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“A gente conseguiu as obras”: Líder comunitária relata como enfrentou deslizamentos de terras nas favelas do Butantã 

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Imagine São Paulo como um lugar cercado por rios e árvores frutíferas, onde você poderia nadar em riachos próximos da sua casa, pegar água em minas e ver o céu estrelado ao anoitecer. Foi nessa paisagem afetada por deslizamentos de terras que a líder comunitária Claudete Cordeiro dos Santos desembarcou aos 8 anos, em 1979, com familiares no Jardim D’abril II, bairro localizado no distrito do Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo. 

A viagem não foi curta: nascida em Pernambuco, em 1971, a pequena Claudete ainda morou na cidade de Presidente Prudente, até migrar definitivamente para o Jardim D’abril II, de onde nunca saiu. “A favela onde a gente mora tinha poucas casas, era bem mais organizada. Fui criada comendo fruta no pé, tivemos esse privilégio, essa infância boa”, relembra.

Segundo Claudete, o solo do Jardim D’abril II é fértil permite o plantio de vários tipos de frutas e legumes. “Aqui tudo que você plantar dá. Dentro da comunidade a gente tinha abóbora, chuchu, manga, amora, ameixa, tinha todo tipo de fruta. A gente tinha uma relação muito boa com a natureza”, relata.

A favela Jardim D’abril II cresceu mesmo sob o risco dos deslizamentos nos anos 1990. Foto: Pedro Oliveira/Junho 2023

Enfrentando os deslizamentos de terras

O convívio com eventos climáticos extremos, como os deslizamentos de terras causados por fortes chuvas, faz parte da trajetória de vida da líder comunitária do Jardim D´abril II. Desde cedo, ela teve que lidar com os riscos de deslizamentos em seu território, medo que aumentava constantemente ao cair das primeiras gotas de chuva. 

Durante os anos de 1990, foram retiradas inúmeras famílias do Jardim D´Abril II, algumas levadas para ocupar a COHAB Raposo Tavares, mas outras, receberam apenas o provisório auxílio aluguel, para conseguir outro imóvel para morar.

No mês de fevereiro de 1995, a cidade de São Paulo registrou o segundo maior volume de chuvas da história, alcançando 445,5 milímetros no mês, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia. Nesta época, a líder comunitária estava se organizando para cobrar prefeitos e vereadores de São Paulo, para urbanizar o bairro e reduzir os riscos de deslizamentos de terras.

Claudete conta que o momento em que a situação chegou ao seu estado mais grave foi durante a gestão do ex-prefeito Celso Pitta (1997-2001), na qual houve uma ordem de despejo para famílias que habitavam mais de 10 comunidades do distrito do Rio Pequeno, zona oeste da cidade, devido ao aumento de deslizamentos de terras no território.

“Juntou eu mais um grupo de mulheres e começamos a fazer um movimento questionando: se vai tirar a gente, vai colocar onde? Como você despeja uma comunidade com mais de 50 anos sem dizer para onde as pessoas vão? Eram as grandes favelas do Butantã”

Claudete Cordeiro, moradora do Jardim D´Abril, zona oeste de São Paulo

Além dos deslizamentos de terras e fortes chuvas, durante a gestão do prefeito Celso Pitta, a cidade de São Paulo registrou a quinta maior temperatura da história. Os termômetros marcaram 37º C em 1999.

No início da gestão da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, em 2002, Claudete conta que o trabalho de diálogo com vereadores e prefeitos deu resultado. “A gente conseguiu a concessão do uso do solo e com isso foi possível fazer grandes obras no território. Foi nesse momento que criamos a Associação de Moradores da Comunidade Jardim D’abril II”, explica a líder comunitária.

A criação da organização foi a primeira vitória de um trabalho que, a partir de então, conseguiu não só as obras necessárias para evitar novos deslizamentos na favela do Jardim D’abril II, mas também a construção de uma praça no território. Apesar disso, Claudete vê que ainda faltam muitas coisas para melhorar a vida dos moradores.

“O legado que eu vou deixar aqui é das pessoas morarem aqui e não caírem, porque a gente conseguiu todas as obras nesse terreno”

Claudete Cordeiro, líder comunitária do Jardim D´Abril II

Articulação política

Claudete foi responsável pela construção da Praça Tomas Coelho de Almeida. Foto: Pedro Oliveira/Junho 2023

Os anos de experiência enquanto líder comunitária deram à Claudete a possibilidade de transitar com facilidade pelos gabinetes dos vereadores, dialogando com líderes de várias vertentes políticas, desde que interessados em contribuir com a comunidade.

“Eles não estão fazendo nada que não seja o dever deles. Se eu não conseguir a emenda que eu preciso para a comunidade com um, eu tento com o outro. Nós estamos aqui em prol de uma causa só”, afirma Claudete, defendendo uma posição política de não se fechar para o diálogo, quando o assunto é melhorias para as condições de vida para os moradores do Jardim D´Abril II.

Entre as vitórias e derrotas dessa luta de 3 décadas, ao menos um dos sonhos de Claudete está mais próximo: a construção da sede da sua associação, que tem previsão para ser entregue até o início de 2024. O espaço será comunitário e ao lado da praça, ampliando as possibilidades de lazer e cultura no bairro.

