

Inspirada em Paulo Freire

Karina é pedagoga com especialização em pedagogia freiriana, método criado por Paulo Freire que defende uma aprendizagem coletiva, prezando pela troca entre professor e aluno, a partir das realidades sociais e experiências dos estudantes, de modo que eles consigam enxergar sentido e motivação para aprender.

Desta forma, ela não oferece um curso só com valor acessível, mas com ensino humanizado, que busca entender o motivo real pelo qual as pessoas não conseguem aprender inglês, respeitando o tempo de cada um e fazendo com que tenham autoestima e segurança para se familiarizar com o idioma. 

“A Teacher Karina é acolhedora, divertida e gentil com todos, sempre nos incentivando a perder a vergonha de julgamento sobre a nossa pronúncia, nos deixando livres para responder perguntas em português quando temos dúvidas de como falar algo, tornando assim, as aulas em um espaço seguro em que podemos errar, aprender e evoluir”, explica Bianca Rodrigues, aluna do curso “Karina, Me Ensina”.

Bianca Rodrigues, publicitária e aluna do "Karina, Me Ensina". Foto: Arquivo pessoal.
Bianca Rodrigues, publicitária e aluna do “Karina, Me Ensina”. Foto: Arquivo pessoal.

“Antes das aulas da Teacher Karina, eu dependia totalmente do recurso de tradução do Google para compreender textos em inglês, inclusive no meu trabalho.”

Bianca Rodrigues, aluna do  curso Karina, Me Ensina.

Os conteúdos abordados nas aulas também recebem atenção especial, por possuírem um olhar crítico sobre o inglês e sua relação com a cultura norte-americana. Diferentemente das escolas tradicionais que vendem o idioma como sendo parte do “sonho americano”, ela tenta romper com essa ideia imperialista, focando na questão de oportunidades e acesso a lugares, seja para trabalhar, estudar ou viajar. 

Por isso, a proposta pedagógica não se limita à variação estadunidense e traz o sotaque queniano, indiano, além de trabalhar com música, arte e culturas negras, o que gera identificação com os alunos, fazendo com que se sintam mais à vontade para aprenderem e avançarem no idioma.

A aluna Bianca Rodrigues é formada em publicidade e atua como Social Media. Um dos principais impactos de aprendizagem do curso foi o desenvolvimento do gosto pela leitura de textos em inglês, habilidade fundamental na sua área de trabalho.

“Hoje já faço questão de ler cada texto em inglês e interpretar com calma o que li, partindo para tradução somente em caso de dúvidas específicas. O “Karina, Me Ensina” me incentiva a prestar mais atenção no inglês que está presente no meu dia a dia, a exercitar minha mente com frequência e a me desafiar cada vez mais no idioma”, compartilha Bianca.

Retornos positivos de alunas como a Bianca são comuns nas redes sociais da escola de inglês criada por Karina, com destaque para as publicações em seu perfil no Instagram, @teacher.professora, carro-chefe para atrair clientes, por engajar mais de 10 mil seguidores, fato que contribuiu para atingir a marca de 500 alunos.

“Fiz de tudo para formar minha primeira turma com 15 alunos. Postava todo dia sobre meu curso em grupos de Facebook voltados ao afro empreendedorismo. Mandava mensagem sobre as aulas para todos os contatos do meu WhatsApp e pedia para compartilharem com quem pudessem. Falava muito com todas as pessoas que conhecia. Como sou bastante comunicativa, acredito que isso tenha me ajudado no início”, finaliza Karina.

Padre Jaime, um homem que une a periferia

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No último dia 7 de março de 2023, Padre Jaime faria 78 anos, na verdade fez, porque continuará presente, hoje e sempre. E sua voz continuará ressoando: coragem, menino! coragem menina!

Padre Jaime – Foto: Admilton Martinho

Há homens que lutam um dia e são bons,
Há outros que lutam um ano e são melhores,
Há os que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis.

Bertolt Brecht

Esse foi justamente o padre Jaime, um ser humano, um altruísta como poucos, que nos deixou no dia 20 de fevereiro de 2023, na Irlanda, sua terra natal, onde estava vivendo com seus familiares.