Para a líder comunitária do Jardim D’abril II, o segredo do trabalho está enraizado no processo de aprender com as pessoas que vieram antes dela e lhe ensinaram a construir o futuro para o território.

“Para ser liderança, eu aprendi com outras lideranças, que faziam o mesmo trabalho que eu, só que de forma diferente na época. É isso que eu quero passar para os mais novos. Vocês podem ver o que eu faço, mas tem que olhar mais adiante”, finaliza.

Essa reportagem foi contemplada pelo edital Bolsas de Reportagem Justiça Climática – AJOR e iCS: Justiça Climática e o Enfrentamento ao Racismo Ambiental no Brasil”, promovido pela Ajor, Associação de Jornalismo Digital e o iCS, Instituto Clima e Sociedade, no âmbito do The Climate Justice Pilot Project. 

Empreendedorismo ancestral: Mulheres negras resgatam ancestralidade através da música 

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Cantoras como Elza Soares, Dona Ivone Lara, Margareth Menezes, Sandra de Sá, Leci Brandão, entre outras, se destacaram e resistiram aos desafios através da arte, numa época onde o racismo trazia maior invisibilidade e preconceito aos corpos e talentos de mulheres negras. Por meio da música e suas trajetórias de vida, essas artistas têm sido uma inspiração para que outras mulheres negras possam compreender e reconhecer sua negritude, ancestralidade e liberdade.

Inspiradas por essas cantoras, Luana Bayô e Susi Nascimento, duas mulheres negras da periferia de São Paulo, encontraram na música uma maneira de descobrir sua potência e quebrar barreiras para conquistar o sonho de viver da arte. Luana Bayô, 35 anos, moradora do Campo Limpo, possui uma carreira de 20 anos como cantora e enfatiza a importância de destacar mais mulheres negras no cenário musical, trazendo suas vozes e experiências para o centro.

Foto de Luana Bayo
Cantora, Luana Bayô. Foto: Pedro Oliveira/Junho 2023

“Tem um monte de cantora preta maravilhosa, mas o sistema quer que só suba uma para representar todo mundo, e não dá para representar todo mundo […] a gente quer que uma suba, mas a gente quer trazer outras também, precisa que tenham outras. E cada uma vai ter o seu o seu jeito de ser, mesmo todas sendo do samba, porque nesse universo branco isso acontece, tem várias, por que em relação às pessoas pretas não podem ter várias?”

Luana Bayô, cantora e compositora

Com 54 anos, Susi Nascimento é uma compositora talentosa, suas  melodias refletem suas vivências e perspectivas únicas. Ela ressalta a relevância de espaços como a Casa Delas, localizada na periferia da Cidade Ademar, zona sul de São Paulo, que, em 2022, auxiliou no seu processo de se reconhecer como artista. Para Suzi, projetos como esse, valorizam a produção musical das mulheres negras, proporcionando um ambiente acolhedor e propício ao crescimento artístico.

Cantora, Susi Nascimento. Foto: Pedro Oliveira/Junho 2023

“Espaços como esse, é muito importante para mulher preta e periférica, para quem quer realmente encontrar o seu caminho e colocar para fora a sua arte, seja ela qual for, principalmente a arte de cantar, porque foi através desse espaço que eu consegui gravar duas músicas autorais”

Susi Nascimento, cantora e compositora

Gabriela Francisco, produtora cultural do espaço Casa Delas, chama a atenção para a urgência de quebrar o ciclo de invisibilidade enfrentado pelas artistas negras. Muitas vezes, essas mulheres precisam se dedicar a outras ocupações para se manterem, ao mesmo tempo em que buscam o sonho de viver da música. Para ela, o caminho trilhado por mulheres como Luana Bayô e Susi Nascimento, assim como o legado deixado por cantoras negras icônicas, evidencia a importância da música como um instrumento poderoso de resistência, empoderamento e transformação social.

Gabriela Francisco, produtora cultural. Foto: Pedro Oliveira/Junho 2023

“Quando pensamos nessas mulheres artistas, mulheres produtoras, a gente tem que pensar primeiro no cenário social, investimento na arte periférica, nas produções periféricas, que vai ressurgir e repercutir diretamente nessas mulheres e esse protagonismo”

Gabriela Francisco, produtora cultural

Coalizão de Mídias visita Palestina para compreender a realidade do apartheid

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No início de julho, o Desenrola e Não Me Enrola representou a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas em uma significativa visita à Palestina. Além da Coalizão de Mídias, outras representações dos movimentos favelados, periféricos, negros e indígenas do Brasil, Colômbia e Equador, também somaram forças a delegação que acompanhou de perto a realidade do apartheid, colonialismo e ocupação militar israelense. 

Entre os demais movimentos representados na delegação, estão o Movimento Negro Unificado (MNU), Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo de Estado, Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Articulação Internacional Julho Negro do Rio de Janeiro e Frente de Evangélicos pelo Estado de Direitos, bem como a Confederação de Povos da Nacionalidad Kichwa no Equador (ECUARUNARI) e o Processo de Comunidades Negras (PCN) na Colômbia.

Para Gizele Martins, jornalista, comunicadora e representante do Julho Negro, a visita é de extremamente importante para compreender de forma profunda como as violências enfrentadas pelo povo palestino têm reflexos na América Latina.

Passamos uma semana a visitar muitos lugares e testemunhamos como o povo Palestino resiste há décadas à militarização, ao racismo e ao apartheid perpetrados pelo Estado de Israel. Ouvir os depoimentos e ver com nossos próprios olhos os massacres que o povo Palestino sofre, é entender que eles são um grande laboratório de uma política que impacta também a vida das pessoas negras, pobres, indígenas, quilombolas, faveladas e periféricas em toda a América Latina e no mundo.

Gizele Martins, jornalista
Visita da delegação no campo de refugiados de Aida. Data da foto: 02/07/2023. Foto: Thais Siqueira

Cristiana dos Santos Luiz, representante do Movimento Negro Unificado, também esteve presente nessa importante visita e chama a atenção dos movimentos ao redor do mundo para a causa palestina.

Os direitos humanos da população palestina seguem sendo violados pelo Estado israelense. O mundo está fechando os olhos, precisamos da comunidade internacional e dos movimentos ao redor do mundo pautando a luta palestina. Nosso objetivo foi trocar experiências e transformar esses encontros em solidariedade concreta com o povo palestino e construir laços duradouros entre o povo palestino e nossas lutas locais.

Cristiana Dos Santos Luiz, representante do Movimento Negro Unificado (MNU)

Já Fernando Cabascango, representante da Confederação de Povos da Nacionalidad Kichwa no Equador (ECUARUNARI), menciona sobre as medidas necessárias para alcançar soluções efetivas.

Demandamos a nossos governos que tomem ação concreta para responsabilizar ao regime de apartheid de Israel, começando com um embargo militar imediato. Pedimos que apoiem ativamente o chamado palestino para que as Nações Unidas reconheçam que Israel comete o crime contra a humanidade de apartheid e que reativem o Comitê Especial da ONU contra o Apartheid.

Fernando Cabascango, Confederação de Povos da Nacionalidade Kichwa
Visita da delegação no campo de refugiados de Aida. Data da foto: 02/07/2023. Foto: Thais Siqueira

Depois das delegações do México e dos movimentos negros, indígenas e latines nos EUA, esta é a terceira delegação ‘Mundo sem Muros’, convidada pela Campanha Popular Palestina contra o Muro do Apartheid (Stop the Wall). A iniciativa Mundo sem Muros surge não apenas de um reconhecimento do que “muros” físicos e imateriais de injustiça estão crescendo rapidamente em todo o mundo, mas cria espaços onde levantar nossos olhares além das crises cada vez piores que os povos em todo o mundo estão enfrentando.

O regime de apartheid de Israel, a conquista de nossa terra e a limpeza étnica do povo indígena palestino é uma prática enraizada no colonialismo europeu. Sentimos, portanto, um profundo vínculo com a luta dos povos negros e indígenas contra o racismo estrutural, o roubo de terras e o genocídio hoje na América Latina.

Jamal Juma, coordenador da Campanha Stop the Wall

A delegação também vai focar no apoio concreto que o apartheid israelense dá à repressão e expropriação de negros, indígenas e favelados, seja por meio da tecnologia militar e de vigilância que exporta para a América Latina ou por meio da tecnologia do agronegócio, que apóia a privatização e o roubo de recursos naturais.

Estamos honrados em receber esta delegação e somos confiantes de que esta união não apenas apoiará nossa luta contra o apartheid israelense, mas também fortalecerá nossa luta coletiva por justiça, liberdade e igualdade.

Jamal Juma, coordenador da Campanha Stop the Wall

“Não tem incentivo nenhum”, diz artista independente, sobre o acesso às políticas públicas de cultura em Embu das Artes

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Quando o debate sobre fomento artístico e cultural na cidade de Embu das Artes chega ao conhecimento do cineasta e fotógrafo Marlon Andrade, 30, morador do Jardim Santo Eduardo, ele faz questão de enfatizar que o município não implementa políticas públicas de apoio a coletivos culturais.

“Não tem incentivo nenhum. Uma batalha [de rima] pra gente fazer tinha que correr atrás de caixa. O sarau a gente fazia do jeito que dava. Nunca tem nada para o hip-hop, nem para o movimento negro, é muito difícil”, afirma.

Marlon Andrade é cineasta e morador do bairro Jardim Santo Eduardo, em Embu das Artes.  (foto: Viviane Lima)

Marlon explica que as informações e as articulações referentes às políticas públicas, voltadas para os artistas independentes, não chegam até a periferia. “Por exemplo, a Lei Aldir Blanc, a gente não teve conhecimento. Principalmente [sobre] quando abriu e quando fechou os editais”, pontua.

Sancionada em junho de 2020 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a Lei Aldir Blanc é fruto de um intenso processo de articulação política e cobrança de artistas, grupos culturais, coletivos e ativistas, para o governo apoiar de alguma forma o setor da economia da cultura, impactada fortemente pela pandemia de Covid-19.