Padre Jaime viveu no Brasil por mais de 50 anos e aqui fez história por onde passou, caminhando e lutando juntos aos pobres e perseguidos. Sua atuação se deu para além dos muros da igreja católica, tornou-se referência social e política em São Paulo e no país, por suas ações em favor da vida.

Em comunhão com leigos e religiosos progressistas da Igreja Católica, padre Jaime não separava a evangelização da vida concreta do povo, escolheu levar a palavra e o pão para os que mais necessitavam, nem que para isso tivesse que enfrentar políticos, “coronéis” e mesmo religiosos da própria igreja. 

Com seu jeito acolhedor e sorridente, padre Jaime fez da paróquia Santos Mártires um espaço de acolhida e articulação social. Assim, conseguiu unir diferentes denominações religiosas, inúmeras lideranças sociais, o poder público, movimentos sociais, partidos políticos, pessoas anônimas, mães, educadores e pesquisadores. 

Tudo isso na busca de transformar a realidade social do Jardim Ângela, que na década 1990 chegou a ser considerado um dos bairros mais violentos do mundo pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Foi no Jardim Ângela que padre Jaime passou a maior parte de sua vida no Brasil, mais de 30 anos. Pode-se dizer que existia um Jardim Ângela antes do padre Jaime e outro depois.

Das lutas encampadas pelo padre Jaime, a esperança se tornou uma chama permanente que fez nascer creches, escolas, espaços de acolhida para crianças, adolescentes e jovens, serviços de assistência às famílias e um centro de defesa e convivência para as mulheres vítimas de violências.

Arte produzida pela Rede Ubuntu Educação Popular em homenagem ao Padre Jaime Crowe

Encampou campanhas e mobilizações por moradias, saúde e mobilidade urbana. A partir de sua atuação também observou-se a diminuição nos índices de violência do bairro.

Poderíamos elencar inúmeras conquistas da nossa região que tiveram a liderança e apoio do padre Jaime, mas vale citar duas de grande importância: o Hospital M’Boi Mirim e as bases de polícia comunitária.

Mas para além de falar das conquistas, é preciso pensar no legado que o padre Jaime nos deixa. Muitas das suas lutas continuam demandando esforços dos movimentos e coletivos.

Infelizmente as dificuldades e problemas em nossas periferias permanecem, as vidas dos nossos jovens continuam sendo ceifadas, a violência contra as mulheres cresce, a falta de médicos é gritante, a moradia continua a ser um privilégio de poucos, e a mobilidade ainda nos impede de andar pela cidade. 

Assim, nossos agradecimentos ao padre Jaime devem ser feitos dando continuidade as suas/nossas lutas. Estou seguro de que é isso que o padre Jaime desejaria.

Ele nunca descansou, sempre esteve em movimento para combater qualquer injustiça cometida a qualquer pessoa, esse era seu exemplo, um homem incansável.

Nos últimos anos estive muito perto do padre Jaime, que era pra mim um guia, um conselheiro, e de tantas coisas que me ensinou, a mais importante foi de não desistir dos sonhos, de acreditar em uma outra sociedade: mais justa, de ter coragem para enfrentar as dificuldades e as lutas.

Também pelo padre Jaime, quero retomar essa coluna e fazer desse espaço memória viva de suas lutas.

No último dia 7 de março de 2023, Jaime faria 78 anos, na verdade fez, porque continuará presente, hoje e sempre! E sua voz continuará ressoando: CORAGEM, MENINO! CORAGEM MENINA!

Intercâmbio musical reúne DJs de Cabo Verde em evento gratuito no Capão Redondo

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Pela primeira vez no país, os DJs Mama Demba e Micáh participam de um intercâmbio musical organizado pelo produtor musical Mario Cezro.
Dj Mario Cezro e os Djs cabo-verdianos Mama Demba e Micáh. Foto: Divulgação.
Nesta quinta-feira (16), o DJ brasileiro e produtor cultural Mario Cezro, realiza um intercâmbio musical. A atividade acontece a partir das 18h na sede do espaço cultural independente Ateliê Nu Capão, localizado no Capão Redondo, zona sul de São Paulo.
O encontro contará com a participação dos DJs nascidos em Cabo Verde e radicados em Portugal, Mama Demba e Micáh. Um dos propósitos do intercâmbio é investigar os desdobramentos da musicalidade presente em Cabo Verde, Portugal e no Brasil.
O organizador do evento, o Dj Mario Cezro, é morador do Jardim São Luís e há décadas pesquisa sonoridades espalhadas pelo mundo e divulga seu trabalho por meio do selo musical Estados Sonidos.