A Lei Aldir Blanc liberou três bilhões para estados, municípios e o Distrito Federal, investir em programas de apoio emergencial aos profissionais da cultura impactados pelo isolamento social e o encerramento de atividades culturais, responsáveis pela geração de renda de coletivos, artistas independentes, grupos culturais e espaços culturais independentes.

Viviane Neres, 45, é moradora da periferia de Embu das Artes, do Jardim Flórida. Ela é multiartista, atuante há 31 anos na região e reafirma a falta de fomento direcionado aos artistas locais.

Viviane Neres é multiartista e moradora da periferia de Embu das Artes. (foto: Viviane Lima)

“A gente está com uma luta de aumento do recurso na cultura para que a gente possa ter editais permanentes de cultura no município. Eu não posso formar um aluno de teatro e falar pra ele, ‘vai viver de teatro aqui em Embu das Artes’. Como? Não tem um edital pra ele mandar e captar o recurso e viver da sua arte.”

Viviane Neres é arte educadora e faz parte do Conselho de Políticas Públicas de Cultura.

A multiartista menciona que os investimentos públicos culturais que há na cidade são a Lei Ordinária 2991 de 2017 Embu das Artes – SP, do Núcleo de Cultura, que se refere à contratação de monitores para as oficinas dos centros culturais da cidade. E “a única política pública que tem da cidade é um orçamento na cultura, de um valor que só dá para pagar as estruturas [dos centros culturais]”, relata Viviane.

Centro Cultural Jardim Santo Eduardo e Região. (foto: Viviane Lima)

A Secretaria de Cultura e a Secretaria de Tecnologia e Comunicação de Embu das Artes foram procuradas para responder questões referentes à distribuição de verba pública para políticas públicas de cultura da cidade, mas até a data desta publicação, não atenderam às solicitações da nossa reportagem.

Relação periferia x centro

Viviane, junto com Marcel, Rafael e Mathaus, é uma das fundadoras do Movimento M’boi, criado em 2021, com o objetivo de desenvolver ações que ocupem os espaços públicos da cidade. Outro objetivo do grupo é promover articulações com iniciativas artísticas da região, para desenvolver projetos e reivindicar políticas públicas culturais. Entre essas articulações estão sendo construídas relações entre artistas da periferia e do centro.

O Movimento M’boi ocupando o Largo 21 de abril, no centro de Embu das Artes. (foto: Viviane Lima)

“A [lei] Paulo Gustavo, agora que vai vir, né? A gente fez algumas comitivas, a periferia estava em peso, então está tendo essa quebra do centro com a periferia. Por mais que a gente não tenha uma conexão muito grande, até por conta do ônibus”, conta.

O cineasta pontua que a aproximação da periferia com o centro é uma articulação necessária para obter informação e viabilizar a possibilidade de acesso aos recursos públicos.

A Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022) vai destinar R$ 2,797 bilhões  para o audiovisual, do valor total de R$ 3,8 bilhões que serão distribuídos para investimentos em cultura, aos estados, municípios e ao Distrito Federal.

“Não é à toa que a gente chama Embu das Artes e as pessoas precisam entender que a gente não é a feirinha, a gente é a arte em pessoa, em cada canto da cidade. E a partir disso, vamos lutar por políticas públicas de cultura pra valorizar nossos artistas.

Viviane Neres é arte educadora, atriz, dançarina e expositora da feira.

Embu das Artes é uma cidade metropolitana localizada a aproximadamente 30 km de São Paulo. A cidade é conhecida pela tradicional feira de artesanato que existe desde a década de 60.

Atuação de mulheres negras na pauta socioambiental #13

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Não é de hoje que mulheres negras, indígenas, quilombolas e ribeirinhas agem nas demandas socioambientais. Mulheres que atuam através de saberes e conhecimentos ancestrais, muito antes de termos embranquecidos.

Foi para falar sobre essa movimentação de mulheres negras nas pautas socioambientais que conversamos com a Elenita Rodrigues, catadora e cofundadora da Cooperativa Vera Cruz, e com a Ana Sanches, pesquisadora socioambiental com recorte para raça.

O Cena Rápida tem episódios novos quinzenalmente, sempre às quartas, disponivel gratuitamente no Google Podcasts, Spotify e Youtube.

Ficha técnica:
Roteiro, apresentação e entrevistas – Evelyn Vilhena
Distribuição – Samara da Silva e Thais Siqueira
Produção audiovisual – Pedro Oliveira
Identidade visual – Flávia Lopes
Vinheta e edição – Jonnas Rosa

Mulheres atuam dentro e fora de campo no futebol feminino na quebrada

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Técnica, jogadora e pesquisadora atuam a partir do futebol de várzea femino nas periferias e ressaltam a importância desse esporte para além das quatro linhas do campo.

“A gente sabe que o esporte transforma e cura muitas coisas”. Esse é um dos motivos que fazem com que a técnica Cecília Bringel, atue com o futebol. Técnica do projeto FutVida e jogadora do time Chelsea Feminino, Cecília acredita na importância do futebol feminino de várzea para além dos jogos, por ser um espaço de socialização, acolhimento e humanização do esporte e de quem o pratica.

Cecília é mãe, educadora social e moradora do bairro Nova América, em Parelheiros, zona sul de São Paulo, território onde fundou, em 2022, o time de futebol Chelsea Feminino. Na região, ela também atua como diretora e treinadora do projeto FutVida.

“Eu entendo que o futebol me tirou da depressão. E no rachão eu já ouvi meninas falar, ‘eu não sei jogar bola, não sei nem chutar’, mas só do tempo que elas estão com a gente jogando, dando risada, correndo um pouco, elas já falaram, ‘isso aqui tá me fazendo tão bem’. A gente sabe que o esporte transforma e cura muitas coisas.”

Cecília Bringel técnica do projeto FutVida, fundadora e jogadora do time Chelsea Feminino.
Cecília Bringel com os filhos Isaac, 6, e Ana Clara, 10. (Foto: arquivo pessoal)

A técnica aponta que o futebol feminino de várzea opera para além do campo de futebol, com reflexos que são notados ao longo do tempo. Ela conta que, assim como muitas meninas, sua ligação com o futebol aconteceu jogando bola com meninos.

“Desde quando era criança eu já jogava bola na rua com os moleques. Eu sempre joguei com os meninos. A maioria das meninas começam assim. A minha filha acabou de chegar e foi jogar bola com os meninos, [por exemplo]”, conta Cecília Bringel.

Jogadoras do Chelsea Feminino em momento de descontração (Foto: arquivo pessoal)

Atualmente, ela divide as responsabilidades do time Chelsea Feminino com o companheiro, Ricardo, e os jogos do time acontecem toda sexta à noite. 

“Tinham muitas meninas que jogavam bola antigamente e pararam por causa da correria do dia a dia de nós, mulheres, trabalhar, cuidar de filho, de casa, essas coisas”, conta Cecília sobre como surgiu a ideia de criar o time, que hoje é formado por 28 mulheres.

Cecília também é diretora e técnica do projeto FutVida, iniciativa criada em 2019, pela Maria Amorim, também moradora de Parelheiros e uma das lideranças socioculturais do território.

Maria Amorim é fundadora e jogadora do time Apache Feminino. (Foto: arquivo pessoal)

Educadora social e pedagoga, Maria, junto com o seu companheiro, o Beto, fundou o time Apache Feminino e a Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.

Nascida no Ceará, Maria sempre jogou futebol, desde a infância. Ao se mudar para São Paulo, com 8 anos, passou a ter maior contato com o esporte dentro da escola. “Não por vontade dos professores, mas por insistência minha, porque eu lembro de diversas vezes em que o professor me colocava para sentar ou me dava outra opção esportiva enquanto os meninos jogavam futebol”, compartilha Maria.

Maria sempre gostou de futebol e hoje entende que pode trabalhar de diversas formas a partir do esporte. Ela aponta que a importância e resistência da presença de mulheres no futebol vai além de estar em campo jogando.

“Na várzea eu posso jogar, eu posso gerir um time, ser técnica, ser responsável de um campo. Posso vender meu churrasquinho para tirar a minha renda. Posso estar inserida ali independente dos olhares, das críticas e do preconceito. Eu consigo e eu posso ocupar esse lugar de alguma forma”

Maria Amorim é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos, criadora do time Apache Feminino e da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.
Equipe do Apache Feminino. (Foto: arquivo pessoal)

Além de criadora do time Apache Feminino e da Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros, a profissional também é técnica e diretora do time masculino Onze Veteranos.

Além das quatro linhas

Os desdobramentos do futebol de várzea feminino vão além do jogo. Alguns times, por exemplo, organizam rodas de conversas para auxiliar na saúde física e mental de mulheres. Por vezes, competir e vencer não é o mais importante na várzea feminina. 

Crianças do projeto FutVida. (foto: arquivo pessoal)

Juntas, Cecília e Maria tocam o projeto FutVida que busca inserir crianças no esporte. “Hoje, a gente atende mais de 100 crianças em duas comunidades aqui no Jd. São Norberto e Nova América”, conta Maria. A iniciativa é gratuita e atende crianças de 6 a 15 anos.

Atualmente, 15 dessas crianças são meninas, sendo que as entrevistadas apontaram vários motivos para a baixa participação de meninas, como a falta de apoio ou a proibição dos pais, por vezes essas meninas são responsabilizadas pelas tarefas domésticas e pelo cuidado dos irmãos desde cedo.

Todas as jogadoras que participaram da 3ª edição do “Maior Festival Feminino de Várzea do Mundo” receberam medalhas.

Outra iniciativa que também tem uma mulher à frente, é a Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros, criada pela Maria e o Beto, seu companheiro, que reúne mais de 100 equipes. “A Liga surge para entender onde estão essas equipes, como a gente faz para se unir, para se organizar e competir também”, conta Maria sobre a criação da Liga em 2016.

A partir da atuação da Liga, em 2022, junto com a historiadora Aira Bonfim, em um projeto de extensão da universidade PUC, várias equipes femininas de futebol de várzea foram mapeadas. “O mapeamento surge a partir da pergunta que muitas pessoas faziam, ‘mas tem futebol feminino?’. Foi a partir dessa pergunta também que eu decidi fazer o festival”, coloca Maria.