“Há mais semelhanças do que diferenças entre esses dois lugares. A história de Cabo Verde e do Brasil se conectam, e a música é mais uma prova disso”

Dj Mario Cezro

Conheça o Dj Mamba Demba, clique aqui
Conheça o Dj Micáh, clique aqui
Conheça selo musical Estados Sonidos, clique aqui

Serviço

Estados Sonidos apresenta: Conexão Brasil – Cabo Verde – Portugal

Dia: 16 de março
Horário: 18h às 23h
Local: Ateliê NuCapão
Endereço: Rua Maria Blanchard,177 – Capão Redondo, São Paulo (SP).

Grupo de rap fundado no Carandiru promove ações culturais com jovens na quebrada

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Com anos de atuação artística e cultural no território, desde 2020 o grupo Comunidade Carcerária gerencia espaço cultural que promove ações formativas no distrito de Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo.

Washington Pereira Paz e Flaviano Souza estão há mais de 20 anos atuando juntos acolhendo a juventude da periferia e se inspirando em suas próprias histórias. (Foto por: Flávia Santos)

 Em meados de 1996, dentro da antiga casa de detenção localizada na zona norte de São Paulo, o Carandiru, surgiu o grupo de rap Comunidade Carcerária, criado por alguns amigos, entre eles Washington Pereira Paz, conhecido como W.O e Flaviano Souza, conhecido como F.W Guerreiro da Paz.

Na intenção de sobreviverem ao sistema prisional, os amigos iniciaram suas jornadas no mundo musical escrevendo e compartilhando suas vivências sobre um futuro de liberdade que não sabiam se estava próximo ou não de chegar.

“Nos espelhamos muito na gente, nos nossos problemas, no veneno que a gente estava passando ali preso, sem poder sair, ver um amigo, um parente”. Washington Paz, conhecido como W.O, 47, rapper, morador da Vila Missionária, bairro localizado na zona sul de São Paulo.

Washington conta que a ideia de pensar outras possibilidades para se viver surgiu a partir de suas próprias experiências e também na tentativa de tirar o máximo de jovens que conseguissem de um caminho que afirma não ser o melhor para a juventude das periferias. “Tem como você crescer através de um estudo, através de um curso”, afirma.

O músico saiu da casa de detenção em 1999, mas continuou frequentando o local para ensaiar e trabalhar no projeto que não queriam deixar apenas no papel. No início, o grupo era formado por três MC’s, sendo eles o Washington (WO), o Flaviano (FW) e o Jairo, conhecido como MC Jhay, mas apenas Washington e Flaviano seguiram com as atividades do Comunidade Carcerária.

“A gente criou até um centro cultural no presídio na época. A gente viu passar por lá Detentos do Rap, 509-E, o grupo de samba Bola Mais Um. A maioria da galera que saiu de lá e que gravou passaram pelo nosso espaço cultural”

compartilha o rapper sobre as ações culturais que mobilizaram ainda dentro da casa de detenção.

Na época, com o auxílio de um agente penitenciário, conseguiam se encontrar para darem continuidade às produções dentro do complexo. Continuaram com as atividades no local até o ano 2000, período em que os outros integrantes foram transferidos devido ao processo de desativação e implosão de pavilhões do Carandiru, como reflexo do massacre ocorrido em 1992.

 Apoio de políticas públicas

Mesmo com dificuldades, ao longo dos anos o grupo permaneceu na ativa. Em 2006, com Flaviano também fora do sistema prisional, seguiram em busca de possibilidades de existência e formas de seguirem construindo o que começaram anos atrás dentro da casa de detenção.

“Hoje a gente tem [um espaço físico], depois de muitos anos de história, de resistência, através de projetos da Secretaria de Cultura feitos aqui na região”, conta Washington sobre o espaço que conseguiram fundar em 2020, após serem contemplados no Programa de Fomento à Cultura da Periferia, política pública da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. 

“A porta é aberta para você investir no seu sonho, no que você acredita, e através dessa parceria é que a gente conseguiu essa estrutura para os jovens saírem da rua”

afirma Washington.

O grupo de rap Comunidade Carcerária foi fundado em 1996, dentro da Casa de Detenção do Carandiru, e atualmente são linha de frente de um projeto social pensado para a juventude de quebrada. (Foto por: Flávia Santos)

Atualmente, no espaço gerido por Washington e Flaviano, que fica na Vila Missionária, bairro localizado no distrito de Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, são realizadas oficinas semanais, de quarta a domingo. O espaço que se chama GR2C (sigla para Grupo de Rap Comunidade Carcerária), abriga diferentes atividades: vivências de MC’s, aulas de break, grafite, trança, fotografia e também encontros de batalhas de rima.

Além disso, o grupo circula pela cidade realizando visitas a casas de recuperação para debaterem temas como encarceramento, ressocialização e acesso à cultura.

Entre os jovens que colam no espaço GR2C, a maioria já passou pela Fundação Casa, e é exatamente esse um dos maiores focos da iniciativa, que busca criar possibilidades para que esses jovens não precisem ter mais contato com o sistema prisional. Para isso também buscam fortalecer uma rede de apoio e de oportunidades para os jovens.

“Ao invés dele estar na biqueira ou assaltando alguém no farol, ele está no palco com o microfone na mão, fazendo aquilo que ele gosta, pulando, sorrindo e cantando. Então é isso que traz energia e a vontade de continuar”

pontua Washington.

Um dos jovens que frequenta e é impactado pela existência do local, é o Gabriel Lima, 21, conhecido como MC Kazuê, morador da Vila Joaniza, bairro da Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. Gabriel é organizador da Batalha do Kaos, que acontece no seu bairro desde 2016. Ele começou a rimar com 14 anos e conta que decidiu sonhar com o rap para sua vida.

“Me senti bem no espaço, me senti importante e me livrou de muitos rolês que não valiam a pena, onde eu só me drogava e ficava mal. Hoje nossa conexão está pesadíssima e estou muito feliz por essa mudança comportamental”, compartilha Gabriel.

Sistema desigual

Atuante no movimento social Amparar, que atende pessoas afetadas pelo sistema prisional para garantir direitos básicos também às famílias, Fabio Pereira, estudante de serviço social, aponta a importância de ações que deem suporte para as pessoas e famílias atravessadas por esse sistema.

“É fundamental que a gente possa reivindicar políticas públicas para pessoas que passaram pelo cárcere e de ações individuais”, afirma Fábio Pereira.

O abolicionista penal também analisa o fato do grupo Comunidade Carcerária ter conseguido um apoio apenas mais de 20 anos depois de sua atuação. Como isso representa a diferenciação entre pessoas a partir de seus corpos e endereços. 

“A maioria das pessoas saem das cadeias sem perspectivas e acabam retornando pra ela porque não se oportuniza outras oportunidades. Se hoje, nesse momento, cair um jovem agonizando em qualquer quebrada, é mais fácil chegar uma viatura do que uma ambulância do samu”

aponta.

W.O e F.W possuem o sonho de alcançarem o maior número de jovens vulneráveis de quebrada que conseguirem, e oportunizar que possam sonhar de novo. (Foto por: Flávia Santos)

Fábio pontua a necessidade de pensar políticas efetivas de seguridade social nas periferias, garantir os direitos básicos dessas pessoas e refletir verdadeiramente sobre o papel das prisões.

“Será que se garantissem tudo isso, essas pessoas estariam no crime? Estariam nessa situação? A prisão funciona muito como uma vingança social. Se a prisão fosse pensada para pessoas ricas ela não seria da forma que ela é”, finaliza Fábio. 

Quando os meninos negros morrem

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Você, homem negro, ame a si mesmo e a sua cultura. Dê amor, respeite o tempo e às pessoas que você ama e não permaneça onde te querem capataz.

Ensaio Resgate de Cauane Oliveira (@baduona) e Renata Santos (@olhodeanubis), set. de 2020.

Se deparar com índices que denunciam a mortalidade e a degradação da vida nas periferias não é novidade, a morte ganha um peso único quando contamos os números e procuramos o que eles significam.