“A gente quer ver meninas de 13 anos jogando, mas a gente quer ver mulheres de 50 anos jogando também. Então, a liga surge para essa organização do futebol de várzea”, afirma.

Confira o mapeamento produzido pela Aira Bonfim e a Liga Feminina de Futebol Amador de Parelheiros.

A 3ª edição do festival foi realizada em julho de 2023, no Parque Sete Campos, em São Paulo. O evento foi totalmente gratuito, reuniu 80 times de futebol feminino e mais de 1.000 jogadoras.

Apoio e articulação

A historiadora Aira Bonfim, lembra que, no Brasil, o futebol feminino foi proibido por lei durante quase 40 anos, entre 1941 até 1979. “O futebol ajuda a entender muitas realidades desse período. As mulheres já estavam fazendo as mesmas coisas que a gente faz hoje, de tensionar essas questões na sociedade”, coloca a historiadora.

Aira ressalta a necessidade de olhar essa atuação para além do ato de jogar. “É importante essas meninas terem sim o sonho de se tornarem profissionais, mas por vezes, o sonho é apenas jogar futebol, que nem isso às vezes é acessível”, coloca.

Mesmo com as diversas ações realizadas dentro e fora de campo, Maria aponta a falta de investimento ainda como uma das dificuldades na prática do futebol feminino, seja ele na várzea ou profissional. Ela também ressalta que os comércios locais que apoiam financeiramente os times de várzea masculino, não dão valor quando se trata do futebol feminino.

“Ninguém quer investir e a gente está falando de política pública também, porque hoje o futebol masculino tem investimento de políticas públicas e a várzea feminina não tem”, reforça Maria.

Batalha injusta

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Em meio há tantas realidades diferentes da nossa, é preciso que enxerguemos para além daquilo que vivemos. 

Em uma das minhas vivências por aí, em uma comunidade próxima a minha quebrada, vi com meus olhos a quantidade de pessoas que passam necessidades, sem ter ao menos o básico para sobreviver. 

São moradias em meio a mata, árvores, esgoto correndo a céu aberto na porta de casa. Realidade de muitas pessoas hoje. Iluminação precária, coleta de lixo ali não passa. 

Triste em pensar como pode tantas pessoas ricas, milionárias e bilionários ter tanto dinheiro a ponto de não saberem com o que gastar e gastar com futilidade, enquanto outros de nós vivem sem aquilo que seria o básico e nosso por direito: comida, casa, saneamento básico, emprego digno e justamente remunerado. 

Conhecer essas outras realidades de perto me faz pensar e repensar em muitas coisas, da mesma forma que só reafirma o quanto esse mundo é injusto.

Uma batalha injusta onde muitos já começam mil vezes à frente. 

Onde aqueles que se aproveitam de pessoas estão de boa com seus luxos, enquanto em tantas comunidades é uma peleja para tentar sobreviver. 

Maldito sistema que ferra nosso povo enquanto esses charlatões ficam cada vez mais ricos a custas do nosso suor. 

Será que um dia veremos o básico sendo suprido em nossas comunidades sem tanto sofrimento? 

Fica aqui um questionamento de difícil resposta.

Slam do 13 celebra 10 anos de batalhas em julho

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Com uma programação gratuita e voltada à literatura marginal periférica, a batalha de poesias completa 10 anos em 2023.

Para celebrar os 10 anos de atuação, o Slam do 13, batalha de poesias autorais que acontece no Terminal Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, realiza no dia 31 de julho, a edição de aniversário. Para celebrar a data, o grupo está produzindo uma música e um clipoético com a participação de todos os integrantes da iniciativa, além de uma coleção de bonés, camisetas e adesivos que serão lançados no evento. 

Conduzido pelos poetas e produtores culturais Caio Feitoza, Maite Costa, Jéssica Campos, Santos Drummond e Thiago Peixoto, a iniciativa ocupa o Terminal Santo Amaro desde 2013 para realização de duas batalhas: o 13inho – com poemas autorais de até 13 segundo, e o 13ÃO – com poemas autorais de até 3 minutos. Com lançamentos de livros, shows, exposições e diversas manifestações culturais, o grupo ocupa um dos principais terminais urbanos da região.

“Há 10 anos, quando decidimos montar o [Slam do] 13, nossa missão era difundir esse movimento [do slam] que, até então, contava com apenas três comunidades, todas em São Paulo, mas nenhuma na zona sul.”

Thiago Peixoto, poeta e cofundador do Slam do 13.

Os slams, competições de poesias faladas, se espalharam pelas periferias e grande parte dos grupos realizam suas edições ocupando espaços públicos da cidade. Além das batalhas, que acontecem quinzenalmente, o Slam do 13 também realiza oficinas, palestras e apresentações em escolas, ONGs, empresas, equipamentos de cultura públicos e privados. 

Thiago Peixoto também aponta que, mesmo com mais de 200 slams ativos em todo o Brasil, o reconhecimento do fazer artístico como um trabalho ainda segue distante. “Falta remuneração digna. Ainda que realizemos eventos diversos, publiquemos livros relevantes, os poetas seguem como sempre na corda bamba, entre o sonho e o pesadelo”, aponta.