Um peso no corpo, uma dor no peito, acordar e descobrir que a realidade é mais dura que o pesadelo. O trauma da perda é uma marca que separa os que sonham com o futuro e os que buscam justiça – ou que morrem aos poucos enquanto o tempo apaga as marcas de quem passou pela terra.

Então tenho pensado, por que os meninos negros morrem tão cedo? 

Estou cada vez mais perto do fim da faixa etária das estatísticas de expectativas de mortalidade entre a juventude negra e tenho me perguntado, por que isso acontece?

Podemos criar representações das motivações e efeitos que levam centenas de milhares de jovens de 14 à 29 anos a números expressivos de mortalidade. Da violência policial ao suícidio, da situação de rua ao encarceramento, o homem negro é o principal alvo – mesmo que essas violências acometam a população negra e periférica como um todo.

Como exercício de reflexão, vamos remontar parte dos problemas que sustentam esses acontecimentos até hoje e que tem origem no passado escravocrata.

Quem nunca ouviu na escola, na rua, em espaços públicos de modo geral, um “educação vem de casa” que atire a primeira pedra.

A questão é que a família é o pilar de diversos desafios e problemas que vamos experimentar durante a vida e também o lugar de busca por superação, redenção e cura. 

Em diversas sociedades de origem não-brancas ou que não são de cultura ocidental cristã, podemos ver modelos diferentes de enxergar o papel da família.

Por exemplo, em comunidades de culturas indígenas e africanas, em que o papel da família é mais amplo do que o particular: está em relação com a preservação de modos de pensar, distribuir tarefas, organizar os papéis que todos devem desempenhar por idade, por vezes, gênero (de culturas matrilineares, híbridas ou mesmo não baseadas em modelos de gênero), na relação com o íntimo, o particular e o coletivo (a cultura, o grupo, a religião, a política).

Esse é o caso das culturas do povo Akan, de Gana, onde o poder é distribuído por mulheres, ou o povo Bribri, da Costa Rica, em que o direito de propriedade e de execução dos rituais sagrados são matrilineares.

Apesar de ser um fato de que a cultura brasileira está profundamente enraizada nas culturas africanas e indígenas, o modelo familiar que nos governa, das elites às favelas, é o modelo patriarcal escravista, tendo como pilar o homem branco e seu poder de posse.

É aqui que o resultado dessa equação homem branco e família patriarcal nos leva à uma espiral de problemas para a população negra e não-branca como um todo, sobretudo, obriga o homem negro a ser antagonicamente o contrário daquele que detém o poder ao mesmo tempo em que se obriga que ele seja o espelho de seu opressor.

Mas, que poder é esse? E por que é um poder?

Primeiro, imaginem que nos modelos de famílias que vimos antes, família e comunidade são quase sinônimos. Podemos ver isso presente nas periferias nos modos de cumprimentos ou “apelidos”, quando chamamos uns aos outros de “irmão”, “tia”, “tio” e etc.

Já no modelo patriarcal, o homem pensa o mundo a partir do particular. Então se a família pertence a ele, assim como um carro ou um boi, tudo onde ele projeta a família, ou seja, tudo onde ele gostaria de ver a si mesmo ou suas posses, deve corresponder a sua vontade.

Significa compartilhar privilégios do seu espaço particular estendido para instituições públicas (e privadas): um cargo, uma vantagem, favores. É estabelecer os inimigos que ameaçam seu espaço particular, seus aliados e os seus privilégios.

O homem negro, em busca de humanizar a si mesmo, desumaniza sua identidade, depara-se com a questão de seu sofrimento.

O amor que o humanizaria encontra barreiras para se edificar como parte fundamental da sua identidade, deformada pela busca de existir como “o outro”. E em tudo que busca, aqueles mais afundados na deformação de sua identidade, exercem força e violência contra si e seus semelhantes em nome daqueles que buscam extingui-los.

Os conflitos internos de cada grupo racial são sempre intensificados pelos conflitos urbanos. Então quem ocupa majoritariamente o poder, privilégios e propriedade, precisa buscar um suspeito padrão dos males para depositar todos os problemas da sociedade.

É aqui que nos encontramos numa encruzilhada de armadilhadas raciais para homens negros em busca de humanidade.

O que pode nos tornar seres humanos? 

Para o menino negro que se tornará um homem, reafirmar sua masculinidade passa pela busca do controle das pessoas, de suas relações e pela ostentação. Todo caminho é possível, do trabalho exaustivo em busca de ser “o provedor” e a submissão a situações de exploração absoluta característico do capitalismo ao crime como forma de exercer o poder através da força.

Então tudo que os meninos negros vivem entre homens se torna uma forma de provação de uma masculinidade que deforma sua identidade.

No trabalho é pegar mais peso do que deveria, na quebrada pode ser usar drogas muito cedo, no crime e na polícia é demonstrar frieza. Mas é principalmente a busca por tornar tudo uma posse, como um boi ou um carro. 

Nos ensinam, assim, a tratar nossas relações. Entretanto a diferença é que criam homens brancos para serem senhores e homens negros para serem capatazes.

Isso significa, de modo geral, que os homens negros são os principais alvos, porque querem fazer e ter tudo aquilo que homens brancos tem e fazem. Entretanto de modo mais intenso, porque o custo é maior e nós nos arriscamos mais ao ponto de perder tudo.

Enquanto o homem negro busca uma relação entre iguais com homens brancos, o homem branco busca impedí-lo e instrumentaliza seu extermínio.

Para viver, precisamos ter a oportunidade de estruturar melhor nossas famílias. Compartilhar o exercício de poder do particular ao coletivo. Barrar o crescimento precoce como prova de maturidade para reforçar os papéis de gênero.

E por fim ao medo branco de que nossa liberdade da herança colonial de família, comunidade, posse e cultura significa o fim da deles, isso não é sobre eles e sim sobre viver feliz.

Por último, a exaustão mental da busca inalcançável por ser “o outro”, para pôr fim aos desafios sociais, nos encaminha ao sofrimento, à depressão, ao que os africanos escravizados chamavam de banzo.

Esses sentimentos nos levam a crer que a única forma de expulsar os males que habitam o corpo negro é deixar de habitá-lo, seja pela descaracterização ou pelo suícidio. Só o amor por si mesmo, pela vida (e tratamento médico), pode ajudar a curar o banzo.

Você, homem negro, ame a si mesmo e a sua cultura. Dê amor, respeite o tempo e às pessoas que você ama e não permaneça onde te querem capataz.

Esse texto surgiu como uma reflexão sobre um amigo, que morreu assassinado, traficava e um dos seus sonhos era ter um fusca. Também é sobre mim e os homens que eu quis ser.

Para além dos descontos nas lojas, o que mais conquistaremos neste 8 de março?

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Peço licença e saúdo as que me inspiram Dandara dos Palmares, Esperança Garcia, Tereza de Benguela, Enedina Alves Marques, Margarida Alves, Lelia Gonzaléz, Sueli Carneiro, Dona Maria Eterna dos Reis e tantas outras que lutaram.

Foto: Gabriela Barbosa

Chegamos a mais um março das mulheres, uma data comemorativa internacional que imprime como as lutas e seus significados ainda são pautadas pelo colonialismo. A imposição de um sistema europeu de vida que se modifica em nosso solo, mas ainda cumpre seu papel de garantir o poder baseado em gênero, cor e classe, como sonhado pelos primeiros invasores.

Nós como povo conquistado continuamos nas cadeiras mais baixas do mundo, cumprindo nosso papel de colônia de extração e de mão de obra barata para produção constante do capitalismo. Além de sermos consumidores atentos a todas as tendências impostas por esse modo de vida, aprendemos que consumir é um dos lugares reservados a nós na máquina capitalista.

Temos sempre que lembrar que para a maioria das sociedades do mundo a colonização e o capitalismo criou o processo de inferiorização racial e subordinação de gênero que conhecemos hoje. Li nas redes sociais, que o óbvio deve ser dito, pois tem sempre gente nova chegando, como educadora acho sempre importante redizer, o que já foi dito.

O aprisionamento das mulheres na ideia do servir e do cuidar de quem tem mais poder e condições de manter nossas vidas é ainda o alimento que subsidia toda ideia de mulher constantemente difundida, e se apresenta constantemente nos dados de violência doméstica, no feminicídio, na transfobia e no oneroso avanço de políticas de moradia, economia, saúde e educação voltadas aos nossos corpos. 