Políticas públicas

Em 2021, o coletivo desenvolveu o projeto Slam do 13 Emergencial, contemplado pelo Fomento à Cultura da Periferia, edital da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, com o qual, em meio à pandemia, manteve uma programação online que movimentou a cena literária durante um período difícil para o segmento da cultura, em especial, da literatura periférica. 

“[Fazíamos] batalha, oficina, bate-papo, tudo online, nossas atividades foram um respiro pra nossa comunidade de poetas, financeira e psicologicamente falando”, recorda a poeta e produtora Maite Costa, integrante da iniciativa.

O apoio também viabilizou, em 2022, a publicação do livro “A poesia é quem vence”, pela editora Baderna. Uma antologia com 56 poetas que fazem parte da história do Slam do 13, e também a produção do álbum fonográfico “13 na Voz, vol.1”, disponível nas plataformas digitais.

Serviço

Aniversário Slam do 13

Data: 31/07/2023, a partir as 19h

Local: Plataforma do Terminal Santo Amaro

Endereço: Avenida Padre José Maria, 400, Santo Amaro – SP.

“A gente vive hostilizado”: violência policial impede morador da periferia de acreditar na descriminalização da maconha

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O debate sobre a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio marcou o mês de junho de 2023, após a presidente do (STF) Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, incluir este assunto na pauta de discussões. Em 2 de agosto, a pauta que impacta diretamente a vida da população negra e periférica será retomada novamente pelos ministros do supremo.

Em sinergia com esse debate, a Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, lançou a pesquisaIniciativa Negra por Direitos, Reparação e Justiça.O estudo apresenta um panorama das possíveis medidas de reparação e justiça do país, além de análises sobre como a atual política de drogas contribui para um cenário de injustiças criminais e de aprisionamento em massa da população negra e periférica, resultando em violações de direitos sociais.

O Desenrola conversou com Juliana Borges, coordenadora de articulação política da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas, para ela explicar alguns pontos importantes sobre a pesquisa, o julgamento da descriminalização do porte de maconha para consumo próprio no STF e contextualizar quais são os impactos da atual Política de Drogas na população negra e periférica.

“O julgamento pode ser um fôlego para outros avanços sociais necessários em torno do debate sobre a atual política de drogas”

Juliana Borges é pesquisadora sobre política criminal e relações raciais
Juliana Borges é coordenadora de articulação política da Iniciativa Negra por uma Nova Política de Drogas. (Foto: Divulgação)

Para Juliana, que é escritora, antropóloga e pesquisadora sobre política criminal e relações raciais na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas também “poderá ser sentido a partir de uma mudança no fluxo [quantidade] e procedimentos para a abordagem policial para população negra e periférica.”

Por exemplo, se algum jovem negro levar um enquadro e possuir uma pequena quantidade de maconha, isto não será motivo para ser detido ou até mesmo sofrer violências.

Política de Drogas

O STF (Supremo Tribunal Federal) retomou o julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas, um assunto que estava parado desde 2015. A Lei de Drogas, especificamente o artigo 28, retirou a pena de prisão para quem tivesse com drogas.

Quando abordado, a quantidade de droga definiria se a pessoa é usuária ou traficante. Porém o texto deixou uma questão aberta: qual a quantidade de drogas diferencia um usuário do traficante? 

Neste caso, segundo a articuladora política da Iniciativa Negra, quem bate o martelo é o juiz que avalia cada caso individualmente. A palavra do policial é significativa nesta questão. Sem critérios claros, a subjetividade do julgamento pode passar por vieses preconceituosos. Um deles é a criminalização da maconha e da população negra e periférica.         

Juliana aponta que a atual política de drogas causa danos físicos, emocionais e psicológicos. Uma demonstração deste impacto é o encarceramento em massa da população negra e abordagens policiais violentas.

“Nosso principal intuito é que os resultados obtidos sejam úteis para embasar políticas públicas que construam medidas frente às injustiças criminais que atingem cotidianamente a população negra e periférica brasileira”

Juliana Borges constrói diálogos com o governo federal para debater sobre a atual política de drogas

Historicamente a maconha, em variados tipos de consumo, integra à cultura negra. Cultura essa trazida com os negros escravizados. O consumo, segundo o livro “Fumo Negro”, foi criminalizado para fins de controle social no início do século 20.

Diante disso, por exemplo, negros são mais presos do que brancos. O Anuário de Segurança Pública afirma que 67% da população masculina presa é negra. A questão também afeta mulheres negras e pessoas da comunidade LGBTQIA+.

A criminalização na pele

“Estava saindo do trampo, bem vestido, não estava tão maloqueiro, estava suave. Parei para dar uns tragos [fumar maconha] num escadão ali no Vale do Anhangabaú. Quando estava guardando o baseado veio um policial à paisana, já achei bem estranho”, relata *Beto Silva, 28, morador do Itaim Paulista, distrito da zona leste de São Paulo.

É com este depoimento que ele relembra uma abordagem policial violenta que passou em 2015, no centro de São Paulo. Na época, ele trabalhava em um dos vários prédios comerciais de empresas de telemarketing da região.