Em contraponto cresce o mercado de cosméticos, estética e as redes sociais, permitem o escandaloso crescimento de grupos misóginos.

Ainda somos vistas como mercadorias moldáveis constantemente aos valores patriarcais, mudando nossos corpos, se sentindo insatisfeitas com o que somos a partir da nossa história, ancestralidade e o meio social que promoveu nosso processo de amadurecimento.

Eu não estou dizendo isso porque me sinto livre, muito pelo contrário, aos 41 anos, sendo uma trabalhadora constante, não tenho conquistas materiais relevantes, pois o pouco de liberdade que pude empregar na minha vida, foi para viver constantemente minha vontade de mudança.

Hoje temos um grande avanço para pensar nas estruturas capitalistas em nosso país com a entrada de mulheres nas estruturas estatais de poder, parece pouco, mas imageticamente promove uma simetria de poder entre homens e mulheres que ainda é baixa, mas que possibilita o debate sobre a importância da alternância de poder.

Nossas críticas são muitas nesse campo, pois em inúmeras instâncias não basta ser mulher, ou ser negra, ou ter passado pela periferia, mas que as práticas estejam a serviço do povo. 

Quais são as mulheres que a estrutura de poder capitalista está permitindo chegar ao poder? E quais mulheres continuam em cargos menores? 

As mulheres conseguem hoje empregar em seu mandato visões que norteiam a multiplicidade de formas de se viver em nosso país, que mulheres não se permitem ser bajuladas pelo sistema a favor de que garantias reais sejam forjadas como leis?

Essa conversa não é fácil, sim, somos mais subjugadas, criticadas e exigem da gente mais postura ética, e isso, é sim, uma face do machismo.

Ser mais forte que a bancada da bala e da bíblia, que tráfico de influência, drogas e pessoas, não é fácil. Porém, mulherada, também tem sido muito difícil ter que confrontar mulheres publicamente por posturas políticas autoritárias, capitalistas e de descredibilidade do movimento cultural, social e político popular das periferias.

Não queremos novas formas de colonização da nossa cultura, intelectualidade e corpos, sejam elas explícitas ou mascaradas de democracia. 

Queremos políticas de consulta e participação, as ideias são sempre bem vindas, mas as decisões precisam imprimir a nossa voz. Não lutamos para ter domínio dos nossos corpos e poder de voz para terceirizar ou privatizar nossos direitos. 

Poderíamos dizer que a saída do Bolsonaro nos daria essa garantia, mas o fascismo é mais antigo que ele e em reviravoltas econômicas, a ética se renova e reaparece como um espírito que se personifica em um candidato, mas que ronda mentes e corpos para além dele.

A saída representa imageticamente uma derrota importante, mas que formas práticas de educação e cultura precisam ser impressas em nossa sociedade para que isso aconteça. Entregar os espaços de formação e de cultura na mão do empresariado e da burguesia desse país em um momento tão delicado político é de um rico absurdo.

Nós mulheres da periferia, não queremos na política brasileira arranjos bonitos, modelos da VOGUE, enfeites como flores em um caixão. Uso essa analogia séria, pois vimos e sentimos na pele que o poder executivo desse país, pode matar ou deixar viver quem ele bem escolhe.

Não estou aqui buscando representar todas as mulheres, mas eu não ando só, e sei do corre de muitas professoras, advogadas, enfermeiras, médicas, assistentes sociais, artistas, gestoras, pastoras, Yalorixás, Madres, que vem na luta em nossas quebradas por políticas públicas que detenham a fúria da miséria e da fome que se instaurou e vem crescendo em nosso país. 

Vivemos tempos de acirramento da desigualdade que se instala debaixo do tapete de algumas pessoas que ascendem ao sucesso, de redes sociais, onde tudo vira negócio. O sucesso dentro dessa estrutura se dá levando em conta que nossas bocas cheias de champanhe sejam caladas. 

Eu, mulher, mãe, ventre fértil, que um dia não será mais, preciso garantir minha existência para além de criar, mas permanecer nesse mundo. Reflito que palavras precisamos plantar e colher para nossa gente, garantir felicidade para todes esses, sendo a felicidade o lado subjetivo da saúde.

Como o cuidado pode ser uma ferramenta de luta, cuidando de mim, cuido do todo e o todo bem cuidado, me cuida também. Para além dos descontos nas lojas, o que mais conquistaremos neste 8 de março?

Sabedoria de mãe, sua cabeça, seu guia. 

“Ainda não construímos nossa plena humanidade como mulheres”, afirma antropóloga

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A pesquisadora e antropóloga Alessandra Tavares aponta que é preciso construir uma sociedade que não ignore as meninas negras e a humanidade das mulheres.

Vila Princesa Isabel, Guaianazes – Zona Leste – SP, 2022. Foto: DiCampana Foto Coletivo

O mês de março é marcado por homenagens e reverências às mulheres, que no Brasil, representam 51,1% da população, conforme dados da PNAD Contínua de 2021. Mas como as políticas públicas e a sociedade se relacionam com essas mulheres enquanto sujeitas de direitos?

A antropóloga Alessandra Tavares, afirma que a luta do movimento feminista e negro, foram fundamentais para a existência de uma lógica mínima de humanidade, mas ainda é um processo inacabado. “Nós não construímos nossa humanidade plenamente ainda como mulheres, isso fica evidente”. 

“Não temos acesso livre ao nosso corpo, porque nós não temos o direito de decidir ter filhos, entre continuar uma gravidez ou abortar. Mas principalmente, nós também não temos direito de vivenciar a nossa maternidade, porque sendo mulheres negras, os nossos filhos são assassinados. Se você pensar por essa lógica, a lógica de ‘a favor da vida’, não nos contempla”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Alessandra, que também é atuante no movimento de mulheres negras e periféricas na zona sul de São Paulo, reforça a necessidade de um olhar generoso para as demandas das mulheres, e como o símbolo de mulher forte passa a ser um atravessamento cotidiano.

“Para mulheres negras e periféricas, se humanizar, ser generosa contigo, com seus próprios processos, é realmente muito desafiador. É como se a gente enfrentasse uma situação de violência hoje e a gente tivesse sempre que estar respondendo”, afirma.

“Muitas vezes já [ouvi] assim, ‘mas eu não consegui fazer nada’, e olhado como um absurdo não conseguir fazer nada. Mas você acabou de viver uma violência, você está em choque, você está em negação. Então está tudo bem não conseguir fazer nada. Nem sempre a gente consegue”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Além desse olhar atento para si, Alessandra aponta a urgência da sociedade cumprir a função de proteger essas mulheres. “Aquele velho teste social com a criança: uma criança negra sozinha na rua é ignorada. Então como a gente constrói uma sociedade que não ignore essa menina negra, assim como não ignore nós, mulheres negras?”, questiona a pesquisadora.

Equidade de gênero 

Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.
Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.
Fonte: Dieese – Inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dados dos terceiros trimestres de 2019 e de 2021 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE.

Dados como esses reforçam a relevância do debate sobre igualdade e equidade de gênero, mas também contribuem na compreensão de como essas relações de poder e servidão estão presentes – de forma direta e indireta – no dia a dia das mulheres, principalmente negras.

“Durante muito tempo a gente olhava e falava: ‘essa mulher, dona de casa, essa mulher que está ali submetida a um patriarcado servindo ao outro’. Só que existem outras lógicas de servir ao outro”

Alessandra Tavares, pesquisadora e antropóloga.

Além da disparidade salarial dentro do mercado de trabalho e ambiente formal, a pesquisadora pontua que é preciso ter um olhar atento para essas questões também dentro dos movimentos de luta.

“É muito comum no ativismo como o misto, você vê que as mulheres que estão arrumando as cadeiras, as mulheres que estão preparando a comida, as mulheres que estão servindo a comida, mas não são elas que estão ocupando o microfone. E é importante desnaturalizar isso”, afirma.

A desnaturalização desses lugares invisíveis de poder foi e é parte da luta de muitas mulheres. Alessandra reforça que essa busca deve ser coletiva. “Colocar mais uma responsabilidade nas mulheres de transformar esses ambientes é uma sobrecarga, porque elas já estão resistindo a esse ambiente. Então é preciso que outras pessoas, principalmente homens, se atentem a isso”, finaliza a pesquisadora.