A abordagem realizada por um policial à paisana foi um fato que chamou a atenção do operador de telemarketing. “Nessas eu acabei retrucando o policial. Como vou respeitar alguém à paisana? Daí já fui agredido e levado para delegacia. Os caras passaram por cima de qualquer procedimento ou protocolo”, conta.

“Ouvi dentro da viatura que eles precisavam levar eu e outros manos pra conseguir folga”

Beto Silva, orador do Itaim Paulista, distrito da zona leste de São Paulo

“Depois dessa fita passei a sentir muito ódio de farda, pode até ser guardinha do metrô. Acho que tive algum efeito psicológico a partir disso, às vezes vejo uma viatura e já fico meio pá [receoso]. Minha vestimenta, minha cor, e estando com maconha, já imagino um enquadro sendo hostilizado”, analisa Beto, apontando como o seu imaginário sobre abordagens policiais passou a ser tomado pelo medo e insegurança.

Mesmo diante desta experiência, a maconha para Beto tem uma relação espiritual e consegue livrá-lo da histeria social, na qual, ele acredita ser alvo constante. “Quando não fumo me sinto só mais um. Querendo brigar por coisas banais, vivendo no automático, tá ligado? Acredito que para a sociedade é algo ruim [fumar maconha], muitas pessoas aprendem no berço que isso é algo ruim, que é uma droga, mas pra mim é diferente”, explica.

Beto acredita que se pudesse fumar maconha sem ser criminalizado seria melhor, ele ficaria mais confortável em alguns ambientes urbanos. Porém a descriminalização mudaria pouca coisa. “Infelizmente a gente vive tão hostilizado, irmão, que fumando criminalizado ou não, a gente precisa sobreviver. Estamos sobrevivendo desde sempre.”

*Beto Silva é um nome ficticio utilizado pela nossa reportagem para preservar a fonte, que é morador da periferia e já sofreu violência policial próximo ao local de trabalho.

Eu amo escrever e por isso agradeço a vocês

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Percebi que após dois anos escrevendo para o Desenrola, nunca contei porque escrevo e gostaria de compartilhar a importância da escrita na minha história de vida.

Fazia um tempo que pensava em falar sobre saúde mental, porém, percebi que após dois anos escrevendo para o Desenrola nunca contei porque escrevo e gostaria de compartilhar a importância da escrita na minha história de vida.

Eu aprendi a escrever aos 4 anos, rabiscando as paredes e imaginando o que eram as letras e depois disso a escrita seria tudo o que eu teria para lidar com meus problemas. Como sofri muito bullying na escola, passei a escrever para descarregar o que sentia. Eu escrevia e rasgava, isso era constante e a cada dia minha escrita melhorava. A minha escrita nesse período de vida era terapêutica acima de tudo.

Aos 15 anos, passei a escrever mais ainda, fazia trabalhos dissertativos de 5 páginas e ao conhecer Carlos Drummond de Andrade descobri que também sabia escrever poema e poesia, assim decidi não parar de escrever e agora isso era também algo que eu fazia por amar, não somente para lidar com quem eu era. 

Uma professora minha da época, Maria Sandra, era quem lia parte dessas crônicas que passei a escrever. Minha missão até os 17 anos foi aprender a controlar minha escrita para que conseguisse fazer uma boa redação nos vestibulares.

Passei pelos vestibulares, já sabia um pouco sobre escrever muito e escrever pouco e continuei durante a faculdade, ampliei os assuntos que tratava nas minhas poesias, passei a gostar de escrever diários sobre a cidade. Influenciada pela antropologia, era como uma pesquisa constante de quem eram tantas pessoas em meio a uma cidade que se fazia pequena. Continuei com as crônicas e os textos de teor jornalístico.

Cheguei a esta coluna já influenciada pelas vivências que tive como assistente de pesquisa, mas sem perder meu foco que era uma escrita fluída, levada pela emoção. Assim, escrevi nesses dois anos, sobre coisas que vivi, coisas que ouvi e assuntos que tocam minha vida. Foram anos difíceis, mas a humanidade não parou seu curso, nas ruas eu ainda via correria, eu ainda via vida pulsar e por isso decidi fazer esse texto.

Pessoalmente, considero um compromisso com os leitores que me acompanham e me apoiam contar porque escrevo e porque a escrita é uma das coisas que mais gosto de fazer.

Ano passado quando me vi sem ideias de escrita me senti triste, não escrever para mim significa não ter mais o que contar e isso só ocorre quando deixamos o mundo sugar o que temos de mais precioso. Todos nós temos algo precioso que pulsa e que dá vida aos nossos dias e quando isso parece acabar, tudo parece acabar.

Esse texto é uma abertura para a PolitiKês em 2023, são as novas ideias, os novos rumos e as novas vidas que irão pulsar. É a minha forma de dividir o que amo com vocês e ao mesmo tempo deixar uma mensagem de que a vida não para, o tempo passa, às vezes nós mudamos, porém, ainda há o que se amar.

Escrever é conectar as linhas da liberdade, é minha pulsão, escrever é narrar minha vida, minha história, minha vivência, é deixar fluir em minhas mãos as linhas que vão se formando e nunca param de se construir.

Agnes Roldan

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